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Perspectivas de profissionais dos serviços de acolhimento institucional sobre o direito à convivência familiar e comunitária

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Academic year: 2021

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Programa de Pós Graduação em Psicologia

PERSPECTIVAS DE PROFISSIONAIS DOS SERVIÇOS DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL SOBRE O DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E

COMUNITÁRIA

Thamires Pinto Soares

Natal 2016

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Thamires Pinto Soares

PERSPECTIVAS DE PROFISSIONAIS DOS SERVIÇOS DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL SOBRE O DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E

COMUNITÁRIA

Dissertação elaborada sob orientação da Prof. Dra. Ilana Lemos de Paiva e apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Psicologia.

Natal 2016

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Soares, Thamires Pinto.

Perspectivas de profissionais dos serviços de acolhimento

institucional sobre o direito à convivência familiar e comunitária / Thamires Pinto Soares. - 2016.

136f.: il.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Natal, RN, 2018.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ilana Lemos de Paiva.

1. Acolhimento Institucional. 2. Crianças e Adolescentes. 3. Convivência Familiar e Comunitária. 4. Políticas Sociais. I. Paiva, Ilana Lemos de. II. Título.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

A dissertação “PERSPECTIVAS DE PROFISSIONAIS DOS SERVIÇOS DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL SOBRE O DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA”, elaborada por Thamires Pinto Soares, foi considerada aprovada por todos os membros da Banca Examinadora e aceita pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia, como requisito parcial à obtenção do título de MESTRE EM PSICOLOGIA.

Natal, RN, 28 de julho de 2016.

______________________________________________ Profa. Dra. Ilana Lemos de Paiva (Presidente)

________________________________________________ Prof. Dr. Marlos Bezerra Alves (Examinador Interno)

_________________________________________________ Profa. Dra. Normanda Araújo de Morais (Examinadora externa)

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Agradecimentos

Agradeço, em primeiro lugar, a minha orientadora Ilana Lemos de Paiva, por todas as contribuições dadas para a minha formação acadêmica e profissional ao longo desses anos que trabalhamos juntas. Desde a graduação, com as disciplinas, o OBIJUV, o GPME, os estágios, e agora com o mestrado, tive o prazer de aprender imensamente com você. Agradeço a paciência e a tranquilidade com que você conduziu esse tempo de mestrado.

Agradeço aos professores Herculano Campos e Ana Ludmila, meus leitores nos seminários de qualificação, que colaboraram imensamente para a construção e aprimoramento desse trabalho. E também aos convidados da banca, os professores Marlos Bezerra e Normanda Morais, por toda a disponibilidade e interesse em contribuir com esse momento tão importante.

Agradeço a todos os professores que estiveram comigo durante a graduação na UFRN, contribuindo para que eu tivesse uma formação crítica e de qualidade, e para que eu desenvolvesse interesse pela pesquisa acadêmica. Sem essa trajetória, não estaria preparada para o desafio do mestrado.

Agradeço ao Observatório da População Infanto-Juvenil em Contextos de Violência – OBIJUV, grupo pelo qual tenho muito carinho, e a todos que dele fazem parte, pelo aprendizado, pelo companheirismo, pelas trocas. As experiências que pude viver com esse grupo transformaram meus próprios valores, tornando-me uma pessoa mais justa, engajada, e comprometida politicamente. Vocês são uma parte de mim, que levarei para toda a vida.

Agradeço ao Grupo de Pesquisa Marxismo e Educação – GPME pelo apoio para a construção desse projeto e por todas as manhãs de discussões, que me ajudaram a amadurecer como pesquisadora.

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Agradeço ao Centro de Referência em Direitos Humanos – CRDH, instituição que me marcou bastante durante o estágio no último ano de graduação. À todos os estagiários e profissionais que estiveram comigo nessa luta cotidiana! Saudades sempre.

Agradeço a todos os colegas de mestrado, que estiveram compartilhando os momentos de pressão, nervosismo, ansiedade, mas também de satisfação e felicidade ao ver o trabalho realizado. Com vocês, o caminho percorrido foi muito mais reconfortante!

Agradeço aos amigos e a minha família, que me apoiaram nessa difícil empreitada que foi o mestrado, aceitando com paciência e compreensão minha ausência temporária para dedicação aos estudos.

Agradeço a Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social de Natal – SEMTAS por viabilizar a realização desse trabalho e aos profissionais que se disponibilizaram a participar da pesquisa.

Por fim, agradeço ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia e a UFRN pela oportunidade de cursar o mestrado, bem como à CAPES pela concessão da bolsa de estudos.

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SUMÁRIO

Lista de Siglas ... viii

Lista de Tabelas ... x

Tabela 01 – Quadro de Profissionais – Pg. 77 ... x

Resumo ... xi

Abstract ... xiii

Introdução ... 14

Parte I – Fundamentação Teórica ... 16

I.1. Histórico da Construção das Políticas Públicas de Atenção a Crianças e Adolescentes no Brasil ... 16

I.1.1. Período Colonial e Imperial (1500-1889) ... 17

I.1.2. Período Republicano (1889 – 1964) ... 24

I.1.3. Ditadura Civil-Militar (1964 – 1985) ... 29

I.1.4. Reabertura Democrática ... 32

I.2. Famílias e Políticas Sociais ... 45

I.2.1. Origem da família ... 45

I.2.2. A família brasileira ... 51

I.2.3. A família na legislação brasileira ... 54

I.2.4. Família e Políticas Sociais no Brasil ... 60

Parte II - Materiais e método ... 65

Parte III – Apresentação e discussão dos resultados ... 69

III.1. Características gerais das unidades de acolhimento ... 69

III.1.1. Modalidade de acolhimento ... 69

III.1.2. Espaço físico ... 73

(8)

III.1.4. Recursos humanos ... 77

III.2. Público atendido ... 85

III.2.1. Características das crianças e adolescentes atendidas ... 85

III.2.2. Características das famílias atendidas ... 88

III.3. Trabalho com as famílias ... 90

III.3.1. Etapas do trabalho com as famílias ... 90

III.3.2. Relação família-instituição: parcerias e conflitos ... 100

III.3.3. Participação das famílias no dia-a-dia dos serviços ... 102

III.4. Convivência comunitária ... 107

III.5. Articulação da rede ... 110

III.5.1. Principais instituições parceiras ... 110

III.5.2. Conselho Tutelar e Acolhimento Indevido ... 113

Referências ... 123

Apêndices ... 127

Apêndice I – Roteiro de Entrevista Semi-Estruturada para a Coordenação ... 127

Apêndice II – Roteiro de Entrevista Semi-Estruturada para a Equipe Técnica ... 130

Apêndice III – Roteiro de Observação ... 131

Apêndice IV – Carta de Anuência ... 132

Apêndice V – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ... 133

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Lista de Siglas

CAPS – Centro de Atenção Psicossocial CF – Constituição Federal

CRAS – Centro de Referência em Assistência Social

CREAS – Centro de Referência Especializado em Assistência Social CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social

CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

FEBEM – Fundações Estaduais para o Bem Estar do Menor FUNABEM – Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

LOAS – Lei Orgânica da Assistência social

MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome NOB – Norma Operacional Básica do SUAS

ONG – Organização Não Governamental ONU – Organização das Nações Unidas PIA – Plano Individualizado de Atendimento PNAS – Política Nacional de Assistência Social PNBEM – Política Nacional de Bem-Estar do Menor

PNCFC – Plano Nacional de Promoção, Defesa e Garantia do Direito a Convivência Familiar e Comunitária

PSE – Proteção Social Especial PSF – Programas Saúde da Família RN – Rio Grande do Norte

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SAI – Serviço de Acolhimento Institucional SAM – Serviço de Atendimento ao Menor

SEMTAS – Secretaria Municipal do Trabalho e da Assistência Social SGD – Sistema de Garantia de Direitos

SUAS – Sistema Único de Assistência Social SUS – Sistema Único de Saúde

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Lista de Tabelas

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Resumo

A partir da análise da trajetória histórica de construção das políticas sociais de atenção a crianças, adolescentes e famílias em situação de pobreza no Brasil, o presente trabalho visa discutir sobre as perspectivas de profissionais dos serviços de acolhimento institucional acerca do direito à convivência familiar e comunitária. Para tanto, foram investigadas as três unidades municipais de acolhimento de uma mesma cidade. Realizou-se entrevista semiestruturada com coordenadores e profissionais dos serviços, bem como observação participante. Os dados produzidos foram sistematizados e organizados nas seguintes categorias: (1) Características gerais das unidades, (2) Público atendido, (3) Trabalho com as famílias, (4) Convivência comunitária e (5) Articulação da rede. A análise de dados foi realizada à luz do materialismo histórico dialético. As unidades estudadas funcionam no modelo abrigo institucional, e as crianças e adolescentes acolhidos são distribuídos em função da faixa etária e dos grupos de irmãos. Já as famílias atendidas, caracterizam-se por vivenciar situação de pobreza, baixa escolaridade, uso de drogas, violência familiar, etc. Assim, o trabalho social visa a superação destas problemáticas, bem como o fortalecimento dos vínculos familiares, para possibilitar o retorno da criança à família. O contato entre acolhidos e a família de origem é mantido, bem como a convivência dos acolhidos com a comunidade. Por fim, a articulação com a rede de serviços mostra-se essencial para a resolução dos casos. Os resultados demonstram que, apesar de algumas dificuldades e limitações, os serviços estudados buscam condutas condizentes com o paradigma estabelecido no ECA e no PNCFC, visando à superação de práticas excludentes da convivência social e o respeito à legalidade. Entretanto, avanços ainda são necessários para a efetiva garantia do direito à convivência familiar e comunitária.

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Palavras-chave: acolhimento institucional; crianças e adolescentes; convivência familiar e comunitária; políticas sociais.

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Abstract

This paper aims to discuss the right of family and community life from a historical analyses of social care policies for children and teenagers who live in poverty, and the context of institutional care related to this group. Therefore, three different social care services from the same municipality have been investigated through semi-structured interviews with the professionals and participant observation. The sample collected was organized into the following categories: (1) General characteristics of the institutions, (2) Public attended, (3) Work with families, (4) Community Living and (5) Articulation with other institutions. The analysis was based on dialectical historical materialism. The units operate in the institutional shelter model, and children and adolescents received are distributed according to their age and groups of siblings. The families attended are characterized by experiencing poverty, low education, drug use, family violence, among other difficulties. Thus, the social work seeks to overcome these problems and to strengthening family ties, so the child can return to family living. The contact between kids and families is maintained, as well as the community living. Finally, the articulation with other institutions shown to be essential for the resolution of cases. The results show that, despite some difficulties perceived on the services studied, it is possible to conclude that they intend to soften the paradigm established by the Child and Adolescent Statute and the National Plan for Family and Community Living, in order to overcome the exclusionary practices of social coexistence. Improvements which can guarantee the right of family and community life are still needed.

Keywords: institutional care; children and adolescents; family and community living, social policies.

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Introdução

No Brasil, desde o Período Colonial até os dias atuais, constituiu-se um modo de atenção a crianças e adolescentes pobres que se baseou, prioritariamente, na separação destes sujeitos de suas famílias e de suas comunidades de origem, para que fossem cuidados e protegidos em instituições específicas para esse propósito. Surgiram, então, ao longo da história, serviços como a Casa de Recolhimento, a Roda dos Expostos, o Serviço de Assistência ao Menor (SAM), as Fundações Estaduais de Bem-Estar do Menor (FEBEMs), entre outros, com a finalidade de atender crianças e adolescentes pobres em situação de abandono ou de envolvimento com a criminalidade. Nessa perspectiva, as famílias eram culpabilizadas pela situação de pobreza que vivenciavam, sendo consideradas incapazes de cuidar, proteger e educar seus filhos. Recebiam, portanto, pouco ou nenhum auxílio do Estado para superação das dificuldades vivenciadas.

A partir da Constituição Federal de 1988, do Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, e do Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária de 2006, há uma mudança importante de paradigma: crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, prioridade absoluta, e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento. Assim, a convivência com a família e a comunidade passa ser valorizada, incentivada, e garantida por lei, pois possibilita o desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes.

Os serviços de acolhimento para crianças e adolescentes devem passar, portanto, por um processo de reordenamento, adequando seu funcionamento às novas diretrizes legais. Porém, a simples mudança na legislação não garante mudanças na prática cotidiana dos serviços, sendo necessário tempo para que a adequação aconteça. Apesar da importância do tema, poucos estudos têm se dedicado a problematizá-lo e a descrever as possibilidades e

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impasses para a efetivação da convivência familiar e comunitária. Sendo assim, o objetivo do presente trabalho de pesquisa é discutir sobre as perspectivas de profissionais dos serviços de acolhimento institucional acerca do direito à convivência familiar e comunitária. Dentre os objetivos específicos, tem-se: (a) analisar o trabalho social realizado junto às famílias; (b) compreender a relação estabelecida entre serviço de acolhimento, famílias e comunidade; (c) descrever a rotina de funcionamento dos serviços; e (d) refletir sobre os limites e possibilidades de promoção do direito à convivência familiar e comunitária no âmbito dos serviços de acolhimento.

O trabalho está dividido em três partes. Na primeira, a Fundamentação Teórica, são apresentados dois capítulos, um sobre a história da construção das políticas sociais de atendimento a crianças e adolescentes no Brasil, e outro sobre famílias e políticas sociais. Na sequência, a segunda parte do trabalho aborda os Matérias e Métodos utilizados para a realização da pesquisa. Por fim, são apresentados os Resultados e Discussão alcançados, e conclui-se acerca dos avanços alcançados e dos desafios que ainda estão postos.

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Parte I – Fundamentação Teórica

I.1. Histórico da Construção das Políticas Públicas de Atenção a Crianças e

Adolescentes no Brasil

No Brasil, desde o período colonial até os dias atuais foram construídas diferentes concepções e formas de lidar com as crianças e os adolescentes, sobretudo aqueles inseridos num contexto de risco e vulnerabilidade social. Assim, em cada momento histórico foram desenvolvidos conceitos, estratégias e mecanismos para tratar desse público, situados historicamente e que refletem as concepções hegemônicas das épocas acerca das necessidades de crianças, adolescentes e famílias em situação de pobreza.

Apesar das especificidades de cada momento histórico, de maneira geral, é possível afirmar que sempre prevaleceu um discurso discriminatório e de culpabilização das famílias pobres, que são vistas como incapazes de cuidar, proteger e educar seus filhos. Destas crianças e adolescentes, espera-se que se envolvam com a mendicância e com a criminalidade, de modo que passam a representar um risco para a sociedade.

Em consonância com essa visão, faz-se necessária a intervenção do Estado sobre a vida de famílias e crianças em situação de pobreza. Assim, as políticas públicas voltadas para esse grupo basearam-se, por muito tempo, na separação das crianças de suas famílias e de suas comunidades de origem, para que crescessem em instituições voltadas, ao mesmo tempo, para o cuidado, para o controle, e para a repressão dessa população.

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I.1.1. Período Colonial e Imperial (1500-1889)

Na História do Brasil, o Período Colonial tem início no ano de 1500 – com a chegada das primeiras navegações portuguesas ao território, que hoje corresponde ao Brasil – e término em 1822, com a Proclamação da Independência. Este período histórico é marcado pela necessidade de conquista e de povoamento do novo território, tendo em vista a exploração de suas potencialidades econômicas. Para tanto, os colonizadores utilizaram inicialmente o trabalho dos indígenas, e mais tarde, a escravidão dos povos africanos, atividade que se consolidou como fonte principal de mão-de-obra para o desenvolvimento da agricultura agroexportadora da época.

Desde a chegada dos membros da Companhia de Jesus ao Brasil, havia uma preocupação destes em converter os índios à religião católica. Logo de início, percebeu-se a dificuldade em evangelizar os adultos, os quais eram resistentes aos ensinamentos jesuítas, por possuírem crenças, valores e costumes bem arraigados, próprios de sua cultura. Em função disso, aos poucos, a educação de crianças e jovens indígenas foi a estratégia encontrada pelos religiosos para desenvolver seu projeto, já que era mais fácil transmitir a esse grupo a doutrina desejada (Baptista, 2006; Chambouleyron, 2006).

A conversão de crianças e jovens era vista também como um meio de, posteriormente, converter os adultos e transformar toda a cultura indígena, pois os mais novos passavam a transmitir os ensinamentos que recebiam aos familiares e aos membros da comunidade, mantendo também uma postura de vigilância e de crítica a comportamentos considerados inadequados dentro da cultura cristã (por exemplo, a antropofagia, a nudez e a poligamia). Sendo assim, as crianças iriam constituir uma “nova cristandade”, pois com o passar do tempo, substituiriam a geração de seus pais e transmitiriam valores cristãos a seus filhos, gerando uma transformação radical no modo de vida indígena (Chambouleyron, 2006).

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É possível analisar, então, que o projeto jesuíta era ambicioso e consistia em desqualificar e desconstruir a cultura indígena através da imposição de valores e crenças próprios do catolicismo e do modo de pensar europeu aos povos dominados. Nesse sentido, não havia preocupação real com as crianças: estas eram apenas o meio mais estratégico que os jesuítas encontraram para alcançar seus objetivos.

A educação recebida pelas crianças e jovens incluía, além da aprendizagem da doutrina cristã, habilidades de leitura, de escrita e de contagem. Porém, a instrução foi sempre tida como um meio para a evangelização, e não como objetivo principal do processo educativo. Nesse contexto, a aprendizagem do canto e de instrumentos musicais também era usada como forma de aprender a doutrina e os bons costumes, do mesmo modo que a submissão das crianças a castigos físicos era normal e tida como necessária à educação (Chambouleyron, 2006).

Sobre isso, Del Priore (2006) coloca que o castigo em crianças não era uma novidade no cotidiano colonial, haja vista que desde a chegada dos padres jesuítas, no século XVI, esta prática de “correção” vinha sendo empregada e introduzida como forma de amor na educação das crianças, causando horror aos nativos que não tinham conhecimento até então sobre o ato de bater em crianças.

É importante também compreender que os jesuítas se preocupavam não só com a aprendizagem da doutrina, mas com a preservação desta aprendizagem ao longo de toda a vida, pois era frequente que as crianças, ao chegarem à puberdade, questionassem e abandonassem os valores cristãos e os bons costumes ensinados, fato que prejudicava fortemente o projeto jesuíta.

A aprendizagem da doutrina por parte das crianças e jovens poderia se dar através da presença dos padres nas aldeias e da participação das crianças e jovens nas escolas jesuítas,

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existindo um esforço para que as crianças indígenas fossem mantidas separadas das “más-influências” dos pais e da comunidade (Chambouleyron, 2006; E. T. S. Faleiros, 2011).

Já no período de intenso tráfico negreiro, a realidade das crianças escravas estava longe de ser uma preocupação para os governantes, pois, para o sistema econômico da época, era mais lucrativo adquirir um escravo adulto, pronto para o trabalho, do que investir na criação das crianças negras, que demorariam anos para começar a dar lucros aos proprietários (E. T. S. Faleiros, 2011). A mesma autora aponta, então, alguns fatores que justificam o baixo crescimento populacional dos escravos, ou até mesmo o crescimento nulo ou negativo dessa população: (1) o número de mulheres escravas era inferior ao número de homens; (2) alta ocorrência de abortos, em função de maus-tratos durante a gestação; (3) alta mortalidade infantil, decorrente das péssimas condições de sobrevivência; (4) prática de infanticídios por parte das escravas, como meio de livrar as crianças da situação de escravidão; (5) separação das mães escravas de suas crianças, para que servissem como amas-de-leite.

As crianças escravas estavam sujeitas a humilhações, maus-tratos, exploração sexual, dentre outros tipos de violência. Eram vistas como “brinquedos” por parte dos senhores, sendo usadas para entreter os convidados e alegrar a vida familiar. Apesar dessa realidade, a comunidade de escravos funcionava como uma “família ampliada”, oferecendo proteção, referências culturais e vínculos afetivos às crianças, sendo baixo o número de crianças escravas abandonadas. Essas crianças estavam, portanto, excluídas de qualquer tipo de proteção por parte do Estado ou da sociedade, e eram vistas apenas como propriedade individual, como mão-de-obra para o capital. A primeira legislação voltada para a proteção da relação mãe-filho e da família escrava foi a Lei do Ventre Livre, de 1871, que considerava livre todos os filhos de mulheres escravizadas nascidos a partir da data da lei (E. T. S. Faleiros, 2011).

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Durante o século XVII, cresce o número de crianças abandonadas na colônia, problemática que começa a preocupar as autoridades. Apesar das cobranças para que o rei tome alguma providência, o descaso em relação às crianças é oficial e a responsabilidade é transferida para a Santa Casa da Misericórdia, também chamada Casa de Recolhimento (E. T. S. Faleiros, 2011).

A Irmandade Nossa Senhora, Mãe de Deus, Virgem Maria da Misericórdia, conhecida como Santa Casa de Misericórdia, foi fundada em Lisboa, em 1498, num contexto em que a assistência à pobreza urbana na Europa era realizada por Irmandades de Caridade de leigos. Este modelo de assistência foi reproduzido também nas colônias da África e do Oriente, e no Brasil, já há registro concreto da existência da primeira Casa de Misericórdia em Santos, no ano de 1543, tendo sido fundada por Brás Cubas (E. T. S. Faleiros, 2011). Durante os séculos XVI e XVII, a assistência às crianças abandonadas foi realizada predominantemente pelas Santas Casas, e o atendimento consistia na colocação das crianças em lares particulares, para que fossem cuidadas e amamentadas por amas-de-leite até os três anos, mediante pagamento, o que se configurava como uma espécie de “colocação familiar remunerada” (E. T. S. Faleiros, 2011).

As Santas Casas de Misericórdia mantinham uma relação estreita com a realeza e com a Igreja Católica, o que resultava em alguns privilégios, como o monopólio da assistência e da coleta de esmolas. Porém, ao mesmo tempo em que existia essa parceria, a relação entre as Santas Casas e a Corte era também conflituosa, pois, oficialmente, a responsabilidade pelo atendimento às crianças abandonadas era das Câmaras Municipais, que acabavam por não cumprir esse papel. A falta de compromisso do governo português com as crianças abandonadas, principalmente no que se refere à cooperação financeira, resultava na transferência de responsabilidade às Santas Casas e em conflitos (E. T. S. Faleiros, 2011).

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No início do século XVIII, os conflitos entre a Irmandade e o governo se intensificam, o que ocasionou redução no número de crianças assistidas e consequente agravo da situação das crianças abandonadas. Tal problemática envolvia aspectos morais, religiosos, humanitários, políticos e econômicos, e por isso preocupou autoridades, religiosos e homens públicos, que passaram a cobrar uma posição do governo. Como resultado deste cenário, tem-se a criação das Rodas dos Expostos (E. T. S. Faleiros, 2011):

A Roda dos Expostos se constituía em todo um sistema legal e assistencial dos expostos até sua maioridade. Em realidade, a ‘Roda’ era o dispositivo cilíndrico no qual eram enjeitadas as crianças e que rodava do exterior para o interior da casa de recolhimento. A denominação de Roda para o atendimento que era oferecido aos nela enjeitados presta-se à confusão e ao entendimento de que a assistência a estes resumia-se ao recolhimento imediato à exposição e deixa obscuras todas as etapas e modalidades de assistência que os mesmos recebiam até sua maioridade. (p. 203)

A primeira Roda dos Expostos foi criada em 1726, na Bahia; em 1738 foi criada a segunda Roda, no Rio de Janeiro; e em 1789 foi criada a de Recife (E. T. S. Faleiros, 2011). As crianças permaneciam por um tempo nas Casas de Recolhimento e, depois, eram entregues a famílias, que iriam se responsabilizar pelo cuidado delas até que completassem sete anos. Depois disso, o futuro dos considerados enjeitados dependia da vontade das famílias, que costumavam encaminhar os meninos para a aprendizagem de algum ofício, e as meninas se envolviam em atividades domésticas em troca do sustento, ou eram encaminhadas para as Casas de Recolhimento, onde aprendiam habilidades para o casamento (E. T. S. Faleiros, 2011).

A Roda dos Expostos servia à intenção da sociedade de acobertar as crianças abandonadas, que muitas vezes eram provenientes de relações consideradas imorais e ilegítimas entre brancos e indígenas, ou entre brancos e escravos negros. Portanto, a

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institucionalização desses sujeitos servia ao interesse das classes dominantes em esconder a situação de miscigenação, ao mesmo tempo em que, pela caridade para com as Casas de Misericórdia, acreditavam ser possível receber a salvação divina (Alves, 2001; V. P. Faleiros, 2004).

Contudo, havia uma contradição no sistema Roda: seu intuito era proteger as crianças abandonadas, inclusive ao que tange à diminuição da mortalidade, porém, na prática, havia um quadro de alta mortalidade dos expostos recolhidos. Tal fato leva ao questionamento da qualidade da assistência prestada e do sistema Roda como política de assistência. A alta mortalidade das crianças que estavam no sistema se relacionava às condições de moradia, de saúde e de habitação precárias e à omissão da Coroa Portuguesa e das Câmeras Municipais, que não assumiram responsabilidades em relação aos recursos financeiros, mesmo após a implantação do sistema Roda dos Expostos nas Santas Casas (E. T. S. Faleiros, 2011). Ou seja, por mais que os governantes tenham planejado medidas de assistência para as crianças abandonadas, a execução destas medidas não foi realizada com esmero, e a situação desse público se manteve como secundária aos olhos dos governantes, deixando mais uma vez as crianças marginalizadas e em situação de vulnerabilidade social.

Analisando o período colonial, E. T. S. Faleiros (2011) comenta:

Em síntese, no Brasil Colônia, apesar da necessidade de povoamento, não se percebe uma política populacional. Foi um período de desvalorização da criança, inclusive de sua existência e vida. As crianças e adolescentes escravos eram considerados mercadoria (cara) e sua mão-de-obra explorada. Os expostos, recolhidos e assistidos pelo sistema Roda ao final de suas diferentes etapas, eram conduzidos (os poucos sobreviventes) ao trabalho precoce e explorado, pelo qual ressarciam seus ‘criadores’, ou o Estado, dos gastos feitos com sua criação (p. 220).

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Portanto, no período colonial, as questões relativas à infância não se constituíram como problemática importante aos olhos do governo. Crianças abandonadas ocupavam lugar de invisibilidade, e a assistência prestada a elas era precária e ineficaz na garantia de proteção e de sobrevivência. O cuidado a essas crianças assumiu apenas um caráter de caridade religiosa, e não de uma política de assistência propriamente dita.

Chegando ao Período Imperial, que está compreendido entre os anos de 1822 – quando ocorre a Independência do Brasil –, e 1889, com a Proclamação da República, observa-se uma ampliação e diversificação de instituições voltadas para as crianças indesejadas. Sobre isso, E. T. S. Faleiros (2011) aponta no Brasil, em 1987, existiam oito Rodas dos Expostos, trinta asilos de órfãos, sete escolas industriais e de artífices e quatro escolas agrícolas, localizadas principalmente no Rio de Janeiro e na Bahia.

De fato, a proclamação da Independência desencadeou um novo arranjo político e econômico voltado para que a sociedade enfrentasse as questões da pobreza e da criança carente, pois havia a ideia de que o aumento populacional registrado nesse período aumentava a pobreza e favorecia um maior número de crianças abandonadas. Assim, a sociedade foi pressionada para enfrentar as questões da pobreza e da criança carente, o que gerou iniciativas públicas e privadas com a finalidade de tratar esse assunto, substituindo gradativamente a atenção individual pela asilar, marcando a época por forte institucionalização (Baptista, 2006).

Em 1828, houve uma reformulação das obrigações das Câmaras Municipais a partir da Lei dos Municípios, o que estipulava que os locais onde houvesse Santas Casas, as Câmaras poderiam lhes transferir o dever de amparar os infantes abandonados, cabendo as Assembleias Provinciais darem apoio às Santas Casas para efetivar o cumprimento dessa função. Durante decorrer do século XIX, as Casas de Misericórdia foram perdendo autonomia, passando ao Estado a responsabilidade de prestação desse serviço, já que os recursos financeiros eram

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providos a partir dos fundos estatais, estruturando as primeiras propostas de políticas públicas voltadas para a criança abandonada (Baptista, 2006).

Dessa forma, é possível perceber que a pobreza e a situação dos jovens abandonados passam a ser vistas realmente como um problema social, em que os governantes atuam com maior ênfase, pensando na elaboração de estratégias para lidar com essa demanda, que precisava ser contida para que não afetasse o desenvolvimento econômico e a sociedade. O enfoque foi direcionado à institucionalização das crianças, e apesar do crescimento no número de estabelecimentos – como citado acima – a qualidade dos serviços prestados manteve a mesma linha, com condições precárias de vida.

I.1.2. Período Republicano (1889 – 1964)

Na sequência, após o Período Imperial, momento de maior intervenção estatal na área da infância através do aumento no número de instituições voltadas ao atendimento desse público, tem-se o início do Período Republicano, com a chamada República Velha (1889 – 1930), que se caracteriza pelo aceleramento da industrialização e da urbanização do país, apesar da agricultura ainda se constituir como principal atividade econômica, especialmente no que se refere à força do capital cafeeiro agroexportador. Na visão liberal da época, tem-se a não-intervenção do Estado nas causas sociais. Nesse sentido, a burguesia industrial se opõe à legislação social, pois foca no desenvolvimento econômico e na exploração da mão-de-obra, dando pouco espaço para o fortalecimento das lutas de classe.

A crescente desigualdade social leva crianças pobres à mendicância e ao trabalho precoce. Articula-se, então, uma política assistencialista para atender ao abandono material,

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objetivada em instituições como a Santa Casa, a Maternidade, o Instituto de Proteção e Assistência a Infância, a Casa dos Expostos. O outro lado dessa atenção dada à infância tem caráter repressivo: cabe à polícia reprimir e encaminhar os “desocupados”, que perambulam pelas ruas, para o juiz de órfãos, e ganham força as Escolas de Reforma e a Casa de Preservação, para onde são encaminhadas (V. P. Faleiros, 2011).

A crítica a Roda dos Expostos, em função não só dos altos índices de mortalidade das crianças acolhidas, mas também das condições de atendimento precárias às quais estavam submetidas, resultou num enfraquecimento e perda da autonomia desta instituição. Há forte crítica também à ausência e à omissão do Estado em relação à legislação voltada à infância (V. P. Faleiros, 2011). Ou seja, com o decorrer das décadas e das conjunturas que perpassavam a história do Brasil, medidas estatais e sociais para lidar com as crianças abandonadas se desencadeavam, mas eram voltadas para mascarar o problema da forma menos onerosa possível ao Estado. Não eram planejadas melhorias para os abrigos, nem formas de diminuir o quantitativo de crianças carentes, ou de promover melhores condições de vida e desenvolvimento para elas, pois o enfoque estava na exclusão e marginalização dessas crianças.

Neste período, os higienistas e os juristas foram os atores sociais envolvidos no desenvolvimento de políticas para a infância pobre e considerada delinquente. Foram esses dois grupos que articularam estratégias para o controle da raça e da ordem, combinando a interação do setor estatal (financiamento) e do setor privado (execução dos serviços). Os juristas legislavam sobre a infância, adotando postura repressiva e correcional, enquanto os higienistas se preocupavam com questões de saúde e controle da raça. Nesse sentido, os higienistas foram responsáveis pela criação da “Seção de Higiene Infantil do Departamento Nacional de Saúde Pública”, e os juristas, por sua vez, pela criação do “Juizado de Menores”. As ações desenvolvidas basearam-se na visão de que o futuro da sociedade dependia da

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criança e, por isso, era importante estar atento a questões de saúde e educação para esse público (V. P. Faleiros, 2011).

Em 1903, foi criada a Escola Correcional 15 de Novembro, que manteve uma postura educativa e de encaminhamento e integração da criança abandonada ao trabalho. Os asilos e orfanatos da época tinham a mesma visão, dando ênfase aos trabalhos domésticos e aos ofícios menores. Já em 1908, foi criado o Patronato de Menores, instituição de caráter filantrópico fundada por juristas, advogados e desembargadores e que recebeu crianças em abandono, sofrendo também influência de religiosos (V. P. Faleiros, 2011).

O uso da mão-de-obra infantil na indústria foi uma realidade comum nesse período, pois as famílias precisavam dos salários das crianças e adolescentes para complementar a renda. Não houve redução da jornada de trabalho das crianças e os salários eram mais baixos que os dos adultos, e a burguesia se opôs fortemente ao estabelecimento de qualquer legislação que limitasse a exploração das crianças e adolescentes (V. P. Faleiros, 2011).

Em 1921, tem-se uma lei orçamentária federal (Lei n.4.242) que combina estratégias de assistência e repressão, e autoriza o governo a organizar um serviço de proteção e assistência ao “menor abandonado e delinquente”, além de determinar a construção de estabelecimentos para o recolhimento provisório de meninos e meninas que fossem encontrados abandonados ou que tivessem cometido algum “crime”. Ainda por determinação dessa lei, houve a nomeação de juiz de direito privativo de menores e funcionários necessários para sua assessoria; e providências para a transferência daqueles que estivessem cumprindo sentença para a Casa de Reforma – após sua instalação (Baptista, 2006; V. P. Faleiros, 2011).

Além disso, merecem destaque dois decretos dos anos seguintes, o Decreto n. 16.272 de 20/12/23 que regulamenta a assistência e a proteção aos menores, e o Decreto Legislativo n.5.083 de 1926 que autoriza o governo a decretar o Código de Menores, que é promulgado em forma de decreto em 12/10/1927 (Basptista, 2006; V. P. Faleiros, 2011).

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O Código de Menores de 1927 é um marco legislativo importante por ser a primeira legislação brasileira voltada especificamente para os “menores”, e vai incorporar as ideias dos higienistas e dos juristas da época no que se refere ao controle da saúde das crianças e à visão jurídico-repressiva e moralista. Portanto, tem-se dois encaminhamentos: o abrigo e a disciplina, a assistência e a repressão. Além disso, o Estado assume novas obrigações em cuidar da infância pobre e começa a emergir a estratégia dos direitos da criança (V. P. Faleiros, 2011). O Código de Menores semeou uma doutrina excludente no país, tutelando de forma discriminatória crianças e adolescentes à margem da sociedade, ou seja, ele não legisla sobre a vida de todas as crianças e adolescentes brasileiros, pois estava voltado apenas para a categoria “menor”, que faz referência a um grupo específico: crianças e adolescentes pobres, consideradas delinquentes, em situação de abandono, vistas como perigosas para a sociedade (Alves, 2001; V. P. Faleiros, 2004).

Efetivamente, o referido Código ainda gera influências nos dias atuais, tanto pela nomenclatura “menor” ainda ser utilizada para designar crianças e adolescentes de modo pejorativo, quanto para designar sobre as práticas punitivas, repressivas e excludentes, ditas “menoristas”. Vale salientar também que, apesar desse Código ser da década de 1920, e de lá para cá já terem sido consolidadas muitas transformações e avanços em relação à concepção e ao tratamento de crianças e adolescentes, é uma cultura que ainda necessita ser difundida e aprimorada no cenário atual, pois a visão discriminatória ainda não foi superada por completo pela sociedade brasileira.

Durante a Era Vargas (1930 – 1945), tem-se a criação de algumas entidades importantes, que vão atuar sobre a questão do menor: Conselho Nacional de Serviço Social (1938), Departamento Nacional da Criança (DNCr, 1940), Serviço Nacional de Assistência a Menores (SAM, 1941) e Legião Brasileira de Assistência (LBA, 1942).

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Orientar e fiscalizar educandários particulares, investigar os menores para fins de internação e ajustamento social, proceder ao exame médico-psicopedagógico, abrigar e distribuir os menores pelos estabelecimentos, promover a colocação de menores, incentivar a iniciativa particular de assistência a menores e estudar as causas do abandono (p.54).

É possível analisar que o SAM está mais vinculado à questão da manutenção da ordem social, ao lado do Juizado de Menores e das Delegacias de Menores, do que da questão da assistência social, que é de responsabilidade do Conselho de Serviço Social e da Legião Brasileira de Assistência. Já o DNCr relaciona-se à questão higienista e de preservação da raça, estando responsável por questões de saúde, como amamentação, nutrição, proliferação de doenças, etc.

Assim, a política do menor estabelecida no governo Vargas articula repressão, assistência e defesa da raça, elementos que já estavam presentes em abordagens anteriores, mas agora parecem mais fortalecidas, mantendo ainda uma forte articulação entre o público e o privado no que diz respeito ao financiamento e à execução da política (V. P. Faleiros, 2011). A era democrático-populista inicia-se em 1946, com a queda de Getúlio Vargas, e termina em 1964 com o golpe militar. Este período se caracteriza pelo predomínio da democracia, pelo crescimento da indústria e da economia, pelo fortalecimento dos direitos trabalhistas e da Previdência Social. Na prática política, combinam-se ações de caráter higienista e assistencialistas, com outras de caráter mais participativo e comunitário, como, por exemplo, o “método de Desenvolvimento e Organização da Comunidade”, que incentiva a criação de Centros de Recreação, Conselhos, Clubes de Mães, etc. (V. P. Faleiros, 2011).

No entanto, continua-se a estratégia de controle da ordem social, que se materializa na prática da internação institucional dos chamados menores. Porém, os estabelecimentos do

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SAM começam a ser alvo de denúncias em função do desvio de verba pública, falta de estrutura e de higiene, alimentação inadequada, superlotação, precariedade nas atividades educativas, trabalho de crianças e adolescentes nas instituições, e outros fatores, que culminam na ineficácia geral do sistema. As críticas ao SAM partem de atores governamentais, da sociedade civil, da igreja, da mídia, e prevalece o discurso de que essas instituições contribuem para a formação de criminosos e não para a readaptação dos “menores” (V. P. Faleiros, 2011).

Faz-se necessária, então, a criação de um novo órgão responsável pela questão dos “menores”. Assim, propõe-se a extinção do SAM e a criação de uma fundação, que vai acontecer apenas após o golpe de 1964. Cria-se, então, a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), através da Lei n. 4.514, de 01/11/1964.

I.1.3. Ditadura Civil-Militar (1964 – 1985)

O período da ditatura civil-militar inicia-se em 1964, com o golpe, e vai até 1985, quando acontece a eleição indireta de um presidente civil, sendo superado definitivamente apenas em 1988, com a promulgação da Constituição Cidadã. É uma época marcada pela repressão, manutenção da ordem, desmantelamento dos sindicatos e partidos políticos, perseguição e prisão dos opositores, tortura e desaparecimento de presos políticos. É também caracterizado pelo crescimento econômico, através da injeção de capital estrangeiro, do desenvolvimento da indústria automobilística, e do chamado “milagre econômico”1 (V. P.

Faleiros, 2011).

1Esse é um ponto controverso, pois o crescimento econômico ocorreu apenas para um setor muito específico da

indústria de base. De forma geral, o que se viu foi recessão, inflação, desemprego, enquanto o “milagre econômico” não passou de promessa.

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Nesse contexto, a FUNABEM, que inicialmente traz uma proposta considerada inovadora para a época, de crítica ao modelo de internação e reformatório, de prioridade de atendimento nos lares de origem, em famílias substitutas, ou em instituições com características de vida familiar, e de incentivo a programas com foco na inserção do chamado menor na comunidade, acaba abandonando esses princípios e assumindo características do autoritarismo que marca a ditadura civil-militar. Assim, a FUNABEM reproduziu a ideologia política em vigor, servindo como mecanismo de higienização da sociedade brasileira (Alves, 2001; Viegas, 2007; V. P. Faleiros, 2011). No caso, essa fundação visava a elaboração e efetivação de uma política nacional voltada para a demanda das crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, que passou a ser vista como uma questão de segurança nacional subordinada a uma série de medidas legislativas, administrativas e políticas. Procurava-se a reestruturação das instituições existentes, tendo como foco a elaboração de um ambiente que refletisse minimamente a vida familiar (Baptista, 2006).

A FUNABEM ramifica-se nos Estados através das Fundações Estaduais de Bem-Estar do Menor – FEBEMs e reforça a prática da internação como medida mais adequada para "proteger" a sociedade da convivência incômoda com crianças e adolescentes marginalizados. Os internatos de menores são criados e mantidos com recursos públicos, consistindo em instituições provisórias ou permanentes que atendiam, simultaneamente e sem distinção, os chamados órfãos, abandonados, “delinquentes”, e infratores. Destaca-se que, nesse modelo, as crianças eram internadas mesmo quando possuíam família, existindo, inclusive, incentivo para que os pais entregassem seus filhos em internatos (Alves, 2001; Princeswal, 2013; V. P. Faleiros, 2011). Sobre isso, Venâncio (1999) discute que o único modo das famílias pobres conseguirem algum tipo de apoio do Estado para criar seus filhos, nessa época, é abandonando-os nos internatos, já que não existiam outras políticas públicas de apoio disponíveis, que possibilitassem a manutenção das crianças e adolescentes em suas famílias.

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Existia dificuldade em reinserir socialmente as crianças e adolescentes que viviam nos internatos, pois estas passavam muito tempo sem contato com o mundo exterior, frequentemente sem receber visitas das famílias, e vivendo imersas na dinâmica institucional. Isto porque os internatos ofereciam todos os serviços necessários aos “menores”: consultórios médicos, capelas, refeitórios, apoio pedagógico, etc., prática que não favorecia o convívio social. E porque mantinham uma prática de atendimento disciplinar e padronizado para todos os internatos, com rotinas fixas, sem respeito à subjetividade e individualidade de cada um. Os internatos buscavam reduzir o contato das crianças com as famílias e a comunidade de origem em função da crença de que elas seriam más influências e incentivariam maus hábitos (Princeswal, 2013).

A estratégia repressiva-assistencialista do governo militar se expressa na reformulação do Código de Menores de 1927. O novo Código de Menores é promulgado em 1979, mantendo a Doutrina da Situação Irregular. De acordo com a nova legislação, estão em “situação irregular”:

Os menores em privação de condições essenciais à subsistência, saúde e instrução, por omissão, ação ou irresponsabilidade dos pais ou responsáveis; por ser vítima de maus-tratos; por perigo moral, em razão de exploração ou encontrar-se em atividades contrárias aos bons costumes, por privação de representação legal, por desvio de conduta ou autoria de infração penal (p. 70).

A partir do final da década de 1970, e início da década de 1980, o descontentamento da sociedade com o regime civil-militar proporcionou o surgimento de movimentos sociais organizados que reivindicavam novos parâmetros de atuação do Estado. Nesse sentido, a reabertura política possibilitou uma grande mobilização em favor dos direitos da criança, na mídia, nas artes e em fóruns de discussão. Tem início então a passagem de um paradigma

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corretivo para um paradigma educativo, de direitos para todas as crianças e adolescentes (Alves, 2001; Viegas, 2007).

I.1.4. Reabertura Democrática

Após o longo regime ditatorial vivenciado no Brasil, a Constituição Cidadã de 1988 foi a base para a construção de uma sociedade democrática, fundamentada na garantia dos direitos individuais e coletivos. A partir dela, crianças e adolescentes brasileiros passaram a ser concebidos como “sujeitos de direitos” e como “prioridade absoluta”, devendo a responsabilidade sobre eles ser compartilhada entre a família, a sociedade e o Estado:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (Brasil, 1988)

No âmbito internacional, tem-se a Convenção sobre os Direitos das Crianças (Organização das Nações Unidas [ONU], 1989), que é ratificada pelo Brasil em 1990, constituindo-se como marco importante nos esforços para a construção dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes. Na Convenção, os direitos da criança conviver com sua família, ter assistência especial do Estado quando necessário (por exemplo, situação de maus-tratos ou violência), e ter seus valores, crenças e etnia respeitados são enfatizados. Assim, é possível analisar que o contexto de discussão nacional e internacional favorece a consolidação dos direitos das crianças e dos adolescentes no Brasil.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei nº 8.069, de 1990), que está em consonância com a Constituição Federal de 1988 e com a Convenção sobre os Direitos da

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Criança e do Adolescente de 1989, destina-se a todas as crianças e adolescentes brasileiros, que são os sujeitos na faixa etária de 0 a 18 anos. É importante perceber que a nova legislação supera os Códigos de 1927 e de 1979, que eram baseados na “doutrina da situação irregular” e dirigidos apenas aos “menores”. Portanto, com as mudanças, os direitos são universalizados e é lançando um novo paradigma jurídico, político e administrativo. O ECA caracteriza também crianças e adolescentes como “pessoas em condição peculiar de desenvolvimento”, que por isso carecem de cuidado, atenção e proteção especiais.

De acordo com esse novo paradigma, a pobreza deixa de ser motivo para perda ou suspensão do poder familiar (art.23), como acontecia na época do Código de Menores: agora, o Estado tem o papel de inserir as famílias que se encontram em situação de risco e vulnerabilidade social em programas oficiais de auxílio, para que possam ser fortalecidas e, assim, consigam cumprir seu papel perante as necessidades de crianças e adolescentes.

Na nova legislação, o acolhimento de crianças e adolescentes é uma medida protetiva, de caráter excepcional e provisório. Isto significa que a medida: (1) tem por objetivo proteger a criança ou adolescente de violação de direitos, causada por situação de violência, negligência, exploração, etc., (2) é aplicável quando a família está temporariamente impossibilitada de garantir os direitos de suas crianças e adolescentes, sendo necessária intervenção do Estado; (3) não assume caráter de punição à criança e adolescente, ou a sua família, mas sim caráter de proteção em um momento de fragilidade; (4) deve ser aplicada apenas como última alternativa, quando esgotadas todas as possibilidades da criança ou adolescente permanecer com segurança em sua família de origem ou extensa; e (5) deve se manter pelo menor período de tempo possível, privilegiando o retorno da criança à convivência familiar – seja na família de origem ou extensa, quando a situação de violação é superada, ou em família substituta, conforme necessidade.

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Além disso, na Constituição Federal de 1988, é estabelecido o tripé da Seguridade Social, que é composto pelo direito à Saúde, à Assistência Social, e à Previdência Social. Focando a discussão na consolidação da Assistência Social no Brasil, tem-se dois marcos regulatórios importantes: a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS, 1993) e a Política Nacional de Assistência Social (PNAS, 2004)2.

A LOAS trata da organização, da gestão, da oferta de serviços e benefícios, e do financiamento da assistência social. Regulamenta os artigos 203 e 204 da Constituição Federal, e provoca uma mudança importante de paradigma – de uma visão assistencialista e clientelista, para uma perspectiva de garantia de direitos sociais básicos à parcela da população historicamente excluída.

A assistência social passa a ser uma política social não-contributiva, direito do cidadão e dever do Estado. Tem como princípios a descentralização político-administrativa, a participação popular através de organizações representativas, e a primazia da responsabilidade do Estado para conduzir as políticas de assistência social. Estabelece também a construção do Sistema Único de Assistência Social – SUAS. A PNAS e a Norma Operacional Básica (NOB/SUAS, 2005) materializam as diretrizes da LOAS e orientam a gestão do SUAS.

A Política Nacional de Assistência Social estabelece que a Proteção Social deve se basear em três princípios: a garantia de sobrevivência, de acolhida e de convívio. A garantia de sobrevivência diz respeito à necessidade básica de ter recursos financeiros para sobreviver com dignidade – relaciona-se, portanto, à oferta de benefícios sociais, como o Programa Bolsa Família (PBF) e o Benefício de Prestação Continuada (BPC). A garantia de acolhida, por sua vez, fundamenta-se no desenvolvimento de ações, serviços e projetos intersetoriais, que visem

2Apesar da Assistência Social ter sido defendida desde a Constituição de 1988, sua regulação como política

ocorreu apenas em 2004 com a PNAS, refletindo o longo período em que a área passou sem ser efetivamente contemplada no âmbito político e social brasileiro.

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recuperar situações de abandono e isolamento de crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos, restaurando sua autonomia e protagonismo – refere-se, assim, à oferta de locais de permanência, como abrigos e albergues. Por fim, a segurança de convívio consiste na construção e no fortalecimento de laços familiares e comunitários de sujeitos com vínculos afetivos e sociais fragilizados – materializa-se na oferta de atividades socioeducativas, culturais e de convivência.

A oferta de serviços, programas, projetos e benefícios sociais está sempre centrada na família, que é o espaço insubstituível de proteção dos sujeitos e de socialização primária. Isto significa que a família é o alvo prioritário das ações da Política Nacional de Assistência Social, princípio este que não constava anteriormente na LOAS, constituindo-se como base organizacional do SUAS. Sendo assim, compreende-se que o fortalecimento das famílias é o caminho mais estratégico para garantia de segurança, proteção e direitos aos indivíduos.

A PNAS regula e reordena a rede de serviços socioassistenciais, definindo responsabilidades entre as esferas federal, estadual e municipal. A rede de assistência está organizada em Proteção Social Básica e Proteção Social Especial - de média e de alta complexidade.

A Proteção Social Básica tem como foco a população que vive situações de vulnerabilidade social decorrente da pobreza, privação, da discriminação, da fragilidade de vínculos familiares e comunitários, etc. Objetiva a prevenção de situações de violência, sendo o Centro de Referência em Assistência Social (CRAS) o articulador deste nível de proteção. A Proteção Social Especial de Média Complexidade está voltada para o atendimento a famílias e indivíduos que sofreram violação de direitos, mas que não têm rompimento dos vínculos familiares. Objetiva o fortalecimento da capacidade protetiva das famílias, e os serviços ofertados neste nível de complexidade são referenciados pelo Centro de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS) – orientação e apoio sócio-familiar, plantão

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social, abordagem de rua, medidas socioeducativas em meio-aberto e de liberdade assistida, etc. A Proteção Social Especial de Alta Complexidade atende a famílias e indivíduos que sofreram violações de direitos e tiveram rompimento de vínculos familiares, portanto não podem contar com a proteção da família. Tem como objetivo a reconstrução dos vínculos familiares e da autonomia dos indivíduos e materializa-se através de serviços de acolhimento, repúblicas, albergues. Para crianças e adolescentes, especificamente, existem os serviços de acolhimento institucional e em família acolhedora, as repúblicas e os serviços de proteção em situação de calamidades e emergências.

Em 2006, o governo federal lança o “Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (PNCFC)” (Brasil, 2006). Este documento foi elaborado pela “Comissão Intersetorial para Promoção, Defesa e Garantia do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária”, criada por decreto presidencial em 19 de outubro de 2004. Contou também com contribuições advindas de Consulta Pública, e com o apoio e aprovação do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) e do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS). É, portanto, um documento de caráter democrático e participativo.

O PNCFC é considerado um marco nas políticas públicas brasileiras por romper com a prática secular de institucionalizar crianças e adolescentes e por fortalecer o paradigma da proteção integral e da preservação dos vínculos familiares e comunitários, conforme preconizado pelo ECA. Portanto, nele são trazidas estratégias, objetivos e diretrizes que se fundamentam na prevenção ao rompimento de vínculos familiares, na qualificação do atendimento nos serviços de acolhimento, e no investimento para o retorno ao convívio com a família de origem – a colocação em família substituta deve ocorrer somente se esgotadas todas as possibilidades de reintegração ao convívio familiar. Demonstra, portanto, o

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compromisso do Estado em fortalecer as políticas públicas de atenção à família, por considerar que esta é o núcleo fundamental para a promoção do pleno desenvolvimento de crianças e adolescentes, constituindo-os como sujeitos e cidadãos.

O Plano traz uma discussão crítica sobre a família, e considera que, independente da estrutura que esta assuma (nuclear, monoparental, etc.), mantem-se o papel de cuidado, de proteção e de espaço de socialização primária de crianças e adolescentes. Portanto, os vínculos com a família são essenciais para a garantia do bem-estar desses sujeitos. A comunidade, por sua vez, é o entorno social no qual crianças e adolescentes estão inseridos. Compreende instituições (escola, igreja, etc.), espaços públicos (praças, clubes, etc.) e a vizinhança. É na comunidade que se aprendem papéis sociais, regras, leis, valores, crenças e tradições. Além disso, a comunidade funciona também como rede de apoio social, ajudando no fortalecimento das famílias e na proteção das crianças (Brasil, 2006). O PNCFC resulta, então, na valorização das diversas formas de viver em família e reconhece a importância dos vínculos afetivos e simbólicos que vão além das relações consanguíneas.

No que se refere à prestação de cuidados alternativos a crianças e adolescentes que foram afastados do convívio com a família de origem para proteção de sua integridade física e psicológica, o Plano coloca que os serviços devem ser estruturados de modo a oferecer um ambiente favorável ao cuidado e ao desenvolvimento saudável, tendo sempre como objetivo final a reintegração da criança à família ou, na impossibilidade disto, o encaminhamento para família substituta. O PNCFC estabelece que os serviços podem ser ofertados em Acolhimento Institucional (nas modalidades de Abrigo Institucional, Casa Lar e Casa de Passagem) ou em Programas de Famílias Acolhedoras.

Os programas de abrigo devem adotar os seguintes princípios, conforme o Art. 92 do ECA:

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I — preservação dos vínculos familiares e promoção da reintegração familiar;

II — integração em família substituta, quando esgotados os recursos de manutenção na família natural ou extensa;

III — atendimento personalizado e em pequenos grupos;

IV — desenvolvimento de atividades em regime de coeducação; V — não desmembramento de grupos de irmãos;

VI — evitar, sempre que possível, a transferência para outras entidades de crianças e adolescentes abrigados;

VII — participação na vida da comunidade local; VIII — preparação gradativa para o desligamento;

IX — participação de pessoas da comunidade no processo educativo.

Além desses princípios, enfatiza-se no PNCFC que os programas devem também (p.41):

(1) Estar localizados em áreas residenciais, sem distanciar-se excessivamente, do ponto de vista geográfico, da realidade de origem das crianças e adolescentes acolhidos;

(2) Promover a preservação do vínculo e do contato da criança e do adolescente com a sua família de origem, salvo determinação judicial em contrário;

(3) Manter permanente comunicação com a Justiça da Infância e da Juventude, informando à autoridade judiciária sobre a situação das crianças e adolescentes atendidos e de suas famílias;

(4) Trabalhar pela organização de um ambiente favorável ao desenvolvimento da criança e do adolescente e estabelecimento de uma relação afetiva e estável com o cuidador. Para tanto, o atendimento deverá ser oferecido em pequenos grupos, garantindo espaços privados para a guarda de objetos pessoais e, ainda, registros, inclusive fotográficos, sobre a história de vida e desenvolvimento de cada criança e cada adolescente;

(5) Atender crianças e adolescentes com deficiência de forma integrada às demais crianças e adolescentes, observando as normas de acessibilidade e capacitando seu corpo de funcionários para o atendimento adequado às suas demandas específicas;

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(6) Atender ambos os sexos e diferentes idades de crianças e adolescentes, a fim de preservar o vínculo entre grupos de irmãos;

(7) Propiciar a convivência comunitária por meio do convívio com o contexto local e da utilização dos serviços disponíveis na rede para o atendimento das demandas de saúde, lazer, educação, dentre outras, evitando isolamento social;

(8) Preparar gradativamente a criança e o adolescente para o processo de desligamento, nos casos de reintegração à família de origem ou de encaminhamento para a adoção;

(9) Fortalecer o desenvolvimento da autonomia e a inclusão do adolescente em programas de qualificação profissional, bem como a sua inserção no mercado de trabalho, como aprendiz ou trabalhador – observadas as devidas limitações e determinações da lei nesse sentido – visando a preparação gradativa para o seu desligamento quando atingida a maioridade. Sempre que possível, ainda, o abrigo deve manter parceria com programas de Repúblicas, utilizáveis como transição para a aquisição de autonomia e independência, destinadas àqueles que atingem a maioridade no abrigo.

Os Programas de Família Acolhedora, por sua vez, são uma alternativa à institucionalização de crianças e adolescentes. Consistem em um serviço de acolhimento realizado em residência de famílias que são selecionadas, preparadas e acompanhadas para acolher temporariamente crianças e adolescentes afastados do convívio familiar, até que seja possível a reintegração ou, excepcionalmente, a colocação em família substituta. É, portanto, uma medida de proteção que visa a proteção integral de crianças e adolescentes, e não deve ser confundida com um processo de adoção. A metodologia do Programa inclui (p. 41):

(1) Mobilização, cadastramento, seleção, capacitação, acompanhamento e supervisão das famílias acolhedoras por uma equipe multiprofissional;

(2) Acompanhamento psicossocial das famílias de origem, com vistas à reintegração familiar;

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(3) Articulação com a rede de serviços, com a Justiça da Infância e da Juventude e com os demais atores do Sistema de Garantia de Direitos.

Dentre os objetivos do programa, destaca-se (p. 41 e 42):

(1) ofertar atendimento individualizado em ambiente familiar;

(2) preservar os vínculos e o contato dos acolhidos com a família de origem;

(3) fortalecer os vínculos comunitários de crianças e adolescentes através do contato com a comunidade e da utilização dos serviços disponíveis;

(4) preservar a história de vida dos acolhidos;

(5) preparar a criança e o adolescente para o desligamento e para o retorno à família de origem, bem como preparar as famílias para receber de volta as crianças;

(6) manter comunicação com a Justiça da Infância e Juventude.

É importante perceber que tanto os Programas de Família Acolhedora quanto as entidades de Acolhimento Institucional devem funcionar em consonância com os parâmetros estabelecidos pelo ECA, sendo uma das tarefas do Plano apontar caminhos para a adequação de ambos os serviços.

O documento Orientações Técnicas para os Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes, de 2008, representa um compromisso compartilhado entre o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SDH), o CONANDA e o CNAS com a garantia do direito de crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária. Visa a regulamentação dos serviços, estabelecendo princípios, orientações metodológicas e parâmetros de funcionamento para diferentes modalidades de acolhimento.

Na primeira parte do documento, baseando-se no paradigma estabelecido pelas normativas legais atuais (CF, ECA, PNAS/SUAS, PNCFC), são reafirmados sete princípios

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da medida de acolhimento: (1) excepcionalidade do afastamento do convívio familiar; (2) provisoriedade do afastamento do convívio familiar; (3) preservação e fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários; (4) garantia de acesso e respeito à diversidade e a não discriminação; (5) oferta de atendimento personalizado e individualizado; (6) garantia de liberdade de crença e religião; (7) respeito à autonomia da criança, do adolescente e do jovem. Na segunda parte, são apresentadas sete orientações metodológicas que devem nortear o trabalho nos serviços, considerando o objetivo de proporcionar aos acolhidos desenvolvimento integral, superação de vivencias de separação e violência, apropriação e ressignificação de sua história de vida, fortalecimento da cidadania, da autonomia e inserção social.

A primeira orientação diz respeito à realização de estudo diagnóstico para subsidiar a decisão de afastamento familiar, avaliando os riscos, as violações de direitos sofridas pela criança ou adolescente, e as condições da família para a superação das dificuldades e provimento de proteção e cuidado. Assim, o estudo diagnóstico deve focar no contexto socioeconômico e cultural, na dinâmica, valores e crenças familiares, nas situações de vulnerabilidade, na possibilidade de outra pessoa da família extensa se responsabilizar pela proteção, na inclusão do familiar em serviços e políticas de apoio, visando sempre à manutenção da criança em sua família.

A segunda orientação refere-se ao Plano de Atendimento Individual e Familiar (PIA). Este deve basear-se no estudo diagnóstico e ser elaborado com a participação de crianças, adolescentes e famílias, em parceria com os serviços da rede de proteção, logo na chegada da criança ou do adolescente ao serviço de acolhimento. Os PIA das crianças e adolescentes acolhidos devem ser periodicamente reavaliados e modificados, de acordo com as necessidades.

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