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Parte III – Apresentação e discussão dos resultados

III.2. Público atendido

III.2.1. Características das crianças e adolescentes atendidas

Conforme citado anteriormente, os serviços de acolhimento trabalhados atendem meninos e meninas e estão organizados por faixa etária, ou seja, a Unidade I destina-se a criança de zero a seis anos, a Unidade II destina-se a crianças de sete a doze anos, e a Unidade III destina-se aos adolescentes de 12 a 18 anos. Apesar de a divisão etária vigorar nos serviços, quando há grupos de irmãos, a idade é flexibilizada, e o grupo é encaminhado para a unidade de acolhimento que melhor atenda suas necessidades. Desta maneira, é seguida a recomendação de não desmembrar grupos de irmãos no momento do acolhimento, garantindo a convivência familiar, conforme Art.92. inciso V do ECA.

A nossa unidade é para crianças de zero a seis anos. No entanto, quando vêm grupos de irmãos, embora tenha uma criança de 12 anos, mas tendo um de 02 anos, fica na casa. Ai você passa um pouco dessa questão da faixa etária (Profissional 01).

Aqui são só crianças, de 07 a 12 anos, quando completa 12 ai vai para a casa III, se for o caso. Hoje, a gente tem uma irmã de 14 anos, porque quando são grupos de irmãos, a gente não desmembra, ai nós temos uma menina de 14 anos, que tem dois irmãos mais novos aqui. E ai são crianças que por algum motivo a convivência familiar ou comunitária significa risco, por algum tipo de violência: física, psicológica, sexual. Questão de drogadição, de negligência (Profissional 03).

Quanto ao número de acolhidos no momento da pesquisa, uma das unidades contava com 19 crianças (três meninas e 16 meninos); outra unidade contava com 15 (cinco meninas e 10 meninos); e outra com 17 (cinco meninas e 12 meninos). A quantidade de crianças por serviço de acolhimento segue, portanto, a recomendação das Orientações Técnicas (2009), de no máximo 20 acolhidos por abrigo institucional. Quanto ao sexo, observa-se maior ocorrência de meninos, acompanhando tendência nacional, que demonstra uma pequena diferença entre o número de meninos (52,3%) e meninas (47,7%) acolhidos em todas as regiões do país (Levantamento Nacional, 2013).

Das crianças e adolescentes acolhidas no momento da pesquisa, cinco estavam evadidas, ou seja, apesar de estarem judicialmente ligadas ao serviço de acolhimento, não residiam mais, por motivo de ter se ausentado por vontade própria.

Sobre o tempo de acolhimento, destacou-se que é buscada a resolução do caso no menor intervalo de tempo possível, considerando o princípio da provisoriedade do afastamento familiar. Comentou-se que são necessários, no mínimo, dois meses de acolhimento, depois que a Guia de Acolhimento é expedida, e no máximo 02 anos, conforme recomendação que consta no ECA, Art.19, inciso 2º. Em média, apontou-se que as crianças costumam passar de seis meses a 01 ano e meio no serviço de acolhimento, sendo maior a quantidade de casos de reintegração familiar, seja para a família de origem ou extensa, em comparação com a quantidade de casos encaminhados para adoção. O período de acolhimento

é bastante variável caso a caso, e pode ser mais longo ou mais curto dependendo de cada situação.

Olha, assim, a gente procura fazer o relatório o quanto antes, o mais rápido possível. A gente entende que essa questão do acolhimento, ela é nociva, não é? É o último caso, é quando todas as outras possibilidades se esgotam e vem pro acolhimento. Então, nós temos criança aqui que já vai fazer 01 ano. Mas se procura... Quando o caso é muito complicado. Mas se procura resolver em 06 meses (Profissional 01).

A média da gente é até dois anos mesmo. A gente costuma resolver a questão do adolescente, de fato, para que ele volte ao convívio da família. Ou para algum membro da família, se não for a nuclear, a extensa (Profissional 05).

Os motivos apontados pelas profissionais entrevistadas para aplicação da medida de acolhimento, no caso das crianças de zero a doze anos, foram negligência, pais usuários de drogas, maus-tratos, abuso sexual, entre outros. No caso dos adolescentes, apontaram-se os seguintes motivos: situação de rua, uso de drogas, conflitos familiares, ameaça de morte, em razão de sua conduta, entre outros.

O Levantamento Nacional (2013) aponta que, no Brasil, os três principais motivos que levam ao acolhimento são a negligência (33,2%), o abandono (18,5), e a dependência química dos responsáveis (17,7).

Bernardi (2010) enfatiza que é necessário avaliar se o imediato afastamento da criança ou do adolescente do contexto familiar é preciso, ou se é possível afastar o desencadeador do risco – na maioria dos casos, o próprio genitor. Assim, o autor lista situações nas quais o acolhimento institucional ou familiar de crianças e adolescentes é necessário: (1) nos casos de violência sexual, violência física, tráfico e uso/abuso de drogas, ou situações de negligência grave, que comprometam a integridade física e emocional da criança e que não possam ser

solucionadas imediatamente – mesmo nesse caso, devem ser buscadas alternativas de proteção da criança na família extensa ou em famílias que tenham vínculos estabelecidos com as crianças; (2) em razão de circunstâncias externas, como o encarceramento, doença, ou morte dos pais ou responsáveis – nessa situação, a criança ou adolescente poderá ser encaminhado para o serviço de acolhimento quando não há outro parente que possa se responsabilizar por seu cuidado; (3) crianças e adolescentes ameaçados de mortes, incluídos em programa de proteção, depois de esgotadas as possibilidades de mudança de contexto e de inserção em outras famílias da comunidade.

Os motivos que levam as crianças e adolescentes ao acolhimento institucional refletem também a situação de pobreza na qual as famílias estão inseridas, além da ausência ou ineficácia das políticas públicas destinadas a prevenir situações de vulnerabilidade e violência.

III.2.2. Características das famílias atendidas

Sobre as famílias das crianças e adolescentes em medida protetiva de acolhimento, as entrevistadas declararam que, em linhas gerais, caracterizam-se por viver na pobreza ou abaixo da linha da pobreza, apresentando perfil de baixa escolaridade, desemprego ou inserção precária no mercado de trabalho, baixa renda, dificuldade de acesso a serviços básicos na área da saúde e educação, etc, conforme demonstra a fala abaixo:

Todas as famílias estão inscritas em vulnerabilidade social. Não tem nenhum que tenha uma condição financeira acima da pobreza. Todos são de pobre pra baixo. Eu acho que dos 13 pais e responsáveis que a gente tem hoje, a metade ou um pouco mais da metade já fez uso de droga, e já começaram o tratamento pelo CAPS, que a gente faz os encaminhamentos necessários. E os que não têm essa característica do uso de drogas, é por alguma negligência, abandono, pela própria condição de pobreza, que a

gente sabe que não justifica, mas que acaba acarretando. Então, são pessoas pobres, geralmente usuárias de drogas, não são todos, mas geralmente são. E que, por algum motivo, negligenciaram, ou abandonaram... E é até delicado, por isso que eu to enganchando, porque é delicada essa fala porque, as vezes, quem está fora, acha que a gente está culpabilizando os responsáveis. Mas não é isso. É porque as características realmente são essas. Ai a gente faz os encaminhamentos necessários e tudo, até que a gente consiga organizar, mais ou menos, a vida daqueles responsáveis, para que as crianças possam retornar, né? Para o convívio familiar (Profissional 03).

As famílias, inseridas em um contexto social mais amplo, estão submetidas à precarização do mundo do trabalho – diminuição dos postos de trabalho, longas jornadas, diminuição dos salários, etc., que é fator determinante para a produção da pobreza e da exclusão social. As famílias em situação de vulnerabilidade caracterizam-se por apresentarem baixo grau de escolaridade, e recursos econômicos e culturais precários. Além disso, apresentam padrões de comunicação e de socialização difíceis em relação às crianças, o que pode levar à violência ou à fragilização dos vínculos. É importante compreender que a situação de vulnerabilidade pessoal e social não é exclusividade de famílias pobres, porém, as condições de carência material e cultural contribuem para a precarização das relações afetivas (Moreira, 2013).

Apesar da carência de recursos materiais não constituir motivo para a perda ou suspensão do poder familiar, conforme preconiza o ECA no Art.23, observa-se que os motivos estão relacionados à situação de pobreza vivenciada, ou seja, são violações de direitos que surgem da ausência de políticas sociais de caráter preventivo e de apoio às famílias. O Estado cobra, portanto, que a família cumpra seu papel de garantir direitos básicos a crianças e adolescentes, expresso na Constituição Federal, Art. 227, e no ECA, Art.4º, porém, se ausenta em cumprir o próprio papel de prestar auxílio e assistência para que estas famílias possam se desenvolver e viver com dignidade, garantindo bem-estar a seus filhos.