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Parte I – Fundamentação Teórica

I.2. Famílias e Políticas Sociais

I.2.2. A família brasileira

Os primeiros estudos acerca da família brasileira foram publicados entre os anos de 1930 e 1950, tendo como principais autores Gilberto Freire (Casa Grande e Senzala, 1933), Oliveira Vianna (Instituições Políticas Brasileiras, 1949) e Antônio Cândido ("The Brazilian Family", 1951), dentre outros. Em linhas gerais, os autores consideram a prevalência de uma família patriarcal rural e extensa no Brasil até o século XIX, que se transforma em família nuclear com o processo de urbanização e modernização no século XX.

A família patriarcal é descrita como um grupo composto por um núcleo conjugal e seus filhos, incorporando também parentes, afilhados, agregados, escravos, concubinas e filhos bastardos. Todos habitam a casa-grande ou a senzala, e estão sob a autoridade do patriarca, que é o dono das riquezas, da terra, dos escravos e do mando político.

Na ausência de um governo português capaz de se fazer presente em toda a colônia, e considerando a dispersão populacional, os grandes proprietários de terras assumem o poder local, transformando a casa-grande em um núcleo central para a vida econômica, social e política da região, e exercem influência também sobre a atuação da Igreja e do Estado. O declínio do poder patriarcal pode ser observado, então, quando o Estado se fortalece e assume

seus papéis. No mesmo sentido, a abolição da escravidão é também um marco importante, já que esta era a base da riqueza dos latifundiários da época (Teruya, 2000).

A grande família patriarcal, proprietária e rural teria, na visão dos autores tradicionais, construído a nação brasileira. A crítica a esta concepção consiste no fato de que a família patriarcal representa apenas a classe dominante, estando excluída uma variedade de outras experiências familiares existentes na época. Há, portanto, uma homogeneização histórica para todo o país, de maneira que diferenças regionais e temporais são desconsideradas, mantendo o foco apenas no que acontecia no engenho de açúcar ou na fazenda de café (Corrêa, 1981; Teruya, 2000).

A partir do século XX, a família se abre para a vida social, adquirindo novos hábitos culturais, novos costumes e modos de viver. Assim, há a compreensão de que a família patriarcal rural desdobra-se em família nuclear para atender as demandas da sociedade moderna, urbana e industrial (Cândido, 1951).

Nesse momento histórico, os grupos familiares relacionam-se mais por laços de afeto mútuo do que simplesmente por necessidade econômica. A mulher ingressa no mercado de trabalho e passa a contribuir com a renda doméstica. As relações entre pais e filhos tornam-se menos verticalizadas. A intimidade e privacidade do lar são valorizadas, e os laços de parentesco são enfraquecidos. Crescem as preocupações com a higiene, a saúde e a educação. Por outro lado, ainda é forte o controle moral exercido pela família sobre o comportamento dos indivíduos, sob influência da Igreja Católica.

Apesar do enfraquecimento do poder do patriarca no novo cenário, a moral patriarcal ainda persiste na sociedade. Sarti (1992), discutindo a existência da família patriarcal entre os pobres urbanos, resgata a noção de família patriarcal enquanto modelo de autoridade moral, enquanto uma ética que envolve o conjunto das relações familiares. Assim, a família patriarcal existe não em sua estrutura tradicional, mas como representação da família

hierárquica, na qual se estabelecem relações de poder entre desiguais – pai e filho, homem e mulher, branco e negro.

Nos anos 1960 e 1970, os historiadores questionam o modelo hegemônico de compreensão da família brasileira, e apontam para uma diversidade de arranjos familiares em todas as épocas e lugares. A Demografia Histórica torna-se essencial para a história da família e, partindo de documentos como registros paroquiais de batismo, casamento e óbito, Listas Nominativas de Habitantes e censos governamentais, foi possível perceber a existência de outras formas de organização familiar além da casa-grande e senzala e da família nuclear tradicional (Samara, 1997; Samara, 2002; Scott, 2009).

Não existe uma família brasileira, mas famílias brasileiras, constatada a diversidade de arranjos ao longo do tempo e nos vários segmentos sociais. A família, sendo produto do meio cultural, modifica sua estrutura, sua função e seu significado social conforme a época e o lugar. Assim, não é possível considerar como inadequado, desestruturado, desorganizado ou problemático qualquer outro modelo familiar que fuja à norma dominante.

Nessa esteira, o que caracteriza a família da atualidade, a partir da segunda metade do século XX, é justamente a inexistência de um modelo padrão dominante, ou seja, a diversidade. São reconhecidos, dessa maneira, uma variedade de formas familiares: a família monoparental, fruto de separação ou divórcio, na qual um dos pais solteiro assume o cuidado dos filhos – primordialmente a mãe; a família reconstituída, formada a partir de recasamentos, muitas vezes com filhos oriundos do casal convivendo com filhos de casamentos anteriores; as uniões consensuais, não-formalizadas legalmente; os casais unidos vivendo cada um em sua própria casa; os casais sem filhos por opção, que visam maior ascensão profissional e independência social e financeira; as famílias unipessoais, que consiste em pessoas que optam por morar sozinhas; a família homossexual, que se estrutura de maneira semelhante à família heterossexual, porém é atravessada por questões como a não aceitação da união por parte dos

familiares e a insegurança legal no que se refere ao reconhecimento da união; dentre outros modelos familiares possíveis (Hintz, 2001).

Petrini, Alcântra e Moreira (2009) discutem que a família patriarcal entra em crise com o surgimento de novos modelos de comportamento que regulam a relação entre os sexos e as relações de parentesco. Neste sentido, a família contemporânea baseia-se no ideal de igualdade na convivência familiar, valorizando relações mais democráticas, bem como a partilha de tarefas e responsabilidades. A família é legitimada, então, como grupo social expressivo de afetos, emoções, sentimentos, diminuindo a ênfase em seu significado público.