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Parte III – Apresentação e discussão dos resultados

III.1. Características gerais das unidades de acolhimento

III.1.1. Modalidade de acolhimento

Existem três unidades municipais de acolhimento na cidade, que estão sob responsabilidade de uma mesma coordenação geral e secretaria. Ao longo dos anos, estas instituições têm sido alvo de atenção do Ministério Público do Estado, sofrendo uma série de intervenções e passando por reformulações e adequações no modo de funcionamento.

As unidades funcionam de maneira semelhante, porém, cada uma delas guarda peculiaridades e especificidades em função do público atendido: a Unidade de Acolhimento I atende prioritariamente crianças na faixa etária de zero a seis anos; a Unidade II atende o público de sete a onze anos; e a Unidade de Acolhimento III volta-se para os adolescentes de doze a dezoito anos. No documento Orientações Técnicas (2009), considera-se que devem ser evitados atendimentos exclusivos e especializações, tais como adotar faixa etária muito estreita, direcionar o atendimento para apenas um sexo, atender exclusivamente pessoas com deficiência, etc. Isso porque o serviço deve estar disponível para atender sujeitos com características e necessidades distintas, sem discriminação ou segregação, e incentivando o convívio saudável entre as diferenças. Porém, muitos serviços ainda adotam esse sistema por facilitar os cuidados oferecidos e a dinâmica do serviço.

Tratando sobre os parâmetros de funcionamento, o documento aponta a existência de quatro modalidades: (1) Abrigos Institucionais, (2) Casas-Lares, (3) Famílias Acolhedoras, e (4) República. A oferta destes diferentes serviços objetiva responder à variedade de demandas

da população infanto-juvenil sob medida de proteção. Deste modo, para que seja indicado qual serviço responderá de forma mais efetiva a cada caso, analisa-se a situação familiar, o perfil da criança ou adolescente, a idade, o histórico de vida, a previsão do menor tempo necessário na instituição para que seja viabilizado o retorno ao convívio familiar, dentre outros aspectos.

As três unidades de acolhimento para crianças e adolescentes investigadas nessa pesquisa inserem-se na modalidade Abrigo Institucional. Isto significa que oferecem acolhimento provisório para crianças e adolescentes afastados do convívio familiar, até que este possa ser reestabelecido, seja através de reintegração familiar ou de colocação em família substituta. Caracterizam-se por prestar atendimento especializado e personalizado, em residência localizada na comunidade, sem identificação através de faixa ou placa, e atendendo no máximo 20 crianças e adolescentes, que estão sob os cuidados de um grupo rotativo de educadores. Esse tipo de serviço, por ainda manter algumas características de uma rotina institucional, é mais indicado para casos com perspectiva de acolhimento de curta duração.

Nas Casas-Lares, por sua vez, pelo menos uma pessoa ou um casal atua como cuidador residente (chamado também de mãe-social ou pai-social), prestando cuidados a crianças e adolescentes afastados do convívio familiar. Trata-se de unidades residenciais privadas localizadas na comunidade, sem identificação, que se assemelham a um ambiente familiar, permitindo maior vínculo entre o cuidador fixo e as crianças e adolescentes acolhidos, bem como o desenvolvimento da autonomia. Nesse modelo, o convívio familiar e comunitário é favorecido, pois o ambiente é mais semelhante a uma unidade doméstica, com maior flexibilidade na rotina, mais intimidade, privacidade e autonomia. Caracteriza-se por atender no máximo dez crianças por casa e por estar mais voltado para o atendimento a grupos de irmãos e a crianças e adolescentes com perspectiva de acolhimento de média ou longa duração.

Além das três unidades de acolhimento municipal investigadas, funciona também na cidade a modalidade Casa-Lar, através de uma ONG, como já citado. Relatou-se, nas entrevistas, que têm sido consideradas as características das crianças e adolescentes para definição, por parte do judiciário, de qual instituição deve prestar o serviço: crianças e adolescentes com perspectiva de acolhimento de até dois anos devem ser atendidas nas unidades municipais, no modelo Abrigo Institucional, enquanto os grupos com perspectiva de acolhimento de longa duração devem ser encaminhados para as casas-lares.

Quando a gente vê que é um caso de permanecer muito mais tempo no abrigo, então a gente faz uma sugestão ao juiz de que ele seja encaminhado para as Casas-Lares. (...) E aqui, geralmente, eles ficam até dois anos. Então, quando a gente vê que o caso não está sendo possível, de reinserção na família, por que motivo for, a gente sugere isso, sabe? Que ele vá para uma instituição mais semelhante, mais parecida, ou que se aproxime melhor de uma família, que é as casas-lares (Profissional 06).

Porém, é feita também uma crítica, por parte dos profissionais entrevistados, a um direcionamento de adolescentes tidos como “problemáticos”, envolvidos com drogas e/ou com comportamento agressivo e desafiador, a permanecerem nos abrigos institucionais, mesmo quando não há perspectiva de retorno ao convívio familiar. Nestes casos, prevalece a perspectiva de que esses adolescentes teriam dificuldades em se adaptar a rotina da Casa-Lar. O trecho abaixo explicita essa situação:

Profissional 06: Por exemplo, João e José [nomes fictício], eles não têm família, são órfãos.

Entrevistadora: Nesse caso, o ideal não seria ir pra as Casas-Lares?

Profissional 06: É, exatamente, nós estamos fazendo esse trabalho. Eles eram de lá e vieram pra cá.

Profissional 06: Exatamente, sabe? Ai, agora, nós estamos querendo, lutando, batalhando, para que eles retornem para as Casas-Lares, aqui não é o lugar. Então, lá eles têm... São poucos acolhidos, é uma mãe social, lá é uma residência. Então, é totalmente diferente daqui. Aqui é uma rotatividade de funcionários, de adolescentes, sabe? Isso é prejudicial demais para eles. Eles não estabelecem vínculos com as pessoas. (...). A família já não quer por conta do comportamento, eles são muito rebeldes, muito contestadores, muito sarcásticos, sabe? Então é uma dificuldade para a família querer. Como não há essa possibilidade, então eles não têm que ficar aqui, eles têm que ir para um lugar onde se sintam melhor acolhidos, que tenham mais uma aproximação com o que é realmente uma família, um lar. Aqui não é assim, a característica desse lugar não é essa.

A transferência de crianças e adolescentes entre os serviços de acolhimento é prejudicial, pois acontece em fases delicadas do desenvolvimento, gerando grandes mudanças no cotidiano e rupturas de vínculos. Deve-se, portanto, buscar fixar a criança ou adolescente em um instituição que possa atender satisfatoriamente suas necessidades, dando-lhe a sensação de estabilidade e segurança. Para evitar transferências, é também desaconselhável a organização das unidades de acolhimento em função da faixa etária. (Baptista, 2006; Gulassa, 2010).

Além das modalidades Abrigo Institucional e Casas-Lares, no Rio Grande do Norte, está em processo de implementação o programa de Famílias Acolhedoras, em parceria com o Ministério Público do RN. O Acolhimento Familiar é uma modalidade de atendimento alternativa à institucionalização, pois o acolhimento ocorre em residências de famílias cadastradas e habilitadas para acolher crianças e adolescentes afastadas do convívio familiar por meio de medida protetiva. Evita-se, portanto, a institucionalização.

Comparado ao Acolhimento Institucional, o familiar oferece atendimento mais individualizado, baseado no modelo de relacionamento doméstico e de convivência com a família e a comunidade, possibilitando um desenvolvimento saudável para os acolhidos –

mais autoestima, autonomia e afetividade. Por isso, sempre que possível, o acolhimento familiar deve ser a primeira opção, conforme Art.34, inciso 1º do ECA.

De acordo com o Levantamento Nacional (2013), existem 144 Serviços de Acolhimento em Famílias Acolhedoras (SAF) no país, que absorve 791 famílias acolhedoras, predominantemente nas regiões sul e sudeste.

Já a modalidade República, voltada para o atendimento de jovens em situação de vulnerabilidade e risco pessoal e social, com vínculos familiares rompidos, em processo de desligamento de instituições de acolhimento, sem possibilidade de retorno à família de origem ou de colocação em família substituta e que não possuam meios para auto-sustentação, está disponível em poucas cidades do Brasil.

De acordo com o Levantamento Nacional (2013), no Brasil, dos 2.624 serviços de acolhimentos pesquisados, 64,2% funcionavam na modalidade Abrigo Institucional, 17,4% eram Casas de Passagem e 17,3 eram Casas-Lares. Já no Nordeste, dentre os 264 serviços pesquisados, 67,8% eram abrigos institucionais, 17,4% eram Casas de Passagem e 11,1% eram Casas-Lares.