• Nenhum resultado encontrado

Parte III – Apresentação e discussão dos resultados

III.3. Trabalho com as famílias

III.3.3. Participação das famílias no dia-a-dia dos serviços

A participação das famílias no serviço de acolhimento se dá, basicamente, através das visitas aos acolhidos e da participação dos familiares em eventos comemorativos.

A visita dos familiares acontece duas vezes na semana, nos dias de terça e quinta, das 9h às 11h, e das 14h às 17h. Apesar do dia e horário estabelecidos, as entrevistadas relatam que, de acordo com a necessidade das famílias, existe flexibilidade, a fim de favorecer a convivência familiar e fortalecer os vínculos afetivos. De maneira geral, cada família

organiza-se para comparecer ao serviço em pelo menos um dos turnos, de acordo com suas possibilidades e limitações.

A equipe técnica utiliza o dia em que a família visita a criança para realizar atendimento psicossocial, como forma de acompanhar o caso e de oferecer orientações e encaminhamentos necessários. Evita-se, assim, que a família desloque-se mais de uma vez por semana para o serviço de acolhimento, o que seria uma dificuldade por questão de horário de trabalho ou de recurso financeiro para o transporte.

As entrevistadas relataram, ainda, que todas as crianças e adolescentes em acolhimento mantêm contato com os familiares, exceto aquelas que tiveram o poder familiar destituído ou estão em processo de destituição do poder familiar; ou nos casos nos quais existe um impedimento judicial para que a visita aconteça – quando a presença do familiar no serviço de acolhimento representa algum risco, por exemplo.

Dia de terça e quinta, tem os dias de visita dos pais às crianças, aqueles que podem vir. Hoje a gente só tem um caso que a gente recebeu, uma criança, que já veio com o poder familiar destituído. A Vara já mandou com o poder familiar destituído. Então a gente recebe a criança, acolhe, e ele já é inserido no cadastro de adoção. Ai, nesse caso, não tem contato com a família. Mas só é um. Os demais, dia de terça e quinta, as mães vêm visitar, os pais, os parentes, enfim. As famílias sempre vem, sempre vem. Nessas ocasiões, a gente faz algum atendimento. Ou assistente social, ou assistente social e psicólogo, ou só psicólogo... A gente tenta manter o contato. Para quê? Para não fazer com que eles precisem vir outro dia, além da terça e quinta, porque senão fica muito oneroso. Então, quando eles vêm, na terça e na quinta, a gente já aproveita para, naquela ocasião, conseguir atender. Depois que eles ficam um pedacinho com as crianças, a gente diz: “vamos aqui conversar”. Para não ter que vir outro dia. Porque eles trabalham, entendeu? Mas ai, dá certo. A gente vai fazendo esses atendimentos, vai construindo o vínculo entre o profissional e a família, porque a gente não atende só a criança, a gente atende a família também... (Profissional 03)

Em uma das unidades de acolhimento investigadas, comentou-se o caso de uma mãe em privação de liberdade que visita os filhos uma vez por mês na unidade de acolhimento. De acordo com o ECA, Art.19, inciso 4º, “será garantida a convivência da criança e do adolescente com a mãe ou o pai privado de liberdade, por meio de visitas periódicas promovidas pelo responsável ou, nas hipóteses de acolhimento institucional, pela entidade responsável, independentemente de autorização judicial”. Além disso, no Art.23, inciso 2º, o ECA determina que “a condenação criminal do pai ou da mãe não implicará a destituição do poder familiar, exceto na hipótese de condenação por crime doloso, sujeito à pena de reclusão, contra o próprio filho ou filha”. Portanto, deve-se sempre buscar a garantia do direito à convivência familiar entre crianças e adolescentes e seus pais em privação de liberdade.

Pedimos autorização e fomos até a penitenciária, falamos com a assistente social, entramos em contato com a diretora, e fomos conversar com a mãe. E lá, nós descobrimos que ela, assim... É uma situação bem complexa, que eu não posso me estender, mas, assim... Ela foi presa por tráfico, numa situação bem difícil. (...). E ela vai sair agora em julho. Então, a gente buscou, é muito importante buscar... E ela tem interesse de ficar com os filhos. (...) Então, assim, tentar trabalhar essa mulher, para que ela possa ter os filhos dela de volta e não voltar para o tráfico, tá entendendo? Porque foi mediante essa situação de extrema vulnerabilidade, que também, novamente, eu retifico que isso não é um motivo, “ah, eu não tenho, então vou traficar”. Mas, no desespero... Na situação dela, foi a única forma que ela encontrou, tá entendendo? Então, ai nós conseguimos também para ela vir uma vez por mês a casa. Da penitenciaria, com a diretora. (...) A diretora teve essa sensibilidade de ver que, assim, a todo momento ela só falava dos filhos. (...) Isso foi muito positivo porque até a postura dos filhos na casa mudou, tá entendendo? A gente sempre traz em conversa: “como sua mãe é uma pessoa bacana! Não é porque ela tá presa que ela é uma pessoa ruim”. Então, isso é... Principalmente pra mais velha, que batia muito nos irmãos (Profissional 04).

Já as crianças e adolescentes que se encontram em processo de fortalecimento de vínculos, tendo em vista a reintegração familiar, passam os finais de semana em suas casas, mediante autorização judicial – o que é chamado desligamento gradativo. Esse processo é importante também para que a criança ou adolescente tenha a oportunidade de se despedir do serviço de acolhimento, pois serão rompidos vínculos com os colegas, profissionais, educadores, etc. (Orientações Técnicas, 2009).

Profissional 03: Porque a gente faz assim, quando tá perto de desligar: a gente deixa a criança na sexta e, às vezes, vai buscar só na terça para poder a mãe ou o pai ter a responsabilidade de ir deixar no colégio e ir buscar, pra gente vê se isso tá acontecendo. A gente observa se as roupas vêm limpas, se a farda vem organizada, se a atividade de casa vem feita. Ai quando a gente percebe que tudo isso ta minimamente organizado, a gente consegue solicitar o desligamento. Mas ai quem autoriza o desligamento ou não é a Vara da Infância, mediante os relatórios que a gente manda. A gente faz um relatório dizendo que a situação hoje está assim, que a gente considera satisfatória, e ai eles que determinam o acolhimento ou não. Mas geralmente eles acatam a decisão da unidade.

Além das visitas previamente estabelecidas, em datas comemorativas como o São João, dia da criança, Natal, aniversário, dentre outras, os familiares são convidados a participar das festividades da instituição.

Eles sempre são chamados para as datas comemorativas da casa. Aniversário, Natal, Ano Novo, São João... As famílias são chamadas sempre que tem as festividades. E ai elas participam da dinâmica quando vêm pra visita. Lancha com os meninos, tem mãe que vem para visitar e almoça com os meninos, convive, fica aqui com os meninos, participa desse dia-a-dia da casa, mas dentro da limitação da própria unidade, né?(...) As visitas são terças e quintas o dia todo. E também tem as ligações, quando

não tem visita, a gente procura fazer ligações também para eles terem contato por telefone. Ou quando tá com saudade, né? (Profissional 05)

Nos momentos de observação, percebeu-se que a presença das famílias nos serviços ainda é bastante restrita, pois mesmo nos horários de visitação às crianças, existe um fluxo pequeno, ou mesmo inexistente, de familiares. Uma das profissionais dos serviços justificou que a aparente ausência dos pais no momento da visita não significa que as crianças não mantêm contato com a família: pelo contrário, várias das crianças que não recebem visita durante a semana passam os finais de semana em casa, ou mantêm contato telefônico com os familiares quando, por algum motivo, estes não conseguem comparecer ao serviço.

Observou-se também que o tempo passado entre a criança e o familiar nem sempre é de qualidade, pois não existe espaço físico adequado, que possibilite a realização de alguma atividade ou um contato mais íntimo. Neste sentido, observou-se que, nas visitas, os familiares conversam e brincam um pouco com a criança, sempre na companhia de algum educador ou de algum membro da equipe técnica, mas logo ficam ociosos e a visita se encerra. Em alguns momentos, por exemplo, a criança dava pouca atenção ao familiar, concentrando-se mais em continuar a brincadeira com os colegas.

Como forma de atrair e agradar as crianças, é comum também que os familiares levem lanches, como pipoca ou biscoito recheado, comportamento que não é incentivado pela equipe técnica, por gerar conflitos entre as crianças, que acabam disputando as guloseimas, e por tirá- las da rotina alimentar normal da casa.

Outro fator complicador diz respeito à dificuldade de tempo dos familiares para realizar a visita, pois estes moram longe do serviço de acolhimento ou têm compromissos de trabalho, de modo que comparecem ao serviço para realizar apenas uma visita rápida à criança. Por exemplo, em conversa com a mãe de uma das crianças, que permaneceu na

instituição por cerca de meia hora, ela comentou que compareceu para demonstrar ao juiz que se importa com o filho, mas que não tem muito tempo para passar com ele, pois precisa ir trabalhar todos os dias.

De acordo com as Orientações Técnicas (2009), todos os profissionais dos serviços de acolhimento devem estar preparados para, nos momentos de visita das famílias, atuar como mediadores dessa relação. Devem, ainda, proporcionar momentos nos quais a família possa estar a sós com a criança ou adolescente, garantindo maior privacidade e intimidade. Além disso, enfatiza-se que os profissionais não podem se referir de modo pejorativo à família de origem, independente do que tenha ocorrido, respeitando a família, a cultura e a comunidade dos acolhidos.

Criar e educar os filhos, garantindo-lhes todos os direitos de que são titulares, tem sido tarefa impossível de ser cumprida pelas famílias submetidas a condições de vida precárias, sem garantia de alimentação, moradia, trabalho, assistência à saúde, etc. Portanto, a proteção social das crianças e dos adolescentes deve se articular às políticas de apoio a família. A preservação dos vínculos familiares durante o período de acolhimento, além de um direito garantido no Art.92 do ECA, facilita o processo de reintegração familiar. Assim, a instituição de acolhimento deve estimular o contato com a família através de telefonemas, troca de cartas ou desenhos, atividades na instituição que incluam os familiar, etc. Além disso, deve ser incentivada a participação dos responsáveis na vida escolar, nos acompanhamentos de saúde, entre outros (Bernardi, 2010).