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TÍTULO II – A TUTELA LEGAL DO IDOSO

1.12 O idoso e o direito civil

Os idosos, por óbvio, possuem personalidade (e todos os direitos daí decorrentes)129 e são capazes para fins da lei civil. Não há que falar em incapacidade dos idosos pela simples condição de serem maiores de 60 anos. A incapacidade pode ser verificada em idosos, mas por outra causa (enfermidade, prodigalidade)130 que não a idade em si.131

127 LEITE, Celso Barroso. Estatuto do Idoso: em direção a uma sociedade para todas as idades? Revista

de Previdência Social, São Paulo, ano 29, n. 300, nov. 2005.

128 Idem, ibidem.

129 O reconhecimento da personalidade garante a tutela de todas as necessidades humanas básicas,

traduzidas por quatro suposições teóricas: os indivíduos precisam sobreviver (proteção à vida, saúde etc.); os indivíduos precisam de integração societária (livre associação, liberdade, solidariedade etc.); os indivíduos precisam de identidade (proteção ao nome, imagem etc.), é necessária a maximização das competências coletivas e individuais (garantia de autonomia etc.) (DINIZ, Fernanda Paula.

Direito dos idosos na perspectiva civil-constitucional. Belo Horizonte: Arraes, 2011. p. 80).

130 Veja-se interessante decisão do TJMG sobre o assunto: Interdição. Prodigalidade. Prova inábil. O fato

de o pai, com 83 anos, namorar uma jovem de 20 anos, não o configura pessoa pródiga, passível de interdição. Aliás, sequer o fato de o pai idoso, que namora uma jovem, haver alienado parte de seus bens, é motivo para o pedido de interdição por prodigalidade, sobretudo quando a prova de cunho dissipador não veio para os autos. Apelo improvido (Apelação Cível 1.0042.04.005687-3/001, Rel. Nilson Reis, j. 15.06.2005).

Interdição. Prodigalidade. Prova inábil. O fato de o pai, com 83 anos, namorar uma jovem de 20 anos, não o configura pessoa pródiga, passível de interdição. Aliás, sequer o fato de o pai idoso, que namora uma jovem, haver alienado parte de seus bens, é motivo para o pedido de interdição por

A questão da ausência, desaparecimento da pessoa, traz uma remissão direta ao idoso, e, conforme dispõe o artigo 37 do Código Civil, as pessoas com 85 anos de idade, e que estejam ausentes há pelo menos cinco anos, serão consideradas ausentes. Os critérios temporal e etário foram conjuntamente adotados para definir a questão da ausência do idoso. Veja-se que aqui a tutela não é voltada para o idoso, e sim para a família, uma vez que a decretação da ausência permite, inclusive, a abertura de sucessão definitiva.

No que tange aos negócios jurídicos, o idoso foi tutelado especialmente pelo artigo 152 do Código Civil, que determina que na avaliação da gravidade da coação seja considerada a idade do ofendido. Os idosos são vulneráveis, tema que será abordado a seguir, e obviamente estão mais suscetíveis a ser coagidos ante sua fragilidade física e psíquica. Incorrendo em coação, haverá aplicação do crime previsto no artigo 107 do Estatuto do Idoso, com reclusão de 2 a 5 anos.

Na parte que trata dos contratos, não há nenhuma previsão genérica de tutela aos idosos em detrimento das pessoas não idosas. As questões atinentes aos contratos de consumo (mais recorrentes do que qualquer outro entre os idosos) e os contratos de saúde serão objeto de capítulo próprio.

No campo da responsabilidade civil, prevê o artigo 948 do Diploma Civil que, em caso de morte, a indenização tomará em conta a duração provável da vida da vítima, o que poderia levar a crer que, em caso de pessoa idosa, não se haveria falar em indenização à família. O entendimento que se firmou no STJ é no sentido de que o tempo provável de vida é de 65 anos.132

prodigalidade, sobretudo quando a prova de cunho dissipador não veio para os autos. Apelo improvido.

131 Caso o idoso seja atingido por alguma incapacidade, poderá ser interditado na forma da lei.

132 Responsabilidade civil. Atropelamento fatal. Indenização. Pensionamento. Termo ad quem.

Divergência não configurada. Tabela do IBGE. Critérios. Recurso especial. Prequestionamento. Ausência. Recurso não conhecido.

I – Não obstante ter a jurisprudência desta Corte, na maioria dos casos, fixado, para fins de indenização, como tempo provável de vida do falecido, a idade de 65 anos, certo é que tal orientação não é absoluta, servindo apenas como referência, não significando que seja tal patamar utilizado em todos os casos, notadamente naqueles em que a vítima já possua idade avançada.

II – Não resta caracterizada a divergência quando ausente o confronto analítico nos termos do artigo 541, parágrafo único, CPC, bem como se dessemelhantes as espécies confrontadas.

Veja-se que não há sentido algum, conforme bem colocado por Fernanda Paula Diniz,133 em dizer que há que se estabelecer um critério diferenciado de indenização caso os familiares da vítima sejam idosos. A análise nessas situações não há que ser feita em abstrato, mas sim com base no caso concreto, abandonando qualquer concepção simplista a fim de promover justiça.

Passemos então a tratar do Direito de Família e das Sucessões, âmbito em que se faz mais presente a tutela do idoso.

O regime da separação de bens previsto para os casamentos realizados por contraentes maiores de 70 anos deve ser o de separação total dos bens, reconhecendo-se a maior suscetibilidade do idoso a enganos e golpes.

Apesar de entendimentos contrários,134 que sustentam que a norma viola a liberdade do idoso, que não é incapaz e sabe bem o que faz com seus bens, considera-se que a previsão legal é benéfica e que isso não impedirá, de forma alguma, que idoso lúcido e consciente de suas atitudes o transfira para quem assim desejar, por exemplo, por meio de doação.

A lei coloca uma barreira aos golpes, aos atos de amor e paixão que podem ser vistos na velhice pela maior suscetibilidade da pessoa, mas isso não significa de maneira alguma tratar o idoso como incapaz ou como restrito de seu direito de propriedade no viés de cedê-la se assim desejar. Por isso, nem se cogita pensar em

III – Impossível a análise, em sede de recurso especial, de tema não prequestionado nas instâncias ordinárias (REsp 164.824/RS, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4.ª Turma, j. 06.05.1999, DJ 21.06.1999, p. 162).

Responsabilidade civil. Acidente automobilístico. Invalidez e posterior morte de vítima que contava 74 anos. Danos morais e materiais. Sumula/STJ. Sobrevida provável. Tabela progressiva da Previdência. IBGE. Posição da Turma. Recurso desacolhido.

I – Quando, em casos de responsabilidade civil, haja necessidade de estabelecer-se a presumível sobrevida, recomendável se faz a utilização da tabela progressiva da Previdência Social divulgada pelo IBGE, critério que, comparado à adoção do limite fixo de 65 anos, se reveste de maior lógica e coerência.

II – Nos termos do Enunciado n. 37 da Súmula do tribunal, “são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato” (REsp 53.840/RS, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4.ª Turma, j. 10.10.1994, DJ 21.11.1994, p. 31775).

133 DINIZ, Fernanda Paula. Direito dos idosos na perspectiva civil-constitucional. Belo Horizonte:

Arraes, 2011. p. 129.

134 Citem-se, como exemplo, Érica Canuto, Francisco Pereira Coelho, Guilherme de Oliveira, Fernanda

violação ao artigo 10, § 1.º, da Política Nacional do Idoso, a qual garante ao idoso o direito de dispor de seus bens135 (inclusive por meio de doação se respeitada a legítima).

Além do mais, o idoso é, conforme se vem demonstrando, uma preocupação da sociedade, e não só do indivíduo, de tal modo que assegurar que o idoso tenha seu patrimônio preservado na velhice é garantia de um idoso a menos desamparado e necessitado de prestação estatal.

No que concerne aos alimentos, a previsão de prestações decorre do dever de solidariedade que deve imperar nas relações familiares.136 A Constituição garantiu ao idoso a proteção também por parte da família (artigo 230), e o Código Civil no artigo 1.696 trata do dever recíproco de alimentos entre pais e filhos. O Estatuto do Idoso arremata o tema e diz que a obrigação alimentar é solidária entre os familiares.137

Ainda no âmbito federal, a Lei 8.648/1993 acrescentou um parágrafo único ao artigo 399 do Código Civil – mais uma vez realçando a proteção ao idoso –, responsabilizando os filhos maiores e capazes no dever de prestar alimentos aos pais que, na velhice, carência ou enfermidade, ficaram sem condições de prover o próprio sustento, principalmente quando se despojaram de bens em favor da prole. Os alimentos são irrenunciáveis e devem ser prestados até o final das vidas dos pais.

A questão do idoso como alimentante causa polêmica na doutrina e na jurisprudência principalmente em razão da realidade pátria onde as aposentadorias dos idosos são baixíssimas e mal garantem seu sustento. O entendimento que prevalece é que os avós só serão obrigados a prestar alimentos caso isso não afete seu sustento próprio. Oswaldo Peregrina Rodrigues observa que não há que falar em prisão do devedor de alimentos idoso, o que contraria todo o microssistema protetivo previsto no Estatuto do Idoso.138

135 Veja-se que a intenção do legislador da Política Nacional do Idoso foi garantir que o idoso possa

utilizar-se de seus bens e garantias para fins de seu sustento e sobrevivência.

136 TARTUCE, Flávio. O princípio da boa-fé objetiva no Direito de Família. Revista Brasileira de

Direito de Família, Porto Alegre: Síntese, IBDFAM, ano VIII, n. 35, p. 5-32, abr.-maio 2006.

137 Limitada ao parentesco de quarto grau (DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 2. ed.

rev. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005).

138 RODRIGUES, Oswaldo Peregrino. A pessoa idosa e sua convivência em família. In: PEREIRA,

Tania da Silva, Rodrigo da Cunha (Coord.). A ética da convivência familiar: sua efetividade no cotidiano dos tribunais. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

Por fim, tratando-se de testamento, o idoso, se capaz, possui plenas condições para testar, lembrando-se que qualquer forma de coação será punida nos termos do crime de coação trazido pelo Estatuto do Idoso.

CAPÍTULO 2 – A TUTELA DO IDOSO PELOS TRATADOS