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TÍTULO II – A TUTELA LEGAL DO IDOSO

1.9 O idoso e o direito penal

O idoso também recebe tratamento especial no campo penal, tanto quando figura como agente como quando como vítima de crime.

A condenação do idoso acima de 70 anos deve levar em conta a atenuante etária (CP, art. 65, I),110 e a execução da respectiva sentença pode ser suspensa (sursis penal), desde que a pena seja igual ou inferior a quatro anos (CP, art. 77).

De acordo com Mirabete,111 o fundamento jurídico para essa atenuante em razão da idade é a decadência e degenerescência provocada pela senilidade, diminuída a periculosidade daquele indivíduo para a sociedade (o raciocínio fica mais lento, a memória é mais fraca etc.).

A atenuação da pena muitas vezes torna possível sua suspensão condicional, a realização de transação penal, entre outros benefícios para garantir justiça ao idoso no momento de cumprir seu débito com a sociedade.

Deve-se observar ainda o risco de submeter um idoso a uma penitenciária nacional, com péssimas condições de vida e higiene e que tornariam o idoso (ainda mais) propenso ao surgimento de doenças que podem, inclusive, pôr fim à sua existência.

A prescrição da punibilidade também é reduzida pela metade para o idoso que na época da condenação tenha mais de 70 anos (CP, art. 115).112

110 Referido dispositivo não foi alterado pelo Estatuto do Idoso e o tema causa polêmica no ordenamento

pátrio. Há quem diga que a disposição teria sido automaticamente revogada pelo Estatuto do Idoso. Como exemplo, Luiz Régis Prado: “No que se refere ao marco etário de 70 anos, com a edição da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) passa ele a ser de 60 anos, para efeitos de prescrição, numa interpretação favorável constitucionalmente assegurada (art. 5.º, XL, CF)”. Entretanto, o entendimento prevalecente nos Tribunais é pela manutenção do dispositivo tal como lançado, eis que não houve revogação expressa pelo legislador (PRADO, Luiz Régis. Comentários ao Código Penal. São Paulo: RT, 2007. p. 391).

111 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 15. ed. São Paulo: Atlas, 1999. v. 1.

112 Novamente, o entendimento é pela concessão a partir dos 70 anos, e não dos 60, em razão do termo

inicial de “idos” que foi estabelecido pelo Estatuto do Idoso:

Penal. Processual penal. Habeas corpus. Agente maior de 70 (setenta) anos. Estatuto do Idoso. Redução de metade no prazo prescricional. Marco temporal. Sentença condenatória. I – A idade de 60 (sessenta) anos, prevista no art. 1.º do Estatuto do Idoso, somente serve de parâmetro para os direitos e

Na execução da pena o condenado maior de 70 anos pode ser beneficiário da prisão domiciliar (LEP, art. 117). No caso de o condenado contar mais de 60 anos, o trabalho que lhe for cometido na prisão deve ser adequado à idade (LEP, art. 32).

O Estatuto do Idoso, apesar de não ter alterado nenhum dispositivo de Lei preexistente quando o idoso for autor de delito, trouxe inovações ao direito penal quando o idoso estiver envolvido penalmente na qualidade de vítima.

O Título VI do Estatuto do Idoso, intitulado “Dos Crimes”, previu, originalmente, que aos crimes ali previstos seriam aplicados os dispositivos da Lei 9.099/1995, para todos os crimes em que a pena não ultrapassasse quatro anos (artigo 94). Por meio da ADI 3.096/5,113 o STF entendeu que o dispositivo é constitucional

obrigações estabelecidos pela Lei 10.741/2003. Não há que se falar em revogação tácita do art. 115 do Código Penal, que estabelece a redução dos prazos de prescrição quando o criminoso possui mais de 70 (setenta) anos de idade na data da sentença condenatória. II – A redução do prazo prescricional é aplicada, analogicamente, quando a idade avançada é verificada na data em que proferida decisão colegiada condenatória de agente que possui foro especial por prerrogativa de função, quando há reforma da sentença absolutória ou, ainda, quando a reforma é apenas parcial da sentença condenatória em sede de recurso. III – Não cabe aplicar o benefício do art. 115 do Código Penal quando o agente conta com mais de 70 (setenta) anos na data do acórdão que se limita a confirmar a sentença condenatória. IV – Hipótese dos autos em que o agente apenas completou a idade necessária à redução do prazo prescricional quando estava pendente de julgamento agravo de instrumento interposto de decisão que inadmitiu recurso extraordinário. V – Ordem denegada” (STF, 1.ª Turma,

Habeas Corpus 86320/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJU 24.11.2006, p. 76; Ementário vol. 2257-05, p. 880, RB v. 19, n. 518, p. 29-31, 2007).

“Penal. Habeas corpus. Art. 1.º, inciso I, do Decreto-lei n.º 201/1967. Dosimetria da pena. Fixação da pena-base. Fundamentação. Prescrição. Lei n.º 10.741/2003. I – A pena deve ser fixada com fundamentação concreta e vinculada, tal como exige o próprio princípio do livre convencimento fundamentado (arts. 157 381 e 387 do CPP c/c o art. 93, inciso IX, segunda parte da Lex Máxima). Ela não pode ser estabelecida acima do mínimo legal com supedâneo em referências vagas e dados não explicitados. II – O Estatuto do Idoso não deve ser interpretado de forma ilimitada, de modo a alterar dispositivo legal específico do CP, referente à redução do prazo prescricional para o réu com mais de 70 (setenta) anos na data da sentença (art. 115 do CP). Ordem parcialmente concedida para anular a r. decisão condenatória unicamente quanto à dosimetria da pena, a fim de que outra seja proferida com nova e motivada fixação da reprimenda” (STJ, 5.ª Turma, HC 37752/BA, Rel. Min. Felix Fischer, DJ 21.02.2005, p. 200).

“Criminal. RHC. Difamação. Réu maior de 60 anos. Alteração do art. 115 do Código Penal pelo Estatuto do Idoso. Inocorrência. Prescrição. Não configuração. Recurso desprovido. I – O art. 1.º do Estatuto do Idoso não alterou o art. 115 do Código Penal, que prevê a redução do prazo prescricional para o réu com mais de 70 (setenta) anos na data da sentença. Precedente. II – Não tendo ocorrido a prescrição, tendo em vista a não consumação do interregno previsto no Código Penal, inexiste o constrangimento ilegal afirmado na impetração. III – Recurso desprovido” (STJ, 5.ª Turma,RHC 16856/RJ, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 20.06.2005, p. 295).

113 Ação direta de inconstitucionalidade. Artigos 39 e 94 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).

Restrição à gratuidade do transporte coletivo. Serviços de transporte seletivos e especiais. Aplicabilidade dos procedimentos previstos na Lei 9.099/1995 aos crimes cometidos contra idosos. 1. No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.768/DF, o Supremo Tribunal Federal julgou constitucional o art. 39 da Lei 10.741/2003. Não conhecimento da ação direta de inconstitucionalidade nessa parte. 2. Art. 94 da Lei 10.741/2003: interpretação conforme à Constituição do Brasil, com

somente no que tange às normas processuais contidas na Lei 9.099/1995, e que as normas penais aplicáveis seriam as previstas no Código Penal, justamente para evitar que os benefícios previstos na Lei dos Juizados Especiais Criminais possam garantir benefícios ao autor dos crimes contra idosos. O artigo 95 do Estatuto assegurou que todos os crimes previstos naquela Lei seriam imputáveis mediante ação penal pública incondicionada.

Quanto aos crimes em espécie, o estatuto previu a discriminação, a omissão de socorro e assistência, o abandono de idosos e expor a perigo a integridade e saúde do idoso. No que tange à proteção de patrimônio, o Estatuto estabeleceu pena de reclusão de 1 a 4 anos para aquele que se apropriar de ou desviar proventos, pensão ou qualquer outro rendimento do idoso.114

Por fim, induzir outorga de procuração feita por pessoa idosa sem discernimento para fins de administração ou disposição dos bens, coagir o idoso a doar, contratar ou outorgar procuração e lavar ata notarial que envolva pessoa sem discernimento também são crimes previstos pelo Estatuto.

O Estatuto trouxe ainda alterações no Código Penal, incluindo os idosos nas hipóteses de agravante da pena (artigo 61, II, h), nas causas de aumento de pena em casos de homicídio (artigo 121, § 4.º), abandono de incapaz (artigo 133, § 3.º, III), injúria (artigo 140, § 3.º), sequestro (artigo 148, § 1.º, I).

Por fim, no ramo do Direito Processual Penal, alguns benefícios também são concedidos aos idosos. Além da prioridade de tramitação e inclusão dos crimes com pena de até 4 anos no rito previsto na Lei 9.099/1995, o Código de Processo Penal garante ao depoente, impossibilitado de comparecer em Juízo em razão de ser idoso, a faculdade de ser inquirido onde estiver. Outro benefício concedido aos idosos é a isenção de alistamento para o júri dos maiores de 60 anos.

redução de texto, para suprimir a expressão “do Código Penal e”. Aplicação apenas do procedimento sumaríssimo previsto na Lei 9.099/1995: benefício do idoso com a celeridade processual. Impossibilidade de aplicação de quaisquer medidas despenalizadoras e de interpretação benéfica ao autor do crime. 3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente para dar interpretação conforme à Constituição do Brasil, com redução de texto, ao art. 94 da Lei 10.741/2003 (ADI 3096, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, j. 16.06.2010, DJe-164, divulg. 02.09.2010, public. 03.09.2010, Ement. 02413-02/00358, RTJ 00216/204).

114 Para uma lista completa dos crimes previstos no Estatuto, ver DINIZ, Fernanda Paula. Direito dos

Veja-se, assim, que tanto o direito material quanto o direito processual na esfera penal conferem tratamento diferenciado ao idoso tanto quando figura na condição de agente de crime, atenuando e mitigando os impactos que sofreria uma pessoa não idosa, como também quando figura como vítima, ocasião em que a punição ao agente será mais gravosa. Tudo isso decorre do reconhecimento da vulnerabilidade do idoso, também no campo penal, como será demonstrado nos próximos capítulos do presente trabalho.