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A TUTELA DO IDOSO PELOS TRATADOS INTERNACIONAIS

TÍTULO II – A TUTELA LEGAL DO IDOSO

CAPÍTULO 2 A TUTELA DO IDOSO PELOS TRATADOS INTERNACIONAIS

No pós-guerra, o sentimento de justiça e de proteção que aflorava no mundo inteiro fez com que surgisse uma preocupação especial voltada ao idoso, tendo sido reconhecido seu papel de relevo na sociedade. Em 1948, a Organização das Nações Unidas promulgou a Declaração Universal dos Direitos do Homem, da qual o Brasil é signatário, reconhecendo especificamente, no que tange aos idosos, que toda pessoa tem direito à previdência social, ficando protegida das consequências da velhice (artigo 16) e que todos têm direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe bem-estar, inclusive com alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis (artigo 25).139

Em 1966 foi aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que140 prevê a impossibilidade de discriminação por nascimento nas medidas estabelecidas no documento.141 Apesar dessa previsão genérica e da grande preocupação do documento em proteger a criança e o adolescente, nenhuma menção é feita no sentido de tutelar os idosos.

Em 14 de dezembro 1978, a Organização das Nações Unidas, por meio da Resolução 33/1952, convocou uma Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, realizada em 1982 na cidade de Viena na Áustria.

Em 1982, foi concebido, com a colaboração de 126 países, o Plano de Ação Internacional sobre Envelhecimento,142 aprovado pela Assembleia Mundial de Saúde

139 “Artigo XXV, 1.º Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua

família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu

controle.” Disponível em:

<http://www.unfpa.org.br/Arquivos/declaracao_universal_direitos_humanos.pdf>. Acesso em: 21 maio 2015.

140 Decreto 591, de 06.07.1992.

141 Artigo 2.º, § 2.º, do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

142 “The Vienna International Plan of Action on Ageing is the first international instrument on ageing,

em 03.12.1982 e contemplado na Resolução 37/1951. Foi idealizado um Plano Internacional sobre o Envelhecimento com as seguintes metas: fortalecer a capacidade

dos países para abordar de maneira efetiva o envelhecimento de sua população e atender às preocupações e necessidades especiais das pessoas de mais idade; fomentar uma resposta internacional adequada aos problemas do envelhecimento com medidas para o estabelecimento da nova ordem econômica internacional e o aumento das atividades internacionais de cooperação técnica, em particular entre os próprios países em desenvolvimento.143

Apesar de ter aderido ao plano, Fernanda Paula Diniz observa que o Brasil descumpriu quase a totalidade das recomendações ali estabelecidas, principalmente no que versa sobre o bem-estar social, nutrição, infraestrutura e saúde.144

Em 1991, foram aprovados pela Assembleia Geral os princípios das Nações Unidas em favor dos idosos: “Tal documento serviu de base para o estabelecimento dos seguintes princípios das Nações Unidas em favor das pessoas idosas: independência, participação, cuidado, autorrealização e dignidade”.145

Em 1999, Ano Internacional do Idoso, a ONU formulou como tema para o ano o conceito de “sociedade para todas as idades”, com quatro dimensões: desenvolvimento individual durante toda a vida; relações entre várias gerações; relação mútua entre envelhecimento da população e desenvolvimento; e a situação dos idosos. Nesse ano foram adotadas medidas, pela própria ONU, que contribuíram para a promoção da consciência dos problemas envolvendo a terceira idade, assim como para a pesquisa e ação em matéria de políticas, em todo o mundo, envidando esforços para incorporar as questões relacionadas com o envelhecimento às atividades de todos os setores e promover oportunidades relativas a todas as fases da vida.

United Nations General Assembly in 1982 (resolution 37/51), having been adopted earlier that same year at the World Assembly on Ageing in Vienna, Austria. It includes 62 recommendations for action addressing research, data collection and analysis, training and education, as well as the following sectoral areas: health and nutrition, protection of elderly consumers, housing and environment, family, social welfare, income security and employment, and education” Disponível em: <http://www.un.org/en/development/devagenda/ageing.shtml>. Acesso em: 23 maio 2015.

143 ONU. Plano de Ação Internacional de Viena sobre o Envelhecimento, 1982.

144 DINIZ, Fernanda Paula. Direito dos idosos na perspectiva civil-constitucional. Belo Horizonte:

Arraes, 2011. p. 52

145 RULLI NETO, Antonio. Proteção legal do idoso no Brasil: universalização da cidadania. São Paulo:

A Segunda Assembleia Mundial sobre Envelhecimento, realizada em Madrid no ano de 2002,

Adotou dois documentos principais: a Declaração Política de cada país e o Plano Internacional de Madrid de Ação sobre Envelhecimento de 2002. Ambos os documentos incluem compromissos assumidos pelos governos e medidas para serem adotadas em virtude dos desafios trazidos pelo envelhecimento. O documento traz mais de 100 recomendações de ação, baseados em três principais temas: idosos e desenvolvimento; saúde e bem estar na terceira idade; suporte e garantia de ambiente acessível à terceira idade.146

A respeito do documento traduzido observou o então Ministro Nilmário Miranda, Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República:

A Declaração Política e o Plano de Ação Mundial para o Envelhecimento constituem importante referencial para o direcionamento das ações da Secretaria Especial dos Direitos Humanos que, juntamente com a Subsecretaria de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos e o Conselho Nacional dos Direitos do Idoso, têm promovido o combate à discriminação, à negligência, ao abuso e aos maus-tratos à velhice. O desafio de viver com dignidade, uma vida socialmente ativa durante todo o percurso do envelhecimento, é uma realidade que envolve a todos nós.147

O objetivo do Plano de Ação é garantir que, em todas as partes, a população possa envelhecer com segurança e dignidade e que os idosos possam continuar participando de suas respectivas sociedades como cidadãos com plenos direitos, sem deixar de reconhecer que as bases de uma velhice sadia e enriquecedora são lançadas em uma etapa inicial da vida.

Além das normas internacionais supracitadas, voltadas à proteção específica dos idosos, encontramos diversas proteções implícitas e esparsas em outras normas internacionais, todas ratificadas pelo Brasil, versando sobre diversas áreas do direito, citando-se, apenas a título exemplificativo, a Declaração da Filadélfia de 1944, que garantia ao idoso o pagamento de “pensão” em razão da idade, a Carta Internacional Americana de Garantias Sociais, que conferiu proteção ao trabalhador idoso, a

146 Tradução livre da página da internet das Nações Unidas. Disponível em:

<http://www.un.org/en/development/devagenda/ageing.shtml>. Acesso em: 23 maio 2015.

147 Disponível em: <http://www.observatorionacionaldoidoso.fiocruz.br/biblioteca/_manual/5.pdf>.

Convenção Americana sobre Direitos Humanos (conhecida como Pacto de San José) de 1969, que tratou também da discriminação por idade, e as Convenções 26, 36 e 37 da OIT sobre segurança do trabalho.

Toda essa ampla proteção oferecida pela Constituição Federal, pelo Estatuto do Idoso, pela legislação pátria esparsa e pela legislação internacional trazida ao longo deste Título levanta a discussão acerca da existência ou não de uma (hiper)vulnerabilidade do idoso, razão pela qual esse tema ocupará a próxima Parte do trabalho.

PARTE II – A DESEQUIPARAÇÃO DO IDOSO

TÍTULO I – VULNERABILIDADE

CAPÍTULO 1 – PRINCÍPIO DA IGUALDADE, PREVISÃO

CONSTITUCIONAL DE DESEQUIPARAÇÃO DO IDOSO E IDOSO

COMO MINORIA

De acordo com Fernanda Tartuce, a isonomia pode ser vislumbrada como um

conceito comparativo que visa estabelecer um equilíbrio entre os membros da

sociedade, de forma a assegurar, mesmo que indireta e parcialmente, a efetivação da ideia de justiça.148 As normas deveriam atender “os seres reais existentes no mundo dos fatos”,149 e não sujeitos ideais, existentes no mundo abstrato.

Ronald Dworkin concluiu ser impossível a qualquer governo abandonar a questão da igualdade, justamente por sua correlação com o conceito de justiça. O autor identifica que deve existir uma igualdade material (por ele designada de “igualdade de recursos”) baseada em duas diretrizes: princípio da igual importância – cada vida humana deve ser bem-sucedida e não desperdiçada – e princípio da responsabilidade especial, segundo o qual, apesar da responsabilidade geral, a pessoa dona da vida é a especial e final responsável por seu sucesso.150

A isonomia que se perquire nos dias atuais gira em torno da concepção positiva de igualdade: a fim de se concederem oportunidades iguais a todos, admite-se que a lei traga diferenciações e conceda benefícios aos jurídica ou economicamente desiguais.151

148 TARTUCE, Fernanda. Igualdade e vulnerabilidade no processo civil. Forense, 2012. p. 27. 149 Idem, ibidem, p. 165.

150 DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade. Tradução de Jussara

Simões. Revisão técnica e da tradução de Cícero Araújo e Luiz Moreira. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 15.

151 José Cretella Neto observa que, por um tempo, prevaleceu a ideia de igualdade formal negativa, pela

Verifica-se que o conceito de atual de isonomia deve ser enriquecido com a questão da justiça social, a qual pressupõe que, em virtude da interdependência entre os indivíduos e a comunidade, existe uma obrigação do sujeito e uma responsabilidade da sociedade perante os demais.

Maria José Romão Carreiro Vaz Tomé bem observa que incumbe à sociedade administrar suas novas realidades, citando como exemplo a crescente população idosa que requer a adoção de medidas nas vivências sociais e políticas públicas.152 Em outras palavras, é necessária uma perspectiva humanista para que se possa entender o atual conceito de isonomia.

Soma-se a tais considerações o fato de que, estatisticamente, a América Latina é o continente com maior desigualdade social, e quase metade da população vive em condições miseráveis ou próximas à miséria.153

Entendidas tais premissas e o princípio da isonomia in abstracto, questiona-se: qual é o critério legitimamente manipulável – sem violação à igualdade – que autoriza distinguir pessoas e situações em grupos apartados para que recebam diferente tratamento legal?

Celso Antônio Bandeira de Mello responde a essa difícil questão, observando que

[...] as discriminações são recebidas como compatíveis com a clausula igualitária apenas e tão somente quando existe um vínculo de correlação lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida por residente no objeto e a desigualdade de tratamento em função dela conferida, desde que tal correlação não seja incompatível com interesses prestigiados na Constituição.154

desigualdades, cedeu espaço à conhecida fórmula “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade” (CRETELLA NETO, José. Fundamentos principiológicos

do processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 55).

152 TOMÉ, Maria José Romão Carreiro Vaz. Algumas considerações sobre a dependência. In: LEITE

NETO, Diogo (Coord.) Pessoa humana e direito. Coimbra: Almedina, 2009. p. 301-303.

153 www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ ult94u101501.shtml – Acesso em: 15/09/2015.

154 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed.

Em outras palavras, o que o autor exige para que se cogite tratamento desigual é a verificação do critério utilizado para garantir tratamento desigual a uma classe e a existência de uma justificativa racional para que aquela classe ou grupo sejam tratados de maneira diversa. Tudo isso sem violar nenhum dos valores proclamados na Constituição.

Além disso, a ordem jurídica não permite desequiparações fortuitas ou injustificadas, e, por isso, de acordo com o autor supracitado, o sistema normativo concebeu fórmula para impedir atrocidades e tiranias.

No Brasil, com o advento da Constituição Federal de 1988, passou-se a conferir direitos especiais às pessoas que se encontravam em condições especiais. A própria Constituição Federal determinou, nos artigos 5.º, 227 e 230 que fossem amparadas as categorias dos consumidores, criança e adolescente e idosos, respectivamente. Apesar da previsão, ainda não se utilizava expressamente o termo vulnerabilidade.

Porque há de se tratar desigualmente os desiguais é que a Constituição Federal garantiu tratamento diferenciado a certos grupos de pessoas. Demonstrou-se ao longo da Parte I deste estudo que os idosos, assim como outros grupos de pessoas, foram constitucionalmente considerados desiguais, e a legislação infraconstitucional seguiu na mesma direção em todos os ramos do Direito.155 O idoso, junto com outras classes, foi desequiparado pela Carta de 1988.

Como bem observou Fernanda Tartuce, pela inexistência de igualdade absoluta, visto que sempre haverá uma razoável desigualdade, é que as situações e casos concretos devem ser analisados minuciosamente. E nesse passo importa adentrar no tema das minorias.

A minoria pode ser conceituada como

155 O idoso foi tratado de maneira diferenciada no Direito Penal, quando figura tanto como vítima como

ofensor, foi tratado desigualmente no Direito Civil, nas regras sucessórias, contratuais e matrimoniais, no Direito Tributário, no Direito Processual, no Direito do Trabalho e no Direito do Consumidor. O Estatuto do Idoso confirma a necessidade de desequiparação do idoso em todos os ramos da vida em sociedade.

[...] segmento social, cultural ou econômico vulnerável, incapaz de gerir e articular sua própria proteção e a proteção de seus interesses, objeto de pré-conceituações e pré-qualificações de cunho moral em decorrência de seu distanciamento do padrão social e cultural hegemônico, vitimados de algum modo e em graus variados de opressão social, e, por tudo isso, necessitados e demandados de especial proteção por parte do Estado.156

Por estarem à margem do processo democrático, as minorias possuem deficiência e, em alguns casos, ausência de representação perante os órgãos legislativos. Não se trata, portanto, tal como sugere o termo, de amplitude numérica, mas sim de condição de impossibilidade de defesa de seus interesses.

Gustavo Tepedino sustenta que o conceito de minoria está intimamente conectado com o conceito de vulnerabilidade:

O termo minoria deve ser reservado àqueles grupos sociais que, independentemente de sua amplitude quantitativa, encontram qualitativamente em uma situação de inferioridade, seja por fatores sociais, técnicos ou econômicos. Esta é, aliás, a acepção que também atribuem aos termos os estudiosos de outras ciências sociais, referindo-se usualmente a minorias como grupos sujeitos à dominação de outros grupos prevalentes. É comum incluir no conceito a impossibilidade ou dificuldade no exercício da cidadania, a incapacidade de defender de forma eficaz os próprios interesses e a submissão perante a autoridade, controle ou poder de outros. Em síntese: a vulnerabilidade é o critério central para a definição e identificação das minorias.157

Passe-se, então, a analisar a vulnerabilidade em nosso ordenamento, considerando desde já que o conceito está atrelado à condição de desigual reconhecida pela Carta de 1988 e seu enquadramento como minoria, em consonância com o que foi exposto até aqui.

156 MINHOTO, Antonio Celso Baeta; OTERO, Cleber Sanfeleci. Portador de deficiência, federação e

inclusão social. In: MINHOTO, Antonio Celso Baeta (Org.). Constituição, minoria e inclusão social. São Paulo: Rideel, 2009. p. 22.

157 TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. Minorias do direito civil brasileiro. RTDC – Revista

CAPÍTULO 2 – CONCEITO DE VULNERABILIDADE,