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Da Teoria Clássica à Pesquisa Moderna

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Academic year: 2021

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EDIÇÃO

PEARSON

HOWARD S. FRIEDMAN

M

ir ia m

W . S

c h u s t a c k

(2)

Capítulo 1

O que é personalidade?

Personalidade e ciência

Dc onde provêm as teorias sobre a personalidade?

Apresentação preliminar das perspectivas

Visão geral das oito perspectivas ■ Os aspectos da personalidade poderiam de fato ser separados?

Ao saírem da aula de química, ao meio-dia, dois estudantes universitários de

19 anos de idade

Unta breve história da psicvlocjia da personalidade

O teatro e a auto-representação ■ Religião ■ Biologia evoluciontsia ■ Avaliação ■ Teoria moderna

testemunharam um ataque terrorista. Michael ficou pálido e trêmulo, paralisado pelo medo; um sorriso

Algumas ejuestões básicas: Inconsciente, self,

singularidade, gênero, circunstâncias, cultura

Qual é a importância do inconsciente? ■ O que ê o

self?

m Cada indivíduo exige uma abordagem

exclusiva? ■ Existem diferenças entre homens e mulheres? ■ Pessoa

versus

circunstancia ■ Até que ponto a personalidade é determinada culiuralmente? ■ () conceito de personalidade é útil?

amarelo estampou-se em seu rosto. Sara ofereceu socorro, pedindo aos colegas que tomassem as medidas necessárias. Por que os dois estudantes reagiram de maneira tão diferente?

O primeiro, o estudante amedrontado Michael.

A personalidade de acordo com o contexto

embora nervoso e

introvertido, era um rapaz

l

|

simpático que estudava

programação de

computador. Em entrevista posterior, Michael relatou que sempre fora meio

tímido, mas esse sentimento havia se intensificado aos 7 anos, idade em que tinha sido sexualmente molestado por seu tio.

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A estudante que se encarregou da prestação de socorro — Sara — era uma aluna cordial e animada, cuja meta de estudos era se tornar doutora. Ela comandava o grêmio estudantil feminino. Com o membro de um gru|K> étnico minoritário. Sara sofreu certa discriminação na escola primária, mas seus pais despertaram nela forte compreensão sobre os valores morais, o que veio a estimular vigorosamente suas realizações.

Michacl e Sara são igualmente inteligentes e afáveis; porém, quando enfrentam uma mesma situação emergencial, reagem de maneira sensivelmente diferente. Será que poderíamos ter antecipado qual estudante teria oferecido socorro se antes

tivéssemos coletado algumas informações sobre sua personalidade? Quando temos informações corretas sobre os indivíduos, podemos predizer seu comportamento de modo razoavelmente preciso e compreender os motivos subjacentes a esse

comportamento, particularmente se levarmos em conta a circunstância social em questão.

Como estudantes universitários da mesma idade, que compartilham aulas na faculdade, Michacl c Sara têm muito em comum; embora também sejam distintos. Oferecemos uma breve descrição de algumas de suas características e

comportamentos, mas o que de lato os diferencia? Que forças psicológicas conferem singularidade a Michael e Sara? Este livro relata o que os psicólogos pensam e sabem sobre a personalidade.

ais fundamentalmente, a psicologia da personalidade levanta a seguinte ques­ tão: ' O que significa ser uma pessoa?" Em outras palavras: Quão únicos somos como indivíduos? Qual é a natureza do selp Os psicólogos da personalidade respondem a essa pergunta fascinante observando, sistematicamente, como e por que os indivíduos se comportam de maneiras distintas. Os psicólogos da personalidade tendem a evitar reflexões filosóficas ou religiosas abstratas concentrando-se, cm vez disso, nos pensamentos, sentimentos e comportamentos de pessoas reais. Em geral, a personalida­ de não é estudada em termos de conceitos não-psicológicos, como ganhos e perdas, al­ mas e espíritos ou moléculas e eletromagnetismo. A personalidade é um subcampo da psicologia.

A psicologia da personalidade pode ser definida como o estudo científico das forças psicológicas que tomam as pessoas únicas. Para sermos mais abrangentes, poderiamos di­ zer que a personalidade tem oito aspectos principais, que, reunidos, ajudam-nos a com ­ preender a natureza complexa do indivíduo. Primeiramente, esse indivíduo é influenciado por aspeitos inconscientes, forças que não estão na consciência imediata. Por exemplo, pode­ ríamos dizer ou fazer coisas para outras |>cssoas, que nossos pais costumavam dizer ou fa­ zer para nós, sem dar conta de estarmos sendo motivados pelo desejo de ser semelhantes a eles. Em segundo lugar, o indivíduo é influenciado pelas chamadas forças do ego. que ofere­ cem um sentimento de identidade ou self. Por exemplo, na maioria das vezes nos esforça­ mos por manter um senso de domínio e consistência em nosso comportamento. Em ter­ ceiro lugar, uma pessoa é um ser biológico, com uma única natureza genética, física, fisiológica c temperamental. A espécie humana vem evoluindo há milhões de anos e ainda assim cada um de nós é um sistema biológico único. Em quarto lugar, as pessoas são condi­

cionadas e modeladas pelas experiências e pelo ambiente ã sua volta. Ou seja, as

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Capitulo 1

0 cjue c personalidade?

3

tâncias à nossa volta, às vezes, nos ensinam a responder de determinada forma, possibili­ tando nosso crescimento em diversas culturas. A cultura é um aspecto fundamental na de­ terminarão de quem somos.

Hm quinto lugar, as pessoas têm uma dimensão cognitiva. Elas pensam e interpretam ativamente o m undo a seu redor. Diferentes pessoas interpretam os acontecimentos à sua volta de maneira também única. Em sexto lugar, um indivíduo é um conjunto de traços,

habilidades e predisposições específicos. Não há como negar que cada um de nós tem deter­

minadas capacidades e inclinações. Em sétimo lugar, os seres humanos têm uma dimensão

espiritual cm relação à própria vida, que os enobrece e os induz a ponderar sobre o signifi­

cado de sua existência. As pessoas não são meros robôs programados por computador. Elas buscam a felicidade c a auto-satisfação. Hm oitavo lugar, e finalmente, a natureza do indi­ víduo é uma interação contínua entre a pessoa e determinado ambiente. Se considerados em conjunto, esses oito aspectos nos auxiliam a definir e a compreender a personalidade; são esses os aspectos-tema deste livro.

Personalidade e ciência

Os modernos psicólogos da personalidade são científicos quando procuram usar mé­ todos de inferência científica (lançando mão de evidências sistematicamente reunidas) para testar teorias. Embora uma pessoa possa estar apta a aprender muito sobre personali­ dade ao ler sobre Raskolnikov, no romance Crime e Castigo, de Dostoicvski. ou ao assistir à peça Hamlet em um festival que homenageia Shakespeare, esses insights só são considera­ dos científicos quando submetidos sistematicamente a testes. Como demonstraremos, os métodos científicos geraram insights sobre a personalidade não disponíveis para um ro ­ mancista ou filósofo perspicazes.

Dizem que o ex-presidente Ronald Reagan e sua mulher. Nancy. usavam a astrologia para julgar outras pessoas. Por que não deveríamos contar com os astrólogos para avaliar a personalidade? Ou por que não ir ao quirólogo mais próximo e deixar que ele fale sobre a sua personalidade lendo as linhas de sua mão? Talvez você devesse optar pela fisiogno- monia — a arte de ler as feições de um indivíduo — para avaliar outras pessoas. Será que você poderia fazer inferências sobre a personalidade de pessoas cuja testa é grande? Não. abordagens como essas não funcionam. Todas essas técnicas geralmente são inválidas; elas são tão inexatas ou vagas quanto exatas. Entretanto, por meio do conhecimento proporcio­ nado pela psicologia da personalidade — teorias clássicas e pesquisas modernas — , respos­ tas significativas sobre a personalidade são viáveis.

Alguns cientistas acreditam que o estudo rigoroso da personalidade deve passar a ser matemático e envolver números — por exemplo, estatísticas tais como as correlações. O coeficiente de correlação é u m índice matemático do grau de concordância (ou associa­ ção) entre duas medidas. Por exemplo, altura e peso estão positivamente correlacionados: na maioria dos casos (mas não em todos), quanto mais alta uma pessoa é, maior é o seu peso. A extroversão e a timidez estão correlacionadas de modo negativo (inverso); saben­ do que em um teste de extroversão os pontos de determinada pessoa são altos, podemos predizer que ela poucas vezes agirá timidamente. No exemplo mostrado na Figura 1.1, há uma correlação negativa entre o grau de introversão de uma pessoa e a quantidade de encontros com o sexo oposto no último mês. Essas estatísticas ajudam-nos a quantificar as relações.

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Figura U

______________

Correlação entre encontros com o sexo oposto e a introversão. Esses datim mostram uma correlação negativa

(inversa) entre introversão e encontros com o sexo oposto: em geral, quanto mais introvertida, menos encontros a pessoa terá. No entanto, observe que Candy e muito introvertida, mas ainda assim tem uma quantidade média dc encontros. Essas estatísticas são usadas para avaliar a validade tanto da

proporção quanto do constructo da introversão.

4

Teorias 4a personalidade

As correlações fornecem informações sobre associações, mas não sobre relações cau­ sais. Por exemplo, se descobríssemos que pessoas obesas tendem a ser simpáticas, essa cor­ relação positiva não nos informaria por que essa relação existe. Será que há alguma pre­ disposição implícita que faz com que determinadas pessoas tendam a comer muito e ainda assim serem felizes? Alimentação lana e excesso de peso tornam uma pessoa mais feliz? Será que as pessoas felizes, por não se preocuparem com a aparência, ganham peso? O u será que as pessoas obesas ocultam a solidão fazendo de conta que sào simpáticas? Ou ou­ tras pessoas, por acreditarem que os obesos são simpáticos, aproximam-se deles cxirover- lidamente e, por conseguinte, acabam por vê-los como simpáticos? Quais são as relações causais? A investigação científica sobre a personalidade ajuda-nos a desemaranhar essa teia de associações. Explicaremos, ao longo dos capítulos posteriores, os métodos sobre personalidade usados na investigação científica.

Conquanto, na realidade, estatísticas como as correlações possam ser extremamente úteis, elas são apenas ferramentas usadas para ajudar a revelar a verdade. A psicologia da personalidade nem sempre tem de ser matemática para ser científica. Neste livro, apresen­ tamos vários tipos de análise sistemática, além das correlacionais, incluindo estudos de caso (enfoque intensivo sobre um indivíduo), comparações intereuliurais e investigações sobre estruturas biológicas. Se reunirmos os insights dessas ou de outras fontes, poderemos obter uma compreensão profunda e válida da personalidade.

Determinada pessoa entendida como sociável poderia, na verdade, estar sendo prepotente? Ela se preocupa com a atração e a satisfação sexual? Seus hábitos de trabalho são bastante adequados ou definitivamente inadequados? As inseguranças parecem origi­ nar-se de experiências na infância? Ainda que suas metas sejam ambiciosas, há dúvidas sobre a capacidade em alcançá-las? A psicologia da personalidade oferece as ferramentas para começarmos a compreender por que as pessoas são como são.

Dc onde provem as teorias sobre a personalidade?

Muitas teorias sobre a personalidade originaram-se dc observações meticulosas c da profunda introspecçâo de pensadores criteriosos. Por exemplo. Sigmund Freud despendeu tempo considerável analisando seus próprios sonhos, que lhe revelaram a extensão dos conflitos e pulsões internos ocultos. Freud foi o primeiro a observar, em seus pacientes, o

1

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2

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1 -Max Placida Carot Candy Steve Baixo Médio Grau de Introversão Alto

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poder das pulsõcs sexuais reprimidas, e transformou essa ideia cm abrangente teoria sobre a psique humana. Partindo dc suposições próprias sobre o conflito relacionado às pulsões sexuais, Freud aperfeiçoou sua teoria para examinar os vários problemas anteriormente observados no desempenho de sua profissão e, concomitantemente, para abarcar os con­ flitos existentes na sociedade. Sua análise parte de postulados fundamentais sobre a natu­ reza e a mente, análise essa que pode ser considerada, principalmente, uma abordagem d e d u tiv a sobre a personalidade, em que as conclusões sucedem de maneira lógica as pre­ missas ou suposições. Na dedução, usamos nosso conhecimento sobre "leis“’ ou princípios psicológicos básicos a fim de compreender cada uma das pessoas.

Num segundo momento, as teorias sobre a personalidade surgiram direiamente de investigações empíricas sistemáticas. Por exemplo, podemos querer saber que dimensões ou traços básicos (como a extroversão) são essenciais para a compreensão da personalida­ de. Reunindo várias observações relevantes sobre traços, em diversas pessoas, podemos perceber quais traços são fundamentais e quais são menos importantes, vagos ou redun­ dantes. Podemos coletar muitos dados sistemáticos de várias pessoas e, à medida que no­ vos dados forem collhidos, rever, continuamente, nossas conclusões. Essa c uma a b o rd a ­ gem in d u tiv a sobre a personalidade porque os conceitos são desenvolvidos com base no que c revelado por observações cuidadosa mente coletadas. A indução parte dos dados para a teoria. Um diagrama esquemático desses processos é mostrado na Figura 1.2.

Uma terceira fonte de teorias da personalidade compreende analogias e conceitos em­ prestados de disciplinas afins. Atualmente, por exemplo, o conhecimento sobre a estrutura e o funcionamento do cérebro humano tem progredido de modo considerável. Vários ti­ pos de digitalização de imagens do cérebro têm sido empregados. A ressonância magnética

(magnetk resonance imaging, M R I) e a ressonância magnética funcional (ÍM R I), por exem­

plo, usam campos magnéticos, e a tomografia computadorizada usa raios X para obter imagens detalhadas do cérebro vivo (consulte o Capítulo 2). A tomografia de emissão de pósitrons Ipositron emission lomography. PET) pode mostrar a atividade cerebral em

anda-Capitulo 1

0 cjue c personalidade?

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Fújura 1.2

_______________________

A natureza da abordagem indutiva versus abordagem dedutiva. A dedução é

frequentemente caracterizada como um processo de raciocínio 'de cima para baixo", que parte de generalizações para casos específicos. Na indução, que funciona de maneira oposta, o raciocínio ocorre de 'baixo para cima'.

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Quanto mais aprendemos sobre a estrutura e o funcionamento do cérebro por meio de tecnologias como a ressonância magnética (MRl). maior é a nossa compreensão sobre as contribuições biológicas à personalidade.

mento, rastreando, à medida que as pessoas pensam e respondem, os canais por onde a glicose radioativa passa. Essas técnicas, em geral, são aplicadas em pessoas cuja personali­ dade é anormal — como esquizofrênicos c indivíduos com lesões cerebrais — para investi­ gar as causas da enfermidade. Alguns modelos de personalidade irão se tornar implausíveis, se forem inconsistentes com o que conhecemos sobre a estrutura e o funcio­ namento do cérebro. Entretanto, as imagens do cérebro podem sugerir novas maneiras de refletir sobre sua organização psicológica.

De forma semelhante, os antropólogos forneceram informações fundamentais tanto sobre a evolução humana quanto sobre as diferenças culturais. Determinados fatos dos se­ res humanos, como a natureza social, subsistem no tempo e no espaço; as pessoas tendem a viver em grupo — grupos familiares e grupos culturais. Contudo, outros aspectos, como a ênfase sobre a individualidade, tendem a variar sensivelmente de uma cultura para outra. Por exemplo, os americanos têm a tendência de celebrar realizações pessoais e privilégios individuais, enquanto os japoneses valorizam a harmonia e a esquiva à distinção pessoal. Qualquer abordagem bem-sucedida da personalidade deve levar em conta esses fatos an­ tropológicos.

Na prática, quase todas as teorias sobre personalidade abrangem alguns elementos de todas essas abordagens. Todas as teorias desenvolvem-se em parte por dedução, cm parte por indução c cm parte por analogia. Às vezes, surgem mal-entendidos interessantes em decorrência de não se reconhecer esse fato. Por exemplo, mostramos no Capítulo 3 um princípio básico da teoria freudiana segundo o qual os garotos em tenra idade são motiva­ dos a "livrar-se" do pai e a "casar-se" com a mãe. Diz-se que a solução desse conflito tem efeito direto sobre a personalidade adulta. Prognósticos interessantes sobre a personalida­ de podem ser deduzidos desse princípio ou suposição. ( ) fascinante é que jovens pais. que frcqüentaram algum curso de psicologia da personalidade, geralmente se surpreendem ao ver o filho de 4 anos avançar para a cama deles, tentar subir c ordenar ao pai que saia!

Os pais provavelmente responderão: “Caramba! Freud estava certo!' O comporta­ mento do garoto é tomado como prova de uma dedução da teoria freudiana. O que os pais deixaram de reconhecer é o uso que Preud fez dessas observações ao elaborar pela primei­ ra vez sua teoria; portanto, que isso venha a ser observado |>or outras pessoas não será ne­ nhuma surpresa. (Freud. assim como a maioria dos teóricos da personalidade, era um ob­ servador experiente.)

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Essa linha dc raciocínio leva-nos a uma importante questão: vários comportamentos serão prognosticados e poderão ser explicados, ao mesmo tempo, por várias teorias sobre a personalidade. Portanto, é difícil afirmar que uma abordagem está totalmente "incorreta*. Nas ciências bem estabelecidas como a física, uma estrutura ou um paradigma teórico, como a teoria da relatividade de Einstein, pode ser arquitetado de forma que ponha por terra, dc uma ve/ por todas, conhecimentos anteriores e uma nova geração de cientistas movimente-se rapidamente para adotar e aperfeiçoar essa nova teoria (K u h n , 1962). A psicologia da personalidade, contudo, não tem uma estrutura onisciente largamente acei­ ta. Isso quer di/er que tanto as explicações concorrentes dos fenômenos da personalidade devem ser examinadas quanto a psicologia da personalidade é caracterizada por um con­ junto de abordagens rivais intclectualmente estimulantes. Além disso, algumas teorias são mais aplicáveis a determinados domínios que outras. Por essas razões, mostraremos as potencialidades e as fragilidades de várias abordagens no âmbito do conhecimento da per­ sonalidade. Uma teoria confiável sem dúvida será abrangente (explicará vários fenôme­ nos). parcimoniosa (fornecerá explicações simples c concisas), testável (passível de ser tes­ tada para correção) e produtiva (conduzirá a novas idéias, novos prognósticos e novas investigações) (Campbell, 1988).

Apresentação prelim inar das perspectivas__________

Todo o mundo já ouviu falar das teorias dc Sigmund Frcud c você provavelmente já ouviu falar que, segundo Freud, nos sonhos, os objetos descritos a seguir podem represen­ tar simbolicamente o pênis: martelos, fuzis, punhais, guarda-chuvas, gravatas (objetos longos peculiares aos homens), cobras e muitos outros. Todos eles são símbolos fálicos. Você com certeza já deve ter ouvido falar que uma pessoa pode sonhar com a vagina como uma trilha através da mata, ou como um jardim, em um sonho no qual uma jovem per­ gunta ao jardineiro se alguns galhos podem ser transplantados no jardim dela. Se tomadas fora do contexto, essas afirmações não têm nenhum sentido, mas ainda assim Freud in­ fluenciou grandemente o pensamento do século XX. Tentaremos mostrar por que a teoria freudiana teve tamanho impacto.

Vários outros teóricos e pesquisadores da personalidade são bastante conhecidos, mas o melhor e mais moderno entendimento da personalidade provém de uma síntese da investigação psicológica sobre matérias como natureza do self psicobiologia, teorias da aprendizagem, teorias dos traços, abordagens existenciais e psicologia social. Para degus­ tar o que vem pela frente, eis uma introdução aos conceitos e aos psicólogos que investi­ garemos. Os principais aspectos das perspectivas a serem cobertas são apresentados na Tabela 1.1.

Visão geral das oilo perspectivas

No Capítulo 3. examinaremos os aspectos psicanalíticos da personalidade, concentran­ do-nos no inconsciente. Curiosamente, na psicologia o estudo sobre o inconsciente mais uma vez passou a ser uma área significativa da pesquisa em andamento. Hoje não há dúvi­ da de que no cérebro existem subsistemas complexos e ocultos, exatamente como Freud postulou. No Capítulo 4. enfatizamos os aspectos ego ou self da personalidade, reconstituindo conceitos sobre o self desde o trabalho de Alfred Adler sobre o complexo de inferioridade até, precisamente, a moderna teorização sobre personalidade múltipla. As

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8

Teorias 4a personalidade

Tabela 1.1

O s o ito aspectos básicos d a p e rs o n a lid a d e Perspectiva Principal característica

Psicanalítica Observação das influências inconscientes; importância dos impulsos sexuais mesmo cm esferas não sexuais.

Neo-analítica/ego Ênfase no self em sua luta para lidar com emoções c impulsos no mundo interior e as exigências de outras pessoas no mundo exterior.

Biológica Enfoque nas tendências e nos limites impostos pela herança biol<’>gica: pode ser facilmente associada com a maioria das outras abordagens.

Behaviorista Pode compelir uma análise mais científica das experiências de aprendizagem que modelam a personalidade.

Cognitiva Captura a natureza ativa do pensamento humano; emprega o conhecimento moderno da psicologia cognitiva.

Traço Técnicas eficientes de avaliação do indivíduo.

Humanística Valoriza a natuie/a espiritual da pessoa; enfatiza a luta pela auto- satisfação c pela dignidade.

Interacionista Reconhece que temos diferentes personalidades (selves) em diferentes circunstâncias.

rias sobre como c por que temos uma percepção do self continuam a fascinar os psicólogos (Higglns, 1999).

Da mesma forma que as pessoas nascem de diferentes tamanhos, aspectos e cores, elas diferem relativamente entre si no que se refere aos sistemas biológicos. O Capítulo 5 investiga os aspectos biológicos da personalidade, um tópico às vezes negligenciado nos textos sobre personalidade. A característica de um indivíduo de natureza emocional c motivacional. em geral conhecida como temperamento, é influenciada significativamentc por vários fatores biológicos. Esses temas vêm atraindo a atenção de cientistas de vanguar­ da desde a época dc Charles Darwin. Hoje. novos avanços na teoria da evolução e na com­ preensão da genética humana estão sendo aplicados na psicologia da personalidade.

No Capítulo 6. serão considerados os aspectos bchavioristas e de aprendizagem da personalidade. Partindo do trabalho do behaviorista radical B. F. Skinner, examinamos até que ponto a personalidade pode ser 'encontrada” no ambiente externo. O Capítulo 7 ana­ lisa os aspectos cognitivos da personalidade, concentrando-se na consistência entre uma pessoa e outra no que tange à percepção e à interpretação tio m undo à sua volta. Como veremos, as abordagens cognitivas estão cada vez mais se associando à psicologia social c transformando-se em abordagens sodocognitivas da personalidade, como as idéias de Albert Bandura sobre a importância da auto-eficácia. No Capítulo 8, são enfatizados os

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as-pcctos traço c habilidade da personalidade. No início do século XX, o psicólogo Gordon Allport, da Universidade de Harvard. desenvolveu quase sozinho abordagens surpreen­ dentes sobre traços da personalidade, enfoques que desde então passaram a dominar essa área, embora recentemente tenha ressurgido o interesse científico por essas abordagens. Hoje, idéias sobre cinco dimensões básicas de traço fornecem uma moeda única para a re­ flexão a respeito dos traços da personalidade.

Os aspectos humanístlcos e existenciais da personalidade, concentrados na autono­ mia e auto-realização, são o tema do Capítulo 9. Com base na obra influente de Cari Rogcrs, examinamos o que parece tornar os seres humanos unicamente humanos. Ade­ mais, o que torna as pessoas satisfeitas? No Capítulo 10, são explicados os aspectos interacionistas pessoa-situação, a mais moderna abordagem sobre personalidade.

Os aspectos da personalidade poderiam de fato ser separados?

Dividir o cani|H) da personalidade é a melhor solução? Alguns pesquisadores podem ser evasivos no que se refere a esse esquema de classificação porque todos os brilhantes teóricos da personalidade incluem necessariamente mais de um aspecto da personalidade em seus escritos. Por exemplo, as teorias freudianas têm várias noções biológicas, e Frcud. com certeza, levou em consideração o principal papel desenqrenhado pelas forças de socia­ lização. Do mesmo modo, B. F. Skinner, o mais importante behaviorista, compreendeu acertadamente a tremenda influência de outras pessoas em nossa vida. a despeito de sua pesquisa concentrar-se no condicionamento de animais em laboratório. Nossa meta neste livro não é colocar teorias complexas cm pequenos compartimentos, mas, em vez disso, fornecer exame meticuloso dos diferentes e significativos tipos de insi^lits sobre a natureza da personalidade, desenvolvidos ao longo do século XX.

Qual das perspectivas sobre a personalidade está correta? As pessoas são governadas por traços, hormônios, motivos inconscientes ou nobreza de espírito? Essa pergunta é di­ ferente da pergunta "Qual das teorias sobre a personalidade está correta?" ou "Que hipótese é a verdadeira?" Teorias e hipóteses são testificáveis e. por natureza, podem ser refutadas. Ou seja, elas são verificáveis. Examinaremos, posteriormente. neste livro, muitas dessas teorias e hipóteses, e mostraremos quais aspectos estão incorretos ou são duvidosos. Po­ rém. a pergunta que importa aqui é "Qual das perspectivas sobre a personalidade está corre­ ta?" Essa pergunta é fácil de responder: unias as oitos estão corretas no sentido de que to­ das oferecem alguns itisicfhts psicológicos importantes sobre o que significa ser uma pessoa. Em outras palavras, podemos tirar proveito do aprendizado das potencialidades (e das fra­ gilidades) de todas as oito perspectivas.

Essa resposta não é uma evasiva ou artimanha. A natureza humana é tremendamen­ te complexa e necessita ser examinada de várias perspectivas. Na verdade, confiar sobre­ maneira em uma única abordagem e ignorar os valiosos insiyhts oferecidos por outras pers- pectivas e investigações científicas é uma estratégia efémera. É fundamental lembrar que cada uma dessas perspectivas enriquece nossa compreensão da personalidade. Entretanto, não é apropriado perpetuar idéias que não são sustentadas por evidencias.

Uma breve história da psicologia da personalidade

_______

Inúmeras influências científicas e filosóficas que convergiram logo no início do século XX possibilitaram o nascimento da psicologia da personalidade. Siginund Frcud, bastante

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L in h a d o t e m p o da h istó ria d a psicolo gia da p e rs o n a lid a d e __________________ Os principais avanços no campo da psicologia da personalidade podem ser vistos aqui, de acordo com a relaçao histórica que tem entre si e segundo seu contexto social e cultural mais amplo.

10

Teorias eia personalidaeie

1859 Charles Darwin publica

Ori$crti

das Espécies.

1905 Binet c Simon constroem o primeiro teste válido de inteligência.

1919 J. B. Watson funda o behaviorismo. Década de 50 llcn ry Murray desenvolve a pcrsonologia Década de 40 Guilford. Cattell e outros reíinam a forma de aplicar motivacional. os testes r a

1917 Década dc 1920 análise fatorial.

1900 Inicia-se a Kurt Lcwin Investiga a

Sigmund Ficud aplkaçáo do teste psicologia da Gestalt cm DiVaild dc m o

publica

A Interpretação

de personalidade Berlim; cm 1955 foge Margarct Mead investiga

dos Sonhos.

no Exército * dos nazistas para os a personalidade em

americano. \ Estados Unidos. diferentes culturas.

_______________________

\

__________ i 1861 -1865 Década de 1880 Guerra Civil americana. Inicia-se a imigração mactça para os Estados Unidos. 1900-1921 As mulheres reivindicam o direito ao voto. Década de 20

Ro<trin$ Twenlks.1

1914-1918

Primeira Guerra Mundial.

Década de 50 Década de 40

Grande Dcprcssáo. Segunda Guerra Mundial e rápida expansio no pós-guerra. Déi ada de 1880 Francis Galton começa a avaliar as diferenças individuais. 1906 Ivan Pavlov investiga o condicionamento do sistema nervoso. 1910-1950

Jung. Adler, Hom cy e outros aperfeiçoam a psicanálise*. 1957 Gordon Allport propõe a teoria dos traços. Década de 50 B. F. Skinner investiga programas de reforço. Década de 40 A filosofia existencial enraíza-se nos Estados Unidos. Década de 40 Os psicólogos investigam o fascismo.

ciente desses novos princípios, publicou deliberadamente um de seus principais livros, Die

Tratwnicutuny |A Interpretação dos Sonhos], cm 1900 (c nàocm 1899). Por volta da década de

50. estava tomando forma a teoria moderna da personalidade. Portanto, a psicologia da personalidade existe há pouco mais de meio século, ainda que suas raízes remontem a toda a história humana. A linha do tempo mostra a sequência aproximada do marcos vu l­ tosos na história da psicologia da personalidade e sua relação teni|>oral com eventos m un­ diais importantes.

I . Ruidosos anos 20: década dc sucesso estrondoso

(kootn

especulativo* nos Estados Unidos seguida dc

(12)

Capitulo 1

0 cjue c personalidade?

11

Década dc HO A personalidade e a saúde são estudadas; é estabelecida a psicologia da saúde. Década de 90 A teoria de cinco fatores torna-se tema central. Década de 2000 A psicologia da personalidade expande-se rapidamente, bem como os interesses por saúde, conflitos étnicos c cultura.

Década de 50 Roge rs. Maslow c Allport fundam a psicologia humanfstica. Década de 70 Múltiplos

stlves.

automonítoração e

u tf

social são estudados; a teoria clássica esmorece. 1 Década de H0 Modelos interacionistas modernos emergem. Década de 90 Os temas, metas pessoais e trajetória de vida cão estudados ã medida que as teorias tornam-se mais restritas.

i

Década dc 50 D écjilj de <v0 Década de 70 Década dc HO Década de 90 Década de 2000

Crescimento Direitos civis Movimento pelos Reflorescimento O genoma 0

boa

w

das universidades c revolução direitos das das empresas humano económico

e da classe média. sexual. mulheres; corporativas; é decifrado. chega ao fim;

expande-se comercio crescem os conflitos

O divórcio. internacional. mundiais.

Década de 50 lnida-sc o restabelecim ento cognitivo na psicologia experimental. Década de ó0 Década de 70 As abordagens Aprofundamento

interacionistas dos estudos

Ipessoa-situação* sobre diferenças

passam a ser de género,

levadas a sério.

7

Década de 80 Observação das iníluéncia$\ culturais. Década de 90 Ressurge o Interesse pelos fundamentos genético e evolutivo da personalidade. Década de 80 Investigações do *<7/ a partir de uma perspectiva sociocognltiva. Década dc 2000 A psicologia da personalidade reúne-se continuamente com a neurodenefta, a biologia evoiurionkta e a psicologia cognitiva.

O teatro e a auto-representação

Algumas das raízes da psicologia da personalidade podem ser remontadas ao teatro. Teofrasto, discípulo de Aristóteles, é um dos primeiros criadores conhecidos de esquetes de personagens — descrições resumidas de um tipo de indivíduo que pode ser identificado ao longo do tempo e do espaço, como pessoa vulgar ou metódica ou preguiçosa ou grosseira (Allport, 1961). Os atores romanos e gregos antigos usavam máscaras para mostrar que estavam interpretando personagens diferentes, c não eles mesmos. Isso revelava fascina­ ção pela natureza verdadeira (desmascarada) do indivíduo. Na época dc Shakespcare, as máscaras praticamente deixaram dc ser usadas, mas havia um tremendo encantamento pelos papéis que as pessoas representavam. Em As You Like li [Cí>/wt> Gostais], Shakespeare observou que 'O mundo inteiro é um palco e todos os homens e mulheres são meramente

(13)

atores". Porém, nessa época, não se duvidava de que o papel do rei ciumento ou d«» aman­ te rejeitado poderia ser ocupado (interpretado) de modo semelhante por diferentes pes­ soas. Todo o m undo reconhece e entende os personagens básicos.

Haverá, de fato. algo estabelecido por trás dos papéis que as pessoas desempenham na própria vida? No século XX. o teatro deu outro passo imaginativo quando teatrólogos como Luigi Pirandello (I8 6 7 -I9 J 6 ) brincou com a ideia de que os personagens poderiam sair de cena. Por exemplo, um ator poderia sair totalmente do palco (ou do sei de filma­ gem) e lazer comentários sobre a peça. De uma hora para outra, o personagem parece ter uma realidade própria — o considerado realidade é, na verdade, uma série de ilusões. Ao mesmo tempo, os filósofos sociais começaram a levar em conta a idéia do self relativo — isto é, não há nenhum self subjacente c nenhuma máscara visível, mas. ao contrário, o self “verdadeiro" consiste simplesmente em máscaras (Hare & Blumberg, 1988: G . Mea d,

1968). Em outras palavras, essas reflexões do século XX desafiaram a idéia de que há al­ gum self ou personalidade central a ser descoberto.

Todas essas noções teatrais foram subsequentemente abordadas na psicologia da per­ sonalidade. em especial quando se tentou compreender a importância da circunstância so­ cial. Essas idéias, além disso, influenciaram os psicólogos existenciais e humanistas que es­ pecularam sobre o que significa ser um "ser hum ano". Contudo, onde o teatro oferece

imijfhts temporários, a psicologia da personalidade procura princípios científicos perma­

nentes e universais.

Religião

Outros aspectos da psicologia da personalidade podem ser reconhecidos nas idéias re­ ligiosas. A tradição judaico-cristã ocidental assevera que o gênero hum ano foi criado à imagem de Deus e desde o princípio enfrentou tentações e conflitos morais. As pessoas cumprem um propósito divino e lutam pelo bem e contra o mal. Nessa tradição, a nature­ za das pessoas é principalmente espiritual — um espírito habita o corpo enquanto ele exis­ te na Terra. Esses conceitos desestimulam e até mesmo impedem uma análise científica da personalidade, pois consideram as pessoas não como parte da natureza, mas como pane da ordem divina.

Ao mesmo tempo, as filosolias e religiões orientais enfatizam a autoconsciência e a auto-realização espiritual por meio de técnicas como a meditação. Muita atenção tem sido direcionada igualmente aos estados alterados de consciência (como o transe). Aqui. tam­ bém, há pouco espaço para a objetividade. Essas preocupações orientais com a consciên­ cia, a auto-realização e o espírito humano passaram a desempenhar papel fundamental em determinados aspectos da teoria moderna sobre a personalidade. Essa influência é mais claramente observada no trabalho de psicólogos humanistas e existenciais como Abraham Maslow, embora o pensamento oriental também tenha influenciado psicólogos seminais da personalidade do porte de C. G. Jung. Hoje. contudo, em sua maioria, as pesquisas u n i­ versitárias sobre a personalidade estão mais voltadas ao campo da ciência positivista m o­ derna do que para temas espirituais.

As influências religiosas sobre as concepções ocidentais da natureza humana começa­ ram a desgastar-se na Renascença, especialmente durante o século XVII. Na década de 1600, observamos, nos escritos de filósofos como Descartes, Spinoza. I.eibnitz e seus segui­ dores, discussões sobre a mente e o corpo, emoção e motivação, percepção e consciência.

A natureza do espírito humano não foi tomada como certa, mas analisada e observada.

(14)

Capitulo 1

0 cjue épersonalidade?

13

Esse tema continuou a ser desenvolvido nos dois séculos seguintes. Na teoria moderna da personalidade, essas influências apresentam-se como assuntos relacionados com a integração e a unidade da personalidade individual. Elas são também observadas em expe­ riências de integração do conhecimento biológico e psicológico — a mente e o corpo. No Capítulo 12. tecemos considerações sobre idéias relacionadas à espiritualidade e bem-es­ tar, em termos do conceito sobre a personalidade que se autocura.

Biologia evolucionista

As influências mais diretas sobre a moderna psicologia da personalidade podem ser re­ montadas aos avanços nas ciências biológicas durante o século XIX. Por que alguns animais como os tigres são agressivos e solitários, enquanto outros, como os chimpanzés, são sociá­ veis c cooperativos? Q ue características os seres humanos compartilham com os outros animais? O maior avanço no pensamento biológico, no século XIX, foi a teoria da evolu­ ção. Charles Darwin, baseando-se em idéias propostas por outras pessoas, afirmou que as características individuais que evoluíram foram aquelas que permitiram ao ser vivo trans­ mitir os genes aos descendentes. Os indivíduos que não se adaptassem bem às exigências do ambiente em que viviam não conseguiriam sobreviver para reproduzir. Um forte im pul­ so sexual, por exemplo, tinha valor adaptativo; naqueles que não o tinham, a probabilida­ de de que reproduzissem era menor. Do mesmo modo, determinada quantidade de agressividade e certo tipo de cooperatlvidade social poderiam demonstrar-se adaptativos. Os animais que pudessem dominar outros quanto à comida ou aos companheiros, e aque­ les que pudessem cooperar com outros para garantir sua segurança, sobreviveriam e trans­ mitiriam seus genes. Esse enfoque sobre a Iunção — isto é. a utilidade do comportamento — continuou sendo um importante aspecto do nosso pensamento acerca da personalidade.

Entretanto, a principal contribuição da teoria da evolução darwiniana para a psicolo­ gia da personalidade foi a maneira pela qual ela libertou o pensamento das suposições de

Embora os animais de estimação possam ser submetidos a testes de personalidade, os donos podem descrever a ‘'personalidade' deles

— a maneira pela qual eles se comportam como

indivíduos, e não simplesmente como cachorros

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14

Teorias

da personalidade

controle divino. Sc admitirmos que uma força divina tem total controle sobre a atividade humana, poderemos concluir que há pouca razão para procurar outras influências sobre o indivíduo. Quando já não havia dúvida de que as pessoas estão sujeitas às leis da natureza, os cientistas começaram a estudar o comportamento humano sistematicamente. Por todos os aspectos, as idéias evolucionistas exerceram influência considerável sobre o estudo da personalidade no século XX.

Um corolário poucas vezes mencionado da doutrina darwinista é o de que outros ani­ mais, especialmente outros primatas, podem ter alguns dos elementos da personalidade. Isso não c nenhuma surpresa para os que têm animais de estimação, pois com frequência eles descrevem a personalidade de seu cachorro, gato ou cavalo. Porém, até pouco tempo, os psicólogos da personalidade haviam conduzido pouquíssimas pesquisas sobre a perso­

nalidade dos animais. Obviamente, não podemos pedir aos animais que reflitam sobre sua própria mente, mas pesquisas nesse campo poderíam nos ajudar a pensar sobre novas for­ mas de avaliar e conceitualizar a personalidade humana. Esse assunto é tratado no quadro

Personalidade dos Animais, o primeiro dos quadros da série D o clássico ao c o n te m p o râ ­

neo. que ilustra como os conceitos teóricos clássicos na psicologia da personalidade abri­ ram caminho j>ara a investigação empírica moderna.

Avaliação

Atenção! O propósito deste exame é verificar quanto você é capaz de se lembrar, refletir e executar o que lhe é solicitado. Não estamos

procurando pessoas desequilibradas. O intuito é ajudar a descobrir o que você está mais apto a lazer no Exército.

Assim começavam as instruções para um teste administrado a mais de um milhão de jovens americanos do sexo masculino quando os Estados Unidos entraram para a Primeira Guerra Mundial, em 1917 (Yerkes, 1921). Os americanos tinham uma tarefa a realizar e acreditavam que poderiam executá-la mais adequadamente se avaliassem as pessoas da mesma forma que testavam uma máquina. Essa abordagem prática e empreendedora da psicologia americana foi responsável por uma perspectiva distintiva no estudo sobre as di­ ferenças individuais.

A Primeira Guerra Mundial assistiu ao primeiro uso em larga escala de lestes psicológicos gue pretendiam eliminar supostos

' indesejáveis" de posições da elite

e nomear alistados ao serviço militar para unidades

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Capitulo 1

0 cjue c personalidade?

15

bo clássico ao contemporâneo

Personalidade dos animais

A psicologia cia personalidade começou a se

desenvolver no fim do século XIX. depois que Charles Danvin tornou pública a teoria da evolu­ ção. Darwin revolucionou a biologia, bem como as concepções sobre a natureza humana, propondo que todas as espécies, incluindo os seres humanos, teriam evoluído durante milênios, na medida em que aqueles organismos que mais se adaptassem ar» respectivo meio seriam capazes de sobreviver e reproduzir.

Por muitos anos, o principal impacto que esse estudo exerceu soba- a psicologia da personalida­ de foi o de ter eximido os cientistas de refletir so­ bre a natureza humana segundo uma abordagem científica. Por exemplo, Signumd Freud (que es­ tudou a teoria da evolução na escola de medici­ na) teve oportunidade de pôr cm discussão ins­ tintos que evoluiram, ocultos, v ib a mente cons­ ciente. Gordon Allpori, por sua vez, foi capaz de postular subsistemas biológicos que. de alguma forma, manifestam-se em traços de personalida­ de comuns. Posteriormente, neste livro, veremos que a teoria evolucionista tem várias implicações na psicologia da [»ersonalidade (e é muito susce­ tível de ser empregada indevidamente). Porém, para ilustrar como as teorias clássicas podem m o­ delar a atual pesquisa sobre a personalidade, consideremos aqui o exemplo da personalidade dos animais.

Nós. em geral, gostamos de falar sobre nossos cachorros, gatos e mesmo peixes usando termos como dócil, agressivo, inteligente, empático e as­ sim por diante. Contudo, seria essa atitude sim ­ plesmente antropomorfista? Isto é. será que esta­ mos sendo tolos em ver traços humanos em a n i­ mais de estimação? A pesquisa moderna sobre a personalidade nos permite começar a responder perguntas como essa. Por exemplo, tendo em vista que os animais não podem lalar sobre si mesmos ou autoconccituar-sc. estudos sobre a personali­ dade dos animais passaram a empregar classifica­ ções de traço (julgamentos) leitos pelos seres h u ­ manos. Felizmente, as pesquisas soba- a personali­ dade ensinaram os pesquisadores a conceber

classificações confiáveis (que podem ser reprodu­ zidas) e classificações válidas (que somente se con­ centram no traço em questão). Os animais podem também ser submetidos a testes experimentais para codilicar como eles reagem em determinadas circunstâncias (como cm situações de competição por comida). Os especialistas acabam de fato con­ cordando nas classificações da personalidade dos animais, cspedalmcnte em determinadas dim en­ sões básicas (Gosling, 20011.

Que traços são confiáveis e comumente classi­ ficados nas investigações sobre os animais? Uma análise reconsiderou 19 estudos sobre fatores da personalidade em várias espécies não-humanas (chimpanzés, gorilas, macacos, hienas, cachorros, gatos, asnos, porcos, ratos,

guppia*

e polvos) ent termos de dimensões básicas comumente usadas nas investigações humanas sobre a personalidade. Os resultados desses estudos revelaram que as d i­ mensões básicas extroversão, neuroticismo (ansie­ dade) e amabilidade apresentam a generalidade mais marcante entre diferentes espécies (Gosling & John, 1999). (I-:. assim como nas pessoas, a ex­ troversão é a mais fácil de ser classificada de m a­ neira confiável.) Além disso, os animais extrover­ tidos e sociáveis de fato parecem ter interações melhores e mais frequentes com seus pares. Desse modo. talvez faça sentido, do ponto de vista cien­ tífico. descrever seu cachorro como sociável, cal­ m o e dócil e o cachorro do vizinho como tímido, neurótico c indigno de confiança.

A título de observação, não conseguimos dei­ xar de mencionar que. além do Dr. Gosling (cuja obra nós citamos), Robin Fox e Lionel Tiger são dois outros eminentes estudiosos nessa área.

L E I T U R A A D I C I O N A L

Gosling, S. D. *Fron> Micc to Men: YVhat Can Wc I.carn about Pcrsonality from Animal

Research?”

Piyílu>liK)kal Bulletin.

/27:45-8í>.

200 1.

Gosling. S. D.

ff

Jonh, O. P ‘ Personality

Dimcnsions in Nonhuman Animais: A Cross-

spccics Rcvicvv”.

Current Dinctiom in Psyihoh-ykal

Stf«K*,$(1):69-75, 1999.

2. Peixe pequeno do mar das Antilhas, de colorido brilhante, que recebeu esse nome em homenagem a Lechmère Guppy. o primeiro a oferecer espécimes ao Museu Britânico (N . da T.).

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Grande parte da investigação psicológica sobre a personalidade apóia-se cm estratégias de combate usadas em tempo de guerra, ou por esforços utilizados cm tempo de paz. na de­

fesa de fronteiras. Ainda hoje, as forças armadas americanas empregam centenas de psicó­ logos para conduzir pesquisas e aplicar testes em seu contingente. O propósito continua sendo precisar e destinar soldados e marinheiros para vagas adequadas, visando uma ‘'m á­ quina ' militar bem-ajustada.

Em 1917. o Exército americano estava mais preocupado em distinguir os possíveis imbecis e em identificar candidatos com tendência a fraquejar em circunstâncias estressantes. Por exemplo, uma determinada avaliação faz a seguinte pergunta aos recru­ tas: 'Você se sente como se estivesse no fim da linha quando está em lugares altos?' (Woodworth, 1919). !• esse tipo de questionário que contribui para a elaboração de m o­ dernos testes de personalidade.

( ) desenvolvimento dos testes do Exército americano sofreu a influência dos psicó­ logos Lewis Terrnan, da Universidade de Stanford, e Robert Yerkes, da Universidade de Harvard, que estavam interessados principalmente no teste de inteligência. Essa foi a ocasião em que os testes mentais foram usados maciçamente. Ambos aclamaram o gran­ de sucesso de seus testes. Imaginaram inúmeras possibilidades de uso futuro para eles. como o pcnciramcnto cm massa de estudantes visando a identificar aqueles que se tor­

nariam a futura elite da sociedade. Infelizmente. esse tipo de avaliação também prepa­ rou terreno para o uso de testes tendenciosos. pelos aplicadores de testes, para discrimi­ nar de maneira injusta grupos menos favorecidos. Por exemplo, os imigrantes do norte da Europa (cuja cultura estava mais afinada com os testes americanos) foram identifica­ dos como os mais 'inteligentes'. Aqueles cuja pele era mais escura, que já haviam sofri­ do discriminação desmedida tanto educacional quanto social, foram considerados inferi­ ores pelos testes.

Capacidades como inteligência e criatividade são, com frequência, separadas da per­ sonalidade. por se acreditar que estejam mais relacionadas às “aptidões", como a força físi­ ca, do que com 'traços', como a extroversão. Entretanto, na medida em que as capacida­ des intelectuais são essenciais à composição psicolé>gica de um indivíduo, elas deveriam ser consideradas parte da personalidade. Por razoes práticas, as infindáveis informações dispo­ níveis sobre inteligência não podem ser totalmentc incorporadas cm nossa análise sobre a personalidade. Contudo, incluímos algumas informações relevantes neste livro.

O conhecimento sobre avaliação e mensuração, aplicado à personalidade por psicometristas como J. P. Guilford (Guilford. 1940). não demorou muito para ser agnipado aos insiijlus provenientes de estudos clínicos (terapêuticos) e a abordagens desenvolvidas na psicologia experimental para formara base da teoria c da investigação moderna sobre a personalidade.

Teoria moderna

A teoria moderna sobre a personalidade, que começou a tomar forma na década de 30. foi grandemente influenciada pelo trabalho de três homens — Gordon Allport. Kurt Lewin e Henry M urray. Allport. exímio conhecedor de filosofia e filologia clássica, devo­ tou sua atenção à singularidade e à distinção do indivíduo. Ele definiu a personalidade como 'a organização dinâmica dos sistemas psicofísicos dentro do indivíduo que determi­

nam sua adaptação pessoal ao respectivo ambiente' (1937, p. 48). Valendo-se dos estudos do psicólogo e filósofo William James. Allport rejeitou a idéia de experimentar dividir a

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personalidade em componentes básicos (como sensação ou impulsos inatos) c procurou identificar a organização subjacente à singularidade de cada pessoa.

Ktirt Lcwin destacou-se na tradição gestaltista. na Europa. Os psicólogos gestaltistas enfatizaram a natureza integrativa e ativa da percepção e do pensamento, sugerindo que o todo pode ser maior que a soma de suas partes. Por exemplo. Wolfgang Kohler. um dos pioneiros da Gesiah. oferece como exemplo a tentativa de memorizar uma relação de pares de substantivos, como lago-açúcar, porta-malas-chapa e garota-canguru. Kohler observa que essas palavras não são normalmente associadas entre si. mas que emparelhadas são mais fáceis de memorizar. A explicação da Gesialt c a seguinte: 'Q u a n d o leio essas pala­ vras, posso imaginar, como uma série de imagens incomuns, a maneira pela qual um tor­ rão de açúcar pode dissolver-se cm um lago, um porta-malas apoia-se cm uma chapa, uma garota alimenta um canguru. Se isso ocorrer durante a leitura de uma série, conhecerei na imaginação inúmeras totalidades que, embora um tanto quanto incomuns, são bem orga­ nizadas" (Kohler, 1947, p. 265). Essa ênfase da totalidade imaginada pela pessoa quando se depara com uma situação exerceu tremenda influência sobre Lcw in e. subsequente­ mente, sobre a personalidade e a psicologia social.

A abordagem de Lcwin, assim como a de Allport, era dinâmica, na medida em que procurou identificar sistemas subjacentes ao comportamento observável. Lcw in voltou sua atenção para a ‘ situação momentânea do indivíduo e a estrutura da circunstância psi­ cológica“ (1935, p. 41). Em outras palavras. Lewin enfatizou que as forças que influen­ ciam uma pessoa mudam de tempos em tempos e de uma situação para outra. As teorias modernas da personalidade adotaram essa ênfase sobre a condição atual de uma pessoa em determinada circunstância.

O terceiro principal escultor da teoria moderna sobre a personalidade foi Henry M urray. Ele dedicou grande parte de sua carreira à Clínica Psicológica de Harvard. onde pôde empreender experiências para integrar questões clínicas (problemas de pacientes reais) com questões teóricas e de avaliação. O que é mais importante. M urray acreditava em uma diretriz mais abrangente, que abarcasse estudos longitudinais — sobre as mes­ mas pessoas ao longo do tempo. Ele optou por uma abordagem ampla da personalidade, definindo-a como o 'ra m o da psicologia que se preocupa principalmente com o estudo sobre a vida humana c os fatores que influenciam seu curso. |c) o qual investiga as dife­ renças individuais' (1938, p. 4).

A ênfase de M urray sobre o estudo das características significativas da vida de cada pessoa levou-o a preferir o termo 'personologia' a 'personalidade"; os psicólogos moder­ nos, que estão se aprofundando nos princípios de Murray. na maioria das vezes se autodenominam ‘ personologistas". Murray, igualmente, enfatiza a natureza integrativa e dinâmica do indivíduo como um organismo complexo que responde a um ambiente espe­ cífico. Além disso, ele ressalta a importância das necessidades e das motivações, ênfase essa que se mostrou muito influente.

Em resumo, Allport, Lewin, M urray e seus colegas prepararam o terreno para a teoria moderna sobre a personalidade, ressaltando que o ser humano como um todo c que deve­ ria ser o foco dos estudos, e não partes de sua essência ou grupos de organismos. Toda pes­ soa. a cada momento, em circunstâncias distintas, é um conjunto único de forças psicoló­ gicas relacionadas que, juntas, determinam as respostas do indivíduo. Em outras palavras, uma abordagem promissora não pode ignorar a integridade do indivíduo ou as várias for­ ças — conscientes e inconscientes, biológicas e sociais — operantes em um determinado instante. Esse é o ponto de vista moderno sobre a personalidade.

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Discretamcnte contrárias a essas ideias então cm desenvolvimento encontravam-se as novas teorias sobre a aprendizagem de Clark Hull e seus companheiros de estudo da U n i­ versidade de Yale e as teorias behavioristas de B. F. Skinner e seus colegas da Universi­ dade de Harvard. Essa oposição acabou levando a uma discussão estimulante, pois ajudou a refinar idéias modernas sobre a natureza humana.

Na década de 50. influente — embora não tão atuante sobre a psicologia da persona­ lidade quanto deveria ter sido — foi o surpreendente estudo da antropóloga Margaret Mead. Em seu livro Sex and Temperawent in Three Primitive Societies \Sexo e Temperamento em

Três Sociedades Primitivas]. Mead mostrou que a masculinidade não estava necessariamente

associada com a agressividade, e que a feminilidade não estava necessariamente associada à coopcratividadc. Para ela, ao contrário, a personalidade era sobremaneira influenciada pela cultura. De acordo com Mead,

Neste ponto, consideramos em detalhe as personalidades aceitas de cada sexo entre /.../ os pows pri­ mitivos Descobrimos que os Arapesh — tantos os homens quanto as mulheres — exibem uma perso­ nalidade que. à parte de nossas preocupações historicamente limitadas, chamaríamos de maternal no que diz respeito às suas características parentais e femininas em seus aspectos sexuais. Descobri­ mos que os homens, assim como as mulheres, aprenderam a ser cooperativos. responsivos às necessi­ dades e exigências alheias. Não identificamos nenhuma idéia de que o sexo era uma força impulsionadora poderosa tanto para os homens quanto para as mulheres. Em contraste marcante com essas atitudes, descobrimos entre os Mundugumor que tanto os homens quanto as mulheres de- senvotveram-se como indivíduos cruéis, agressivos e afirmativamente sexuais, exibindo um mínimo de aspectos maternos de afeição da personalidade considerados mínimos. (1955, p. 190)

As investigações de Mead demostraram, inequivocamente, que a personalidade não deveria ser estudada cm uma única cultura ou em um único contexto. Mead. além disso, pôs abaixo vários mitos da natureza do homem comparada à natureza da mulher, bem como idéias sobre a agressividade sexual inata e imutável. Infelizmente, as experiências instrutivas de Mead foram, cm geral, ignoradas por pesquisadores da personalidade. A psi­ cologia americana quase sempre negligenciou a importância da cultura na conformação da vida das pessoas (Hetancourt & Lopcz. 1995). Neste livro, tentamos ser especialmente sensíveis a questões culturais; essa atitude é uma prática científica saudável.

A juntas questões básicas: iMCcnscienfe, self,

ciwju/aricfac/e, gênero, circunstâncias, cu/tura___________

Algumas questões no estudo da psicologia da personalidade surgem e ressurgem em diferentes momentos c cm diferentes teorias; elas são fundamentais à compreensão da personalidade. Várias delas são introduzidas nas seções que se seguem.

Qual é a importância do inconsciente?

Você já deve ler observado que alguns amigos ou parentes do sexo masculino sentem- se atraídos c casam-se com mulheres que se parecem com a mãe deles. Obviamente, os ho­ mens. em sua maioria, não pretendem de modo consciente encontrar mulheres que se parecem com as próprias mães. Algumas vezes, contudo, percebemos que somos

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fluenciados por forças internas das quais não temos consciência ou então podemos sentir impulsos internos que não entendemos. Entretanto, as pessoas em geral são consideradas responsáveis por suas ações. Com exceção do insano, esperamos que elas saibam o que es­ tão fazendo e por que agem de determinada forma, ou seja, que ajam conscientemente. Desse modo. deparamo-nos com o dilema dos determinantes conscientes versus inconscien­ tes do comportamento. A psicologia da personalidade empenha-se por compreender como e até que ponto as forças inconscientes desempenham um papel no comportamento humano.

O que é o self?

Cari Jun g disse que o "encontro de duas personalidades é como o contato de duas substâncias químicas; se houver uma reação, ambas serão transformadas' < 1933, p. 57). Será que deveriamos conceber o self como uma substância química complexa ou (como Jung algumas vezes o chamou) como um espírito? Que importância têm as influências so­ ciais sobre o self? Estaria o self de fato mais afinado com a idéia de Cari Rogers. a de um conjunto de percepções sobre as características do 'e u ' que tenta satisfazer seu potencial humano? Seria o sentimento do self simplesmente um epifenómeno inconsequente, ou uma percepção secundária proveniente de outras forças (como Impulsos biológicos), que de fato importa? O que é a essência do que somos? Tinias essas perguntas são questões le­ gítimas na psicologia da personalidade.

Cada indivíduo exige uma abordagem exclusiva?

Até que ponto podemos aplicar métodos gerais a todas as pessoas? Ou será possível, e mesmo necessário, usar uma abordagem exclusiva para as qualidades especiais de cada um dos indivíduos? A ciência, por natureza, procura leis universais. Portanto ela é, com fre­ quência, n o m o té tic a , isto é. ela procura formular leis (do grego nómos. que quer dizer 'le i', e theric, 'fo rm u la r'). No entanto. Gordon Allport afirmou com muita certeza que um aspecto fundamental do estudo sobre a personalidade deve concentrar-se no indivíduo e. portanto, ser id iográfico — envolver o estudo de casos individuais (do grego idio. de "par­ ticular, pessoal, distinto"). Certamente, faz sentido usar uma análise biográfica vigorosa para compreender uma pessoa, mas toda biografia é diferente. Portanto, como podemos generalizar? Esse dilema continua sendo um desafio significativo. Há muitos anos. Allport lamentou-se do fato de a maioria dos livros-textos introdutórios de psicologia incluir (desleixadamente) um capítulo sobre personalidade, em geral na parte final, que ignora ou deixa de capturar a individualidade vital e dinâmica de cada ser humano. Os pesquisadores estavam tão preocupados em ser científicos que ignoraram os aspectos mais interessantes (mas complexos) da personalidade. Esse problema ainda persiste.

Existem diferenças entre homens e mulheres?

Quais são as diferenças existentes entre os homens e as mulheres c de onde elas pro­ vem? Ú óbvio que as diferenças sexuais básicas são as anatómicas, claramcntc determina­ das por genes antes de nascermos. De que maneira, porém, vamos interpretar as várias di­ ferenças psicológicas que surgem entre homens e mulheres, em nossa sociedade? Por que os homens na maioria das vezes parecem mais agressivos, dominantes, anti-sociais e aptos a executar tarefas matemáticas e espaciais? Por que, em geral, as mulheres se relacionam mais socialmente, são mais propensas à depressão e mais afetuosas e atenciosas? Quem

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20

Teorias

da personalidade

tem maior impulso sexual e quem controla 05 confrontos sexuais e por que? Hssas indaga­ ções fascinantes são básicas para o estudo da personalidade e foram tratadas por quase to­ dos os teóricos da personalidade. Embora não ofereçamos nenhuma resposta simples a es­ sas perguntas, apresentamos um exame complexo e ponderado sobre questões relevantes.

Pessoa versus circunstância

Desde o princípio da teoria moderna sobre a personalidade, no início do século passa­ do, inconsistências no comportamento de todos os indivíduos têm sido satisfatoriamente identificadas (W oodworth, 1934). Um indivíduo cujo comportamento c extrovertido cm determinado dia pode apresentar-se de maneira introvertida em outro, em circunstância diferente. Além do mais, desde a década de 20, estabeleceu-se que alguns indivíduos são muito mais consistentes do que outros (Hartshom c ff May, 1928). Por exemplo, algumas crianças quase sempre agem com autenticidade, mas as respostas de outras variam um bocado.

Se pessoas extrovertidas podem agir como as introvertidas, ou se pessoas autênticas podem lalscar, que sentido há em se lalar sobre personalidade? Como podemos levar em conta o fato de todas as pessoas serem influenciadas, pelo menos em parte, pelas circunstâncias? Essas questões, abordadas de várias maneiras, sào consideradas ao longo deste livro.

Ate que ponto a personalidade é determinada culturalmente?

O poeta Walt W hitm an assim escreveu: “t: a personalidade nata, e apenas ela, que dota uma pessoa de autoconfiança para ficar diante de presidentes ou generais ou em qual­ quer grupo distinto — e não a cultura ou qualquer outro conhecimento ou inteligência' <1871, Democratic vistas). Essa afirmação resume a opinião de que a personalidade é inata — que nascemos com determinado temperamento e caráter c que sempre seremos dessa forma.

Obviamente, há também um bom motivo para acreditar que as crianças são influen­ ciadas pelo ambiente e pela cultura em que crescem. Com o veremos, embora a relação nature-nurture seja tremendamente complexa, no mom ento temos â disposição várias respostas. Não é necessário tergiversar ou asseverar que a personalidade é parte inata e parte culturalmente determinada. Em vez disso, vamos averiguar que partes da personali­ dade são rclativamente fixas e quais são mais variáveis.

O conceito de personalidade é útil?

O conceito científico de personalidade é vantajoso para a compreensão do comporta­ mento hum ano ou apenas ilusão, equívoco da causalidade? A maioria de nós provavel­ mente já recebeu cartões de amigos íntimos com mensagens envaidecedoras como esta:

Não í por seu nome ou conhecimento Ou pelas grandes coisas que você fez.

Não é seu amparo que 0 toma 0 melhor dos amigos que tive. Não é com a sua inteligência que conto.

Ainda que você seja igualmente atencioso e virtuoso. É 0 que você í que 0 torna um amigo muito especial.

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Essas frases admitem que há alguma essência interior que nos torna o que somos. In- felizmente, idéias como “pessoalidade” são vagas e enganosas. Por exemplo, os namorados geralmente se chocam quando descobrem que seu parceiro, cuja essência eles conhecem tão hem. na verdade já se envolveu com crimes, já cometeu adultério ou já foi uma pessoa agressiva. Além disso, as tentativas de capturar essa essência íntima na maioria das vezes demonstram-se cientificamente infrutíferas. As pessoas são criaturas complexas, e é im ­ portante evitar ilusões simplistas ou opiniões precipitadas sobre a personalidade.

Isso significa que deveríamos abrir mão do estudo científico sobre a personalidade? Dc forma alguma. Com o iremos mostrar, as várias técnicas científicas usadas para inves­ tigar e compreender a personalidade estão entre as mais sofisticadas em qualquer ti|M> de ciência.

Além dessas questões básicas da psicologia da personalidade, há várias questões inte­ ressantes em voga na pesquisa moderna sobre a personalidade. Os atuais pesquisadores não estão elaborando novas e grandiosas teorias sobre a personalidade. Em vez disso, estão tentando responder a questões já levantadas, como o papel desempenhado pela personali­ dade na saúde c enfermidade física, no casamento c no divórcio. Será que há uma perso­ nalidade propensa a doenças ou que se autocura? Haverá daquelas que virão a ser bons amantes ou bons parceiros conjugais? As respostas a essas perguntas, abordadas posterior- mente, acabaram por se revelar extremamente complexas.

A personalidade de acordo com o contexto__________

Nas décadas dc 30 e 40, os psicólogos americanos estavam investigando a personali­ dade autoritária, um tipo de personalidade excessivamente masculina, fria e dominadora que tendia a se tornar fascista e perseguir membros de outros grupos. Nesse mesmo perío­ do, os psicólogos fascistas (nazistas) alemães estavam investigando o antítipo — pessoas que tendiam a ser fracas, liberais, espalhafatosas e efeminadas (Brovvn, 1965). O que os americanos consideravam inflexibilidade era denominado estabilidade pelos alemães. O que os alemães consideravam excentricidade era denominado individualidade pelos ame­ ricanos. O que os alemães consideravam perversão era para os americanos sensibilidade estética. Sem dúvida, os nazistas eram inegavelmente destrutivos e assassinos, enquanto os americanos dessa época buscavam com afinco prom over a liberdade e a segurança. Além disso, é interessante notar de que forma as observações sobre a personalidade pude­ ram. sobremaneira, ser influenciadas pelos contextos culturais nos quais foram obtidas.

Hoje, grande parte da pesquisa sobre a personalidade tem um sabor peculiar da cultu­ ra ocidental, no geral, e da cultura americana corrente, no particular. Os pontos de vista próprios das culturas asiática, latina, africana e ameríndia são negligenciados com muita frequência. Na sociedade americana, por exemplo, os indivíduos que decidem 'fazer as coisas do seu jeito", desafiando as expectativas convencionais das empresas para as quais trabalham, ou do governo em geral, tendem a ser vistos positivamente como assertivos e independentes (e até corajosos). Na sociedade japonesa, entretanto, o mesmo comporta­ mento seria considerado rude, não cooperativo, egoísta e anti-social. Em outras |>alavras. nossas explicações sobre o comportamento humano dependem do contexto cultural cm que foram tomadas. Um pouco de tendendosidade é inevitável.

Neste livro, tentamos observar com atenção o contexto cultural da teoria e da pesqui­ sa sobre a personalidade, concentrando-nos com frequência na vida dos próprios teóricos.

Referências

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