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Era apenas ruais um dia na vida de Lorcna Bobbitt. Seu marido, John Wayne Bobbitt, chegou em casa tarde c. de forma grossei­ ra. a abordou scxualmentc. Dessa ve/ ela o recu­ sara por estar bêbado. Embora ela o tenha recusa­ do, John dominou o seu 1,55 m de altura e a es­ tuprou. Às quatro horas da madrugada. Lorcna, de posse de uma faca de cozinha trinchante, muti­ lou o marido enquanto d e dormia. Em seguida, colocou o pênis, com gelo, dentro de um saco com fecho de correr e saiu de carro, levando-o na mão. enquanto dirigia pela cidade. Por fim, acabou jo ­ gando o saco |>cla janela do carro e seguiu cm di­ reção à casa de uma amiga.

Lorcna, uma manicure, então com 24 anos. ate essa noite parecia viver uma vida normal c monótona. O que poderia tê-la levado a praticar um ato tão agressivo? De acordo com o que Lorena relatou posteriormente. John a havia maltratado emocional, física e sexualmente d u ­ rante todo o tempo em que estiveram casados. Em algumas ocasiões ele a surrou, obrigou-a a ter relações anais e chegou a iorçá-Ia a praticar aborto. Ela reclamou, também, que ele nunca, jamais, a esperou chegar ao orgasmo. Contudo.

se isso tivesse continuado por mais quatro anos. o que seria diferente em relação a essa noite em particular?

Lorena disse que naquela noite, depois de ser agredida, começou a ter lembranças de todos os outros momentos em que seu marido a havia aterrorizado. Disse que. a partir daquele momen­ to, havia perdido a noção da realidade e que, no instante em que atacou o marido, não estava controlada. John, então com 26 anos. negou ha­ ver molestado a própria mulher, embora tenha admitido casos extraconjugais. Estava Lorena apenas se vingando de sua infidelidade e certifi- cando-sc de que ele nunca mais pudesse traí-la sexualmente? O que diria Freud sobre tudo isso se estivesse vivo?

De acordo com a teoria psicanalílica. há muito mais coisas ocorrendo na nossa frente do que nos­ sos olhos podem ver: o comportamento de Lorena provavelmente teria sido atribuído a motivos in ­ conscientes. influenciados por conflitos sexuais internos. Ela não era necessária e totalmente uma vítima porque, afirmam os freudianos, muitas mulheres têm o desejo inconsciente de sofrer

(como comprovado pelas várias mulheres,

machucadas, que permanecem em relacionamen­ tos deteriorados). Explicação mais provável seria

Frcud revolucionou ainda mais a psicologia quando enfatizou que a sexualidade era o principal elemento da personalidade. Pergunte a jovens de ambos os sexos, cujos hormônios estão borbulhando, se a sexualidade exerce influência significativa sobre o comportamento deles — se gostam de arrumar namorados ou namoradas. Com certeza não haverá espaço para discussão. Freud deu um passo adiante ao estender sua idéia de motivação dinâmica às crianças — o conceito de sexualidade infantil — e ao generalizi-la a uma força motivadonal difundida.

Ele, portanto, ressaltou a importância das primeiras experiências da infância para a personalidade adulta. Essa suposição foi quase totalmente aceita nos círculos científicos, assim como pela cultura |>opular. Poucas pessoas, hoje, duvidam de que o tratamento ne­ gligente ou ofensivo a uma criança pequena — cm particular o abuso sexual — pode gerar influências devastadoras ao longo de toda a sua vida. Freud, além disso, afirmou que a es­ sência da personalidade era formada por volta dos 5 anos, idéia também amplamente acei­ ta. A importância dos primeiros anos na vida futura é pouco discutida, embora a aborda­ gem de Freud sobre o desenvolvimento tenha sido estendida para a vida toda por outros estudiosos.

Capitulo

5 b

A persputiva psuanalitka tia personalidade

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a de que o problema de Lorena consistia na inca­ pacidade de controlar o próprio id. o qual estava procurando liberar a sua tensão libidiual.

Em poucas palavras, Lorena estava sofrendo de inveja do pênis, sentimento com um à maioria das garotas, mas poucas agem diretamente. Sc Lorena tivesse podido ter seu bebe, isso poderia ter sido evitado. Dar à luz é uma das formas por meio da qual o ego tenta satisfazer o desejo da m ulher quanto a sentimentos de força e auto-esti- ma. que os homens têm em virtude da anatomia masculina. Em vez disso, ela foi compelida pelo marido a abortar. Talvez, por isso, ainda tenha procurado recapturar o pênis que lhe havia sido negado no nascimento. Esses sentimentos de de­ sejo ajudam a explicar por que ela preservou cui- dadosamente o órgão do marido em um saco fe­ chado com gelo — o pênis era valioso para ela.

O que é muito incomum nesse caso é Lorena ter sido de fato totalmente influenciada pela preo­ cupação com o pênis do marido. De acordo com a teoria freudiana, esses conflitos são inconscientes e. portanto, em geral, se apresentam de outras formas.

Lorena afirmou que ela "queria apenas que ele desaparecesse*. Mas é interessante que a m a­ neira como ela o tirou da sua vida foi pela remo­ ção do pênis, tom ando-o, na visão freudiana, um

homem sem valor e inferior. Além disso, esse gol­ pe de vingança indiretamente lhe permitiu obter um pênis só seu.

Lorena foi julgada e absolvida porque suas pulsõcs foram consideradas irresistíveis. O júri chegou ã conclusão de que ela não poderia ter to­ mado precauções para impedir que ela mesma praticasse esse ato. Portanto, de certa forma, a so­ ciedade moderna aceita a idéia de conferir dema­ siado pwfer a motivações inconscientes. Freud te­ ria dito que o ego e o superego de Lorena deixa­ ram de controlar suas pulsões internas, e o id venceu a batalha pelo que ele mais desejava. Na verdade, a teoria freudiana foi objeto de discus­ sões acaloradas sobre a teoria do ponto de vista legal. Aos olhos da lei, se às vezes somos controla­ dos pelo id. como podemos ser considerados res­ ponsáveis por nossas ações?

0 cato Bobbitt i um bom exemplo para abrir uma discussão sobre os pomos positivos e as fragilidades das teorias de Freud. Por um lado. é quase impossível, al­ gum dia. revelar, de maneira francamente científtea, as verdadeiras motivações de Lorena. Por outro, a tre­ menda fascinação por esse caso no mundo inteiro indi­ ca que algo muito importante do comportamento hu­ mano — algum segredo profundamente sombrio — foi tocado, da mesma maneira que o doutor de Viena teria previsto.

Pelo tato dc as pessoas cm geral não terem consciência de suas pulsòcs c conflitos in­ ternos, Freud foi levado a investigar e a desenvolver uma outra contribuição influente — o conceito de inconsciente. A veracidade dos lapsos freudianos e a possibilidade de analisar os sonhos são amplamente aceitas. Isso, por sua vez, abriu caminho para a investigação de diferentes estruturas da mente. Freud mostrou, também, que a doença mental desenvol- via-se em um cotttinuum com a doença lísica e podia ser abordada cientificamente. Q ual­ quer pessoa que procura orientação psicológica deve algo a Freud. Pesquisas modernas so­ bre o cérebro e a psicologia cognitiva confirmam várias das observações de Freud, mas negam as estruturas postuladas por ele, baseadas em conhecimentos rudimentares sobre o cérebro.

Na medida em que a psicanálise considera o comportamento uma função dos confli­ tos internos, a abordagem passa a ter uma visão pessimista e determinista da personalida­ de. Além disso, ela segue uma orientação que busca compreender a patologia. (Veja o qua­ dro Personalidades Famosas.) Para contrapor o que foi ressaltado, vários teóricos originalmente formados em psicanálise passaram a adotar abordagens existenciais c humanísticas; elas são explicadas no Capítulo 9. A confiança dc Freud em u m modelo h i­ dráulico da energia psíquica foi também exagerada. Pesquisadores modernos dão maior atenção às abordagens cognitiva c da estrutura do cérebro.

Geralmente, é difícil avaliar as abordagens psicanalíticas da personalidade como teo­ rias científicas. Na maioria das vezes elas não são refutadas porque sempre é proposto um outro mecanismo oculto, apto a explicar qualquer tipo de observação. Estudos controlados são raras vezes empregados. Isso é lamentável porque a falta de estudos controlados faz com que muitos pesquisadores modernos ignorem os valiosos insights fornecidos por Freud. A o longo deste livro, tentamos apontar o valor e a fragilidade dc cada uma das abordagens da personalidade. A teoria psicanalítica pode ter imperfeições, mas dificilmen­ te será inútil.

Alguns psicanalistas modernos reverenciam Freud quase como o autor de uma bíblia; a psicanálise tem alguns aspectos efêmeros e não-científicos, e muitos 'adeptos'. Seria jus­ to culpar Freud pelas idiossincrasias de seus seguidores? Quando ele começou a se prepa­ rar para estudar a personalidade e o inconsciente, considerava seu trabalho como avalia­ ção temporária dc sobre como o cérebro funcionava. Contudo, cm alguns casos, a teoria psicanalítica foi interpretada como teoria da estrutura física do cérebro, o que produziu re­ sultados desastrosos. A psicocirurgia — cirurgia cerebral destinada a tratar problemas dc personalidade — tem uma história longa e repugnante. Na década de 40, utilizava-se a técnica da lobotomia pré-frontal. Os cirurgiões perfuravam o crânio, inseriam uma lâmina e cortavam os lobos cerebrais até que o paciente (no qual se aplicava apenas anestesia lo­ cal) parecesse totalmente desorientado. O propósito dessa cirurgia era. de acordo com a teoria psicanalítica, cortar as conexões nervosas entre os centros superiores do cérebro c os 'centros' inferiores de instintos animais (como o tálamo). Se o paciente sobrevivesse à o|>eraçào e não ficasse cm estado vegetativo, na maioria das vezes, ele podia dc fato agir menos ofensiva e agressivamente do que antes da cirurgia. Sem dúvida há outras explica­ ções para os efeitos da cirurgia além daqueles que consistem em literalmente cortar as pulsòcs inconscientes.

Freud foi treinado como neurologista e dentista biólogo. Poderíamos oonjccturar que. se ainda estivesse vivo, seria um neurodcntisia. Assim, |>or vários motivos, é injusto rejeitar uma série de aspectos do trabalho de Freud porque algumas de suas suposições provaram-se incorretas. Entretanto, ele gostava de ser o centro das atenções e não aceitava críticas indul-

No documento Da Teoria Clássica à Pesquisa Moderna (páginas 93-95)