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Inconsciente c técnicas terapêuticas

No documento Da Teoria Clássica à Pesquisa Moderna (páginas 69-71)

Freud começou a empregar hipnose, mas acabou por considerá-la inadequada para traiar vários do seus pacientes. Então, influenciado pelo colega médico e (isiologista Josef Breuer, Freud passou a fazer experiências, partindo da hipnose e outras formas do suges­ tão intensa para técnicas do associação liv re — associações espontâneas o do fluxo livro do idéias e sentimentos; e, finalmente, passou para os sonhos (Breuer fr Freud, 1957). Para Freud, cada vez ficava mais claro que a maioria dos pacientes não tinha contato cons­ ciente com os conflitos internos que causavam visíveis problemas mentais e físicos. Porém, os sonhos poderiam ser a chave para a revelação de seus segredos mais íntimos.

Os sonhos vêm sendo interpretados desde os tempos bíblicos e até mesmo antes disso. Eles frequentemente foram vistos como profecias ou revelações divinas. Contudo, para Freud, biólogo evolutivo, os sonhos eram produto da psique do indivíduo. Para ele. os so­ nhos eram fragmentos c sinais do inconsciente — parte inacessível da mente ao pensa­ mento habitual e consciente (Freud. 1915).

Freud, para compreender o inconsciente, chamou os sonhos de "caminho real". Diga­ mos que você sonhe repetidamente que está subindo uma escada em perseguição a seu chefe. Você corre cada vez mais rapidamente e vai ficando mais e mais frustrado, sem nunca chegar ao pico. Freud interpretou esse* ato como a representação de uma relação sexual, relação essa que nunca é consumada. Por que alguém teria um sonho desse tipo? Porque seria m uito ameaçador, psicologicamente falando, admitir pensamentos como esse. Seria ameaçador ao casamento de alguém, ao autoconceito de alguém e à compreen­ são de moralidade de alguém admitir esses impulsos lúbricos. Esses impulsos, portanto, são representados por símbolos não ameaçadores — subir correndo uma escadaria.

Nos sonhos, quase todos os objetos semelhantes ao falo — de uma clarineta a um guarda-chuva — podiam representar <> pênis, isto é, ser um símbolo fálico. E qualquer es­ paço circundante, como um pátio cercado de muros, uma cavidade peluda ou uma caixa, podia representar a genitália feminina. Entretanto, dizem que Freud, fumante inveterado de charutos, comentou que às vezes um charuto é apenas um charuto. (A propósito, o há­ bito de fumar foi o que pôs fim à sua vida; ele morreu em decorrência de câncer na boca e na garganta em 1959.)

Porém, o que dizer das pessoas que de fato sonham que estão tendo relações sexuais com o chefe ou um colega de trabalho? Por que a motivação sexual, nesse caso, não está oculta? Em geral, o problema dos pacientes de

Freud consistia cm algum tipo de conflito interior ou tensão. Isso era partieularmente verdadeiro na puritana sociedade vitoriana de um século atrás, em que os assuntos sexuais eram escândalo. Os so­ nhos lascivos explícitos raramente eram observa-

Consultório de Si^mttnd Freud em Viena. Seus pacientes recostavam-se no divã e deixavam fluir associações li\res.

Capitulo 5 • A pcrspcetiva psicanalítica tia personalidade

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dos nos pacientes; c, se fossem, eram interpretados como representação de algum outro conflito ainda mais profundo. Seria fascinante poder ouvir o que Freud diria sobre a sexua­ lidade liberal, descontraída e autêntica. Será que ele diria que a nossa sociedade ainda não é. de fato, uma sociedade sexualmente aberta e descontraída?

De acordo com a teoria psicanalítica. os sonhos (na realidade a maior parte dos aspec­ tos da experiência psicológica) têm dois níveis de conteúdo — c o n te ú d o m a n ife sto e c o n te ú d o latente. O conteúdo manifesto é aquilo de que a pessoa se lembra, c sobre o que ela conscientemente reflete. O conteúdo latente é o significado encoberto. Podería­ mos comparar os sonhos com os icebergs — uma pequena parte flutua na superfície, mas a maior parte está escondida sob as águas. Essa ê a marca da abordagem psicanalítica da per­ sonalidade — o conceito de que o que vemos na superfície (o que é manifesto) é apenas representação parcial da vastidão que está por baixo (o que é latente). A implicação disso para a compreensão da personalidade ê qualquer ferramenta ou teste de avaliação que se valha da resposta ou do auto-relato consciente das pessoas ser necessariamente incomple­ to; essas ferramentas ou testes captam apenas o conteúdo manifesto. O inconsciente pode manifestar-se simbolicamente em um sonho (veja a Figura 5.1).

Algumas vezes a explicação psicanalítica da personalidade resulta em um círculo vicio­ so (tautologia). Digamos, por exemplo, que a tosse nervosa intensa, o estrabismo c a parali­ sia parcial de uma jovem mulher sejam atribuídos a um conflito inconsciente com o abuso sexual por ela sofrido. Na psicoierapia, o problema é gradativamente trazido à tona e cuida­ dosamente investigado — sua energia emocional é liberada. Contudo, a paciente continua a sofrer de vários problemas nervosos ou histéricos. Sendo assim, seria nossa conclusão a de que a explicação psicanalítica está totalmcnte errada? Não, o psicanalista deve investigar aspectos do problema ainda mais profundos e não-manifestos. Portanto, não há nenhum meio lógico e científico de avaliar a explicação. Outra maneira de expor esse problema é afirmar que as investigações psicanalíticas raramente tem um grupo de controle; ou seja. não há nenhuma comparação ou padrão que se possa usar para avaliar com critério a teoria ou a terapia. No filme Noivo Neurótico. Noiva Nervosa (Aintie Hall), o personagem de Woody Allen (A lv y ) confidencia a Annie que ele frequentou um psicanalista 'durante quinze

O inconsciente manifesta-se simbolicamente. Um sonho com a extração de um dente poderia simbolizar o medo de castração.

Quando as torres gêmeas do World Tradc Ccntcr sofreram o ataque de terroristas e foram destruídas, alguns psicólogos especularam (em noticiários) que uma das razões de eles terem escolhido esse alvo foi porque as torres eram símbolos fálicos. Esses comentários em geral foram encarados com sorrisos afetados pelos

noticiaristas. Além disso, um dos sequestradores, o que pilotava o avião, deixou para trás um desejo, que assim dizia: "São quero que nenhuma mulher vá ao meu funeral ou ao meu túmulo. E não quero também que nenhuma mulher grávida vá para dizer adeus". Ao procurar compreender as complexidades da motivação, a abordagem psicanalítica enfatiza o papel que a disfunção sexual e as relações sexuais anormais desempenham nos recônditos da mente.

No documento Da Teoria Clássica à Pesquisa Moderna (páginas 69-71)