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Francisco de Assis Toledo - Princípios Basicos de Direito Penal - 5º Edição - Ano 1994 (1).pdf

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(1)

FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO

PÜMCÍPSfS

S á liC K PI

S1113T®

WMÍ

(2)

FR ANC ISCO D E ASSIS TO L E D O

Ministro do Superior Tribunal de Justiça.

Membro e Coordenador das Comissões de Reforma Penal de 1984. Professor visitante da Universidade de Brasília.

S1SB1/UFU

1000229211

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p r i n c í p i o s

b á s i c o s

DE DIREITO PENAL

5? edição 1994

WÊÊÊ e d i t o r a

■ s

A R A I V A

(3)

SISBI/UFU

3 ) 229211

ISBN 85-02-00785-8

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Toledo, Francisco de Assis, 1 9 2 8

-Princípios básicos de direito penal : de acordo com a Lei n. 7 .2 0 9 , de 1 1 -7 -1 9 8 4 e com a Constituição Federal de 1 9 8 8 / Francisco de Assis Toledo. 5. ed. — São Paulo : Saraiva, 1 9 9 4 .

Bibliografia.

1. Direito penal 2. Direito penal - Brasil I. Título.

9 3 -3 5 3 6 C D U -3 4 3 índices para catálogo sistemático:

1. Direito penal 3 4 3

__________________ -4219__________

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SÃO PAULO

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(4)

Dedico esta obra à minha esposa Neuza.

(5)

Nota a 4a

edição

A presente edição apresenta-se atualizada frente ao novo texto constitucional e recebeu alguns acréscimos, para esse fim, bem como para suprir omissão das edições anteriores, no tocante ao concurso aparente de normas e de leis penais e ao estudo da causalidade nos crimes de ação e de omissão.

Houve, igualmente, outros pequenos retoques de atualização facil­ mente perceptíveis pelo leitor.

O Autor Brasília, agosto de 1990

(6)

Nota

à

3

a edição

A rapidez com que se esgotou a 2.a edição desta obra e sua ado­ ção em alguns cursos, tomando aconselhável, ao ver da Editora, a imediata reedição, são as causas que nos impedem, por ora, de in­ troduzir acréscimos no texto, sobretudo quanto à bibliografia que se seguiu à edição da reforma penal.

Esperamos poder realizar esse intento no futuro.

Desejamos, contudo, aqui registrar profunda preocupação pelo recrudescimento, no país, de certa tendência para transformar o nos­ so ordenamento jurídico-penal em algo parecido com o direito penal “equivocado” de que falavam Radbruch e Gwinner, espécie de pana- céia para todos os males de uma sociedade em transformação.

Não se deve esquecer, já o dissemos, que pretender-se combater a criminalidade contemporânea com a edição de leis novas mais se­ veras eqüivale a desconsiderar ou a desconhecer o estágio atual das investigações criminológicas segundo as quais o fenômeno do crime é efeito de muitas causas, pelo que não se deixa vencer por armas exclusivamente jurídico-penais.

A lei penal mais repressiva, com penas cruéis, já foi utilizada, aqui e alhures, mas contraditoriamente deu como resultado novos tipos de crime, como ocorreu com o gangsterismo por ocasião da lei seca, com a criminalidade profissional na Idade Média, com o mer­ cado negro durante os tabelamentos de preço, apesar das punições estabelecidas. É um círculo vicioso interminável.

No Brasil, não faz muito, tivemos o exemplo da criminalidade política violenta, a despeito da extrema rigidez de textos já revoga­

(7)

abolidos inúmeros dos crimes então tipificados, aquela forma de ma­ nifestação criminal tendeu a desaparecer ante a simples alteração do quadro político brasileiro. Tais leis severas, responsáveis diretas pelo surgimento de uma ousadia e engenhosidade sem precedentes de seus infratores, deixaram, porém, como resíduo, o aprendizado em modalidades até então inusitadas de atentados ao patrimônio e às pessoas, de que se servem hoje — ao que parece com grande aproveitamento — nossos primitivamente bisonhos delinqüentes co­ muns.

Uma análise desse quadro histórico parece indicar-nos que a situação atual do país — realmente preocupante sob o aspecto da ausência de efetiva inibição dos crimes de ação violenta, devido à carência de recursos humanos e materiais dos órgãos de prevenção e repressão — poderá ser pior em futuro próximo se, ao invés de ado­ tarmos uma estratégia pragmática, ampla e abrangente de controle do fenômeno do crime, persistirmos na repetição enfadonha de sur­ rados e envelhecidos refrões que já se revelaram seguramente ina­ dequados.

O problema — assim pensamos — não reside na questão de ser ou não ser benevolente com o crime (ninguém razoavelmente po­ deria sê-lo), mas de saber como contê-lo dentro de limites social­ mente toleráveis, de modo sério e verdadeiramente eficiente. Sem retóricas que a nada têm conduzido. Sem leis que ficam no papel e não são executadas. Sem as sentenças que não são cumpridas, pelas razões mencionadas ou por falta de estabelecimentos penais apropriados. Por último, sem penas eternas, postas em confronto com a duração média da vida humana, que tomem irrealizáveis a disciplina nos presídios e o trabalho do Estado em prol da emenda do delinqüente.

O Autor Brasília, agosto de 1986

(8)

Nota

à

2.a

edição

Esta edição, em confronto com a anterior, apresenta-se inteira­ mente revista e ampliada, além de oferecer seqüência de matérias mais adequada ao ensino jurídico.

Com isso, o que antes era um livro de “princípios básicos”, adquire agora a fisionomia de introdução ao moderno direito penal. Assim o esperamos. Foi esse o nosso desejo.

O texto ajustou-se à nova Parte Geral, em vigor desde janeiro de 1985, o que nos foi facilitado pela coincidência entre algumas das idéias por nós defendidas e as adotadas pela reforma penal bra­ sileira, a respeito da qual oferecemos esboço histórico.

Uma coisa, porém, permanece constante na obra, nesta como na primeira edição. O homem que ela considera para o estudo do direito penal não é o homem segundo Descartes, mas sim o homem segundo Pascal, a cujo respeito assim se expressa Émile Bréhier: “L’homme, tel qu’il ressort des méditations de Descartes, est un homme construit méthodiquement par une addition de parties, la pensée d’abord, puis l’âme unie au corps et les passions. L ’homme des Pensées de Pascal, c’est 1’honime de la destinée, jeté dans un coin perdu de 1’univers, avec sa grandeur et sa misère, problème pour lui-même” 1.

O Autor

(9)

índice Geral

Nota à 4 “ edição ... VII Nota à 3.“ edição ... ... IX

Nota à 2.“ edição ... XI

I — Ordenamento jurídico e ciência penal ... 1

§ 1.° Conceito de direito penal ... 1

§ 2.° Missão e limites do direito penal ... 6

a) Non omne quod licet honestum est ... 8

b) O bem jurídico protegido ... 15

§ 3.° Princípio da legalidade ou da reserva legal e seus desdo­ bramentos ... 21

a) Lex praevia (exigência de lei anterior). Decreto-lei e Me­ dida Provisória ... 23

b) Lex scripta (hipóteses de exclusão e de admissibilidade dos costumes) ... 25

c) Lex stricta (exclusão e admissibilidade da analogia) 26 d) Lex certa ... 29

§ 4.” Vigência da lei penal no tempo (princípios de direito pe­ nal intertemporal) ... 30

a) Lex gravior. Irretroatividade absoluta ... 31

b) Tempo do crime para fixação da lei aplicável ... 32

c) Abolitio criminis ... 34

d) Lex mitior ... ... 35

e) Combinação de leis (lex tertia) , ... 36

f) Normas de direito processual penal e de execução . . . 39

g) Medidas de segurança ... 40

h) Problemas particulares de direito intertemporal ... 42

§ 5.° Vigência da lei penal no espaço (princípios de direito pe­ nal internacional) ... 45

a) Princípio da territorialidade. Território nacional. Prin­ cípio do pavilhão ou da bandeira 45 b) Princípio da personalidade (ou da nacionalidade) ... 47

c) Princípio da defesa (ou real) ... 47

d) Princípio da universalidade (ou da justiça universal) .. 48

(10)

§ 6 ° Concurso aparente de normas ou de leis penais ... 50

a) Lex specialis derogat legi gen erali... 51

b) Lex primaria derogat legi subsidiariae ... 51

c) Lex consumens derogat legi consumptae ... 52

d) Antefato e pós-fato impuníveis ... 54

§ 7.° O Código Penal brasileiro. Evolução histórica ... 55

a) Direito penal indígena e Ordenações do Reino. Livro V das Ordenações Filipinas... 55

b) O Código Criminal do Império (1830) ... 57

c) O Código Penal Republicano (1890) e a Consolidação das Leis Penais (1932) ... 60

d) O Código Penal de 1940 ... 62

e) A Reforma Penal de 1984 ... 66

II — O fato-crime ... 79

§ 8.° Conceito de crime. Elementos... 79

III — O injusto típico ... 90

§ 9° A ação humana ... 90

a) Teoria causai da ação ... 93

b) Teoria finalista da ação ... .95

c) Teoria “social” da ação ... 103

d) Teoria jurídico-penal da ação ... 105

e) O nexo de causalidade ... 110

f) Causalidade nos crimes de ação e resultado ... 112

g) Causalidade nos crimes de omissão ... 116

§ 10. Tipicidade ... 119

a) Injusto. Conceito. Injusto e ilicitude. Tipo de injusto e tipo legal ... 119

b) Tipo. Tipo legal. Tipo permissivo ... 126

c) Princípio da adequação social ... 131

d) Princípio da insignificância ... 133

e) Algumas variações no conceito de tipo. Tipo em sentido amplo. O Tatbestand. Tipo objetivo. Tipo total de in­ justo. Tipos abertos e tipos fechados ... 134

f) O tipo legal de crime. Estrutura. Tipo fundamental e tipos derivados ... 137

g) Denominações mais freqüentes das várias espécies de crimes ... 140

h) O tipo legal de crime. Elementos. Elementos objetivos e subjetivos. Elementos normativos. Elementos estranhos ao tipo. Condições de punibilidade e de procedibilidade. Escusas absolutórias ou causas pessoais de exclusão de pena ... 152

(11)

r

§ 11. Ilicitude ... 159

a) A questão terminológica e a reforma penal ... 159

b) Ilicitude formal e material. Conceito de ilicitude ... 161

c) Concepção unitária ... 162

1 d) Ilicitude penal e extrapenal ... 165

§ 12. Causas de exclusão da ilicitude ... 167

a) Tipo e ilicitude. As causas justificativas e a reforma penal. Causas legais e supralegais ... 167

b) A terminologia. Elementos objetivos e subjetivos ... 173

§ 13. O estado de necessidade ... 175

a) Estado de necessidade. Conceito. Estado de necessidade defensivo e estado de necessidade agressivo ... 175

b) Estado de necessidade justificante e estado de necessida­ de exculpante. Teoria unitária e teoria diferenciadora. O direito legislado brasileiro ... 176

c) O estado de necessidade justificante. Requisitos. Con­ ceito de perigo atual e de dano. Provocação dolosa e culposa do perigo. Inevitabilidade da lesão. Conflito de bens e deveres ... 182

d) Estado de necessidade de direito civil ... 188

§ 14. A legítima defesa ... 192

a) Conceito de legítima defesa. Requisitos essenciais . . . . 192

b) A ação agressiva e a reação defensiva. Características. Agressão de inimputáveis. Provocação do agente. Aber- ratio ictus ... 193

c) O direito defendido: vida, liberdade, patrimônio, honra etc. Bens do Estado e das pessoas jurídicas de direito público ... 199

d) Necessidade dos meios utilizados. Princípio da propor­ cionalidade. A moderação ... 201

e) O elemento subjetivo. Animus dejendendi ... 205

f) Ofendículas. Emprego de animais e engenhos mortíferos na defesa da propriedade ... ... 206

g) Legítima defesa putativa e excesso de legítima defesa exculpante. Excesso resultante de caso fortuito ... 207

h) Excesso de legítima defesa. Excesso doloso e excesso culposo ... 207

§ 15. Outras causas de exclusão da ilicitude. Estrito cumprimento j de dever legal. Exercício regular de direito. Consentimento do ofendido ... 211

a) Estrito cumprimento de dever legal. Requisitos. Excesso. Abuso de autoridade ... 211

b) Exercício regular de direito ... ■:... 213

(12)

IV — Culpabilidade ... 216

§ 16. Noção e evolução da idéia da culpabilidade. Culpabilidade por fato doloso ... 216

a) Nullum crimen sine culpa ... 217

b) Concepção psicológica da culpabilidade ... 219

c) Concepção normativa da culpabilidade ... 222

d) Concepção da culpabilidade na doutrina finalista ... 224

e) Culpabilidade de autor. Culpabilidade do caráter. Cul­ pabilidade pela conduta de vida. Culpabilidade pela de­ cisão de vida. Culpabilidade da personalidade ou da pessoa ... 233

f) Culpabilidade e liberdade. O poder-de-outro-modo ... 242

g) Culpabilidade pelo fato. Direito penal do fato ... 250

§ 17. Culpabilidade e a problemática do erro. A consciência da ilicitude. Falta de consciência da ilicitude e ignorância da lei. Erro de tipo e erro de proibição ... 254

a) Culpabilidade normativa e erro ... 254

b) A consciência da ilicitude (ou da antijuridicidade) . . . . 258

c) Falta de consciência da ilicitude e ignorância da lei .. 262

d) Erro de tipo, erro de proibição ... 267

e) Erro de tipo essencial e acidental ... 268

f) Erro de proibição escusável, só quando inevitável . . . . 269

g) Descriminantes putativas ... 271

h) O erro na reforma penal. Teorias do dolo e teorias da culpabilidade. Teorias extremadas e teorias limitadas. Opção do legislador brasileiro ... 277

§ 18. A culpa em sentido estrito ... 288.

a) Culpabilidade por fato culposo. A problemática da culpa em sentido estrito (negligência, imprudência e imperícia) 288 b) Princípio da confiança. Culpa consciente e dolo even­ tual. Culpa inconsciente, caso fortuito e risco tolerado 301 c) Voluntariedade na causa. Co-autoria em crime culposo. A tentativa ... 304

d) Versari in re illicita. Responsabilidade penal pelo resul­ tado. Crimes qualificados pelo resultado 307

§ 19. Causas de exclusão da culpabilidade ... 310

a) Imputabilidade e inimputabilidade ... 312

b) Inexigibilidade de outra conduta ... 327

c) Estado de necessidade exculpante ... 329

d) Excesso de legítima defesa exculpante ... 330

e) A emoção e a paixão ... 337

f) Coação irresistível, caso fortuito e força maior ... 338

g) Erro de proibição. Descriminantes putativas. Obediência hierárquica ... 342

Bibliografia ... 345

Índice alfabético de matérias ... 353

(13)

I — Ordenamento jurídico

e ciência penal

§ 1.° Conceito de direito penal

1. Quando se fala em direito penal pensa-se logo em fatos humanos classificados como delitos; pensa-se, igualmente, nos res­ ponsáveis por esses fatos — os criminosos — e, ainda, na especial forma de conseqüências jurídicas que lhes estão reservadas — a pena criminal e a medida de segurança.

Sob esse ângulo, o direito penal é realmente aquela parte do ordenamento jurídico que estabelece e define o fato-crime, dispõe • "sobre quem deva por ele responder e, por fim, fixa as penas e medi­

das de segurança a serem aplicadas1.

Usa-se também a expressão como sinônimo de “ciência penal” 2. No último sentido, direito penal é um conjunto de conhecimentos

1. “Direito penal é aquela parte do ordenamento jurídico que fixa as características da ação criminosa, vinculando-lhe penas ou medidas de segu­ rança” (Welzel, Das deutsche Strafrecht, p. 1). “Direito penal é o conjunto de normas jurídicas que regulam o exercício do poder punitivo do Estado., associando ao delito, como pressuposto, a pena como conseqüência” (Mezger,

Tratado de derecho penal, v. 1, p. 3 ). “Costuma-se definir o direito penal

como o conjunto das noTmas jurídicas nas quais, para o crime como pressu­ posto, são previstas penas e/ou medidas de correção ou de segurança, como conseqüência jurídica” (Bockelmann, Strafrecht, AT, p. 1 ). Consultem-se, ainda: Wessels, Direito penal, p. 5; Aníbal Bruno, Direito penal, t. 1, p. 11-2 etc.

2. V. Bettiol, Diritto penale, p. 51; Basileu Garcia, Instituições de d i­

(14)

e princípios, ordenados metodicamente, de modo a tom ar possível a elucidação do conteúdo das normas penais e dos institutos em que elas se agrupam, com vistas à sua aplicação aos casos ocorrentes, segundo critérios rigorosos de justiça, é , assim, a ciência penal uma “ciência prática”, como ensina Welzel, não apenas porque se põe a serviço da administração da justiça (Rechispflege) , mas com significado mais profundo, por ser uma teoria do agir humano justo e injusto 3. Com esse sentido, atribui-se à ciência penal uma fun­ ção criadora, não se limitando ela a repetir as palavras da lei ou a traduzir-lhes o sentido estático, ou a vontade histórica do legislador. Em nosso livro O erro no direito penal ressaltamos, em mais de uma passagem, essa importante função da ciência penal (Prefácio, p. VII; p. 43 etc.)4.

3. Das deutsche Strafrecht, cit., p. 1.

4. Santiago Mix Puig, em comunicação ao “Coloquio Regional de la Asociación Internacional de Derecho Penal” ( Madrid-lPlasencia, 19/22 out. 1977), conclui, a respeito desse mesmo tema: “1.°) Una ciência penal re- conocidamente valorativa y esencialmente crítica, que no rehuya su innegable responsabilidad política, implica una doble exigencia: a) de lege ferenda: una política criminal auténticamente política — y no sólo tecnocrática — que fije los objetivos que debe perseguir el derecho penal, con la consiguiente apertura a su posibilidad de crítica; b) de lege lata: una dogmática crèadora esencialmente orientada en el sentido de las finalidades político-criminales de la ley, que no sólo constituya la superación de una dogmática ‘ciega’, de espaldas a la realidad, sino también la evitación de una dogmática acrítica y puramente ‘técnica’. 2.°) Una dogmática que pretenda ser realista ha de em- pezar por admitir que unicamente será válida si sirve adecuadamente a la finalidad de aplicación de la ley, postulado que le impone un caráter fun­ damentalmente práctico (de ‘ciência aplicada’). Esta ooncepción de la dog­ mática conduce a situar en el centro del interés del penalista Ia resolución de casos prácticos. Se trata de una perspectiva a veces olvidada por la ‘ciên­ cia de profesores’ en contraposición al ‘derecho del caso’ característico de los países del âmbito anglosajón. Por fortuna, las diferencias intentan amino- rarse y tras la 2.a Guerra Mundial el país más tipicamente ‘teórico’, Alemania, ha experimentado una clara aproximación al caso práctico. Probablemente influyó en ello el contacto de los juristas alemanes de la postguerra con el derecho anglosajón de ocupación. Lo cierto es que desde hace algunos anos se ha abierto paso una importante corriente metodológica que, acertadamente, centra su atención en el proceso de aplicación de Ia ley a la realidad y ca­ racteriza a la dogmática como ciência que persigue la decisión de casos. Y, en efecto, si — como quiere Habermas — todo conocimiento se halla presidido por un interés, el específico interés que debe guiar al conocimiento jurídico es el ‘interés de la decisión’ ” ( Dogmática crèadora y política criminal).

(15)

2. A característica do ordenamento jurídico penal que primeiro salta aos olhos é a sua finalidade preventiva: antes de punir, ou com o punir, quer evitar o crime. Com razão assinala Radbruch: “ . . .im­ porta não esquecer que o direito não pretende somente julgar a

con-I duta humana; pretende também determiná-la em harmonia com os

seus preceitos e impedir toda a conduta contrária a eles” 5. Com efeito, por meio da elaboração dos tipos delitivos — modelos de comportamento humano — revela o legislador penal, de modo nítido e visível, aos que estejam submetidos às leis do País aquilo que lhes é vigorosamente vedado fazer ou deixar de fazer (exemplo: homicídio — CP, art. 121; omissão de socorro — CP, art. 135). Por outro lado, por meio da cominação de penas, para o comportamento tipificado como ilícito penal, visa o legislador atingir o sentimento de temor (intimidação) ou o sentimento ético das pessoas, a fim de que seja evitada a conduta proibida (prevenção geral). Falhando essa ameaça, ou esse apelo, transforma-se a pena abstratamente comi- nada, com a sentença criminal, em realidade concreta, e passa, na fase de execução, a atuar sobre a pessoa do condenado, ensejan­ do sua possível emenda ou efetiva neutralização (prevenção especial). Prevenção geral e especial são, pois, conceitos que se completam. E, ainda que isto possa parecer incoerente, não excluem o necessário caráter retributivo da pena criminal no momento de sua aplicação, ■ pois não se pode negar que penaf cominadà não é igual a pena con­ cretizada, e que esta última é realmente pena da culpabilidade e mais tudo isto: verdadeira expiação, meio de neutralização da atividade criminosa potencial ou, ainda, ensejo para recuperação, se possível, do delinqüente, possibilitando o seu retorno à convivência pacífica na comunidade dos homens livres 6.

5. Filosofia do direito, p. 105.

6. Claus Roxin (Problemas básicos del derecho penal, p. 20), embora com conclusões diferentes, põe em destaque, neste tópico, de modo correto, a problemática dos fins da pena: “Nuestro punto de partida es que el Derecho penal se enfrenta al individuo de tres maneras: amenazando con, imponiendo y ejecutando penas, y que esas tres esferas de actividad estatal necesitan de justificación cada una por separado. En este punto hay que tener ciertamente en cuenta que los distintos estádios de la realización del Derecho penal se estructuran unos sobre otros y que, por tanto, cada etapa seguiente ha de acoger en sí los princípios de la precedente. La necesidad de esá consideración gradual se ha hecho patente ya en la breve, ojeada que hemos dado. Cada una de las teorias de la pena dirige su mirada unilateralmente a

(16)

3. Falávamos sobre o caráter preventivo do ordenamento jurí­ dico penal. Convém a propósito acrescentar que, sob este aspecto, o direito penal é mais eficaz e bem menos romântico do que se tem, por vezes, erroneamente pensado. É que, a nosso ver, os tipos legais de crime constituem verdadeira autorização primária para que o Es­ tado possa intervir em certas áreas reservadas, na esfera da liberdade individual. Assim, a atuação dos órgãos estatais, na prevenção e repressão do crime, encontra apoio primário na tipificação legal dos delitos, fora do que, no Estado de Direito, tal intromissão, na esfera da liberdade e dos direitos individuais, encontraria muitas limitações. Essa constatação conduz a esta outra: a cominação legal de penas projeta-se e toma-se visível, no ambiente social, por intermédio de entidades, órgãos e pessoas, cuja presença, em cada ponto do terri­ tório nacional, representa, aos olhos de todos e de cada um, a real e palpável possibilidade de aplicação dá pena criminal ao agente de um fato-crime.

É possível que a grande maioria dos criminosos potenciais não deixe de levar a cabo os seus intentos ilícitos ou de dar vasão a seus impulsos, diante da simples previsão legal da pena. Não menos pro­ vável, porém, é que bom número deles deixe de concretizar o pro­ jeto criminoso, ou se iniba, diante de um guarda ou do policiamento ostensivo em local próximo ao daquele em que seria cometido o cri­ me, o que, segundo assinalamos, não deixa de ser conseqüência da previsão legal da pena.

Se, de um lado, não se deve generalizar a eficácia do caráter intimidativo-pedagógico da pena, pela simples existência da comina­ ção legal, de outro, parece-nos igualmente irrealístico deixar de ad­ mitir que a prevenção geral do crime, por meio da elaboração dos

determinados aspectos del Derecho penal — la teoria preventivo-especial a la ejecución, la idea de la retribución a la sentencia, y la concepción preventivo- general al fin de las conminaciones penales — y desatiende a las demás for­ mas de aparición de la potestad penal, aunque cada una de ellas Ueve consigo intervenciones específicas en la libettad del individuo. Como hemos visto, queda fuera del campo visual de todas las teorias de la pena, el compren- der que todos los parágrafos, que de momento sólo están sobre el papel, ya requieren una legitimación suficiente aparte de la voluntad subjetiva del legislador. Y sin embargo está claro que, tanto la sentencia como el sistema penitenciário mejor y más progresivo carecen de sentido si, a causa de la legislacíón penal, se les someten hombres sobre los que pesa injustamente la mácula de delincuentes”.

(17)

tipos e da cominação das penas, é algo, do ponto de vista do Estado

e do indivíduo, bem mais concreto do que meros artigos de lei colo­ cados sobre o papel. É, com efeito, uma autorização para agir, passada em favor dos órgãos estatais; é, em suma, ameaça bem real que se exterioriza e se prolonga, no meio social e comunitário, pela presença física e atuante dos vários organismos empenhados na per-

secutio criminis.

Com o que ficou dito, toma-se consciência de um importante desdobramento do direito penal, como instrumento eficaz de pre­ venção do crime. Não se deve, entretanto, supervalorizar sua apti­ dão nesta área. O crime é um fenômeno social complexo que não se deixa vencer totalmente por armas exclusivamente jurídico-penais. Em grave equívoco incorrem, freqüentemente, a opinião pública, os responsáveis pela Administração e o próprio legislador, quando su­ põem que, com a edição de novas leis penais, mais abrangentes ou mais severas, será possível resolver-se o problema da crimina­ lidade crescente. Essa concepção do direito penal é falsa porque o toma como uma espécie de panacéia que logo se revela inútil diante do incremento desconcertante das cifras da estatística criminal, ape­ sar do delírio legiferante de nossos dias.

Não percebem os que pretendem combater o crime com a só edição de leis que desconsideram o fenômeno criminal como efeito de muitas causas e penetram em um círculo vicioso invencível, no qual a própria lei penal passa, freqüentemente, a operar ou como importante fator criminógeno 7, ou como intolerável meio de opressão.

Isso nos leva a ter que dedicar algumas linhas ao intricado tema: a missão e os limites do direito penal.

7. Esse é um mal que vem de longe, tendo sido identificado por Radbruch e Gwinner na Idade Média: “Los proscritos llegaron a ser el núcleo central de la criminalidad profesional. Ya en los comienzos de la criminalidad profesional existia un Derecho Penal equivocado, productor de criminalidad. . . ” ( Historia de la criminalidad, p. 104).

(18)

§ 2.° Missão e limites do direito penal

4. Quando se diz que “a tarefa do direito penal é a luta con­ tra o crime” afirma-se algo verdadeiro, conforme admitimos linhas atrás. Todavia, não se pode dizer que essa missão seja exclusiva do direito penal. Pelo menos na luta preventiva contra o crime estão (ou deveriam estar) envolvidos, cada um a seu modo, impor­ tantes setores da vida comunitária: família, escola, órgãos assisten­ ciais, sobretudo os de proteção ao menor etc. Há que se investi­ gar, portanto, qual a tarefa específica do direito penal, dentro da­ quele objetivo amplo, o que implica a necessidade de colocação de metas mais restritas.

Os autores não coincidem perfeitamente a respeito dessa colo­ cação e delimitação de objetivos. Bettiol, para quem o direito penal deve estar orientado “para a idéia suprema da retribuição justa” e que por isso “só pode ser um direito penal de fundo nitidamente ético” 2, considera objetivo fundamental da norma penal a tutela de bens, valores e interesses, para além dos quais inexistiria tutela pos­ sível, bem como norma penal3. Welzel acentua a “função

ético-1. Maurach, Deutsch.es Strafrecht, AT, p. 55. No mesmo sentido Aní­ bal Bruno, Direito penal, cit., t. 1, p. 11-2.

2. Diritto penale, cit., p. 179.

3. Diritto penale, cit., p. 180. Note-se que, para o penalista citado, é sempre o Estado que se leva em consideração quando se trata de interesses

(19)

social” e, partindo da distinção entre “valor do resultado” e “valor da ação” (pode-se valorar, por exemplo, o trabalho por seu produto material, pela obra que produz — valor do resultado — mas pode ele ser igualmente valorado como tal, isto é, independentemente do seu produto — valor da ação), diz que a tarefa do direito penal é a proteção dos elementares valores ético-sociais da ação e só por extensão a proteção de bens jurídicos 4. Afirma, entretanto, o ilustre penalista — isto nos parece de grande importância — o caráter

fragmentário, limitado, dessa proteção, já ressaltado anteriormente

por Binding e H. Mayer 5. Engisch parece aproximar-se dessa última colocação, neste tópico: “O direito em geral e o direito penal em particular já se nos não apresentam somente como proteção de inte­ resses e decisão de conflitos de interesses, mas também como porta­ dores de um pensamento ético. O desvalor jurídico de delitos tais como o perjúrio, o incesto, a homossexualidade, o lenocínio, a ru- fiania e também a receptação não se esgota no fato de serem lesados ‘interesses merecedores de tutela’ rigorosamente determinados, mas assenta também na circunstância de estes delitos abalarem a ordem moral que o direito é chamado a consolidar. Neste sentido, por exemplo, H. Mayer, que no seu Lehrbuch des Strafrechts (1953, p. 50), diz certeiramente: ‘O crime é violação de bens jurídicos, mas, para além disso, é violação intolerável da ordem moral’ ” 6. Com visão algo diferente, Jescheck enxerga no direito penal um ordenamento de proteção e de paz para as mais essenciais relações humanas, por isso que a sua tarefa “é a proteção da vida comuni­ tária do homem, na sociedade” 7. Com orientação idêntica Wessels, que também fala em proteção dos valores elementares da vida comu­ nitária e na manutenção da paz social8.

Nessa brevíssima resenha, três notas se destacam: a) o fundo ético do ordenamento penal; b) o seu caráter limitado, ou fragmen­ tário; c) o estar dirigido para a proteção de algo.

Comecemos pelo exame conjunto das duas primeiras questões.

penalmente tutelados. Se a norma penal tutela interesses individuais e sociais é porque o Estado assume como próprios tais interesses, no momento da tutela penal (p. 181).

4.. Das deutsche Strafrecht, cit., p. 4-5. 5. Das deutsche Strafrecht, cit., p. 6. 6. Introdução ao pensamento jurídico, p. 154-5. 7. Lehrbuch des Strafrechts, AT, p. 1.

(20)

a)

“Non ornne quod licet honestum estf*

5. A máxima pauliana, segundo a qual nem tudo o que é lícito (conforme ao direito) é honesto (conforme à m oral), indica certa distinção entre o direito e a moral. É discutível, porém, tivessem tido os romanos séria preocupação no sentido de estabelecer nítida separação entre a ordem jurídica e a ordem moral, visto como defi­ niam também o direito como sendo algo de fundo eminentemente ético, isto é, ars boni et aequi (Celso). Certo é, contudo, que a problemática da distinção, ou da identificação, entre direito e moral, já presente entre os latinos, haveria de constituir uma vexata quaes-

tio, cujas soluções propostas, em épocas diversas, mal disfarçariam a

influência de circunstâncias históricas. Entre os escolásticos, que sobrepunham a Igreja ao Estado, o direito mesclava-se com a moral, daquela derivando diretamente, em linha reta, nesta ordem: lex

aeterna, lex naturalis, lex humana (note-se que essa construção re­

monta aos estóicos e fora adotada pela patrística, por intermédio de Santo Agostinho). A lei humana, a menos perfeita, por ser elabo­ rada pelos homens, deveria refletir princípios da lei natural que, segundo Santo Tomás, representava a participação da criatura ra­ cional na lei eterna “secundum proportionem capacitatis humanae

naturae”. Assim, a lei humana, embora mereça ser obedecida, em

qualquer circunstância, para evitar a desordem, não é uma verdadeira lei, quando colidente com a lei natural; se, porém, colidente com a lei divina, apenas parcialmente revelada aos homens, não deveria sequer merecer obediência.

Com isso, conforme observa Del Vecchio, a moral confunde-se com o direito, “é quase legalizada” 9. No plano do direito penal, tivemos como reflexo direto dessa eticização superlativa do direito, ou, como quer Del Vecchio, dessa “legalização” da moral, algumas conseqüências desastrosas, como, por exemplo, os crimes de heresia e a interferência, sem limites, dos que encarnavam os poderes tem­ poral e espiritual na esfera da consciência individual, como se o modo de pensar ou de sentir, de cada um, pudesse ser plasmado ou indu­ zido, pela força, na direção do bem: a coação, nessa linha de idéias, não seria um mal em si; o que importava saber é se ela era empre­ gada para o bem ou para o mal. Paradoxalmente, porém, em nome do “bem” se fizeram não poucas vítimas.

9. Lições de filosofia do direito, v. 2, p. 93.

(21)

Contra essa ordem de coisas, e Cónlo preparação parâ o sur­ gimento de uma nova forma de Estado, onde não houvesse peias à liberdade de religião e de pensamento, surge, a partir do século XVIII, com Thomasius, Kant e outros adeptos das doutrinas contra- tualistas, um esforço sério para distinguir a moral do direito, de sorte que àquela ficasse reservado o foro íntimo e a este o foro externo. Cada indivíduo seria responsável perante sua própria cons­ ciência pela observância das regras morais, pela construção de uma existência virtuosa. Ao direito caberia regular heteronomamente as ações humanas, desde que, porém, exteriorizadas naS mais variadas formas de comportamento, verificáveis nas relações de convivência ou de tráfico social.

Essa distinção não resistiu às críticas que se lhe seguiram. O direito, que não pode prescindir das noções de dolo, culpa, boa-fé etc., precisa, a todo instante, considerar o foro íntimo, isto é, o aspecto interno da ação; por sua vez, a moral que se mantivesse neutra diante do aspecto externo do comportamento humano seria uma ética justificadora de toda espécie de monstruosidade ingênua, como no caso de certas formas de eutanásia etc.

Não consideramos necessário aprofundar, aqui, o exame desse tema, que constitui importante capítulo da filosofia do direito. Im­ porta, porém, registrar que a separação entre moral e direito, levada a certos extremos, deu como resultado, em fase mais avançada, o oposto do que inicialmente se pretendia. O Estado, tomando-se todo-poderoso, desvinculado de qualquer limitação na elaboração e imposição da lex humana (limitação essa que só poderia resultar da aceitação de valores éticos supralegais, únicos aptos a estabelecer tensão com determinada ordem jurídica “injusta” ), embrenha-se no perigoso terreno preparado pelas teorias da profilaxia e da defesa social, sem limitações de qualquer ordem. Com isso, no plano do direito penál, se a separação em foco produziu, de início, grandes frutos, findou, contraditoriamente, por não ser menos desastrosa, com a instrumentalização do ordenamento jurídico-penal, em certos períodos históricos, para fins condenáveis, com requintes de uma barbárie que a ingenuidade de muitos levara a supor já estivesse ba­ nida da face da terra.

Ressurge, então, a preocupação dos juristas, sobretudo a partir da Segunda Grande Guerra, com o velho tema do direito natural e,

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conseqüentemente, com o da relação entre moral e direito10.. Wel- zel, que colocara no centro do problema penal os “valores ético-so- ciais da ação” (supra), afirma, textualmente, em artigo publicado em 1960 e também na sua obra Direito natural e justiça material (Na-

turrecht und materiale Gerechtigkeit), que um ordenamento social

só é direito quando for mais do que uma contingente manifestação de força, quando procurar realizar o que é socialmente verdadeiro e justo. . . e assim puder apresentar-se ao indivíduo não apenas como constrição, mas também com a pretensão de obrigá-lo em consciên­ cia al.

Observa-se, pois, em importantes penalistas modernos, uma ní­ tida tendência para a “constante e gradual eticização do direito puni­ tivo” 12, não obstante exista ainda significativa corrente que pretenda transformá-lo em puro instrumento de profilaxia ou de defesa social.

Que se há de dizer, conclusivamente, na área penal, a respeito da questão acima versada?

6. A nosso ver, não se pode, de início, deixar de enfrentar o difícil problema de duas proposições igualmente válidas e aparente­ mente contraditórias. A primeira é a afirmação incontestável de que o direito penal tem um fundo ético. Os conceitos de culpabili­ dade, de ação injusta, de punição, nele entranhados, são indubita­ velmente de fundo e de origem ética. A segunda é a afirmação da máxima pauliana, inicialmente citada, válida igualmente no campo penal, segundo a qual “nem tudo o que é lícito é honesto”. Uma compatibilização dessas duas proposições poderia ser buscada na teo­ ria do “mínimo ético”, desenvolvida por Jellinek e outros, segundo a qual o direito representaria apenas aquele núcleo mínimo de mora], indispensável para a vida em sociedade. E nisso vai uma boa dose de verdade, se considerarmos que os princípios e as máximas morais (tenha-se em mente, por exemplo, o Decálogo) forjam os costu­ mes que, por sua vez, fornecem grande parte da matéria utilizada para a elaboração legislativa, fato facilmente verificável pela coinci­ dência existente entre o conteúdo da proibição da grande maioria

10. Sobre a tendência moderna de eticização do direito, pode ser consul­ tado Thomas Würtenberger, La situazione spirituale delia scienza penalistica in

Germania, p. 94 e s.

11. Diritto naturale e giustizia materiale, p. 381. 12. Bettiol, Diritto penale, cit., p. 100.

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das normas penais e idêntico conteúdo das normas costumeiras de conduta. Como, entretanto, os critérios jurídicos de valoração e de seleção do que deva ser erigido em penalmente relevante — aquilo que seria o mínimo ético — são próprios do direito e nem sempre inteiramente coincidentes com os da moral, não será difícil aponta­ rem-se normas penais de natureza diversa das normas éticas. Tome- se, por exemplo, o crime de estelionato do art. 171 do Código Penal. Tem-se entendido que, para a sua configuração, não basta o logro decorrente da esperteza usualmente empregada nas relações de negó­ cio. é preciso mais que isso, ou seja, que o agente do crime tenha induzido a vítima em erro com o emprego de “ardil”, “artifício” ou “meio fraudulento” '13. Será ético — indaga-se — segundo o mandamento cristão (não fazer aos outros o que não queres que te façam), ou segundo o imperativo categórico kantiano (atuar segun­ do máxima que possa erigir-se em princípio de legislação universal), extrair-se vantagem excessiva de um semelhante menos dotado de inteligência, ou mal iniciado no difícil jogo das manipulações comer­ ciais? Parece-nos óbvio que não.

Nota-se, portanto, no exemplo dado, que o legislador penal, ao elaborar a norma proibitiva do estelionato, desconsiderou o con­ teúdo ético, esqueceu-se completamente da máxima “faça o bem e não o mal”, e, por razões pragmáticas, optou por uma fórmula jurí­ dica que permitisse o livre desenvolvimento das relações de negócio,

13. Há julgados que vão além, utilizando-se da distinção entre ilícito civil e fraude penal, como ocorreu com este do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, proferido em pedido de revisão formulado em favor de réu condenado por estelionato: “ . .. Teria, é verdade, o peticionário usado do argumento de dizer que, se a vítima não comprasse as ações, seriam suas terras desapropriadas. Mesmo em se tratando de um indivíduo bastante ingênuo, é pouco crível que fosse acreditar na palavra de quem não era autoridade e nem agente do poder público. Trata-se, como se vê, de dolo tolerado admitido pelo direito civil, cuja conseqüência é contaminar o ato jurídico de nulidade reconhecível pela via ordinária civil. Como salienta lucidamente Carvalho Santos, ‘o dolo tolerado, podendo ser facilmente verificado, não exige senão uma prudência ordinária e prática comum dos negócios para ser evitado; a lei não pode levar seus escrúpulos a ponto de defender a ingenuidade ou simplicidade das pessoas, únicas hipóteses em que estas serão vítimas de dolo dessa natureza’ ( Código

Civü brasileiro interpretado, v. 2, p. 342). Pelo exposto, tratando-se na espécie

de inadimplência de negócio de natureza civil que não se contém no âmbito da fraude criminal, típica da burla, mas sim do dolo tolerado, é de rigor a absolvição do peticionário. Defere-se, pois, o pedido para se absolver o pos­ tulante da imputação que lhe foi in ten tad a...” ( RT, 425:364-5).

(24)

reputadas necessárias para o tráfico de bens materiais. O ético cede lugar ao utilitário.

A teoria do mínimo ético falha, igualmente, em relação aos crimes de pura criação legislativa, que não correspondem a um con­ ceito de injusto material.

Mas não se pode — e aqui surge a dificuldade da questão em exame — admitir contradição ou oposição entre o direito e a moral, pois ambos contêm princípios reguladores do comportamento huma­ no. Assim, embora não se possa afirmar a existência de perfeita coincidência entre o conteúdo da norma moral e o da norma penal, fora de dúvida é que um ordenamento penal em contradição com a ordem moral que lhe é coetânea não teria eficácia ou seria verda­ deira monstruosidade. Baumann, empregando imagem expressiva, assim destaca a impossibilidade de contradição entre a norma penal e a norma moral: “Uma coletividade que, para a vida comunitária, tenha editado normas com cominações penais que contrariem a lei moral não é uma comunidade jurídica, mas um bando de ladrões” a4. Não obstante, forçoso é reconhecer — e assim também pensa o autor por último citado — que se, de um lado, não pode o ordenamento jurídico pretender organizar a vida comunitária de forma contrária às regras morais dominantes, de outro, conforme assinala Radbruch, “a norma moral, que só se satisfaz com o cumprimento dos seus preceitos por amor deles próprios, nada tem a ganhar com o fato de ao lado dela poderem surgir, a reforçá-la, outros imperativos de diferente natureza, embora com um conteúdo idêntico” 15. Além disso, se é da própria natureza das normas morais essa exigência de adesão espontânea dos obrigados 16, seria verdadeiramente desastroso, como ocorreu com os já mencionados crimes de heresia, pretender- se intervir em regiões tão delicadas com o pesado e rude instrumental de que dispõe o direito penal.

Disso resulta, pois, que o direito penal, como não poderia deixar de ser, quer também contribuir para a construção de um mundo valioso, razão pela qual não pode colocar-se em oposição aos valores morais dominantes. Não obstante, pela inutilidade de sua interven­ ção e para não causar males irreparáveis, limita extremamente o campo de sua atuação. Não deve, pois, ser chamado a tudo resolver

14. Grundhegriffe und System des Strafrechts, p. 9. 15. Filosofia, cit-, p. 111.

16. Miguel Reale, Lições preliminares de direito, p. 44.

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5 e menos ainda deve transformar-se em desajeitado modelador do caráter, da personalidade, ou em sancionador da formação moral profunda da pessoa, isto é, da Gesinnung. Não é, por fim, o direito penal instrumento de depuração ou de salvação espiritual de quem quer que seja17. Embora, pois, não se possa equacionar, em termos exatos e bastante nítidos, até onde o jurídico coincide com o ético, o certo é que, no estágio atual do direito penal, entendido este como parte do ordenamento jurídico, non omne quod licet honestum est. Esse é também o pensamento de um importante teólogo moderno para quem: “Nem tudo que é imoral tem logo de ser castigado. Só quando a vida comunitária for afetada de maneira grave ou quando os direitos da pessoa forem desprezados é que o direito penal tem de cuidar da proteção correspondente. Assim, é preciso distinguir claramente entre imoralidade e punibilidade. . . ” (grifamos)18. E prossegue, páginas adiante: “Não são as medidas morais, mas sim as criminais e políticas que determinam a punibilidade de um crim e ... Do que se disse ainda resulta: mesmo nãõ se punindo uma ação imoral ou deixando livre de pena uma ação que até agora se casti­ gava (por exemplo, a simples homossexualidade, o adultério, a inseminação artificial heteróloga de uma mulher), ainda não significa que este comportamento também seja moralmente livre e permitido. Por isso o cristão também pode, absolutamente, pleitear a isenção de pena de um comportamento imoral, se não estiver convencido de que ele prejudique a comunidade ou se este comportamento é de muito difícil apreciação” 19.

7. A tarefa imediata do direito penal é, portanto, de natureza eminentemente jurídica e, como tal, resume-se à proteção de bens

17. “Ao menos para a lei penal, o homem tem o direito inalienável de ir para o infemo vestido com as suas próprias roupas, desde que, pelo caminho, não ofenda diretamente a pessoa ou a propriedade alheia. O direito penal é um meio inadequado de impor a os outros uma correta condução de vida” (Morris & Hawldns, apud Figueiredo Dias, Direito penal, p. 18). Também Baumann: “Não é tarefa do direito forçar a conduta moral ou um âmbito nuclear de comportamento moral. Isso, aliás, seria irrealizável por meio de proibições jurídicas e de sua imposição de fora” (Grundbegriffe, cit., p. 11). A respeito do sentido de Gesinnung, consulte-se Bettiol, Sobre o direito penal da atitude interior, RT, 442:315.

18. Johannes Gründel, Temas atuais de teologia moral, trad. port. de

Acktuelle Themen der Moraltheologie, p. 169-70.

(26)

jurídicos. Nisso, aliás, está empenhado todo ò ordenamento jurí­ dico. E aqui entremostra-se o caráter subsidiário do ordenamento penal: onde a proteção de outros ramos do direito possa estar ausente, falhar ou revelar-se insuficiente, se a lesão ou exposição a perigo do bem jurídico tutelado apresentar certa gravidade, até aí deve estender-se o manto da proteção penal, como ultima ratio regum. Não além disso.

Fica, pois, esclarecido o caráter limitado do direito penal, sob duplo aspecto: primeiro, o da subsidiariedade de sua proteção a bens jurídicos; segundo, o dever estar condicionada sua intervenção à importância ou gravidade da lesão, real ou potencial. Pode-se eluci­ dar o que foi dito com alguns exemplos, a saber: a) numa socie­ dade em que o casamento perdeu o caráter de vínculo jurídico indis­ solúvel, com a instituição do divórcio, não há razão para manter-se a tipificação do crime de adultério (CP, art. 240), embora se reco­ nheça ser esse fato moralmente condenável; b ) em certos crimes contra o patrimônio, cometidos sem violência ou grave ameaça por agente não-perigoso, a efetiva reparação do dano deveria ser causa extintiva da punibilidade; c) certas ações, que causem danos despre­ zíveis, mesmo potencialmente, ao bem jurídico tutelado, devem con­ siderar-se desde logo, em uma concepção material do tipo, não abrangidas pelo tipo legal de crime (princípio da insignificância)20. E assim por diante.

8. O conjunto de idéias que estamos expondo não conduz necessariamente à negação da denominada autonomia do direito pe­ nal, reduzindo-o à condição de mero sancionador de ilícitos cons­ truídos em outras áreas do direito. Ao confiná-lo dentro de certos limites, situando-o harmoniosamente no ordenamento jurídico total, não pretendemos outra coisa senão extrair as conseqüências lógicas da definição de um dos elementos estruturais do conceito de crime — a ilicitude ou antijuridicidade — ou seja, ver no crime a relação de contrariedade entre o fato e o ordenamento jurídico no seu todo. Que quer isso dizer? Quer dizer que se, de um lado, nem todo fato ilícito reúne os elementos necessários para subsumir-se a um fato típico penal, de outro, o crime deve ser sempre um fato ilícito para o todo do direito. Eis áí o caráter fragmentário do direito penal: dentre a multidão de fatos ilícitos possíveis, somente alguns

20. Sobre o “princípio da insignificância”, v., infra, n. 112.

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— os mais graves — são selecionados para serem alcançados pelas malhas do ordenamento penal. Todavia, na construção do injusto típico penal, opera esse mesmo ordenamento autonomamente, sem subaltemidade a outros ramos do direito. Assim, por exemplo, na apropriação indébita (CP, art. 168), o conceito de posse pode ser mais extenso no direito penal do que no civil, o mesmo podendo acontecer com o de coisa móvel, no furto (art. 155) etc. E, embo­ ra não seja isto desejável, não se deve afastar a hipótese de ter o direito penal, excepcionalmente, que “adiantar-se” na incriminação de fatos danosos para os quais ainda não se haja encontrado solução adequada em outras áreas extrapenais. São casos, entretanto, bas­ tante raros, que não negam a regra geral e que, por isso mesmo, devem ser vistos e tratados com muita cautela, para evitar-se a criminalização de condutas reprováveis mas de relevância jurídico- penal duvidosa.

b) O bem jurídico protegido

9. Dissemos, linhas atrás (supra, n. 5), que o ordenamento jurídico-penal está dirigido para a proteção de algo; mais adiante identificamos o objeto dessa proteção como sendo certos bens jurí­ dicos. Importa, agora, elucidar o conceito de bem jurídico.

Bem, em um sentido muito amplo, é tudo o que sé nos apresenta

como digno, útil, necessário, valioso. É tudo aquilo que “est objet de satisfaction ou d’approbation dans n’importe quel ordre de fina- lité: parfait en son genre, favorable, réussi, utile à quelque f i n . . . ” 21. Os bens são, pois, coisas reais ou objetos ideais dotados de “valor”, isto é, coisas materiais e objetos imateriais que, além de serem o que são, “valem”. Por isso são, em geral, apetecidos, procurados, disputados, defendidos, e, pela mesma razão, expostos a certos peri­ gos de ataques ou sujeitos a determinadas lesões. Aristóteles não faz exceção ao afirmar que “toda ação e toda eleição parecem tender a algum bem” e, logo em seguida, define o “bem” como sendo “aquilo a que todas as coisas tendem” 22.

Dentro desse quadro, se considerarmos que cada indivíduo leva consigo um sistema de preferências e desdéns, armado e pronto a

21. Lalande, Vocabulaire technique et critUfue d e la philosophie. 22. Éthiq-ue à Nicomaque, 1094 a, trad. fr. J. Tricot.

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disparar, contra ou a favor de cada coisa, uma bateria de simpatias e de repulsões 23, não será difícil compreender que, sem um conjunto de medidas aptas a proteger certos bens, indispensáveis à vida comu­ nitária, seria impossível a manutenção da paz social.

Por isso, dentre o imenso número de bens existentes, seleciona o direito aqueles que reputa “dignos de proteção” e os erige em “bens jurídicos”. Para Welzel, o “bem jurídico é um bem vital ou individuahque, devido ao seu significado social, é juridicamente pro­ tegido. Pode ele apresentar-se, de acordo com o substrato, de dife­ rentes formas, a saber: objeto psicofísico ou objeto espiritual-ideal

(exemplo daquele, a vida; deste, a honra), ou uma situação real (respeito pela inviolabilidade do domicílio), ou uma ligação vital (casamento ou parentesco), ou relação jurídica (propriedade, direi­ to de caça), ou ainda um comportamento de terceiro (lealdade dos funcionários públicos, protegida contra a corrupção). Bem jurídico é, pois, toda situação social desejada que o direito quer garantir contra lesões” 24.

10. Em vez de “situação social desejada” ( erwünschte soziale

Zustand), poderíamos dizer “situação social valiosa”, ou melhor, valores ético-sociais, com o que teríamos a seguinte definição: bens jurídicos são valores ético-sociais que o direito seleciona, com o objetivo de assegurar a paz social, e coloca sob sua proteção para que não sejam expostos a perigo de ataque ou a lesões efetivas.

O conceito de bem jurídico, assim sintetizado, resultou de lenta elaboração doutrinária, empenhada na busca de um conteúdo mate­ rial para o injusto típico, do qual se pudesse deduzir orientação sega­ ra para a aplicação da lei penal25. Primeiramente, procurou-se esse conteúdo material na lesão ou exposição a perigo de direitos subje­

tivos (época das luzes, especialmente Feuerbach); depois, na lesão

ou exposição a perigo de interesses vitais (fins do século X IX ); por

23. Ortega y Gasset: “Antes que vejamos o que nos rodeia somos um feixe original de apetites, de afãs e de ilusões. Viemos ao mundo dotados de um sistema de preferências e desdéns, mais ou menos coincidentes com o do próximo, que cada qual leva dentro de si armado e pronto a disparar contra ou a favor de cada coisa; uma .bateria de simpatias e repulsões” (Que é filo­

sofia?, trad. bras., p. 186).

24. Das deutsche Strafrecht, cit., p. 4.

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fim, chegou-se à conclusão de que o conteúdo material do injusto só poderia ser a lesao ou a exposição a perigo de um bem jurídico™. Frisé-se, porém — e isto está implícito nas considerações iniciais —^ que nem todo bem é um bem jurídico. Além disso, nem todo bem jurídico como tal se coloca sob a tutela específica do direito penal.

Essa é uma conclusão que decorre do caráter limitado do direito penal, já estudado (supra, n. 7 ). Do ângulo penalístico, portanto, bem jurídico é aquele que esteja a exigir uma proteção especial, no âmbito das normas de direito penal, por se revelarem insuficien­ tes, em relação a ele, as garantias oferecidas pelo ordenamento jurí­ dico, em outras áreas extrapenais. Não se deve, entretanto — e esta é uma nova conseqüência do já referido caráter limitado do direito penal — supor que essa especial proteção penal deva ser abrangente de todos os tipos de lesão possíveis. Mesmo em relação aos bens jurídico-penalmente protegidos, restringe o direito penal sua tutela a certas espécies e formas de lesão, real ou potencial27. Viver é um risco permanente, seja na selva, entre insetos e animais agressi­ vos, seja na cidade, por entre veículos* máquinas e toda sorte de inventos da técnica, que nos ameaçam de todos os lados. Não é missão do direito penal afastar, de modo completo, todos esses riscos — o que seria de resto impossível — paralisando ou impedindo o desenvolvimento da vida moderna, tal como o homem, bem ou mal, a concebeu e construiu 25. Protegem-se, em suma, penalmente, certos bens jurídicos e, ainda assim, contra determinadas formas de agres­ são; não todos os bens jurídicos contra todos os possíveis modos de agressão.

26. Mezger, Tratado, cit., v. 1, p. 398 e s. Afirma Mauraeli que, desde Bimbaum (1832), tem-se considerado o delito como lesão ou exposição a perigo de um “bem” garantido pelo poder estatal, opondo-se, com isso, os bens jurídicos individuais aos da coletividade, concepção essa aceita por Binding e von Liszt, e que permaneceu dominante até surgir a “escola de Kiel”, identificada com os princípios do nacional-socialismo ( Deutsches Strafrecht, cit., p. 213).

27. Welzel, Das deutsche Strafrecht, cit., p. 5.

28. Binding percebeu isso com clareza ao admitir a existência de um risco juridicamente permitido para certas ações indispensáveis: “Je unentbehr- licher eine Handlung im Rechtssinne desto grõsser das Risiko, das ohne rechtli- che Missbilligung, bei ihr gelaufen werden darf” ( Die Normen tind Ihre

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