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Fernando da Costa Tourinho Filho admite isso claramente, distin­ guindo o crime “consumado anteriormente” de sua punibilidade ( “o fato não

II — O fato-crime

7. Fernando da Costa Tourinho Filho admite isso claramente, distin­ guindo o crime “consumado anteriormente” de sua punibilidade ( “o fato não

se toma punível"), ao examinar, neste tópico, o art. 558 do Código Penal italiano em frente ao art. 236 do Código Penal brasileiro: “. . . Não há absoluta similitude entre a redação do art. 558 do Código- Penal italiano e a do nosso 236. Ali se diz: ‘Chiunque, nel contrarre matrimonio awente

effetti civili, con mezzi fraudolenti occulta all’altro ooniuge 1’esistenza di un impedimento che non sia quello derivante de un precedente matrimonio è punito, se íl matrimonio è annullato a causa delTimpedimento occultato. . . '

Infere-se pois, claramente, que a anulação do casamento toma aplicá­ vel a pena. D e conseqüência, enquanto não for satisfeita a condição, o fato não se toma punível, muito embora o crime se tenha consumado anterior­ mente. Na verdade, segundo o magistério de Manzini, ‘il delitto in esame

si consuma nel momento e nel luogo in cui il colpevole, che ha fraudolen- tamente occultato Timpedimento alfaltro soggetto, ha contratto il matrimonio

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afirmação inicial de que a punibilidade é efeito, conseqüência jurí­ dica, do crime, não um seu elemento constitutivo 8.

Do que foi dito, conclui-se que a base fundamental de todo fato-crime é um comportamento humano (ação ou omissão). Mas para que esse comportamento humano possa aperfeiçoar-se como um verdadeiro crime será necessário submetê-lo a uma tríplice ordem de valoração: tipicidade, ilicitude e culpabilidade. Se pudermos afir­ mar de uma ação humana (a ação, em sentido amplo, compreende a omissão, sendo, pois, por nós empregado o termo como sinônimo de comportamento, ou de conduta) que é típica, ilícita e culpável, teremos um fato-crime caracterizado, ao qual se liga, como conse­ qüência, a pena criminal e/ou medidas de segurança.

96. Vejamos, agora, numa rápida visão panorâmica, o signifi­ cado que atribuímos aos termos ação, tipicidade, ilicitude e culpabi­

lidade. Mais adiante, nos títulos seguintes, examinaremos de novo,

com mais detalhes, esses mesmos conceitos penalísticos, ocasião em que se fará o estudo das teorias que, no particular, se nos afiguram aceitáveis.

Por ora — repita-se — é nosso desejo antecipar o sentido das palavras, ou pouco mais que isso, com o objetivo de facilitar a com­ preensão dos temas em desenvolvimento.

97. Ação (ou conduta) compreende qualquer comportamento humano, comissivo ou omissivo, abrangendo, pois, a ação propria­ mente dita, isto é, a atividade que intervém no mundo exterior, como também a omissão, ou seja, a pura inatividade. Todavia, para que um comportamento humano, comissivo ou omissivo, possa ter a

awente effetti civili, poscia annullato’ (cf. Diritto penale, UTET, 1951, v. 7, p. 664).

Por outro lado, quando se disse na Relazione del Presidente delia Com-

missione per il Progeto del Codice Penale que ‘il momento consumativo se

verifica quando il matrimonio sia annullato’, não tardou a crítica de Manzini: ‘Sarebbe assurdo ammettere, ad. es., che ia consumazione avvenga nella sede delia corte di appello che ha reso esecutiva una sentenza del giudice eccle- siastico mentre il matrimonio annullato fu contratto in un luogo diverso del distretto. . .’ (cf. ob. cit., p. 664). E, em seu prol, cita Saltelli e Romano

(Commento, v. 2, p. 833)” ( Processo penal, cit., v. 1, p. 505).

8. Em sentido diametralmente oposto, Battaglini, Direito penal, cit., v. 1, p. 136.

aptidão para qualificar-se como crime, é necessário que se tenha de­ senvolvido sob o domínio da vontade. O comportamento puramen­ te involuntário, resultante de caso fortuito ou de força maior, não constitui ação digna de castigo para o direito penal. A exigência de voluntariedade na conduta é imprescindível tanto para a ação do­ losa quanto para a culposa. Em ambas a vontade domina a con­ duta, com a diferença de que, na primeira, a voluntariedade alcança até o resultado da conduta; na segunda, a voluntariedade vai só até a causa do resultado não querido. A voluntariedade é que dá o conteúdo intencional — ou finalístico — de toda ação relevante para o direito penal, distinguindo-a dos meros “fatos”, isto é, dos acontecimentos físicos ou daqueles produzidos pelas mãos do homem, mas sem a intervenção da vontade. Tais acontecimentos são pu­ ramente causais, derivados do fortuito ou da força maior. Quando operam através do homem, atuam com o mesmo fatalismo das leis da naturez^ Como não se pode punir uma pedra que cai, ou um raio que mata, não se deve igualmente punir quem não age mas “é agido”. Por isso é que, para o direito pena], só interessam as con­ dutas que tenham um certo conteúdo finalístico, ou seja, toda e qualquer ação que possa ser reconduzida à vontade humana como razão de ser de seu aparecimento no mundo exterior. Dentro de uma concepção jurídica, ação é, pois, o comportamento humano, do­ minado ou dominável pela vontade, dirigido para a lesão ou para exposição a perigo de lesão de um bem jurídico, ou, ainda, para a causação de uma possível lesão a um bem jurídico. Na concepção jurídica de ação, acima exposta, a orientação de ânimo do agente, ou o objetivo por ele perseguido com sua conduta, é parte insepa­ rável dessa mesma conduta, como seu elemento intencional ou fina­ lístico. Isso traz como conseqüência necessária o reconhecimento de que, como acentuou Welzel, o dolo e a negligência fazem parte da ação (não do juízo de culpabilidade), fato que, por si só, justi­ fica a primeira grande divisão dos crimes em crimes dolosos e culpo­ sos, ou melhor, em crimes de ação dolosa e crimes de ação culposa. Note-se que essa concepção da ação humana não nega o princípio da causalidade. Reconhece, porém, como ensina Welzel, que o ho­ mem, com base no conhecimento dessa causalidade, que lhe é dado pela experiência, pode prever os acontecimentos (efeitos de deter­ minadas causas) e com isso querê-los, produzindo-os ou provocan- do-os. Nessa hipótese, a causalidade, vista do ângulo de um com­ portamento voluntário, que lhe tenha orientado ou impulsionado, 83

passâ a ser causalidade dirigida. Assim, certos efeitos abrangidos pelo querer do agente deixam de sèr mera conseqüência mecânica de fenômenos físicos, no mundo exterior, para apresentarem-se como algo que se realiza de modo orientado pelo “fim” mentado. pelo agente.

A grande e irremovível distinção entre o crime doloso e o cul­ poso está em que, no primeiro, a voluntariedade do agente alcança todo o seguimento do mundo da realidade descrito no tipo, inclusive o resultado típico; no segundo, essa voluntariedade esgota-se na causa de um resultado por ela não alcançado.

98. Tipo é a descrição abstrata da ação proibida ou da ação

permitida. Há, pois, tipos incriminadores, descritivos da conduta proibida, e tipos permissivos ou justificadores, descritivos das con­ dutas permitidas. Os primeiros são os tipos legais de crime, que só podem ser criados pelo legislador (nullum crimen sine lege); os segundos são as denominadas causas de justificação ou de ex­ clusão da ilicitude. Tipicidade é a subsunção, a justaposição, a adequação de uma conduta da vida real a um tipo legal de crime. Dependendo da concepção que se tenha do tipo, o fenômeno da tipicidade ocorrerá com maior ou menor extensão. Assim, na cons­ trução originária de Beling (1906), o tipo tinha uma significação puramente formal, meramente seletiva, não implicando, ainda, um juízo de valor sobre o comportamento que apresentasse suas ca­ racterísticas. Modernamente, porém, procura-se atribuir ao tipo, além desse sentido formal, um sentido material, como veremos mais adiante.

Sendo o tipo um modelo de ação proibida, deve ele exprimir os elementos essenciais da ação descrita. Como a ação contém o dolo ou a negligência, pelo que os crimes se dividem em crimes de ação dolosa e crimes de ação culposa, os tipos legais de crimes exprimem (contêm) igualmente o dolo ou a negligência e, portanto, se dividem em tipos dolosos e tipos culposos; os primeiros des­ crevem explícita ou implicitamente, como um de seus elementos essenciais (elemento subjetivo do tipo), o dolo; os últimos, a culpa

stricto sensu. Conforme temos sustentado, o tipo, como expressão

esquemática da ação ilícita, contém: a) a proibição da conduta descrita, ou seja, o elemento valorativo que espelha o seu conteúdo material e atua como fator limitativo do juízo de adequação típica (as ações ou omissões ético-socialmente permitidas não podem estar

abrangidas por üm modelo de conduta proibida) ; b) a modelagem, a descrição da conduta proibida, isto é, 0 aspecto íático sobre que incide a valoração e a proibição da norma. Esse aspecto fático compõe-se de elementos objetivos e de elementos subjetivos. (O termo fático está aqui empregado com o sentido de relativo a fe­ nômenos que podem ser objeto de observação e de descrição.) São objetivos todos aqueles elementos que devem ser alcançados pelo dolo do agente. Dividem-se em descritivos e normativos. Os pri­ meiros — os descritivos — exprimem juízos de realidade (exemplo: “matar”, “coisa”1, “filho”, “mulher” etc.). Os segundos — os nor­ mativos — são termos ou expressões que só adquirem sentido quando completados por um juízo de valor, preexistente em outras normas jurídicas (exemplo: “coisa alheia”, “funcionário público”, “domicílio” etc.), ou em normas ético-sociais (exemplo: “mulher honesta” ), ou a ser emitido pelo próprio intérprete (exemplo: “dig­ nidade”, “decoro”, “reputação” etc.). Elementos subjetivos são os fenômenos anímicos do agente — o dolo, especiais motivos, ten­ dências e intenções. Não adotamos a terminologia tipo objetivo e

tipo subjetivo, por nos parecer que o tipo legal de crime é um só,

contendo elementos objetivos e subjetivos.

Resumindo, o tipo legal, conforme o entendemos, abrange, ao descrever a conduta proibida: o sujeito da ação, isto é, o agente do crime; a ação, com os seus elementos objetivos e subjetivos; e, se for o caso, o objeto da ação, bem assim o resultado, com a respectiva relação de causalidade. A linha divisória entre o injusto típico e a culpabilidade não mais residirá entre os dados objetivos e subjetivos 9, mas deverá fundar-se em outros critérios.

99. Ilicitude, ou antijuridicidade (palavras sinônimas), tem

sido entendida como a relação de contrariedade entre certa conduta da vida real e o ordenamento jurídico (Welzel, Das deutsche Straf­

recht, cit., p. 50; Jescheck, Lehrbuch, cit., p. 175; Petrocelli, Uan- tigiuridicità, p. 13).

Esse conceito, segundo supomos, é insuficiente por revelar o aspecto puramente formal do ato ilícito, sem um conteúdo material. Por isso definimos a ilicitude assim: “A relação de antagonismo que se estabelece entre uma conduta humana voluntária e o orde­ namento jurídico, de sorte a causar lesãó ou expor a perigo de

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