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118. O crime, conforme já vimos, consiste basicamente em jazer o que está proibido ou em não jazer o que está determinado por norma preceptiva. Os crimes de omissão correspondem a esta segun­ da categoria de infração: o agente não faz o que podia e estava obrigado a fazer.

Estes crimes — os omissivos — se dividem em duas grandes classes: omissivos próprios e omissivos impróprios ou comissivos por omissão. Os primeiros, os omissivos próprios, são crimes de mera con­ duta (exemplo: omissão de socorro) para cuja configuração se pres­ cinde do nexo causai.

Já nos crimes omissivos impróprios ou comissivos por omissão, há sempre um resultado em consideração, atribuível à conduta do omitente, surgindo a questão de saber se se deve, ou não, exigir algum nexo causai — e de que tipo — entre essa conduta omissiva e o resultado.

Note-se que os crimes omissivos próprios são necessariamente previstos em tipos específicos (arts. 135, 244, 246, 269 etc.), ao passo que os omissivos impróprios, ao contrário, se inserem na tipificação comum dos crimes de resultado, de que são exemplos o homicídio (art. 121), a lesão corporal (art. 129) etc., passíveis em bom número de serem cometidos por omissão.

119. O problema da causalidade nesses delitos comissivos por omissão tem ensejado inúmeras disputas doutrinárias que, entre nós, com a reforma penal, perde relevância. Com efeito, o legislador pátrio estabeleceu um nexo de causalidade normativo entre a omissão e o resultado, no art. 13 e parágrafos do Código Penal, especificando as hipóteses em que esse nexo deva ser reputado presente, a saber:

a) tenha o agente, por lei, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;

b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o

resultado;

c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrên­ cia do resultado.

A omissão terá o mesmo valor penalístico da ação quando o omi­ tente se colocar, por força de um dever jurídico (art. 13, § 2.°), na

posição de garantidor da não-ocorrência do resultado. Não se trata, pois, como salienta Wessels, de um “não-fazer” passivo, mas da “não-execução de uma certa atividade juridicamente exigida” 48. Nessa linha, que é a mesma que temos sustentado, o Supremo Tribunal Federal, acolhendo parecer que emitimos, decidiu: “A causalidade, nos crimes comissivos por omissão, não é fática, mas jurídica, con­ sistente em não haver atuado o omitente, como devia e podia, para impedir o resultado” 49.

120. A primeira hipótese (art. 13, § 2.°, a) cuida do dever legal, derivado de norma legal. O Código Civil impõe aos pais o dever de guarda, criação e educação dos filhos (art. 384, I e II) prestando-lhes alimentos (art. 397). A omissão no cumprimento desse dever, quando o omitente podia cumpri-lo, caracteriza o crime omis­ sivo próprio de abandono material (art. 244) ou, tal seja a situação do menor, se sobrevêm lesão ou morte, por não ter o responsável diligenciado para obstar o resultado, o crime será comissivo por omis­ são, de lesões corporais ou até homicídio50, conforme o caso.

Note-se que o dever de evitar o resultado é sempre um dever derivado da norma jurídica. Deveres puramente religiosos, morais ou da ética individual não entram em consideração51.

121. A segunda hipótese (letra b) refere-se a quem tenha assu­ mido, de algum modo, o dever de agir para impedir o resultado. O Código, todavia, não definiu o “modo” ou os casos em que o obrigado assume a posição de “garante”. Nem se deve restringir esta hipótese às obrigações de índole puramente contratual de sorte a permitir-se o transplante, para a área penal, de infindáveis dis­ cussões sobre questões prejudiciais em torno da validade ou da eficá­ cia do contrato gerador da obrigação. Penso que, aqui, a solução deve apoiar-se no princípio de que a posição de garante surge para todo aquele que, por ato voluntário, promessas, veiculação publici­

48. Direito penal, cit., p. 161. 49. RTJ, t16:\77.

50. Júlio Fabrini Mirabete inclui nessa hipótese o dever do diretor de presídio e dos carcereiros de zelarem e protegerem os presos (Manual, cit., p. 107).

tária ou mesmo contratualmente, capta a confiança dos possíveis afe­ tados por resultados perigosos, assumindo, com estes, a título oneroso ou não, a responsabilidade de intervir, quando necessário, para impe­ dir o resultado lesivo. Nessa situação se encontram: o guia, o sal- va-vidas, o enfermeiro, o médico de plantão em hospitais ou pron- tos-socorros, os organizadores de competições esportivas etc.

Note-se que a posição de garantidor ou de “garante” é excep­ cional, atinge apenas quem por lei ou voluntariamente tenha assu­ mido essa responsabilidade. Não se estende, pois, generalizadamente a todo e qualquer indivíduo que eventualmente esteja em condições de prestar auxílio ou socorro, como ocorre no crime omissivo pró­ prio de omissão de socorro (art. 135) 52.

122. A terceira e última hipótese é a do agente que, por seu comportamento anterior, criou o risco do resultado. Quem produz o perigo, no meio social, tem o dever jurídico de atuar para impedir o resultado danoso. Assim, quem provoca incêndio ou queimadas está obrigado a intervir para evitar mortes, queimaduras nas vizinhanças, ou danos à propriedade alheia. Se se omite, será autor dos crimes que, por sua omissão, lesem aqueles bens jurídicos, ante a propa­ gação do incêndio. Quem, por brincadeira dé mau gosto, empurra o amigo para dentro da piscina, estará obrigado a salvá-lo, se ne­ cessário, para que o fato não se transforme em crime de homicídio, no caso de eventual morte por afogamento.

Segundo Maurach, a ação precedente, criadora do perigo, pode ser conforme ou contrária ao direito, culposa ou não, punível ou não. Sua qualificação jurídica é irrelevante 53.

Frise-se, por último, que o omitente, para que se transforme em autor de um crime comissivo por omissão, deve ter tido a pos­ sibilidade de agir para impedir o resultado. Não basta, pois, o dever de agir. É preciso que, além do dever, tivesse a possibilidade física de agir, ainda que com risco para sua pessoa.

Faltando essa possibilidade, em qualquer das hipóteses examina­ das (ausência do local do perigo, desmaio, imobilização, ferimento grave etc.), a omissão deixa de ser penalmente relevante, à luz do texto do art. 13 anteriormente citado.

52. Júlio Fabrini Mirabete, Manual, cit., p. 110. 53. Deutsches Strajrecht, cit., p. 608-9.

§ 10. T ipicidade

a) Injusto. Conceito. Injusto e ilicitude. Tipo de injusto

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