g) Denominações mais freqüentes das várias espécies de crimes
50. Eis alguns acórdãos do Supremo Tribunal Federal que adotaram a tese da consumação do crime complexo de latrocínio, apesar de não consu
mada a subtração: HC 56.704, DJ, 23 mar, 1979, p. 2100; HC 57.420, DJ, 14 dez. 1979, p. 9443; HC 57.387, DJ, 29 fev. 1980, p. 973; HC 57.586,
DJ, 7 mar. 1980, p. 1174. O último aresto contém esta significativa ementa:
“Penal — Latrocínio — Subtração tentada e homicídio consumado — Con trovérsia a respeito da exata qualificação do crime — Opção pela solução menos imperfeita, que afiima, nessa hipótese, o latrocínio consumado” (Rel. Min. Decio Miranda).
dessa concepção, poder-se-á concluir que, no delito instantâneo (furto, injúria etc.), a consumação ocorre em um momento certo, definido; no permanente, o momento consumativo é uma situação duradoura, cujo início não coincide com o de sua cessação (seqües tro, cárcere privado, usurpação de função pública etc.).
Denominam-se crimes instantâneos de efeitos permanentes aqueles em que não a conduta do agente, mas apenas o resultado da ação é permanente. Isso ocorre no homicídio (exemplo de Bettiol), cujo resultado (a morte) é irreversível, portanto permanente, mas seguramente marcado por um momento consumativo certo — aquele em que a vítima deixa de viver. Esta classificação dos crimes tem, entre outras, conseqüências processuais relevantes na caracterização do flagrante delito, pois, nos crimes permanentes, enquanto não ces sada a permanência, pode haver prisão em flagrante.
— Crimes políticos e crimes comuns. Crimes de opinião. Há
sérias dificuldades na conceituação dos denominados crimes políticos, visto como, de um modo geral, os fatos abrangidos por esta cate goria de delitos nem sempre se diferenciam, no aspecto exterior, da queles previstos na legislação penal como crimes comuns (explosão, incêndios, assassinatos, sabotagem etc.). Daí a distinção entre de litos políticos puros e relativos (ou próprios e impróprios), os pri meiros ofensivos tão-somente à ordem política (exemplo: propagan da revolucionária ou subversiva — art. 22 da Lei n. 7.170/83), os últimos possuindo, também, o caráter de ofensivos aos bens tutela dos pela legislação penal ordinária (exemplo: o roubo e o seqües tro, do art. 20 da Lei n. 7.170, contemplados igualmente nos arts. 157 e 148 do C P). Se em relação aos primeiros não há obstá culos intransponíveis para a caracterização dos motivos do agente que dão o cunho político ao fato (quase sempre manifesto), nos últimos o hibridismo da infração oferece inúmeros problemas de aplicação prática, diante de certos benefícios concedidos aos crimes políticos, dentre os quais se avultam a prisão sem regime penitenciário (Lei n. 7.210/84, art. 200), o asilo e a proibição da extradição. Tanto é assim que o Estatuto do Estrangeiro, no título que trata da extra dição, após proibi-la por crime político (art. 77, V II), de acordo com norma do art. 5.°, L1I, da Constituição, ressalva a hipótese dos crimes políticos relativos ou impróprios (art. 77, § 1.°) e atribui ao Supremo Tribunal Federal a faculdade de, em concreto, dar a última palavra sobre o “caráter da infração” (§ 2.9), possibilitan
do-lhe “deixar de considerar crimes políticos os atentados contra Chefes de Estado ou quaisquer autoridades, bem assim os atos de anarquismo, terrorismo, sabotagem, seqüestro de pessoa, ou que im portem propaganda de guerra ou de processos violentos para sub verter a ordem política ou social” (§ 3.°). Da mesma forma, a Lei n. 2.889, de 1.° de outubro de 1956, que após definir o crime de genocídio o exclui do conceito de crime político, “para efeitos de
extradição” (art. 6.°).
Tais disposições legislativas agravam, obviamente, as dificulda des na elaboração do conceito do crime político, devido à amplitu de das exceções acima referidas, que praticamente anulam a regra, e diante da omissão do legislador pátrio na definição desse delito, cujo tratamento legal foi sempre polêmico e variável.
O legislador italiano, diferentemente do brasileiro, enfrentou o problema definindo no Código Penal, art. 8.°, como delito político todo aquele que “ofende um interesse político do Estado ou um di reito político do cidadão”. A seguir, equipara a delito político todo “delito comum determinado, no todo ou em parte, por motivos po líticos”. Baseado nesses preceitos, Manzini apresenta dois critérios — um objetivo outro subjetivo — para a caracterização do crime em exame. De um ponto de vista objetivo, seriam políticos todos os delitos contra a personalidade do Estado, quaisquer que sejam os seus motivos; de um ponto de vista subjetivo, sê-lo-iam os delitos comuns praticados com motivação política. Amplia, ainda, o autor citado o conceito de crime político para abranger igualmente os de litos comuns conexos aos primeiros, ou seja, os crimes comuns pra ticados para execução, ocultação ou para assegurar o produto, o proveito, o preço ou a impunidade dos crimes políticos 51.
Tal conceituação não se aplica, contudo, ao direito legislado brasileiro que, como vimos, trata como “crime comum”, entre ou tros, os delitos de seqüestro e de terrorismo com fins políticos, por força do disposto no art. 77, § 3.°, da Lei n. 6.815/80, cuja cons- titucionalidade, nesse aspecto, não tem sido posta em dúvida. Nota-se, aliás, que, se na lei italiana a tendência é para ampliação do crime político, no Brasil ocorre o inverso, inclinando-se nossa legis lação pelo tratamento de atos de fins evidentemente políticos como crimes comuns. Essa inclinação tem sido apoiada pelo Supremo
Tribunal Federal, onde muito se discutiu sobre a natureza do “crime
complexo” ou “crime político relativo”, isto é, daquele delito que
é “um misto de crime comum e de crime político”. Em pedido de extradição formulado pelo governo francês, entendeu-se que o de finitivo “caráter do crime decorrerá da predominância da infração política ou comum”. E, no voto prevalecente do Min. Moreira Alves, ficou dito, em síntese, que a aferição dessa “predominância” é facultada ao Supremo Tribunal Federal que, para tanto, examina as circunstâncias do fato e considera certos princípios inspiradores de nossa legislação. Assim é que, ainda conforme o voto mencio nado, leva-se em conta a confiança que inspira a justiça do país que requer a extradição, como aconselha Coelho Rodrigues. Além disso, considera-se: a) a finalidade do ato criminoso orientada no sentido de realizar um atentado contra a organização política ou social do Estado; b) a relação, que deve ser clara e nítida, entre o ato criminoso e o objetivo revolucionário de algum partido; c) a possibilidade de preponderância do delito comum sobre o caráter político do crime (ainda quando o objetivo final visado seja um fim político), “em razão da atrocidade do meio empregado” para a con secução do fim perseguido. Além disso, consoante dizia Bento de Faria, deve preponderar o crime comum “quando a violação do in teresse privado sobrepuja em gravidade a do delito político” (Extra dição 399-França, RTJ, 108:18).
Em outro julgado (caso Firmenich), reiterou o Supremo Tri bunal Federal esse entendimento (Extradição 417-Argentina), que fornece atualmente os critérios para a caracterização, entre nós, do crime político.
Pode-se, em conclusão, dizer que a expressão “crime político” enuncia fatos típicos penais qualificados pela motivação política do agente ou pela natureza do bem jurídico ofendido (a organização política do Estado). Distinguem-se, pois, ôs crimes políticos dos crimes em sentido amplo na medida em que estes últimos predomi nantemente “atacam os bens ou interesses jurídicos do indivíduo, da família, da sociedade”, ao passo que os primeiros — os crimes po líticos — “agridem a própria segurança interna ou externa do Es tado ou são dirigidos contra a própria personalidade deste” 52.
Note-se que a jurisprudência do Supremo Tribunal inclui na classificação de crimes comuns (em oposição a crimes de responsa
bilidade) os crimes políticos relativos (ou crimes contra a segurança nacional impróprios), conforme salientamos antèriormente. Não se confundem, outrossim, os crimes políticos com os crimes de opinião, embora estes possam, em certas circunstâncias, adquirir o caráter daqueles (exemplo: incitar à subversão da ordem política — art. 23 da Lei n. 7.170). São delitos de opinião as manifestações escritas ou orais que constituem abuso da liberdade de expressão ou de pen samento (crimes de imprensa, crimes contra a honra). Mesmo nos regimes amantes da liberdade não se pode prescindir da punição dos
abusos nas várias formas de manifestação do pensamento, quando
se passa da mera liberdade de pensamento para a esfera da agressão a bens jurídicos fundamentais, penalmente protegidos. É certo, porém, que regimes ditatoriais, totalitários, têm abusado da mani pulação dos delitos de opinião como instrumento de opressão e de perpetuação no poder, por meio da equiparação extensiva destes a delitos políticos, o que é lamentável.
— Crime qualificado e crime privilegiado. Tipo fundamental
ou básico e tipo derivado. “Delictum sui generis”. Tipo funda
mental ou básico é o que nos oferece a imagem mais simples de uma espécie de delito. Dele não se pode extrair qualquer elemento sem que se desfigure a imagem do delito de que é expressão (exemplo: homicídio simples — art. 121, caput). Tipo derivado é o que se forma a partir do tipo fundamental mediante o acréscimo de circuns tância que exprime uma agravação ou uma atenuação do conteúdo do injusto ou da culpabilidade do delito-base 53. Quando o tipo de rivado constitui modalidade agravada, o crime por ele modelado de nomina-se qualificado (exemplo: homicídio qualificado pela traição ou emboscada — art. 121, § 2.°, IV ); se, ao contrário, constitui modalidade atenuada, o crime se diz privilegiado (exemplo: homicí dio privilegiado pelo motivo de relevante valor social ou moral — art. 121, § 1.°). Estas variantes do delito-base podem adquirir um aspecto de total independência do delito de que derivam, constituin do um delito autônomo ou delictum sui generis (exemplo: o infan- ticídio — art. 123).
— Delitos de intenção. Delitos de resultado cortado e delitos
mutilados de dois atos. Segundo Maurach, o tipo delitivo é “con
gruente” quando existe uma coincidência entre as suas partes subje tiva e objetiva (entre o dolo e o acontecimento objetivo). Para a