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e) O nexo de causalidade

44. Grundbegriffe, cit., p 54.

Feita a opção legislativa pela teoria da equivalência das condi­

ções, segundo a qual causa de um fenômeno é a totalidade e cada

uma das condições produtoras desse fenômeno, ou mais especifica­ mente, a conduta sem a qual “o resultado não teria ocorrido”, res­ ta-nos, a partir dessa tomada de posição, examinar algumas questões que ocorrem na prática.

Considere-se, inicialmente, que os tipos legais de crime são do- losos ou são culposos. Fora do dolo e da culpa penetramos na área do fortuito ou da força maior, onde não há crime. Isso nos leva à conclusão de que a causalidade, ou seja, o elo de ligação entre a ação humana e o evento, não é puramente naturalístico, pois deve ser valorado, aferido, conjuntamente com o elemento súbjetivo do

agente. Em outras palavras, a causalidade relevante para o direito - penal é aquela que foi ou pelo menos deveria ter sido visualizada,

prevista, antecipada em mente pelo agente. Com isso, o dolo e a culpa !

limitam, na cadeia causai, que pode ser infinita, o seguimento dessa - " 1

cadeia relevante para o direito penal. Assim, por exemplo, no crime I

de homicídio, o fabricante ou o vendedor da arma, se não o podia 1

prever, não responde por co-autoria ou participação, embora a fabri­ cação ou a venda da arma tenha sido conditio sine qua non do resul­ tado. O mesmo se diga do fabricante do veículo, nos delitos de trânsito.

113. Segundo importantes autores, dentre os quais Bettiol, a concepção puramente naturalista de causalidade deve ser tida como

limite ao problema causai, em direito penal, não como critério único

e definitivo. Assim, onde a causalidade física estiver excluída, não se pode considerar presente um vínculo causai normativo. Exempli­ ficando, a ação de Caio, ao cortar o pulso de Tício, não pode ser considerada causa da morte de Tício, se se demonstrar que Tício morrera de síncope cardíaca sem vínculo com o ferimento recebido. Nessa hipótese, a exclusão da causalidade física afasta necessaria-, mente a possibilidade de uma vinculação normativa entre o fato e o agente. Todavia, a presença da causalidade física, naturalista, pode não ser suficiente para a caracterização da causalidade normativa, de que trata o Direito Penal, como se viu nos exemplos anteriores em que certos antecedentes causais, naturalisticamente irrecusáveis, são excluídos da área de interesse do Direito Penal.

Note-se, por outro lado, que há delitos para os quais não se exige a presença de qualquer vínculo de causalidade, como ocorre

com os denominados delitos de mera conduta ou de atividade, nos quais o legislador pune determinada conduta, sem preocupar-se com o resultado. Acrescentando-se a isso o que foi dito anteriormente, somos levados a concluir, com Maurach, que nem a afirmação nem a negação do nexo causai bastam para acarretar a presença ou a ausên­ cia de urn crime 45.

A teoria da causalidade, em direito penal, tem, pois, aplicação restrita aos denominados delitos materiais, isto é, àqueles para cuja consumação se exige a presença de um resultado. Nesses delitos, há que se indagar a respeito da existência de um nexo causai entre a ação do agente e o resultado típico.

114. importante é frisar que, para a teoria da conditio sine

qua non, adotada pelo art. 13 do Código Penal, a causalidade deve

reputar-se presente mesmo quando a conduta do agente não seja a única condição do resultado. Sustenta, contudo, Maurach 46, que esse princípio não pode ser absoluto. Assim, se A e B, com intenção de matar, ministram, separadamente, sem conhecimento recíproco, um da conduta do outro, veneno insuficiente para a morte da vítima, mas esta vem a falecer por efeito da soma das doses ministradas, A e B devem responder por tentativa de homicídio, não por homicídio con­ sumado.

Em que pese opinião em contrário, parece-me possível defen- der-se idêntica solução, no direito brasileiro, apesar da teoria da equivalência das condições, porque, no exemplo, uma das doses de veneno pode ser reputada causa superveniente relativamente inde­

pendente (difícil pensar-se, nessa hipótese, na ministração concomi­

tante do veneno), sem potencialidade para, “por si só”, produzir o resultado (art. 13, § 1.°). Como, entretanto, não poderia ingressar na esfera de conhecimento ou de previsibilidade dos agentes, não deve acarretar-lhes a responsabilidade pela totalidade do resultado. Respondem ambos por tentativa de homicídio.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Rel. Des. Adria­ no Marrey) confirmou sentença de pronúncia por tentativa de ho­

micídio em um caso em que o réu desferiu vários tiros na vítima,

errando o alvo mas causando-lhe a morte em decorrência de graves

45. Deutsches Strajrecht, cit., p. 193. 46. Deutsches Strafrecht, cit., p. 207.

problemas cardíacos de que não tinha conhecimento (R T, 405:128). Fosse do conhecimento do agente as precárias condições cardíacas da vitima, certamente o resultado desse julgamento seria outro.

115. Não afastam o nexo causai a possibilidade de obstar-se o resultado pelo auxílio de terceiros, ou de intervenção médica. Assim, se a vítima morre quando poderia ter sido salva se levada, logo após o fato, a um pronto socorro médico, responde o agente por homicídio consumado. Assim também quando outro tipo de auxílio pudesse interromper o curso dos acontecimentos.

116. Cuida o Código, no § 1.° do art. 13, da causa superve­ niente, relativamente independente, que “por si só” produz o resul­ tado. Nessa hipótese o agente responde pelos fatos anteriores ao início do novo curso causai. Exemplo de Nélson Hungria: Tício, ferido mortalmente por Mévio, é levado ao hospital onde morre por efeito de substância tóxica ministrada por engano pela enfermeira. A nova causa que “por si só” provocou a morte, considerando-se que sem a ação de Tício não teria sido Mévio levado ao hospital, ense­ jando o erro da enfermeira, é relativamente independente, mas instau­ rou um novo curso causai, em substituição ao primeiro, acarretando a morte por sua exclusiva atuação. Tício responde por tentativa de homicídio, não por homicídio consumado.

Se existe cooperação ou conjugação de causas, isto é, se a causa relativamente independente não produz “por si só” o resultado, res­ ponde o agente pelo crime consumado, pois, nesta hipótese, costu- ma-se dizer que o resultado se insere na linha de desdobramento físico do encadeamento causai. Assim, no último exemplo, se Mévio, levado ao hospital, vem a morrer por deficiência do atendimento médico ou por infecção hospitalar, o curso causai anterior continuou atuando em certa medida, o que não foge da previsibilidade do agente.

117. Se assim é com a causa relativamente independente — o menos — fica implícito que não se poderia deixar de considerar excluída a causa absolutamente independente — o mais. Se a vítima de envenenamento vem a falecer, pela queda de uma viga em sua cabeça, antes que o veneno opere em seu organismo 47, quem minis­ trou o veneno responde por tentativa, não por homicídio consumado.

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