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Cf Frederico Marques, Tratado de direito processual penal, cit., v 2, p 73.

a) Tipo e ilicitude As causas justificativas e a reforma penal Causas legais e supralegais

1. Cf Frederico Marques, Tratado de direito processual penal, cit., v 2, p 73.

pos; é, portanto, uma ilicitude típica; b) por isso mesmo, na téc­ nica penal, o primeiro grande momento de exclusão da ilicitude está no juízo de atipicidade do fato imputado ao agente; c) as de­ nominadas causas de justificação constituem, na verdade, um se­ gundo modo de constatação da exclusão da ilicitude, quando a

aparente tipicidade do fato imputado não tenha permitido anterior­

mente uma solução definitiva.

Dito isso, examinemos, numa rápida visão, a posição dessas causas de justificação na reforma penal.

158. A lei de reforma do Código Penal (Lei n. 7.209, de 11-7-1984), ao dar nova redação à Parte Geral, reproduziu, no art. 23, as mesmas causas do art. 19 do Código de 1940, ou seja: estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal e exercício regular de direito. Os conceitos de estado de ne­ cessidade e de legítima defesa foram mantidos; da mesma forma, manteve-se o silêncio a respeito das duas outras causas de justifi­ cação* Alterou-se, como já vimos, a rubrica lateral que, no art. 19 do Código de 1940, era “exclusão de criminalidade”, passando, agora, a ser, no art. 23, “exclusão da ilicitude”. O § 2.° do art. 24 (anterior § 2.° do art. 20), relativo ao estado de necessidade, teve sua redação modificada sem alteração de conteúdo. O preceito do excesso punível teve a redação reformulada, para explicitar as duas formas possíveis do excesso punível (o doloso e o culposo), e foi deslocado do parágrafo da legítima defesa (parágrafo único do art. 21) para situar-se como parágrafo genérico de todas as causas de justificação (parágrafo único do art. 23).

Assim sendo, no tocante às causas de justificação, pode-se di­ zer que a lei de reforma não introduziu modificações profundas, prevalecendo em linhas gerais a regulamentação do Código de 1940, com as soluções e os problemas que antes se ofereciam. Note-se, porém, que tanto o Código de 1940 como a nova Parte Geral, na redação determinada pela lei de reforma em exame, foram extre­ mamente sóbrios na regulamentação das referidas causas de justifi­ cação, limitando-se, praticamente, ao enunciado das quatro causas legais, já mencionadas, bem como à definição do estado de neces­ sidade, da legítima defesa e do excesso punível. Com isso, o perfil definitivo e o alcance dessas importantes causas legais de exclusão

da ilicitude ficam, em boa parte, cometidos à doutrina e à jurispru­ dência. E isso é bom porque no âmbito doutrinário e jurispruden- cial é que deverá, a meu ver, ter início a atualização de que carecem esses mesmos institutos. Penso que essa atualização seja, realmen­ te, necessária e inadiável. Muita coisa mudou, no Brasil, nos qua­ renta e poucos anos de vigência do Código de 1940. Mudou o nosso conceito de propriedade, que hoje já não se considera um direito absoluto. Assim, não terá sentido, hoje, dizer-se, por exem­ plo, como fazem certos penalistas, que “a legítima defesa do mais humilde dos bens pode ir usque ad n ec em .. . ” 2 Se não há direi­ tos absolutos, a defesa dos bens jurídicos, ainda que legítima, deverá sofrer igualmente certas limitações. À doutrina incumbe traçar es­ sas limitações. Por outro lado, em um Estado Social de Direito, que não admita a pena de morte, como é aquele que pretendemos estar construindo, as causas legais do estrito cumprimento do dever e do exercício regular de direito deverão ser repensadas para que não venham a servir de suporte à prática do abuso de autoridade ou do abuso de direito. Novas limitações se acrescentarão nésta área. E assim por diante.

159. Em relação às denominadas causas supraíegais de ex­ clusão da ilicitude, silenciou-se a reforma penal brasileira, tal como o Código de 1940. Isso, entretanto, não deverá conduzir o intér­ prete a afirmar o caráter exaustivo das anteriormente citadas cau­ sas legais de justificação, como fez Bataglini, em relação ao Código italiano3. É que as causas de justificação, ou normas permissivas, não se restringem, numa estreita concepção positivista do direito, às hipóteses expressas em lei. Precisam igualmente estender-se àquelas hipóteses que, sem limitações legalistas, derivam necessaria­ mente do direito vigente e de suas fontes. Além disso, como não pode o legislador prever todas as mutações das condições materiais e dos valores ético-sociais, a criação de novas causas de justificação, ainda não traduzidas em lei, toma-se uma imperiosa necessidade para a correta e justa aplicação da lei penal4. Assim, por exem­ plo, como recusar-se efeito excludente da ilicitude ao consentimento

expresso do ofendido, em relação a danos que atingem bens plena­

2. Hungria, Comentários, cit., v. 1, t. 2, p. 298-9. 3. Direito penal, cit., trad., v. 1, p. 375. 4. Assim, Jeseheck, Lehrbuch, cit., p. 244.

mente disponíveis? Vejamos dois exemplos. Destruir coisa alheia caracteriza o crime de dano do art. 163 do Código Penal. Se, con­ tudo, o proprietário da coisa, que a possua livre e desembaraçada, autoriza a sua destruição, quem executa essa destruição não pratica ato ilícito, por encontrar-se ao abrigo da causa da justificação su- pralegal — o consentimento do ofendido. Privar alguém da liber­ dade mediante cárcere privado constitui o crime do art. 148 do Código Penal. Se, todavia, esse alguém consentiu no encarcera­ mento para submeter-se a uma experiência científica, o fato não será um ilícito penal, pois a ilicitude se exclui pelo consentimento do ofendido. E assim por diante.

Ante o exposto, colocando-nos em divergência com Hungria, defendemos a existência, no direito brasileiro, do consentimento do ofendido, como causa supralegal de justificação. Note-se, contu­ do, que nos referimos ao consentimento justificante, isto é, àquele que se impõe de fora para a exclusão da ilicitude (em alemão,

Einwilligung) , não ao consentimento que exclui a adequação típica,

quando a própria norma incriminadora pressuponha o dissenso da vítima (exemplo: invasão -de domicílio) ou quando o consentimento seja elemento essencial do tipo (exemplo: rapto consensual).

160. Não vemos, entretanto, no momento, espaço no direito brasileiro para outras causas supralegais de justificação e menos ainda para o extenso rol de causas legais, geralmente citado nos tratados de origem alemã. É que, entre nós, a inclusão, no Código Penal, como causas legais, do exercício regular de direito e do estrito cumpri­ mento do dever legal, inexistentes no Código alemão, fez com que tais causas legais operem como verdadeiros gêneros das mais varia­ das espécies de normas permissivas espalhadas pelo nosso ordena­ mento jurídico, abrangendo-as todas. Assim, por exemplo, a “atua­ ção como representante do poder estatal”, o “direito de correção e de educação” etc., do direito alemão, ou o uso legítimo de armas, do direito italiano, se incorporam, entre nós, em uma das causas legais antes mencionadas.

161. Em conclusão, as causas legais de exclusão da ilicitude, no direito brasileiro, previstas nos arts. 23 a 25, 128, I e 146, § 3.°, I, do Código Penal, são as seguintes:

a) estado de necessidade;

c) estrito cumprimento de dever legal;

d) exercício regular de direito.

A essas acrescentamos mais o consentimento do ofendido, co­ mo causa supralegal, subjacente.em nossa ordem jurídica.

Logo adiante, empreendemos o estudo detalhado de cada uma dessas causas, ocasião em que se examinarão os respectivos princí­ pios reguladores. Vejamos, porém, antes, um tema que diz respeito a todas elas.

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