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74. Do que foi dito anteriormente, conclui-se ser inteiramente procedente a afirmação do Min. Francisco Campos de que com o Código de 1890 nasceu a tendência de reformá-lo. E houve ten­ tativas concretas nesse sentido. Relata, a propósito, a Exposição de Motivos do Código de 1940: “Já em 1893, o Deputado Vieira de Araújo apresentava à Câmara dos Deputados o projeto de um novo Código Penal. A este projeto foram apresentados dois subs­ titutivos, um do próprio autor do projeto e o outro da Comissão Especial da Câmara. Nenhum dos projetos, porém, conseguiu vin­ gar. Em 1911, o Congresso delegou ao Poder Executivo a atri­ buição de formular um novo projeto. O projeto de autoria de Galdino Siqueira, datado de 1913, não chegou a ser objeto de consideração legislativa. Finalmente, em 1927, desincumbirido-se de encargo que lhe havia sido cometido pelo Governo, Sá Pereira organizou o seu projeto, que, submetido a uma Comissão Revisora composta do autor do projeto e dos Drs. Evaristo de Morais e Bulhões Pedreira, foi apresentado em 1935 à consideração da Câ­ mara dos Deputados. Aprovado por esta, passou ao Senado e neste se encontrava em exame na Comissão de Justiça, quando sobreveio o advento da nova ordem política”. Instituído o Estado Novo, de inspiração ditatorial, em 10 de novembro de 1937, e concentrados

nas mãos do Presidente Getúlio Vargas os Poderes Executivo e Legislativo, confiou-se logo, a Alcântara Machado, Professor da Faculdade de Direito de São Paulo, a incumbência de elaboração do projeto de Código Penal, visto que a Conferência de Crimino- logia de 1936, realizada no Rio de Janeiro, apontara defeitos e la­ cunas no projeto de Sá Pereira. Em maio de 1938, entregou o Professor paulista ao Governo o projeto da Parte Geral e, em agosto do mesmo ano, fê-lo em relação à Parte Especial.

Houve louvores e críticas ao projeto que, segundo Hungria, corrigiu vários defeitos do anteriormente elaborado por Sá Pereira, mas, por sua vez, apresentava “algumas falhas de técnica e certas soluções desatentas aos conselhos da mais recente política criminal”. Assim, foi constituída Comissão Revisora, integrada por Vieira Braga, Nélson Hungria, Narcélio de Queiroz e Roberto Lyra, a qual, com a colaboração epistolar de Costa e Silva, desincumbiu-se da redação do Projeto que, pelo Decreto-lei n. 2.848, de 7 de de­ zembro de 1940, se transformaria no Código Penal de 1940, o ter­ ceiro do Brasil, com virtudes e defeitos que serão a seguir apon­ tados dentro de um enfoque amplo, desprezando-se detalhes e aspectos secundários, já por demais conhecidos.

75. O Código Penal de 1940 recebeu influência marcante do Código italiano de 1930 (o famoso Código Rocco) e do suíço de 1937. Essa influência é geralmente reconhecida e foi atestada por Costa e Silva1,(). O curioso é que, fruto de um Estado dita­ torial e influenciado pelo código fascista, manteve a tradição liberal iniciada com o Código do Império. São palavras de Costa e Silva, não contraditadas pelos demais autores: “Nascido embora sob o regime do Estado Nacional, o código não apresenta peculiaridades que lhe imprimam o cunho de uma lei contrária às nossas tradições liberais” 11. Basta mencionar que não adotou a pena de morte nem a de ergástulo (prisão perpétua), do modelo italiano.

Uma das maiores virtudes do novo Código — senão a maior — é a boa técnica e a simplicidade com que está redigido, tor­ nando-o uma lei de fácil manejo, fato que lhe tem acarretado me­ recidos elogios. Por outro lado, na época em que veio à luz, incor­

10. Código Penal, v. 1, p. 8. 11. Código Penal, cit., p. 9.

porava o que se tinha de melhor em outros códigos, circunstância que levou o 2.° Congresso Latino-Americano de Criminologia, rea­ lizado em Santiago, no ano de 1941, a dedicar-lhe moção de aplauso pela sua estrutura, técnica e adiantadas instituições.

76. A novidade mais saliente, em relação ao sistema anterior, está na adoção do duplo binário de acordo com o modelo italiano (cf. Exposição de Motivos, n. 33, segundo parágrafo), que se uti­ liza, conjuntamente, da pena e da medida de segurança como res­ postas básicas ao crime cometido. Tal inovação resultou de uma política criminal híbrida, ou de transação, expressamente confessada neste tópico da Exposição de Motivos: “Coincidindo com a quase- totalidade das codificações modernas, o projeto não reza em car­ tilhas ortodoxas, nem assume compromissos irretratáveis ou incon­ dicionais com qualquer das escolas ou das correiítes doutrinárias que se disputam o acerto na solução dos problemas penais. Ao invés de adotar uma política extremada em matéria penal, inclina-se para uma política de transação ou de conciliação. Nele, os postu­ lados clássicos fazem causa comum com os princípios da Escola Positiva” (n. 3). Entre os “postulados clássicos”, adotou a pena retributiva com “finalidade repressiva e intimidante”, a que se re­ fere a mesma Exposição, linhas adiante (n. 5 ); entre os “princípios da Escola Positiva”, acolheu as medidas de segurança, definidas também nessa Exposição, como “medidas de prevenção e assistência social relativamente ao ‘estado perigoso’ daqueles que, sejam ou não

penalmente responsáveis, praticam ações previstas na lei como cri­

me” (n. 33).

77. O Código de 1940 possui, entretanto, a mácula indelével do período histórico de entre-guerras em que foi gerado. É um estatuto de caráter nitidamente repressivo, construído sobre a crença da necessidade e suficiência da pena privativa da liberdade (pena de prisão) para o controle do fenômeno do crime. A própria me­ dida de segurança que deveria distinguir-se da pena, outra coisa não tem sido, na prática brasileira, senão privação da liberdade, com todos os aspectos de pena indeterminada e, em alguns casos, de arremedo de prisão perpétua. Essa deturpação, que também se ve­ rificou na aplicação de outros institutos 12, revelou, logo cedo, aos

12. Segundo René Dotti, “o fracasso, das penas institucionais e entre elas, por excelência, a prisão, não reside em sua natureza mesma — poir-

nossos olhos, que a bondade de uma lei está mais na sua eficácia do que nas soluções mais avançadas e pouco factíveis, diante de uma certa realidade sócio-econômica. Assim, não se tendo cons­ truído, no Brasil, em número suficiente, os estabelecimentos pêhais necessários (penitenciárias, colônias, casas de custódia e tratamento, institutos de trabalho, reeducação e ensino, cadeias públicas etc.), restou do Código de 1940 apenas o seu lado repressivo, como instrumento de rotulagem e marginalização de grande massa de in­ divíduos, condenados a penas quase sempre não executadas, mas suficientemente poderosas para colocá-los, como foragidos, na clan­ destinidade onde sobreviver significa, em regra, praticar novos de­ litos ou, no mínimo, passar ao rol dos malditos e explorados que, para não serem presos, têm que submeter-se a toda ordem de acha­ ques e humilhações. Ao lado disso, no interior dos presídios, a superpopulação e a falta de condições mínimas a um tratamento penal adequado transformavam o período de execução da pena em verdadeiro estágio para incremento das tendências delinqüenciais. O

sursis transformou-se em “impunidade” ; o livramento condicional,

em mero encurtamento de pena.

É assim que a própria lei penal, de meio de controle do crime, transmuda-se em fator criminógeno13.

78. Essas circunstâncias e outras aliadas às profundas muta­ ções ocorridas no quadro social, político e econômico brasileiro, após a década de 50, levaram o próprio Nélson Hungria a aceitar a incumbência de elaborar anteprojeto de novo Código Penal, apre­ sentando-o ao Governo no ano de 1963. Esse anteprojeto, sub­ metido a revisão final por Comissão integrada pelos Professores Benjamin Moraes Filho, Heleno Cláudio Fragoso e Ivo D ’Aquino, veio a transformar-se, em circunstâncias pouco esclarecidas (consta que o projeto não estava concluído), no Código Penal de 1969, editado pela Junta Militar então no Poder. Mal recebido pela crí­ tica, teve o novo estatuto o seu início de vigência adiado por mais de uma vez até que, no Governo do Presidente Geisel, optou-se pela reforma parcial do Código de 1940 e pela revogação definitiva

quanto devem ser mantidas para reagir às expressões mais graves de crimes e da condição pessoal de alguns autores — porém na modalidade como são executadas e nos lugares onde são cumpridas: as chamadas instituições com­

pletas e austeras" (Os limites democráticos do novo sistema de. penas, p. 9-10).

do Código de 1969, o que de fato se deu, respectivamente, pelas Leis n. 6.416, de 24 de maio de 1977, e 6.578, de 11 de outubro de 1978.

Sobre o Código que jamais entrou em vigor, diz Heleno Fra­ goso, membro da Comissão Revisora, o seguinte: “Após longa va­ cância, de quase dez .anos, o CP de 1969 foi finalmente revogado pela Lei n. 6.578, de 11 de outubro de 1978. É evidente que aquele código, elaborado em época bem diversa, não correspondia, às exigências atuais de nosso direito penal, e sua revogação merece aplauso” 14.

79. Prossegue, então, o Código de 1940 a sua vigência, já agora com as alterações determinadas pela Lei n. 6.416, de 1977, que nele introduziu significativas modificações no título relativo às penas 15.

Tais modificações, porém, embora bem recebidas nos meios jurídicos, caracterizaram uma providência urgente e de transição, de­ claradamente “com a finalidade de buscar eficiente solução, a curto prazo, das mais agudas dificuldades no campo da execução pe­ n a l . . . ” (cf. Exposição de Motivos do Min. Armando Falcão). Assim, se, de um lado, amenizaram o problema da superlotação dos estabelecimentos prisionais, de outro, não poderiam ser tidas como solução definitiva para tal problema e menos ainda conside­ rar-se reforma penal verdadeiramente significativa e profunda. Essa reforma seria, com efeito, encetada em outro Governo, com o Mi­ nistro da Justiça Ibrahim Abi-Ackel, conhecedor dos problemas que nos afligiam no âmbito da administração da Justiça criminal, por ter sido Relator, na Câmara dos Deputados, da CPI do Sistema Penitenciário (1976) e do Projeto que se transformou na Lei n. 6.416, de 24 de maio de 1977.

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