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Na Espanha, como na Alemanha, a doutrina predominante não admité o estado de necessidade justificante no conflito de bens iguais, prefe­

c) O estado de necessidade justificante Requisitos Con­ ceito de perigo atual e de dano Provocação dolosa e

12- Na Espanha, como na Alemanha, a doutrina predominante não admité o estado de necessidade justificante no conflito de bens iguais, prefe­

rindo tratar esta hipótese como causa de exclusão da culpabilidade. Como, entretanto, essa opção conduz a dificuldades intransponíveis na área da cum­ plicidade, da participação e do erro (consulte-se, a respeito, o precioso trabalho de Gimbemat Ordeig, El estado de necesidad: un problema de antijuridi- cidad, in Estúdios de derecho penal, p. 110 e s.), resolve-se o impasse cui­ dando desta espécie de causa de exculpação como se fosse causa de justificação, fato que conduziu Gimbemat Ordeig a formular esta indagação oom uma res­ posta incontestável: “Pocos consideran el estado de necesidad por conflicto

entre bienes iguales una causa de justificación, pero muchos lo tratan como si lo fuere. Por que? Pues porque es una causa de justificación’ ( Estúdios, cit.,

p. 114).

outro, mas antes o direito de um ao direito do outro; Na hipótese de conflito entre bens de igual valor, se a força do mais forte fizer prevalecer o seu direito em frente a igual direito do mais fraco, ou se, ao contrário, a engenhosidade do mais fraco fizer prevalecer'o seu direito em frente a igual direito do mais forte, ambos estarão justificados. A ordem jurídica, numa situação dessas (bens de igual valor), não dispõe, infelizmente, de critérios seguros para escolher entre o ardiloso Ulisses e o gigantesco Polifemo. Proclamada a não- ilegitimidade de qualquer dos dois resultados possíveis, deixa-sè o caminho aberto para o julgamento do vencedor nos tribunais da ética e da religião. O direito, porém, não deve penetrar nesse terreno.

170. O Código Penal declara, no art. 23, I, não haver crime (exclui-se, portanto, a ilicitude do fato) quando o agente pratica o fato “em estado de necessidade”. E assim o define: “Art. 24. Con­ sidera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas cir­ cunstâncias, não era razoável exigir-se. § 1.° Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo. § 2.° Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços”.

Pelos termos bastante abrangentes do tipo permissivo, em exame, percebe-se que, diferentemente do que ocorre com dispositivos do Código Civil, aqui, as limitações não se relacionam à natureza do benj jurídico defendido ou agredido, mas se estabelecem com outros cri­ térios. Com efeito, bens jurídicos como a vida, à integridade física, a honra, a liberdade, a família, o patrimônio etc., tanto podem pola­ rizar-se diante do perigo em termos de necessitados de defesa quanto como suscetíveis de serem sacrificados. O primeiro requisito do estado de necessidade justificante é, pois, o perigo de lesão a um bem jurídico. Esse perigo deve ser atual e não pode ter sido volun­ tariamente provocado pelo agente do fato necessário. Há que resultar de caso fortuito ou força maior. Desse modo, quem voluntariamente provoca um incêndio, não pode legitimamente ferir um semelhante, na disputa da fuga para salvar-se, ainda que essa seja a sua única esperança de salvação. Assim, também, quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo (exemplo: agentes da Administração Pública, incumbidos dé combater o fogo). O segundo requisito é a inevitabi­

lidade da lesão ao bem de outrem. Na situação de conflito entre bens

juridicamente protegidos, o sacrifício de um deles somente está auto­ rizado quando a salvação do outro só possa fazer-se à custa desse sacrifício. Se houver alguma possibilidade razoável de salvação do bem ameaçado, de modo que evite ou que, pelos menos, reduza o dano a bem de outrem, a inevitabilidade do dano causado, ou do dano maior, desaparece. Quem mata ou fere, para salvar-se, quando podia fugir do perigo, mesmo com desprestígio para sua fama de homem corajoso, não se ampara na excludente de ilicitude em exame, que não se confunde, neste aspecto, com a legítima defesa. O terceiro requisito é a existência de um conflito entre bens reconhecidos e protegidos pela ordem jurídica. No estado de necessidade, não podem prevalecer, sobre direitos protegidos, vícios ou práticas desvaliosas,, O quarto requisito é o balanceamento dos bens e deveres em conflito,, que possibilite identificar no bem sacrificado valor igual ou inferior ao do bem defendido. Afasta-se, pois, nesta área, qualquer possi­ bilidade de justificação do sacrifício do bem maior para salvação do menor, transferindo-se, nesta última hipótese, a solução para o juízo de culpabilidade. Essa ponderação de bens, para observância do cri­ tério de razoabilidade recomendado pelo legislador, não deve fazer-se dentro de um rigorismo lógico incompatível com os fenômenos da vida humana. Com efeito, se é fácil negar o estado de necessidade no entrechoque vida versus patrimônio, o mesmo não ocorre quando se está diante de lesões gravíssimas contra lesões graves, ou de patri­ mônio contra patrimônio, com diferença de valores pouco significativa. O quinto e último requisito é o elemento subjetivo do agente, a sua orientação de ânimo no sentido de salvar o bem ameaçado. O mero acaso, ou a coincidência ocasional de fatores desconhecidos, não basta para justificar um fato previsto em lei como crime e realizado com propósitos criminosos. Embora não se exija do autor do fato neces­ sário a exata consciência da licitude de seu ato, exige-se que, pelo menos, se tenha motivado pelo desejo de salvação do direito em perigo. Só essa motivação, diferentemente da premeditação criminosa, dá à conduta necessária a tônica de um fato conforme ao direito, ou seja, não oponível a esse mesmo direito.

Questões particulares a respeito desses requisitos serão referidas a seguir.

17!. Perigo. Perigo atual ou iminente. Dano. Perigo é a pro­

a iminência do perigo) 13 é o que está prestes a concretizar-se em um dano, segundo um juízo de previsão mais ou menos seguro. Se o dano já ocorreu, o perigo perde a característica de atualidade. Se existe mera possibilidade de dano futuro, ainda incerto, o perigo deixa de ser iminente. Dano (do latim damnum, detrimento, perda, lesão) não deve ser confundido com prejuízo. O primeiro — já o dis­ semos 14 — pode ou não estar acompanhado do segundo. O dano, como lesão real ou potencial a bens jurídicos, está sempre presente em todo fato criminoso. O prejuízo, como perda quantitativa ou qualitativa de algum bem, pode não ocorrer em certos crimes (crimes de mera conduta, crimes tentados etc.), estando presente em outros (crimes consumados contra o patrimônio, por exemplo).

172. Nos termos da lei, o perigo, além de atual (ou iminente), não deve ter sido voluntariamente provocado pelo agente (art. 24 “pe­ rigo atual, que não provocou por sua vontade” ). Daí, porém, não se conclua, como fazem alguns autores, que só o ato doloso, não o culposo, afasta o estado de necessidade. Esses autores confundem “provocação do perigo” com “provocação do resultado”, duas situa­ ções bastante diversas. Quem provoca conscientemente um perigo

(engenheiro que, na exploração de minas, faz explodir dinamites, devidamente autorizado para tanto) age “por sua vontade” e, em princípio, atua licitamente, mas pode causar, por não ter aplicado a diligência ou o cuidado devidos, resultados danosos (ferimentos ou mortes) e culposos. Nessa hipótese, caracteriza-se uma conduta cul­ posa quanto ao resultado, portanto, crime culposo, a despeito de o perigo ter sido provocado por um ato voluntário do agente (a deto­ nação do explosivo). Por isso é que em nosso estudo sobre a causa de justificação em exame, após salientar que a vontade está igual­ mente presente na culpa stricto sensu (vontade na causa de um resul­ tado não querido), salientamos que, no particular, a melhor doutrina está com Nélson Hungria 15 e Magalhães Noronha. Este último afirma textualmente o seguinte: “o fato de no art. 20 ler-se ‘. . .perigo atual, que não provocou por sua vontade. . . ’ não é indicativo de dolo, já

13. Reale Júnior, Dos estados de necessidade, p. 60, define: “Atual é o

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