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O Conto para a Infância em Análise: Adopção, Afectos e Educação para os Valores

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Academic year: 2021

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Manuela dos Santos Alves

O Conto para a Infância em Análise:

Adopção, Afectos e Educação para os Valores

UTAD

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Manuela dos Santos Alves

O Conto para a Infância em Análise:

Adopção, Afectos e Educação para os Valores

Dissertação de Mestrado em Literatura Portuguesa

Especialização em Literatura Infanto-Juvenil

UTAD

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Dissertação de Mestrado em Literatura Portuguesa: Especialização em Literatura Infanto – Juvenil, Orientada pela Professora Doutora Maria Luísa Castro Soares, Apresentada à Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro.

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A todas as crianças do mundo que não têm a sorte de ter quem as ame.

(5)

E a criança nasceu E vai desabrochar como Uma flor, Uma árvore, Um pássaro, E Uma flor, Uma árvore, Um pássaro

Precisam de amor – a seiva da terra, a luz do Sol. De quanto amor a criança não precisará?

De quanta segurança?

Os pais e todo o Mundo que rodeia a criança Vão participar na aventura

De uma vida que nasceu. Maravilhosa aventura!

Mas se a criança não tem família?

Ela tê-la-á, sempre: numa sociedade justa Todos serão sua família.

Nunca mais haverá uma criança só, Infância nunca será solidão.

E a criança vai aprender a crescer Todos temos de ajudar!

Todos!

(6)

Índice

Agradecimentos

……… 9

Resumo

………...10

Abstract

………..11

Introdução

………...12

I PARTE – O conto no quadro da Literatura Infanto - Juvenil

……….14

I.1

Em torno do conceito de literatura Infanto-Juvenil……….15

I.1.1.Da Literatura Tradicional de Transmissão Oral à Literatura para a Infância…...16

I.1.1. 1.Literatura Tradicional de Transmissão Oral………16

I.1.1.2. Origens e evolução da Literatura Infanto- Juvenil………..18

I.1.2 O conto: características essenciais………25

I.1.3.Conto Tradicional e conto Moderno………28

I.2. A criança e o conto……….30

I.2.1. Os contos: um auxílio para o crescimento das crianças………..30

I.2.2. O valor pedagógico do conto………...35

II PARTE – Os contos, a adopção e a realidade dos afectos

………..40

II.1. A adopção e o superior interesse da criança……….42

II.2. A família: conceitos e transformações………...47

II.3. A parentalidade observada na perspectiva das tradições populares e actuais………..52

II.4. Os contos em análise………...56

II.4.1. Análise dos Contos Tradicionais………57

II.4.1.1. A Gata borralheira………..57

(7)

II.4.1.4. Os sapatinhos encantados………66

II.4.2. Análise dos Contos de autor………70

II.4.2.1 Os ovos misteriosos………...70

II.4.2.2. Grávida no coração……….71

II.4.2.3. Filhos do coração………73

II.4.3.Análise temático-simbólica - Contos Tradicionais………..75

II.4.3.1. A Gata borralheira………..75

II.4.3.2. A madrasta………..78

II.4.3.3. A rainha orgulhosa………..79

II.4.3.4. Os sapatinhos encantados………80

II.4.4. Análise temático-simbólica- Contos de autor……….81

II.4.4.1 Os ovos misteriosos………..81

II.4.4.2. Grávida no coração……….83

II.4.4.3. Filhos do coração………84

III PARTE - Aplicação pedagógica de alguns contos

………..87

III.1.

Caracterização dos destinatários e Metodologia………...88

III.1.1.Caracterização da turma……….88

III.1.2. Metodologias……….91

III.2. Actividades desenvolvidas na sala de aula………...92

III.2.1. Os sapatinhos encantados……….92

III.2.1.1.Reacções da Turma………..93

III.2.1.2 Análise dos questionários………94

III.2.2. Filhos do Coração………...100

III.2.2.1.Reacções da Turma………103

III.2.2.2 Análise dos questionários………..106

III.2.3. Os ovos misteriosos……….111

(8)

III.3. Em síntese………..117

Conclusão

……….119

Bibliografia

………..122

Índice Onomástico

……….133

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Agradecimentos

Agradecer é um acto complexo, se considerarmos que nunca conseguiremos transmitir em palavras tudo aquilo que os outros fizeram por nós. Contudo, quero expressar aqui a minha sincera gratidão a todos os que de alguma forma estiveram presentes ao longo da realização deste trabalho.

À Professora Doutora Luísa Castro Soares, minha orientadora, agradeço o rigor, o conhecimento, a leitura crítica de todas as fases deste trabalho, o apoio e compreensão durante a consecução desta dissertação.

Ao Professor Doutor Armindo Mesquita, na qualidade de presidente deste mestrado, agradeço todo o auxílio prestado, a sua simpatia e disponibilidade.

À minha família, principalmente aos meus pais, por me motivarem e apoiarem nesta caminhada.

Ao Filipe, meu marido, que ao longo desta etapa nunca deixou de acreditar em mim, apoiando-me incondicionalmente e demonstrando toda a paciência, amor e carinho.

Agradeço à Sandra, minha companheira deste desafio, mas acima de tudo amiga, pelo apoio e amizade que sempre demonstrou.

A todos os meus amigos que, mais ou menos presentes, me incentivaram e proporcionaram uma palavra de coragem.

Por fim, mas não menos importantes, aos meus alunos que corresponderam de forma entusiástica às actividades propostas, tornando possível a concretização deste trabalho.

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Resumo

A definição e estatuto da Literatura Infanto-Juvenil geram alguma controvérsia, tendo sido durante muito tempo marginalizada em relação à literatura em geral, visto que o seu receptor, a criança, nem sempre teve representação na sociedade como sujeito com interesses e direitos próprios.

Com o evoluir dos tempos e da sociedade, assiste-se à constante transformação desta situação, crescendo a preocupação de fazer cada vez mais e melhor literatura destinadas às crianças e jovens. Na verdade, é irrefutável a sua importância na educação, sobretudo no seu género mais divulgado: o conto. Com efeito, é no encontro com este tipo de textos que as crianças, para além de desenvolverem a sua capacidade imaginativa, têm oportunidade de ampliar, transformar ou enriquecer a sua própria experiência de vida.

Desta forma, através da evolução da Literatura para a Infância, da concepção da criança como cidadão e, particularmente, pelo estudo concreto dos contos, procurámos evidenciar que a abordagem de questões e problemas universais inerentes ao ser humano - como a adopção e os afectos familiares - se tornam importantes no desenvolvimento da criança, pois são um veículo para que esta apreenda e alicerce valores fundamentais na formação da sua personalidade.

Este estudo permitiu-nos sublinhar que actualmente há uma maior preocupação com a escrita para crianças, surgindo obras que facultam o contacto com a realidade que as cerca. Como tal, a adopção é um tema debatido e evidenciado, sobretudo nos contos de autor, destacando-se (em relação aos contos tradicionais) as relações de afectividade e os direitos que gradualmente foram reconhecidos às crianças.

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Abstract

The definition and the status of Child Literature is controversial, as it has been put aside by literature in general, since its recipient, the child, not always has had a social role as a subject full of interests and rights.

With society’s evolution, we can observe a huge concern of making even more and better child literature. In fact, it is undeniable its importance in education, specially the tale. As a matter of fact, when children contact with this kind of literature, besides developing their imagination abilities, they also have the opportunity to enlarge, to transform or to enrich their life experience.

So, it is by the evolution of child’s literature, the recognition of the child as a citizen and, mainly, by the tale study, that we try to bring up to light human beings’ universal concerns – such as adoption and family affections – which become relevant in the child’s growth, since they are a way to build his/her personality.

The present study shows that nowadays the concern with children’s literature has become greater, because there are books which allow children to contact with their surrounding reality. As a result of that, adoption is a theme that always comes up in author tales, which (compared to traditional tales) always highlight children’s affection relationships and rights.

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Introdução

Os contos têm ensinamentos que ajudam a criança a conhecer-se a si e ao Outro, a compreender o mundo, ao mesmo tempo que estimulam a imaginação. Mesmo no mundo onde reina a magia, este tipo de composição não deixa de transmitir assuntos de enorme importância para a criança, pois além de conseguirem transmitir mensagens, enriquecem a imaginação e ampliam o mundo da experiência infantil.

Em cada criança cresce um ser humano, que amanhã será um adulto. Como ser em desenvolvimento, conta com inúmeras formas de crescimento e de enriquecimento ao longo da sua vida. Primeiramente, com o auxílio da família, e mais tarde, em consonância com a escola e a sociedade, os mais pequenos recolherão experiências que serão fundamentais para a sua formação integral. Uma criança entregue a si própria, sem pontos de referência que orientem a sua caminhada na vida, provavelmente, ficará amputada de direitos e deveres em relação a outras crianças que beneficiaram de um crescimento onde os afectos têm um lugar de destaque.

Numa época em que somos confrontados com uma crise de valores e identidades, onde as rivalidades geram divisões, onde o ódio se sobrepõe à razão, importa veicular nas crianças o desenvolvimento de valores/atitudes como a solidariedade, a tolerância, a liberdade, o respeito pelos outros, a igualdade, valores necessários à promoção de cidadãos responsáveis e conscientes. Neste sentido, é emergente desbravar mentalidades no que concerne à infância, através da literatura e do imaginário, de modo a possibilitar à criança aceder a um mundo no qual irá explorar caminhos interiores necessários ao seu crescimento.

Por partilharmos esta opinião e certas de que a Literatura Infantil, mais concretamente os contos, proporcionam estes pressupostos fundamentais, decidimos dedicar o nosso trabalho à adopção. É um tema um pouco complexo. Contudo, cremos que este tipo de situações, que mexem mais com o público infanto-juvenil, também os prepara para a realidade, conduzindo-os à independência psicológica e moral, podendo ser conduzindo-os adultconduzindo-os completconduzindo-os de amanhã.

Os grandes objectivos perseguidos neste estudo prendem-se por um lado com a apresentação de uma síntese da evolução da Literatura Infantil e, por outro lado, queremos reiterar o valor pedagógico dos contos para a infância ao mesmo tempo que falamos da sua ligação a uma linguagem simbólica, sem esquecer que pretendemos reflectir sobre de que

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analisaremos alguns textos portugueses, em que o tema que iremos estudar é preponderante. Constitui o corpus do nosso estudo as recolhas de Contos da tradição Oral efectuadas por Consigliere Pedroso A gata borralheira e A rainha orgulhosa (1910), Teófilo Braga A madrasta (1914), Adolfo Coelho Os sapatinhos encantados (1879) e ainda os contos contemporâneos de Paula Pinto da Silva Grávida no coração (2006), Luísa Ducla Soares Os ovos misteriosos (2005), Alexandra Borges e Luís Figo Filhos do coração (2007). Por fim, é nosso propósito aplicar alguns contos na sala de aula e demonstrar a pertinência das histórias que abordam o tema para a preparação das crianças, ajudando-os na construção da sua personalidade e de uma nova visão sobre o mundo. É também uma forma para se entenderem melhor a si próprios e compreenderem a realidade que os cerca.

Em consequência do que acabámos de apresentar, o nosso estudo será dividido em três partes fundamentais. Uma primeira parte será dedicada a um enquadramento teórico, ao nível da Literatura Infantil, onde reflectiremos em traços gerais sobre a definição, importância e evolução da literatura Infanto-Juvenil, dando especial relevo ao conto quer tradicional quer moderno. Reiteramos o valor pedagógico do conto e a sua importância no desenvolvimento da criança.

Na segunda parte, apresentaremos um breve panorama sobre a adopção, destacando um dos direitos fundamentais das crianças: o direito a viver e desenvolver-se no seio de uma família onde seja amado como filho. Por fim, serão também tecidos alguns pressupostos teóricos relacionados com a família, explorando o quanto esta é importante para o desenvolvimento das crianças. Faremos ainda um estudo analítico semiótico - simbólico das obras atrás enunciadas, dando especial importância às categorias da narrativa e à simbologia. Desta maneira, o objectivo deste item do trabalho consiste numa análise de alguns contos, em que os temas da adopção/rejeição sejam preponderantes.

A terceira parte revela uma componente mais prática, uma vez que se prende com a aplicação dos contos em contexto escolar, no primeiro ciclo. Depois da caracterização dos destinatários e de sugeridas as metodologias e algumas actividades possíveis de serem desenvolvidas neste ambiente, serão apresentados alguns trabalhos realizados pelos alunos, com o objectivo de uma análise, a fim de serem retiradas algumas ilações.

A encerrar este trabalho, apresentaremos uma conclusão que pretende resumir os aspectos mais importantes a reter, assim como os problemas, os sentimentos, as aprendizagens realizadas ao longo de todo o percurso que envolveu a elaboração desta dissertação.

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Parte I

O Conto no quadro da

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I.1. Em torno do conceito de Literatura Infanto-Juvenil

I.1.1. Da Literatura Tradicional de Transmissão Oral à Literatura para a

Infância

As tradições orais e folclóricas constituíam, à falta de livros, uma herança rica que era ouvida por crianças e adultos. (Bravo-Villasante 1977:64)

Estas palavras de Bravo-Villasante demonstram que contar histórias fez desde sempre parte das necessidades do ser humano, sendo esta uma arte muito remota (Mesquita 2006:165). O “livro” que possuíam era apenas a sua memória onde estavam guardadas as histórias. Por sua vez, eram recontadas passando de geração em geração e difundiam-se por entre os povos, sendo “a tradição oral, durante séculos um veículo privilegiado para partilhar, um conjunto essencial de conhecimentos e crenças de natureza religiosa, social e educacional” (Bastos 1999:61). Desta forma, viam nessas composições, que hoje fazem parte da tradição oral, formas de explicar a vida e de transmitir valores às novas gerações: “as crianças saberiam assim em que acreditar, como agir e que papéis desempenhar” (Bastos 1999:61). Assim, confirma-se que desde muito cedo o ser humano contacta com a literatura, a qual “não abrange apenas o que se encontra escrito (…) ” (Meireles 1984:19), pois a palavra pode ser simplesmente pronunciada, sendo que ao usá-la como “forma de expressão, independente da escrita, designa o fenómeno literário” (Idem, ibidem).

Contudo, esta opinião não é consensual, e fazendo parte do corpus textual que iremos analisar alguns contos tradicionais, resolvemos abordar as razões de alguns autores para rejeitarem uma ou outra definição, sendo o principal propósito definir uma forma de arte que passou de geração em geração privilegiando a oralidade.

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I.1.1.1. Literatura Tradicional de Transmissão Oral

A memória popular, hoje varrida um pouco apressadamente pela mediatização generalizada, permanece uma fonte sempre viva de sabedoria…

(Jean 1992:7)

Podendo apresentar-se sob as mais diversas formas de expressão, “literatura oral”, “literatura tradicional” ou “literatura popular”, entre outras, alguns autores questionam-se sobre a melhor forma de clarificar este tipo de literatura, sendo muitas vezes relegada para um plano inferior, como fica claro com a opinião de Massaud Moisés que afirma que só nos podemos “referir à literatura quando possuímos documentos escritos ou impressos, o que queremos dizer é que a chamada literatura oral não corresponde a nada” (Moisés 1982:20).

É um facto que muitos textos chegam até nós através da escrita, no entanto, importa ter presente, que estes “foram captados no decorrer do seu processo de transmissão natural, que é a via oral, e que, mesmo assim, não deixarão de ter, a par da versão escrita, uma infinidade de outras versões (…)”(Parafita 2001:16). Ainda na mesma linha de pensamento Cervera defende que “la história de la literatura se construye sobre testimonios escritos, pero nadiu puede negar que a éstos les hayen precedido manifestaciones orales” (Cervera s/d:38).

A expressão oral está entre nós desde os primórdios da humanidade, sendo veículo transmissor de diversos géneros literários, como os contos, as lendas, mitos, entre outros, que mesmo sendo de origem anónima fazem parte da tradição oral de uma comunidade e reflectem os “mais variados sentimentos da alma do povo, os seus hábitos, os seus vícios, a sua índole, e aspectos sociais em geral” (Parafita 1999:89). Começaram por ser relatos simples e constituíam a “única forma de distracção numa sociedade em que apenas alguns sabiam ler (…)” (Pires s/d: 28). Eram transmitidos com base na oralidade, sendo prática comum reunirem-se crianças e adultos, ao serão, para escutarem diversos géneros narrativos. É precisamente neste conjunto de géneros literários que se inserem os contos tradicionais, tendo em comum “o facto de, pelo menos na sua origem, terem sido transmitidos oralmente” (Soares 2003:5).

Quanto às suas origens, vulgarmente denominadas de “remotas”, sabemos que são difusas e difíceis de determinar, perdendo-se no tempo e no espaço (Traça 1992:31). Existem

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alguns autores que defendem a origem religiosa dos contos, oriundos de mitos ou cerimónias iniciatórias (Eliade 1989:161-167). De entre os vários autores, Sónia Khéde refere que são provenientes de “contos folclóricos europeus e orientais” (Khéde 1990:16) e a corrente indiana defendida por Theodor Benfey postula que são oriundos da Índia (Benfey apud Cavalcanti: 46). Verificamos, pois, que existem opiniões diversas, havendo porém consenso de que estas histórias tenham nascido nas camadas populares da sociedade e que tenham passado oralmente de geração em geração. Sendo uma modalidade genológica essencialmente oral, uma maneira de pensar, de elaborar e transmitir histórias, os contos populares surgem como “uma narrativa herdada da tradição e uma criação anónima mantida pela memória colectiva, não se transmitindo de maneira imutável” (Traça 1992: 38-39), expressando de uma forma simples e pura o “inconsciente colectivo” (Franz apud Pires s/d:114).

Este “inconsciente colectivo” e “anónimo” dos contos faz com que o emissor tenha uma certa liberdade para os enriquecer, podendo adaptá-los às circunstâncias, às suas necessidades, “em função das épocas, dos espaços geográficos e das comunidades sociais” (Silva 1981:11). Este facto remete-nos para outro aspecto interessante que é a presença de imensas versões semelhantes do mesmo conto, em vários pontos do mundo. Esta realidade, refere Jesualdo, é explicada pelo “facto de as lutas do homem terem sofrido processo semelhante em toda a parte” (Jesualdo s/d:108), sendo que “essas histórias não são apenas criação da imaginação, mas nasceram de acontecimentos reais que o povo recolheu e guardou” (Goés 1991:66). Quer isto dizer que a literatura oral reflecte a experiência humana, que, sendo a mesma em todos os lugares, apresenta algumas adaptações de acordo com os costumes e mentalidades de um determinado espaço sócio -cultural (Cascudo apud Carvalho 1989:54).

Podemos desta forma concluir que os contos, entre outras formas de expressão oral, são tão antigos como o homem, reflectindo os seus medos e angústias provocando reflexões profundas, podendo ser considerados como “um acervo de experiência humana e de sabedoria intemporais” (Silva 1981:11), uma vez que eram transmitidos dos mais velhos e sábios para os mais jovens, com intuito moralizador.

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I.1.1.2. Origens e evolução da Literatura Infanto- Juvenil

Retomando os aspectos focados no tópico precedente, iremos direccionar a nossa observação para a literatura infantil, particularmente, no que respeita ao seu conceito, à sua evolução, bem como às suas possíveis ligações com especificidades da cultura tradicional oral e popular, tentando delimitá-la em relação à literatura para adultos.

De facto, nas suas origens, a literatura infantil e a literatura tradicional misturaram-se de tal forma que se torna difícil estabelecer fronteiras, como afirma Cecília Meireles:

A dificuldade está em delimitar o que se considera como especialmente do âmbito infantil. São as crianças, na verdade, que o delimitam, com a sua preferência. Costuma-se classificar como Literatura Infantil o que para elas se escreve. Seria mais acertado, talvez, assim classificar o que elas lêem com utilidade e prazer. Não haveria pois, uma Literatura Infantil a priori, mas a posteriori (Meireles 1984:20).

Participando na totalidade da vida comunitária e social, das rotinas, jogos, brincadeiras e festas, aparentemente não havia assuntos com os quais as crianças não pudessem contactar, sendo prática comum reunirem-se, crianças e adultos, ao serão para escutarem diversos géneros narrativos. Não havia separação de interesses, nem a preocupação de que as crianças escutassem situações menos próprias para a sua idade, encontrando-se aqui, segundo Laura Bettencourt Pires,

o motivo pelo qual, quando se começa a estudar a literatura infantil, se verifica que ela seguiu a mesma evolução cronológica e que sofreu influências dos grandes movimentos literários e das mudanças sociais que afectaram a literatura em geral (Pires s/d:28).

Esta ambiguidade leva a que surjam posições antagónicas quanto à demarcação da literatura infantil em relação à literatura geral, sendo que, o conceito de literatura infantil não é de aceitação pacífica, suscitando inúmeras questões entre os estudiosos deste domínio, cujas principais “coordenadas passam por posturas que vão da dúvida quanto ao facto de se poder considerá-la como verdadeiro objecto literário” (Bastos 1999:21). Assim, e não nos atrevendo a tentar defini-la por meio de uma fórmula breve, pois tais fórmulas muitas vezes inexactas são

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sempre insuficientes, compararemos diversos pareceres, a fim de melhor alcançarmos a problemática em causa.

Por um lado, existem críticos para quem a literatura para crianças será sempre um sub produto da literatura geral, como fica claro com a afirmação a opinião do filósofo italiano Benedetto Croce: “ …el arte para los niños no será jamás verdadero arte, porque en las obras infantiles hay elementos extraestéticos” (Croce apud Cerrillo 2001:85). François Ruy Vidal defende que “não há cores para crianças, há cores. Não há grafismo para crianças, há grafismo (…) Não há literatura para crianças, há literatura” (Vidal apud Rocha 1984: 129). Na mesma linha de ideia Cecília Meireles afirma “evidentemente, tudo é uma literatura só” (Meireles 1984:20).

Por outro lado, existem os que defendem a ideia de que as fronteiras entre as duas são fluidas, podendo um texto escrito para adultos captar a atenção das crianças, como o inverso também se torna possível. Assim, Juan Cervera sugere que na literatura infantil se integre “todas las manifestaciones y actividades que tienen como base la palabra com finalidad artística o lúdica que interesen al niño” (Cervera s/d: 11). Para Marc Soariano, “a literatura para a juventude é uma comunicação histórica, entre o locutor ou um escritor adulto e um destinatário criança que não dispõe senão de forma parcial da experiência do real e das estruturas linguísticas, intelectuais afectivas, e outras (…) (Soriano apud Sousa 2000:9), ainda na opinião de Sérgio Sousa a literatura infanto – juvenil referencia “uma semiose estética dirigida a um receptor em formação” (Sousa 2000:8).

Segundo Parafita, um texto de literatura infantil, antes de efectivamente o ser, tem que se afirmar como literatura e esta por sua vez tem de ser um “objecto artístico”, sendo “corrente definir literatura infantil como toda a produção editorial que visa a informação e a formação da criança, no que respeita ao traquejo da língua, desenvoltura intelectual e sensibilidade estética” (Parafita 2002:208-209).

Em suma, podemos afirmar que as duas literaturas se cruzam e que têm as mesmas exigências estéticas, distinguindo-se essencialmente pela finalidade educacional e adaptada a um público, pois “ quando escrevemos para crianças, a estratégia é forçosamente muito diferente, uma vez que nos dirigimos a um público preciso (…) ” (Bicchonnier apud Bastos 1999:23), sendo uma “literatura que tem como destinatário extratextual as crianças” (Silva 1981:11).

Como já referimos, nas suas origens, literatura infantil e literatura tradicional misturam-se de tal modo que se torna difícil determinar com precisão o seu aparecimento,

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perdendo-se “na poeira dos tempos” (Coelho 1991:16). Durante muito tempo, a literatura tradicional oral funcionou como veículo de conhecimentos e crenças de uma comunidade, transmitindo “valores estéticos, pedagógicos, linguísticos, históricos (…) ”, utilizando-a para se distraírem “pessoas de todas as idades e especialmente a infância e a juventude e com o divertimento, vem a moralidade, o ensino da experiência, que nos vão modelando o carácter e enriquecendo o saber” (Guerreiro apud Bastos 1999:61).

Segundo esta perspectiva, teremos de procurar as origens da literatura infantil na literatura tradicional oral, pois embora “as fontes naturais não tivessem sido consideradas literárias (…) constituíram o substrato temático das obras escritas”, fazendo-se ainda hoje “adaptações dos contos tradicionais” (Pires s/d: 19-29).

Muitos defendem que a literatura infantil só surgiu em Portugal no século XIX, sob influência da geração de Antero de Quental, Eça de Queirós e Guerra Junqueiro (Pires s/d:27). Porém, isso não é totalmente verdadeiro, “aliás, a literatura infantil portuguesa seguiu praticamente os mesmos caminhos que no resto do mundo” (Idem, ibidem), ressalvando todo o conjunto de obras que, embora não fossem especialmente destinadas às crianças, lhes eram lidas ou contadas (Idem, ibidem).

Durante a Idade Média, em Portugal, tal como no resto da Europa, a infância não possuía condição própria. Eram consideradas adultos em miniatura, com os mesmos interesses. Daí proliferarem obras com intuitos religiosos e essencialmente dedicados à aprendizagem da leitura. Destacam-se, nesta época, os romances de cavalaria, os quais cativavam as crianças “com os seus ideais cavalheirescos e os seus episódios aventurosos e fantasistas” (Gomes 1997:6).

Para além dos contos tradicionais orais e dos romances de cavalaria, as crianças tinham acesso às cartilhas para aprender a ler ou aos catecismos. A primeira cartilha, Cartilha para aprender a ler, data de 1539, introduzindo imagens e jogos na aprendizagem da leitura. O primeiro catecismo a pensar nos mais jovens surge a 1561: Doutrina Christã ordenada à maneira de Diálogo para Ensinar os Meninos. Posteriormente, os relatos de viagem assumem de igual modo relevância, ao suscitarem grande interesse nos mais novos com descrições de um mundo desconhecido, onde realidade e fantasia se misturavam. Destacam-se ainda os exemplários, que “preconizaram o aspecto didáctico e de formação de carácter que a literatura infantil iria tomar posteriormente, sobretudo no século XVIII” (Pires s/d:36), e as fábulas que, através dos seus intervenientes (animais), instruía e divertia apresentando ao mesmo tempo uma verdade moral (Mesquita 2002:68). Com o aparecimento da imprensa, os textos da

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literatura oral passam a ser fixados, ou seja, deixamos de ter apenas o suporte oral, mas também a literatura escrita, garantindo a sua durabilidade ao longo dos tempos. Porém, é necessário salientar que esta passagem da oralidade para a escrita não trouxe de imediato uma produção literária em que os destinatários eram os mais pequenos. Surgem então as folhas volantes ou literatura de cordel, que eram folhetos vendidos pelas ruas, nos quais também apareciam os autos tradicionais (Pires s/d:40-41).

No séc. XVII, em Portugal, pouco se alterou, predominando o analfabetismo e os textos de cariz religioso. Em contrapartida, na Europa, surgem As Fábulas de La Fontaine (1668), Os contos da Mamã Gansa (1691/1699) escritos por Charles Perrault, em 1696/1699, Os contos de fadas, por Mme d’Aulnoy e, em 1699, Telémaco de Fénelon. Todos estes autores se basearam em contos que eram transmitidos de forma oral entre o povo.

Nesta época, assiste-se à “decadência do racionalismo clássico1 e à consequente exaltação da fantasia, do imaginário, do sonho, do inverosímil (…)” (Coelho 1991:70). Charles Perrault destaca-se como um dos autores mais famosos, sendo considerado por muitos como o primeiro autor a escrever para crianças no século XVII. Foi também o primeiro a recolher contos da tradição popular e a colocá-los por escrito.

Inicialmente, a sua escrita não estava direccionada para as crianças. No entanto, mais tarde, os seus contos servirão de modelo para os contos infantis, sendo editados por diversas vezes e sofrendo modificações: “em muitas edições suprime-se a moral e noutras desrespeita-se a linguagem introduzindo novos diálogos e modificando os finais” (Bravo-Villasante 1977:66). Nos seus contos “os heróis e heroínas estão sempre entre as clássicas personagens de reis, príncipes e princesas (…)” (Carvalho 1989:105) predominando o mundo maravilhoso, tornando-se marcantes para as crianças que os lêem. Como afirma Carmem Bravo-Villasante, “a criança que tenha lido Perrault nunca mais poderá esquecer os prodígios extraordinários que se verificam e ao mesmo tempo a moralidade que encerram” (Bravo-Villasante 1977:65).

No séc. XVIII, à semelhança de outros países da Europa, ocorrem inúmeras alterações importantes para a literatura Infanto-Juvenil Portuguesa. Vivia-se a influência do movimento iluminista, o qual contribuiu para mudanças substanciais na mentalidade da época.

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Apesar de continuarem a dominar os mesmos moldes que anteriormente, começa a surgir a ideia de que as obras deveriam conter características pedagógicas e não se limitarem apenas ao ensino da leitura e do cristianismo. Cerrillo defende esta ideia, ao afirmar que “se exigia a la literatura infantil no sólo capacidad para instruir o adoctrinar” (Cerrillo 2001:80).

Contudo, neste século, ainda é escassa a produção infantil, o que “obrigava” os mais pequenos, por curiosidade ou por falta de obras que lhes agradassem, a procurar livros escritos para adultos. São disto exemplo as obras: Robison Crusoe , As viagens de Guliver e os contos Les mille et une nuits. A influência estrangeira é muito forte, sobretudo a francesa, revitalizando-se os contos de fadas e apostando-se na tradução de contos de Perrault.

No século XIX, surgem os irmãos Grimm que, animados pelo estilo romântico, irão revalorizar os contos maravilhosos. Os contos de Grimm continuam na linha de recolhas de tradição oral, “escreviam o que as mães e avós alemãs contavam às crianças (…) dando-lhes depois retoques e embelezamento na intenção de dar ao povo um texto educativo” (Calvino 1996:75-76), redescobrindo “ o mundo maravilhoso da fantasia e dos mitos que desde sempre seduziu a imaginação humana” (Coelho 1991:73). O primeiro volume - Kinder- und Hausmärchen (Contos de fadas para crianças e famílias) - foi publicado em 1812 e o segundo em 1815” (Calvino 1996:78). Desta obra salientam-se, entre outros, os contos A Branca de Neve e os sete anões, A Bela Adormecida, O alfaiate valente, Os músicos de Bremen. Nos seus contos e à semelhança de Perrault, conservam-se “a imagem dos reis, rainhas, princesas e príncipes”, diferindo no aspecto de estes saírem “quase sempre do povo e de terem a presença frequente de personagens mágicas como os anões” (Carvalho 1989:105). Assim, podemos dizer que, apesar de Perrault e os irmãos Grimm terem sido “movidos por diferentes estímulos”, tiveram a “mesma motivação que os levou ao mundo mítico dos contos maravilhosos das Fadas” e, mesmo havendo grandes diferenças de tempo e espaço, “ambos tiveram fontes comuns” (Carvalho 1989:106). Assistimos, desta forma, a uma revitalização dos contos antigos da literatura oral que, com o aparecimento da imprensa, os escritores adaptam e fixam em papel, sendo Perrault o pioneiro a compilar e a fixar, pela escrita, os contos que desde sempre circularam de boca em boca.

Hans Christian Andersen (1805-1875), considerado por muitos o mestre do conto de fadas, foi o maior criador na literatura infantil, “pois conseguiu de maneira admirável, a fusão entre o pensamento mágico das origens arcaicas e o pensamento racionalista dos novos tempos” (Coelho 1991:77), revelando “grande sentido de sensibilidade artística ao lado de uma extraordinária delicadeza de sentimentos” (Carvalho 1989:107). Muitos dos seus contos

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reflectem a sua própria infância, havendo, segundo Bárbara Carvalho, uma certa relação entre a sua vida e as histórias que escreve, sendo visível nas histórias: O Patinho Feio, a Fábula da minha vida e A rainha da neve. Sobre este facto também Jesualdo afirma que “nele o maravilhoso é a sua própria alma e o seu mundo inteiro, seu mundo vivo, produto de sua própria vida” (Jesualdo s/d:134). De entre os vários autores que se dedicaram à escrita infantil destacamos: Collodi, que encantou crianças com o seu boneco de pau Pinóquio, valorizando com esta obra o sentido da família; Lewis Caroll, autor de Alice no País das Maravilhas; Alexandre Dumas, que alcançou nome e fama com Os três mosqueteiros; a Condessa de Ségur cujas novelas retratam a sociedade do 2º Império e Mark Twain, escritor da famosa obra Aventuras de Tom Sawyer.

Também será neste século que a literatura Infantil se emancipará verdadeiramente, em Portugal, pelas mãos da já mencionada geração de 70. De facto, é nesta altura que surge a preocupação de “erguer uma literatura para um destinatário específico e até aí sem direito a opção: a criança” (Barreto 1998:19). Não podemos esquecer, neste período, o interesse que despoletam as recolhas dos contos tradicionais nos escritores românticos portugueses. Assim fez Almeida Garrett, ao escrever O romanceiro (1843) e Contos e Fábulas (1835), com base nas pesquisas e compilações recolhidas. Também Adolfo Coelho, que publicou Contos Populares portugueses (1879); Teófilo Braga com os Contos Tradicionais do povo Português com um estudo da novelística em geral (1883) e Consiglieri Pedroso seguem o mesmo caminho na compilação de contos populares, dos quais alguns contos serão analisados neste estudo. Aliás, o interesse destes escritores pelos contos populares fica bem evidente nas palavras de Antero de Quental em Tesouro Poético da Infância (1883): “O povo é uma grande criança colectiva (...) dizer popular é pois dizer infantil” (Quental apud Pires s/d:79).

No século XX, assistimos a diversos acontecimentos político-sociais que levam à mudança de valores e a novas exigências ao nível da literatura para os mais jovens. Com os ideais republicanos, a criança adquire um valor diferente, assumindo a literatura infantil a sua dimensão própria, com o intuito de “estimular a imaginação, desenvolver o sentido de humor, encorajar o gosto pela leitura em geral e alargar a compreensão de outras raças e países” (Pires s/d:91). Perante esta situação, surge o interesse pelo estudo e reflexão da infância, afirmando-se nomes como: Amália Vaz de Carvalho, que escreve a obra Contos para os nossos filhos; Ana de Castro Osório, que compilou Contos Maravilhosos da Tradição popular; Aquilino Ribeiro, que escreve O Romance da Raposa, entre outros (Pires s/d:114-116).

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Com o avanço do sistema ditatorial, assiste-se a uma estagnação da literatura infanto-juvenil, com a criação da censura. Porém, mesmo com a ditadura, começam a afirmar-se novos nomes, que terão projecção a partir da década de 50. De entre outros, destacam-se nomes de autores que se mantiveram importantes até hoje, como por exemplo: Ilse Losa, Matilde Rosa Araújo, Ricardo Alberty, Sophia de Mello Breyner Andresen.

Nos anos sessenta, destaca-se a instauração da escolaridade obrigatória, implicando uma explosão escolar e “consequentemente um aumento do público leitor” (Gomes 1997:35). A acção das bibliotecas fixas e itinerantes da fundação Calouste Gulbenkian permitiu que todas as crianças pudessem ter acesso gratuito às obras (Rocha 1984:95).

Com o final da ditadura, em 1974, dão-se várias mudanças em todos os sectores, voltando-se a dar o devido valor aos mais novos e às suas leituras. A partir dos anos oitenta, deparamo-nos “com obras que merecem já alguma atenção crítica (…) ” e que “constituem os primeiros clássicos da nossa literatura para crianças” (Gomes 1997:12). Há um alargamento de bibliotecas com mais qualidade e quantidade e surge, também, nesta época, uma nova geração de escritores com temas inovadores ligados à realidade que se vivia. É o caso de António Torrado, Maria Alberta Menéres, Luísa Ducla Soares, entre outros. De salientar ainda que o ano de 1974 foi proclamado Ano Internacional do livro infantil, que em 1979 se celebrou o Ano Internacional da Criança e que “entre os finais da década de setenta e o início dos anos noventa, se assistiu ao chamado boom da literatura para jovens em Portugal” (Idem,43).

Em conclusão, podemos dizer que, desde a sua transmissão oral até aos dias de hoje, a literatura para crianças passou por um processo de evolução bastante significativo. Iniciando a viagem pela Idade Média e percorrendo os vários séculos, assistimos a grandes alterações no que concerne à forma de olhar as crianças e às obras a elas dedicadas, sendo que passam a ser vistas como seres individuais e com interesses diferentes dos adultos. O sector mantém-se em constante evolução, sendo frequentes as obras que retomam a exploração de temas como o maravilhoso e o fantástico, usando uma linguagem própria com jogos de palavras. Reflectem representações da sociedade em que estão enquadrados, assim como um enredo e um conjunto de personagens que permite a quem os escuta, reportar-se nas situações, uma vez que se identifica com as mesmas. Como afirma António da Eira, “ao povo muito agrada o maravilhoso dos contos. Prende e cativa as atenções, o invulgar, o extraordinário, o sobrenatural. Por isso, encontramos as mais variadas figuras: gigantes, fadas, feiticeiros, lobisomens, monstros, bruxas…” (Eira apud Pires s/d:115). Estes contos “continuam a ocupar

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um lugar importante no nosso imaginário, particularmente no das crianças de hoje, para quem esses contos vindos dos tempos mais recuados, das civilizações mais diversas, continuam a estar presentes” (Traça 1992: 35). Assim, podemos inferir que a Literatura Infanto-Juvenil evoluiu verdadeiramente e que, no nosso país, cada vez mais se fazem obras com maior originalidade, que levam o público a sonhar e que “enquanto houver um conto na terra, um contador de histórias para multiplicá-lo e um ouvinte para escutá-lo, então haverá esperança no mundo e nos homens” (Cavalcanti 2002:6).

Podemos finalizar com as palavras de Vítor Manuel de Aguiar e Silva, que sintetizam a ideologia veiculada ao longo deste ponto:

Com efeito, a literatura infantil, quer oral quer escrita, tem desempenhado uma função relevantíssima, atendendo aos seus destinatários, na modelização do mundo, na construção dos universos simbólicos, na convalidação de sistemas de crenças e valores (Silva 1981:14).

I.1.2.O Conto: características essenciais

O conto…é uma “constante”, é veiculo transmissor de conhecimentos, é uma “palavra” cujo fio não deve ser cortado… (Traça 1992:28)

O vocábulo conto é ambíguo, pois pode “ser empregue para designar realidades muito diferentes” (Soares 2003:5). Etimologicamente, "deriva de contar, do latim computare, enumerar”, passando posteriormente a designar “relato de um certo tipo de acontecimentos” (Simosen 1987:1). Sendo “a mais antiga forma de narração” (Carvalho 1989:54), uma das suas características mais importantes é a presença do maravilhoso. Esta torna-se fundamental, pois é aquela que lhe dá o seu carácter imaginativo (Goés 1991:116). Segundo Todorov, o conto, além de se relacionar com o maravilhoso, caracteriza-se também por ter “acontecimentos sobrenaturais” (Todorov s/d:60).

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Podem ter, ou não a presença de fadas e “desenvolvem-se dentro da magia feérica, ou do quotidiano diário, tendo como eixo gerador uma problemática existencial ou uma problemática social” (Coelho 1991:13-14).

Os contos de fadas também se caracterizam, ainda, pela presença de metamorfoses e encantamentos. São raros os contos que não são “povoados” por seres e elementos mágicos, os quais “são carregados de significados” (Carvalho 1989:64), e que se revelam fundamentais para o desenrolar dos acontecimentos. Apenas como exemplo: uma varinha de condão ou um anel capazes de efeitos surpreendentes, um espelho que fala, a existência de seres prodigiosos que interferem com a sorte das personagens, elementos como o ouro e prata, entre outros, são presença constante. Os mais velhos detêm poder e sabedoria, sendo os mais novos os predestinados.

Se reflectirmos um pouco sobre o seu conteúdo, constatamos que nos mostram questões humanas e problemas reais. A linguagem é bastante directa, o diálogo é muito vivo e é portador de elementos lúdicos que proporcionam interesse e prazer a quem lê ou ouve. As palavras, o tempo e o espaço remetem para o universo da fantasia. Aliás, segundo Marly Amarilha, (2003:49-55) a linguagem utilizada no conto de fadas é uma linguagem simbólica e não uma linguagem do dia-a-dia. Este tipo de linguagem permitirá, ao leitor/ouvinte, a “projecção em diferentes personagens e situações” (Traça 1992:35).

O conto é um género que geralmente é “definido e analisado em conexão com outras categorias” (Reis; Lopes 2007:78), o que permite uma certa “miscigenação” de propriedades. É predominantemente um relato pouco extenso, breve, condensado, com um ritmo acelerado e centrado numa acção nuclear, evitando digressões, descrições e virando-se para uma conclusão. Segundo Bonheim, o conto tem “um reduzido elenco de personagens, um esquema temporal restrito, uma acção simples ou pelo menos apenas poucas acções separadas...” (Bonheim apud Reis; Lopes 2007: 78-82).

Para Massaud Moisés, o conto caracteriza-se, fundamentalmente, pela acção, cujos eventos são limitados e lineares; pela personagem que, na maior parte das vezes, é plana (Moisés 1982:101). É através das personagens imaginárias que povoam as narrativas que o leitor/ouvinte se deparara com situações com as quais se confronta no dia-a-dia (Traça:28). Porém, as características pessoais das personagens são bem definidas, não sendo boas ou más ao mesmo tempo, como se verifica, por vezes, na realidade humana (Bettelheim 1998:17).

Os cenários escolhidos para o desenrolar das acções essenciais de cada conto encerram um significado e simbolismo muito importantes. É em espaços fechados como um castelo, um

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quarto, uma caixa ou uma gruta, por exemplo, que a magia da história se manifesta. Também a floresta é recorrentemente usada nos contos como um espaço mágico, sendo o “local onde se realizam os factos maravilhosos” (Bastos 1999:71).

As “fórmulas mágicas” usadas para os iniciar: Num país muito longe…, Era uma vez…, Naquele tempo, entre outras, remetem a acção para fora do tempo e do espaço reais, permitindo ao ouvinte/leitor “situar-se num universo que não é o da realidade comum, mas que, todavia lhe fornece muitas das chaves para compreender o seu mundo” (Bastos 1999:70).

Para além de ser uma narrativa na qual predomina a fantasia, o conto distingue-se pelo facto de ter um cunho moralista e distractivo, sendo veículo de transmissão de valores culturais (Traça 1992:28). O conto refere-se ainda a fenómenos em pares contrastantes, como o bem contra o mal, terminando quase sempre pelo triunfo do bem. É também o desenlace da história, que surge como prémio ou castigo que advém da luta dos dois mundos antagónicos. Esta “apresentação dos opostos não pretende provocar uma conduta adequada, mas ajudar a compreender mais facilmente, as diferenças entre ambos” (Mesquita 2006:167). Assim, tentam passar a mensagem de que uma vida suportada em bondade e acções ligadas ao bem é sempre compensada com a felicidade e o amor, enquanto o contrário não lhe permitirá usufruir de benesses (Idem, ibidem), sendo muito importante para a estruturação da personalidade do leitor infanto-juvenil, como iremos abordar mais adiante. Segundo Georges Jean,

Os contos, enquanto fonte de maravilhamento e de reflexão pessoal, desbloqueiam e fertilizam o imaginário pessoal do ouvinte/leitor, contribuem para a formação de crianças (que serão adultos) mais criativas e mais livres. O poder dos contos reside na capacidade de incitar grandes e pequenos a viver um tempo fabuloso. O mundo tem necessidade do poder dos contos e da sua subversão poética para sobreviver (Jean apud Traça 1992:166).

Para além do carácter moralizador, os contos têm também um carácter simbólico, o que lhes confere o poder de se revestirem das mais variadas interpretações. Cada história será sentida e assimilada de diferentes formas, como diferente é cada um que a escuta ou lê. Dependendo da idade, dos momentos diferentes da vida e do desenvolvimento psicológico, estes podem ter diversos sentidos (Bettelheim 1998:20-21).

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A essência do conto é constituir um subterfúgio, um meio indirecto de aprendizagem do imaginário e do encantamento da linguagem, uma aprendizagem da vida, do mundo e das relações humanas (Held apud Traça 1992:166).

I.1.3. Conto Tradicional e Conto Moderno

Juntamente como as lendas, os mitos, os contos populares fazem parte da literatura tradicional de transmissão oral, sendo difícil uma delimitação clara dos diferentes géneros, devido à proximidade das suas características e pelo facto de “raramente um texto centrar em si mesmo a realização plena e rigorosa de um determinado género (Parafita 1999: 81).

Como já foi mencionado anteriormente, esta manifestação artística teve as suas “raízes” nas mais antigas tradições culturais, sendo transmitido oralmente e de geração em geração, perdendo-se a sua origem no tempo e no espaço. Ficou também patente, no ponto Da Literatura Tradicional de Transmissão Oral à Literatura para a Infância, que houve uma época em que a oralidade deu lugar à escrita, com recolhas e reescrita de textos por diversos autores. Com o surgimento da imprensa no século XV, o conto ganha um forte impulso e moderniza-se. Porém, segundo opinião de André Jolles, este só assume “verdadeiramente o sentido de forma literária determinada no momento em que os irmãos Grimm deram a uma colectânea de narrativas o título Kinder – und Hausmarchen” (Jolles apud Traça 1992:16). Assim, o conto literário partilha algumas características do conto popular. Verifica-se “que em ambos os casos se trata de narrativas breves que põe em cena um número reduzido de personagens escassamente caracterizadas” (Reis; Lopes 2007:82). A acção é concentrada e linear e em relação à categoria tempo a sua característica importante é a economia temporal (Idem,81), interessando apenas ao conto, como refere Massaud Móises, “uma fracção dramática, a mais importante e a decisiva duma continuidade em que o passado e o futuro possuem significado menor ou nulo (Moisés 1982:21). Assim, parece-nos que apenas podemos estabelecer diferenças ao nível da produção, entre o conto nas suas raízes e o conto tal como é concebido hoje, já que em relação às suas características mais marcantes a semelhança é evidente, estando desta forma talvez explicadas as alusões que vários autores tecem ao encarar o conto popular como estando na origem de todos os géneros.

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É de salientar, ainda, que o conto continua a ter especial destaque nas modernas narrativas e, apesar de se situar num domínio mais próximo da realidade, continua a atrair os leitores/ouvintes sobretudo, por recorrerem a universos dominados pela fantasia, “quer reactivando as marcas mais formais explícitas, Era uma vez…, e as personagens dos contos tradicionais, quer introduzindo o maravilhoso num contexto moderno” (Bastos 1999:123). Desta forma, podemos afirmar que o conto tradicional e o conto moderno (ou contemporâneo) coexistem, sendo “absurdo tecer julgamentos de valor e de estabelecer uma hierarquia entre as narrativas modernas e os contos tradicionais. É verdade que não ocupam o mesmo estatuto nem possuem a mesma ressonância. São histórias que não se excluem, mas que se completam” (Léon apud Bastos 1999:123). Também a este respeito Maria Emília Traça corrobora as opiniões supracitadas ao afirmar que,

Estamos conscientes da riqueza e do valor do conto tradicional, da reserva inesgotável de sabedoria e arte de ensinar que constitui e continua a constituir e a oferecer a quem quiser e souber servir-se. Mas não negamos o valor do conto moderno que o prolonga ou o subverte, indo buscar motivos de inspiração de uma forma consciente ou inconsciente (Traça 1992:166).

Porém, e ainda que partilhando traços comuns, o conto na actualidade pode assumir diferentes formas, “ora aproximando-se, pelo assunto e pelos recursos narrativos, do real quotidiano, ora revalorizando a memória do sistema literário pela reactualização de mitos ancestrais ou mesmo do fabulário” (Goulart 2004:11).

Apostando em realidades próximas do universo infantil e do seu ambiente familiar, permite que as crianças contactem com diferentes formas de encarar e resolver os problemas ajudando-as a crescer,” socializar, recrear, formar, educar a atenção, enriquecer a linguagem, estimular a imaginação e a inteligência, despertar emoções, desenvolver sentimentos de compreensão e a simpatia humana (Carvalho 1989:57). Ainda a este respeito, ficamos com duas citações importantes, que introduzem o tópico que iremos abordar de seguida. A primeira é de Armindo Mesquita que afirma: “é importante para a formação da personalidade da criança ouvir muitas e belas histórias” (Mesquita 2006:165). A segunda é de Teresa Marques que defende que os contos “ajudam as crianças no processo da personalidade, criando também a possibilidade de acederem ao chamado senso comum, o que as faz terem uma melhor adequação à realidade que os cerca” (Marques 2007:22).

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I.2. A criança e o conto

Ao mesmo tempo que os contos podem auxiliar a criança a superar conflitos, que são inerentes ao seu processo de desenvolvimento, constroem um sistema metafórico simbólico (Mesquita 2006:166).

Como já se tinha adiantado anteriormente, e como comprova a citação de Armindo Mesquita, os contos estimulam a mente infantil, graças à sua linguagem simbólica e adequada ao longo do processo de desenvolvimento da criança. Também verificámos nos tópicos anteriores que o aparecimento dos contos, enquanto tradição oral, ajudaram a definir um género dedicado especialmente às crianças, sendo aquele que teve maior divulgação desde a Antiguidade até aos nossos dias. Desta forma, o conto liga-se de diferentes modos aos mais jovens e tem um papel muito importante na construção da sua personalidade. Veremos, então, em que medida este género narrativo ajuda a transpor a infância de uma forma saudável, analisando depois o seu valor pedagógico.

I.2.1.Os contos: um auxílio para o crescimento das crianças

Para que possamos viver em plenitude e equilíbrio, torna-se necessário que encontremos um sentido para as nossas vidas, desde a mais tenra idade (Santos

2002: 116).

Desde muito cedo que as crianças começam, no seu íntimo, a procura de um sentido para a vida. Porém, esta aquisição surge de uma forma lenta, “numa construção sempre elaborada a partir de aprendizagens efectuadas” (Santos 2002:116)

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Como toda a literatura, os contos transportam valores e crenças intemporais que auxiliam no processo de crescimento/descoberta da criança de uma forma positiva, pois, ao mesmo tempo que a distrai e lhe desperta curiosidade, “carregam baterias de auto-estima do ego” (Traça 1992:33). Desta forma, este tipo de textos age sobre as suas emoções, mas com o intuito de os instruir.

Não podemos esquecer que a imaginação é um bem essencial a todo o ser humano e é durante a infância que ela é mais activa. É preciso fomentá-la, na medida em que, como explica Veloso, “para que a imaginação não cristalize é necessário estimulá-la; as histórias que se contam às crianças (…) vão ser a energia necessária para alimentar a imaginação, já que não se imagina a partir do nada” (Veloso 2001:24). Ainda a este respeito, Bettelheim defende que uma história para enriquecer a vida de uma criança

tem de estimular a sua imaginação; tem de ajudá-la a desenvolver o seu intelecto e esclarecer as suas emoções; tem de estar sintonizada com as suas angústias e as suas aspirações; tem de reconhecer plenamente as suas dificuldades e, ao mesmo tempo, sugerir soluções para os problemas que a perturbam. Em suma, precisa de estar simultaneamente relacionada com todos os aspectos da sua personalidade (Bettelheim 1998:11).

Assim, dependendo da forma como o seu imaginário é ou não “alimentado”, cada criança possuirá as respostas que procura, mas também um conhecimento mais alargado de aspectos sociais e afectivos que a ajudarão a encontrar a razão de viver.

Os contos oferecem um importante contributo para o desenvolvimento da imaginação, nomeadamente, os contos de fadas, tão ricos em características do maravilhoso, que descrevem

de forma imaginária e simbólica as etapas essenciais do crescimento e do acesso a uma vida independente, estimulam os seus leitores a fruir a liberdade concedida pelo registo ficcional e pelas múltiplas veredas que o simbólico e o emotivo, quando intimamente associados possibilitam (Azevedo 2009:22).

Segundo Bettelheim, os contos de fadas “ orientam a criança no sentido de descobrir a sua identidade e vocação, e sugerem também quais as necessárias experiências para melhor

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desenvolver o seu carácter” (Bettelheim 1998:34), contribuindo assim para o seu processo de maturação e desenvolvimento intelectual.

Para além desta preciosa capacidade de proporcionar à infância um enriquecimento do seu potencial imagético, os contos permitem encontrar caminhos para mais facilmente resolver conflitos e angústias interiores próprias do crescimento. Não é estranho verificar, então, a identificação projectiva do pequeno leitor com o herói ou outra personagem importante da história (Soares 2003:16-17), vendo-a como espelho em que os seus problemas interiores são reflectidos, servindo-lhe como guia para encontrar soluções e resolver problemas que a atormentam. Como afirma Armindo Mesquita, “pela identificação com certas personagens, o conto comunica uma experiência à criança” (Mesquita 1999:84). Ao identificar-se com as personagens, “o leitor entra em sintonia com os valores, ideais e formas de comunidade em que a personagem se situa” (Amarilha 2003:85).

Os contos maravilhosos encarnam os problemas internos das crianças, podendo estes servir de auxílio para “superar conflitos, que são inerentes ao seu processo de desenvolvimento” (Mesquita 2006:166), ajudando-as “de maneira discreta, como levar as coisas pelo lado positivo” (Mesquita 2006:170). Desta forma, revelam-se realmente importantes, pois permitem às crianças compreenderem melhor o mundo que as rodeia e aprenderem a aceitar as limitações impostas pela vida:

o imaginário, o sonho, o desejo, a audácia, o Outro, a desmesura, a ambiguidade, a gratuitidade, as interrogações e outras demandas constituem elementos igualmente importantes na definição dos ser humano, e os contos possibilitam ao sujeito, de uma forma natural, o seu acesso a elas (Azevedo 2009:22).

Contudo, assiste-se por vezes a uma renitência por parte dos pais em contar às crianças histórias que incluem agressividade por terem medo de traumatizar os filhos (Marques 2007:12). Para Bruno Bettelheim, autor que mais se destacou no estudo do conto de fadas sob o ponto de vista da sua importância no desenvolvimento psicológico da criança, esta ideia de transmitir à criança que o mal não existe na natureza humana, e de que todos os seres são bons, é um erro cujas consequências se podem revelar no desenvolvimento da criança (Bettelheim 1998:14-15). É então necessário que a criança encontre meios para se organizar internamente. Neste contexto, os contos são fundamentais para a preparar para uma realidade que, é afinal, a dela, mostrando-lhe que não há problemas sem solução e que todos os

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conflitos que irá sentir têm uma forma de ser vencidos. A este respeito, Armindo Mesquita refere que todos os contos de fadas

transmitem à criança, a mesma mensagem simples e estimulante: a luta contra sérias dificuldades da vida é inevitável, mas se, em vez de fugirmos, enfrentarmos as provas inesperadas e, muitas vezes, injustas com que nos deparamos, acabamos por superar os obstáculos e alcançarmos vitória, isto é, a auto-realização existencial, a maturidade (Mesquita 2006:170).

De facto, destaca-se o papel dos contos no processo de desenvolvimento e maturação. A criança precisa de imaginação, de fantasia, e magia para formar o seu carácter, e como ela ainda está muito direccionada para o inconsciente, nada melhor do que o contacto com os textos onde a realidade surge de forma simbólica, “interrogando incessantemente os seus leitores e fornecendo-lhes, a cada nova leitura, chaves para a interpretação do estado de coisas dos mundos possíveis” (Azevedo 2009:21). O leitor/ouvinte passa a viver uma história que não é a sua, mas com a qual se vai identificando, acabando por perceber que conseguirão vencer os obstáculos. Segundo Fanny Abramovich, no conto de fadas, as respostas são apenas sugestivas. Embora possa insinuar soluções, nunca as menciona, permitindo que a criança use a sua fantasia e decida por ela própria. Falam da dificuldade de ser criança, falam de amor, de medos, de carências, de autodescobertas, de perdas e buscas, enfim, falam da criança para a criança. Daí o agrado por estas histórias, acima de tudo, porque se identificam com elas, e de tal modo que conseguem magicamente colocar-se nesse mundo fantástico sem nunca perderem a sua própria identidade, o seu próprio “eu” (Abramovich 1997:120-138).

Contudo, não podemos ver somente o lado positivo dos contos de fadas. Se estes possibilitam a orientação da criança, também lhe poderão dar a ilusão de que todos os problemas acabam bem, o que nem sempre sucede na vida real. Por isso, é necessário dar à criança a dimensão da realidade.

À priori, todas as crianças percebem que as histórias não são verdadeiras, mas com elas, e todos os seres míticos que delas fazem parte, é-lhes permitido compreenderem as suas emoções, muitas vezes contraditórias. Ajudam-nas a enfrentar o real e facilitam a compreensão de certos valores básicos de conduta humana ou de convívio social, como fica

claro com as palavras do mestre da psicanálise: “a criança compreende intuitivamente que,

apesar de estas histórias serem irreais, elas não são falsas (...) descrevem por forma imaginária e simbólica os passos essenciais do crescimento e da obtenção de uma existência

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independente” (Bettelheim 1998:97). Assim, e com a ajuda dos contos, as crianças encaram o mundo de forma mais clara, estabelecendo a fronteira entre o bem e o mal (o real e o imaginário). Como afirma Adolfo Simões Müler, “uma criança que lê pode encontrar a varinha mágica que lhe permita entrar no mundo do sonho e da realidade” (Müller apud Pires s/d: 14).

Fica assim patente a estreita relação entre o conto e a criança, conseguida pela linguagem simples, directa ou alegórica, bem como pelo trajecto de crescimento do herói e da criança que têm de passar por várias provas, que os tornam mais ricos e capazes de enfrentar uma vida que se quer feliz e equilibrada. Conclui-se desta forma que esta tipologia textual é muito importante para compreender o mundo interior dos mais jovens e ensinar-lhes a inserirem-se na vida adulta de uma forma mais equilibrada e completa, pois “só a compreensão dos nossos próprios problemas, à medida que vamos crescendo e evoluindo, nos dá a capacidade de resolução dos mesmos” (Santos 2002:121). Fica assim evidente que os contos são “percursos de aprendizagem e crescimento” (Bastos 1999:136). Como tal, podemos deduzir a sua importância pedagógica, assunto que analisaremos na terceira parte deste trabalho. Antes, porém deixamos o pensamento de Georges Jean, que sintetiza a importância do conto na vida do ser humano:

Os contos, enquanto fonte de maravilhamento e de reflexão pessoal, desbloqueiam e fertilizam o imaginário pessoal do ouvinte/leitor, contribuem para a formação de crianças (que serão adultos) mais criativas e mais livres. O poder dos contos reside na capacidade de incitar grandes e pequenos a viver um tempo fabuloso. O mundo tem necessidade do poder dos contos e da sua subversão poética para sobreviver (Jean apud Traça 1992:166).

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I.2.2. O valor pedagógico do conto

O conto infantil é uma chave mágica que abre as portas da inteligência e da sensibilidade da criança, para a sua formação integral (Carvalho 1989:18).

Desde a mais tenra idade, a criança toma contacto com diversos textos orais e, embora estes sejam considerados por muitos autores como não sendo textos literários, problemática que já abordamos em tópicos anteriores, a verdade é que é nos primeiros anos de vida que se operam as principais aquisições para a formação do indivíduo. Como afirma Bárbara Carvalho, “a infância constitui uma fase especial de evolução e formação” (Carvalho 1989:18).

As rimas, as canções de embalar, as lengalengas surgem como estímulo à criança para iniciar a pronúncia das palavras e acompanham -na no seu crescimento tendo, uma função específica, de acordo com a fase etária em que se encontrem (Parafita 2002:208). Defendendo também esta perspectiva, Maria Emília Traça afirma: “palavras, ideias, sonhos, as descobertas feitas nas primeiras canções de embalar, nos primeiros contos, vão ficar para sempre presentes” (Traça 1992:76). Retomando as palavras da mesma autora, a criança que se encontre “habituada a ouvir contar histórias, a manipular um livro, cresce o desejo de saber o que está escrito no livro, de aprender a ler” (Idem,77). Também Lúcia Goés defende que todas as crianças deveriam “livremente ter acesso ao brincar, ao sonhar, quer pelo seu imaginário quer por todas as suas formas, em especial o pleno acesso ao livro, pois a criança no jogo, no brincar, liberta bem cedo a sua fantasia” (Goés 2002:31-37).

Desta forma, é com este tipo de literatura que o jovem leitor tem o primeiro contacto com a beleza da palavra. Como tal, a família assume um papel preponderante, pois a esta cabe a tarefa de proporcionar os primeiros contactos com o livro e, embora esta não saiba ler, este contacto permitirá motivá-la para o prazer da leitura que surgirá mais tarde, pois contar “bons” contos à crianças “aumenta as hipóteses de as transformar em “bons leitores” (Traça 1992:116).

Os laços afectivos que ligam pais e filhos são fulcrais para um crescimento saudável dos mais pequenos. Assim, as experiências que a criança tem neste meio terão um grande

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peso no sucesso do seu desenvolvimento, pois “é em função dos modelos familiares que a criança cria o seu primeiro estilo de expressão verbal” (Botelho s/d: 35). Os mais novos deverão encontrar na família a segurança, o estímulo, a motivação para que o seu crescimento, enquanto seres em busca de conhecimentos, seja feito de uma forma harmoniosa levando a que os resultados sejam satisfatórios.

Este papel preponderante que assume a família no desenvolvimento da criança é partilhado com a escola, uma vez que é também neste espaço que se trocam experiências e se adquirem conhecimentos, sendo que, os pais juntamente com a escola constituem o principal meio difusor das histórias. Assim, é, pois, fundamental que pais, educadores, professores e todos aqueles que lidam com crianças estejam sensibilizados para os benefícios dos contos para que, dessa forma, se possa tirar o melhor proveito dos mesmos.

Na verdade, a relação entre literatura e escola centra-se exactamente no facto de ambas terem uma natureza formativa, estando votadas para uma actuação dinâmica na formação do receptor ao qual se dirigem (Zilberman 2003:21). Nesta perspectiva, literatura e escola unem-se para proporcionar à criança um crescimento saudável em todas as suas dimensões, com vista à formação de cidadãos conscientes e capazes de enfrentar o mundo exterior.

As histórias narradas são uma óptima forma de chegar aos mais pequenos. Recorrem a uma linguagem que lhes é compreensível, trabalham situações que lhes despertam interesse, espelhadas em personagens que lhes são próximas. Possibilitam inúmeras fantasias, funcionando como estímulo à imaginação, como refere Soromenho:

o conto pode ter uma elevada função pedagógica: para o desenvolvimento da imaginação, da observação e da memória das crianças, além do aumento dos conhecimentos e das experiências” (Soromenho apud Traça 1992:87).

Armindo Mesquita corrobora a afirmação supracitada quando refere que o conto, para “além de divertir a criança e de lhe desenvolver a sua capacidade imaginativa, surge como uma maneira, ainda que disfarçada, de objectivar determinados conhecimentos” (Mesquita 2006:168). Como tal, com estas histórias, a criança pode desenvolver, ao mesmo tempo, as suas habilidades linguísticas e imaginativas, facto que prova a função pedagógica profunda da literatura infantil. Aliás, a este respeito, Maria Leonor Botelho refere que “a literatura infantil alimenta e estimula a imaginação e satisfaz a afectividade e a curiosidade da criança, podendo representar um papel importante no desenvolvimento integral e harmonioso da sua personalidade” (Botelho s/d:33).

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Gráfico 4- Questão nº2
Gráfico 6- Questão nº2
Gráfico 8 -Questão nº4
Gráfico 9 -Questão nº6

Referências

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