• Nenhum resultado encontrado

Escuta da criança na mediação familiar

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Escuta da criança na mediação familiar"

Copied!
126
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA VALDIR ROSA CORREIA

ESCUTA DA CRIANÇA NA MEDIAÇÃO FAMILIAR

Palhoça 2009

(2)

VALDIR ROSA CORREIA

ESCUTA DA CRIANÇA NA MEDIAÇÃO FAMILIAR

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Graduação em Psicologia, da Universidade do Sul de Santa Catarina – Campus Norte – Unidade Pedra Branca, como requisito parcial para a obtenção do título de Psicólogo.

Universidade do Sul de Santa Catarina

Orientador: Dr. Leandro Oltramari

Palhoça 2009

(3)

VALDIR ROSA CORREIA

ESCUTA DA CRIANÇA NA MEDIAÇÃO FAMILIAR

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de Bacharel em Psicologia e aprovado em sua forma final pelo Curso de Psicologia da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Palhoça, 15 de junho de 2009.

______________________________________________ Prof. Dr. Orientador: Leandro Castro Oltramari

______________________________________________ Profª. Msc. Deise Maria do Nascimento

__________________________________________ Profª. Msc. Saidy Karolin Maciel

(4)

AGRADECIMENTOS

Aos meus professores da Unisul pela possibilidade de construção e apropriação de novos conhecimentos.

Ao professor orientador Leandro Castro Oltramari, por sua orientação firme, oportuna, com um espírito motivador que possibilitou chegar ao desenvolvimento deste trabalho.

Aos demais membros da banca examinadora e da orientação do estágio na mediação familiar: Deise Maria do Nascimento e Saidy Karolin Maciel, por participarem desta banca e por suas colaborações preciosas. Meu agradecimento especial à Saidy, por transmitir entusiasmo a realização deste trabalho.

À professora Regina Ingrid Bragagnolo por suas sugestões e motivação.

Aos bravos mediadores entrevistados por acreditarem na mediação e no benefício que esta traz para a sociedade brasileira. É por este trabalho voluntariado que esta profissão será reconhecida; é a sua dedicação e persistência que possibilitaram ao judiciário e ao Estado brasileiro perceber os benefícios da mediação familiar para a sociedade.

Às colegas queridas amigas, Ana Ramos e Débora, pela alegria e amizade.

Às colegas, Sara Raquel Cechetto Faccio, Tays Nunes Slavieiro e Thaeby Pavelski Anacleto, pela ajuda técnica e sugestões.

À Ranusia Bonin Correia, minha querida companheira de 35 anos, por seus atributos de bondade, justiça e amor.

Aos meus filhos, Marcel, Daniel, Florence e Vinícius, e à minha querida neta Núria, que enchem os meus dias de alegria.

(5)

RESUMO

A mediação é uma prática não adversarial importante à nossa sociedade, facilitando a resolução de conflitos familiares, especialmente aqueles que surgem na separação de casais, dentre eles o da guarda dos filhos. Este trabalho teve por finalidade investigar as representações sociais dos mediadores advogados e mediadores psicólogos, acerca da escuta das crianças na mediação familiar, no processo de separação dos pais. Esta pesquisa foi classificada como exploratória de natureza qualitativa e o delineamento estudo de campo. Entre os dez mediadores participantes da pesquisa, nove atuam ou já atuaram no Serviço de Mediação Familiar nos Fóruns da região da Grande Florianópolis. O instrumento de coleta de dados utilizado foi uma entrevista com roteiro semi-estruturada com perguntas básicas norteadoras da pesquisa de tal forma a possibilitar ao participante a manifestação de seu pensamento e da sua prática. Os dados coletados com base nas falas dos entrevistados foram submetidos à análise de conteúdo por meio da categorização a

posteriori. Os entrevistados entendem que a escuta da criança na mediação familiar raramente

ocorre e quando ocontece é por iniciativa do mediador e não por uma política institucional; as categorias com maiores freqüências referentes aos procedimentos dos mediadores na escuta das crianças foram a necessidade de formação dos mediadores para escuta, ouvir as crianças separadas dos pais, o mediador precisa ter sensibilidade, responsabilidade do mediador com as crianças, explorar os sentimentos das crianças; quanto às atitudes dos mediadores diante da escuta da criança, as categorias que se destacaram foram a escuta da criança depende da característica de cada caso e favorável à escuta; e as categorias com maiores freqüências no que diz respeito à representação social da escuta da criança na mediação familiar foram a escuta como um auxílio na obtenção de mais informações/percepções sobre o caso para a instrumentalização técnica, a escuta como um auxílio a uma relação saudável entre pais e filhos, a escuta na mediação protege mais a criança, a criança é integrante da família, por isso deve ser ouvida, a escuta é benéfica em casos de guarda. Esses resultados demonstram a importância de explorar e de conhecer este tema para o desenvolvimento de práticas que possam ser aplicadas em programas de políticas públicas em benefício da sociedade.

Palavras-chave: Escuta da criança. Mediação familiar. Representações sociais. Separação dos

(6)

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro1 – Perfil dos entrevistados. ... 43

Quadro 2 - Roteiro de perguntas norteadora da pesquisa. ... 46

Quadro 3 - Quadro referente às respostas das entrevistas sobre a existência da escuta da criança no processo de mediação familiar. ... 51

Quadro 4 – Quadro referente aos procedimentos dos mediadores na escuta das crianças ... 58

Quadro 5 – Quadro referente às atitudes dos mediadores diante da escuta da criança. ... 86

(7)

LISTA DE SIGLAS

A – Mediador Advogado P – Mediador Psicólogo

CFP – Conselho Federal de psicologia CNS – Conselho Nacional de Saúde DSD – Depoimento Sem Dano

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente EMAJ – Escritório Modelo de Assistência Jurídica FP – Freqüência Parcial

FT – Freqüência Total

SMF – Serviço de Mediação Familiar UCE – Unidade de Conteúdo Elementar

(8)

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ... 10 1.1TEMADOTRABALHO ... 10 1.2PROBLEMÁTICA ... 11 1.3OBJETIVOS ... 17 1.3.1 Objetivo Geral ... 17 1.3.2 Objetivos Específicos ... 18 1.4JUSTIFICATIVA ... 18 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ... 22

2.1SEPARAÇÃOCONJUGAL,CRIANÇAEATUAÇÃODOMEDIADOR ... 22

2.2MEDIAÇÃOFAMILIAR ... 25

2.3REPRESENTAÇÃOSOCIAL ... 28

2.3.1 Conceito de representação social... 28

2.3.2 Representação social da criança ... 33

2.4AESCUTADACRIANÇA ... 35

2.5DEPOIMENTOSEMDANO ... 38

3 MÉTODO ... 42

3.1TIPODEPESQUISA ... 42

3.2PARTICIPANTES ... 43

3.3EQUIPAMENTOSEMATERIAIS ... 44

3.4SITUAÇÃOEAMBIENTE ... 44

3.5INSTRUMENTOSDECOLETADEDADOS ... 44

3.6PROCEDIMENTOS ... 47

3.6.1 Seleção dos participantes ... 47

3.6.2 Coleta e registro dos dados ... 48

3.6.3 Organização, tratamento e análise de dados ... 48

4 ANÁLISE, DISCUSSÃO E APRESENTAÇÃO DOS DADOS ... 50

4.1EXISTÊNCIADAESCUTADACRIANÇANOPROCESSODEMEDIAÇÃOFAMILIAR DURANTEASEPARAÇÃODOSPAIS ... 50

(9)

4.1.1.1 Raramente ... 51

4.1.1.2 A escuta é iniciativa do mediador... 53

4.1.2 Não existência ... 56

4.2PROCEDIMENTOSDOSMEDIADORESNAESCUTADASCRIANÇAS ... 58

4.2.1 Necessidade de formação dos mediadores para a escuta ... 59

4.2.1.1 Falta de preparação para a escuta ... 59

4.2.1.2 Necessidade de conhecimentos da psicologia ... 63

4.2.2 Ouvi-las separadas dos pais ... 68

4.2.2.1 Sem comentário sobre o sigilo ... 69

4.2.2.2 Mantendo o sigilo ... 71

4.2.3 Sensibilidade ... 72

4.2.4 Acolhimento da criança ... 75

4.2.5 Responsabilidade do mediador com a criança ... 78

4.2.5.1 Informar a criança sobre o que está acontecendo ... 78

4.2.5.2 Discernir sobre a adequação da escuta da criança ... 79

4.2.6 Explorar os sentimentos das crianças ... 81

4.2.7 Responsabilidades dos mediadores com os pais...84

4.2.8 Fazer os devidos encaminhamentos se necessários ... 85

4.3ATITUDESDOSMEDIADORESDIANTEDAESCUTADACRIANÇA ... 86

4.3.1 A escuta da criança depende da característica do caso ... 87

4.3.2 Favorável à escuta da criança ... 90

4.3.3 Desfavorável à escuta da criança ... 93

4.4REPRESENTAÇÃOSOCIALDAESCUTADACRIANÇA ... 94

4.4.1 Escuta como um auxílio na obtenção de mais informações/percepções sobre o caso para instrumentalização técnica ... 95

4.4.2 Escuta como um auxílio a uma relação saudável entre pais e filhos ... 97

4.4.3 Escuta na mediação protege mais a criança ... 101

4.4.4 A criança é integrante da família, por isso deve ser ouvida ... 103

4.4.5 A escuta é benéfica em casos de guarda ... 106

(10)

4.5COMPARARAÇÃODASREPRESENTAÇÕESSOCIAISACERCADAESCUTADAS CRIANÇASNAMEDIAÇÃOFAMILIAR,DOSMEDIADORESADVOGADOSE

MEDIADORESPSICÓLOGOS,NOPROCESSODESEPARAÇÃODOSPAIS ... 109

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 114

REFERÊNCIAS ... 117

APÊNDICES ... 123

APÊNDICE A – Roteiro de entrevista semi-estruturada ... 124

(11)

1 INTRODUÇÃO

Uma vez que o Trabalho de Conclusão de Curso deve estar vinculado com os fenômenos psicológicos identificáveis no estágio, a presente pesquisa possui como objetivo principal caracterizar as representações sociais dos mediadores advogados e mediadores psicólogos, acerca da escuta das crianças na mediação familiar, no processo de separação dos pais. A investigação das representações sociais acerca da escuta da criança é um elemento fundamental para entender como os mediadores concebem as práticas e as teorias de senso comum sobre a escuta da criança na mediação familiar.

Este Trabalho de Conclusão de Curso configura-se da seguinte forma: compondo o capítulo 1, a introdução na qual se apresentam o tema do trabalho, a problemática, os objetivos gerais e específicos e a justificativa. No capítulo 2, apresenta-se a fundamentação teórica, seção esta em que se discutem conceitos de separação conjugal, criança e atuação do mediador; mediação familiar; representação social; escuta da criança e depoimento sem dano. Esses conceitos servirão de suporte para a análise de conteúdos das informações coletadas. No capítulo 3, encontra-se o método, que explicita os procedimentos de coleta de dados e da análise das informações obtidas na pesquisa. O capítulo 4 traz a análise dos dados coletados fundamentada com o referencial teórico, a partir das especificações das categorias e subcategorias referentes às principais falas dos entrevistados. Por último, no capítulo 5, apresentam-se as considerações finais desta pesquisa.

1.1 TEMA DO TRABALHO

As representações sociais dos mediadores advogados e mediadores psicólogos, acerca da escuta das crianças na mediação familiar, no processo de separação dos pais.

(12)

1.2 PROBLEMÁTICA

A mediação é um método que vem constituindo-se, cada vez mais, como uma importante alternativa à sociedade, colaborando para a facilitação de resolução dos conflitos familiares, especialmente os que surgem nas separações de casais, dentre eles a disputa da guarda dos filhos. Os números divulgados em 1996 pelo Anuário Estatístico Brasileiro (IBGE) demonstram que a separação conjugal é um fato cada vez mais freqüente na sociedade brasileira. Esses dados indicam aproximadamente um divórcio para quatro casamentos (ROSA; OLIVEIRA; CRUZ, 2005, p. 99). Por isso, a mediação familiar ganha espaço no contexto jurídico, por proporcionar mudanças nas pessoas e, dessa forma, facilitar a resolução do conflito.

A separação conjugal modifica a estrutura familiar, gerando uma atenção especial para com as crianças envolvidas nesse difícil processo, a fim de que elas sejam preservadas de sofrimentos advindos dessa situação. Nesse sentido, Ávila (2004, p. 20) afirma que “a separação gera mais inconvenientes do que vantagens para a criança”. E Carrielo e Brito (2005 apud ROSA; OLIVEIRA; CRUZ, 2005) dizem que, em separações envolvendo uma disputa por guarda de filhos, se constata em alguns destes a Síndrome de Estocolmo1, ou até mesmo a Síndrome de Alienação Parental2. Assim, torna-se de extrema relevância a atenção a essa criança, nesse momento delicado de seu desenvolvimento.

As percepções das emoções e das dificuldades apresentadas pelas crianças nessa situação enfatizam a necessária prioridade do afeto e da atenção para com elas no rompimento conjugal de seus pais. Nas palavras de Kelly (1987 apud ÁVILA 2004, p. 20-21), as reações que se manifestam nas crianças, no processo de separação dos pais, são “ansiedade, tristeza, medo, agressividade, baixo rendimento escolar, medo de ser abandonadas e tentativas de reconciliação dos pais”. Todas essas reações mostram sentimentos vinculados ao medo da perda do afeto, muito freqüentes nessas circunstâncias.

1

Síndrome de Estocolmo originalmente se refere à identificação do seqüestrado com seus seqüestradores; o que, analogamente, ocorre com a criança quando esta se identifica com o seu guardião e faz alianças com este, passando a enxergar o outro genitor como um “vilão” (CARRIELO; BRITO, 1999 apud ROSA; OLIVEIRA; CRUZ, p. 103).

2

Síndrome de Alienação Parental ocorre quando, no primeiro ano de separação dos pais, os filhos percebem de forma mais positiva o genitor que detém a guarda, do que o outro, que geralmente lhes visita. No caso de existir comportamento manipulador, por parte de um dos genitores, influenciando a criança envolvida em disputa de guarda a enxergar o outro genitor de forma mais negativa, tem-se a Síndrome. (SILVA, 2004 apud ROSA; OLIVEIRA; CRUZ, p. 103).

(13)

A constatação de que a criança é afetada emocionalmente quando da separação dos pais faz refletir sobre a inclusão dela na mediação no processo de separação.

Para tanto, em se tratando da inclusão da criança em processos judiciais, existe uma convenção regulamentando seu direito à escuta. Segundo Brito, Ayres e Amen (2006, p. 1),

a escuta da criança, no contexto jurídico, vem sendo defendida como um direito fundamental dos menores de idade. Alude-se, com freqüência, ao artigo 12 da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, o qual expressa o direito de a criança ser ouvida em processos judiciais que lhe digam respeito.

A análise do artigo 12 da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança conflui para a participação dela no processo de separação dos pais por meio da mediação familiar. A mediação pode obter grande êxito para atendimento dessa demanda, já que, para Nunes, Oltramari e Saraiva (2005, p. 192), a mediação “é um processo pacífico onde a solução da discórdia não é imposta senão que surge das próprias partes interessadas”. E, segundo Ávila (2004), é fundamental mencionar que a mediação no contexto judicial não é terapia, mas sim um recurso que pode oferecer desdobramentos positivos para as pessoas envolvidas, inclusive para as crianças. A mediação permite às partes outra forma de compreensão do problema por meio de outra percepção e conseqüente minimização do sofrimento da família.

A participação das crianças, na mediação familiar, pode também ser defendida com base em uma visão sistêmica. De acordo com Siega e Maciel (2005), do ponto de vista da Teoria Relacional Sistêmica, a família vai além do indivíduo, ela articula, entre os seus membros, diversos componentes individuais, dando ênfase para as relações e inter-relações formadas. Nesse caminho da visão sistêmica, Siega e Maciel (2005, p. 125) “consideram a família como um sistema integrado e cada membro desta como participante contribuinte”. As colocações desses autores corroboram com o pensamento de inclusão de todos os membros da família na mediação familiar. Nessa direção de conceber a família como um sistema, Battaglia (2004, p. 6) constata que,

principalmente nos casais com filhos, não só os pais e os filhos, mas todas as pessoas que direta ou indiretamente estão envolvidas com os cuidados destes são convidadas a participar do processo de mediação. Esta participação ampliada nas soluções dos conflitos faz com que todos os envolvidos sintam-se considerados e com isso responsáveis, empenhando-se mais diretamente nos resultados buscados.

Pode-se definir sistema, abordado no parágrafo anterior, como “um conjunto de objetos com as relações entre os objetos e entre os atributos” (HALL; FAGEN apud

(14)

WATZLAWICK; BEAVIN; JACKSON, 2004, p. 109). Os objetos são partes de um sistema, por exemplo: pessoas-comunicando-se-com-outras-pessoas: e os atributos identificados pelos comportamentos comunicativos são propriedades desses objetos. Esse conceito faz das relações as formadoras de coesão do sistema por completo, e isso pode ser claramente percebido nas

relações familiares.

Nesse sentido, a família é um sistema entendido pela teoria das regras de família como sendo “estável a respeito de algumas de suas variáveis, se essas variáveis tenderem a permanecer dentro de limites definidos” (WATZLAWICK; BEAVIN; JACKSON, 2004, p. 122). Para tanto, o comportamento de qualquer indivíduo participante da família não apenas está relacionado, mas também depende do comportamento de todos os demais componentes, já que todo comportamento faz-se comunicação e, por isso, influencia, ao passo que também é influenciado por outros. Essa concepção de que uma mudança do grupo interfere no indivíduo e a mudança do indivíduo, no grupo pode ser observada na situação abaixo:

famílias de pacientes psiquiátricos demonstravam, freqüentemente, repercussões drásticas (depressão, acessos psicossomáticos, etc.) quando o paciente melhorava, ele postulou que esses comportamentos e, talvez, portanto, a doença do paciente, eram “mecanismos homeostáticos” operando para restabelecer o delicado equilíbrio do sistema perturbado (WATZLAWICK; BEAVIN; JACKSON, 2004, p. 122).

Isso demonstra nitidamente o efeito de um membro da família sobre todos os demais e exemplifica o conceito de homeostase familiar enfatizado por Jackson (1969, apud WATZLAWICK; BEAVIN; JACKSON, 2004, p. 122).

Diante disso, entender a família como um sistema, conforme explicita Cezar-Ferreira (2004), implica compreendê-la como vários elementos ou partes que se inter-relacionam, exercendo influências uns nos outros. Disso surge a razão de se preocupar com todos os membros da família, inclusive com as crianças, porque, quando um evento atinge um de seus componentes, os demais também sofrem influência.

Essa visão de compreender a família como um sistema é importante, posto que, ao agravar o conflito, todos os membros que a compõem podem sofrer conseqüências. A pesquisa realizada por Rosa; Oliveira e Cruz (2005) mostra o quanto as disputas por interesses – dentre elas a da guarda – agravam os conflitos familiares. Dessa maneira, a família pode ser compreendida como um sistema, e as influências entre seus membros são recíprocas e circulares, ou seja, qualquer acontecimento que afeta a família, em algum grau afetará seus outros membros.

(15)

Esse entendimento permite afirmar que a separação não diz respeito somente ao casal, mas também aos filhos. Isso justifica a preocupação com a saúde mental e emocional das crianças, principalmente nessa fase importante do seu desenvolvimento humano.

Com relação à saúde mental e emocional da criança no processo de separação dos pais, Dolto (2003) enfatiza que, para evitar o conflito, é comum o casal não dizer a verdade às crianças sobre os motivos da separação; por isso, deve haver a preocupação com elas, como fica evidenciado na seguinte citação:

O diretor de uma escola primária que comporta turmas maternais escreveu: “A criança no momento do rompimento do casal, torna-se tristonha; não brinca mais na classe e fica ‘no mundo da lua’, absorta em seus pensamentos e reflexões” (DOLTO, 2003, p. 23).

Dessa forma, quando os pais omitem a verdade sobre a real situação do casal, estão prejudicando o entendimento da criança – a qual está fragilizada – sobre os acontecimentos. Essa atitude dos pais de não revelar a verdade quanto à separação acaba refletindo no comportamento dos filhos. Nas palavras de Dolto (2003, p. 24), “é um comportamento que testemunha sempre um abalo profundo”, qual seja, é tamanha a profundidade, que a criança fica sem palavras para traduzir o que sente. A inclusão desta no contexto da mediação pode ser uma oportunidade de deixá-la informada sobre a situação de separação dos pais e, dessa maneira, diminuir sua angústia. É fundamental que os filhos saibam o porquê de sua participação no processo de mediação: é desaconselhável, entretanto, que eles tomem conhecimento da separação de seus pais somente na hora do encontro da mediação. Dolto (2003) assinala que é essencial avisar as crianças sobre o que está ocorrendo com os pais, em qualquer fase do processo de separação destes, até mesmo quando se trata de criança com poucos meses de idade. Os filhos devem ouvir claramente as decisões tomadas pelos pais; dessa forma, estes “humanizam” sua separação. Os estudos de Dolto, portanto, defendem que as crianças precisam ser informadas e escutadas no processo de separação dos pais.

Entretanto, existem restrições quanto à escuta da criança no processo de separação dos pais. De acordo com Groeninga (2005, p. 9), a escuta da criança é um procedimento delicado. O autor alerta que “temos assistido cada vez mais a crianças submetidas a verdadeiros inquéritos e procedimentos violentos que desconsideram sua condição, inclusive confundindo-se seu direito à fantasia com a realidade”. Para Groeninga (2005), a restrição quanto à escuta da criança

(16)

fundamenta-se principalmente na forma de ouvi-la, bem como nos procedimentos inadequados à realidade dela.

Em contraposição, Brito e colaboradores (2006) afirmam que a palavra e a opinião da criança devem ser valorizadas em alguns casos, principalmente quando há a necessidade de se colher informações sobre o comportamento de seus pais. Todavia, os autores citam o trabalho de Mathis (1992, apud BRITO; AYRES; AMEN, 2006, p. 4), que observa “uma naturalização da defesa dos direitos da criança contra seus pais”, e o de Thèry (1992, apud BRITO; AYRES; Amen, 2006, p. 9), o qual afirma que “a criança deve ser preparada para ser um cidadão pleno, não podendo ser tratada como um igual pelo adulto”. Esses autores contrários à escuta da criança justificam sua posição no fato de a escuta poder contribuir para desvalorizar e desqualificar os pais.

Na disputa pela guarda dos filhos na separação conjugal, Brito, Ayres e Amen (2006, p. 5) ressaltam que:

tem sido comum a argumentação de que, quando há disputa, os menores de idade devem ser ouvidos para se verificar com quem desejam ficar, com base no entendimento de que, agora, a criança possui o direito de escolha. Ao realizar a pesquisa, na qual entrevistou 50 operadores do direito de diversos municípios do Estado do Rio de Janeiro, Brito (2004) constatou que: em relação às crianças, a noção de seu superior interesse, para alguns, significava que os direitos do(a) menino(a) ou o respeito a ele(a) seriam expressos quando fosse privilegiada a ‘vontade da criança’ (p. 358).

Esse trabalho mostra os operadores do direito percebendo o direito das crianças como sendo efetivado somente quando realizada a vontade destas; por isso, é preciso ter cautela quanto a essa equivalência do direito igual à vontade da criança.

Desse modo, entre os autores referidos, há controvérsias sobre a escuta da criança. A divergência de opiniões a respeito também é enfatizada na seguinte declaração de Seda (1999, p. 1): “no que se refere especificamente à escuta de crianças em ações judiciais que as envolvem, o Boletim número 36 do Instituto Brasileiro de Família (IBDFAM, 2006)” dá destaque ao tema, apresentando os argumentos dos que defendem essa prática, assim como os dos que a questionam, concluindo-se, na publicação, que “há controvérsia”.

Segundo Achim (1997), existem estudos sobre as vantagens e limites da escuta da criança na mediação familiar. Os contrários a essa participação argumentam que a escuta da criança pode provocar nela sentimentos de ansiedade, de culpa e de onipotência. Além disso, a escuta da criança é uma negação da autoridade parental na condição de que o poder de decisão

(17)

deve permanecer nas mãos dos pais. No entanto, Achim, Brito, Ayres, Amen e Doltoconsideram essencial a escuta da criança, no processo da separação, por ser um momento delicado para todos, primordialmente aos filhos. Ao escutar a criança, possibilita-se ao mediador a obtenção de informações a respeito dos pais; das interações afetivas entre pais e filhos; bem como sobre as demandas afetivas dos filhos, na separação. Além disso, Battaglia (2004) assevera que a presença da criança no processo de mediação pode propiciar uma conduta mais cooperativa dos pais durante a mediação e separação.

Nessa inclusão da criança na mediação, é fundamental que o mediador tenha habilidades relativas: a competência técnica e a faculdade de lidar com a integração da emoção na experiência da mediação; a capacidade de escutar e intuir a partir do discurso dos mediados o que é relevante; para o êxito no processo de mediação, ele precisa saber escutar a criança e, para isso, é necessário saber perguntar. Conforme afirma Vilela (2007), questionar pontualmente com quem a criança deseja ficar não é um exemplo apropriado de pergunta, já que existem possíveis distorções na escolha das crianças como, por exemplo: nos conflitos de lealdade, gera culpa porque ao serem leais com um dos pais, serão desleais com o outro; quando desejam ficar com a parte mais frágil para poder ajudar. Mais importante que conhecer a posição delas no conflito, é buscar a sua opinião sobre a situação familiar e conhecer a qualidade dos vínculos que demonstram no sistema familiar. Essa inclusão da criança na mediação como parte desse sistema está de acordo com as declarações de Maciel e Cruz (2009, p. 47) para quem

o resultado da organização de um sistema familiar em constante conflito é uma identidade confusa, com vínculos rompidos e adoecidos emocionalmente, configuração essa bastante presente nos processos judiciais que envolvem disputa de guarda e regulamentação de visitas.

Nesses casos, a atuação do mediador nos tribunais de justiça é primordial para a construção de decisões processuais mais efetivas e ligadas à realidade das relações familiares e à dinâmica da família, assegurando, assim, os direitos e o bem-estar dos filhos. A escuta das crianças, nessa premissa, é focada no melhor interesse destas, surgindo a necessidade de se ampliá-la nos processos de separação conjugal. Groeninga (2005, p. 358) assevera que “um outro viés de análise sobre o valor atribuído à palavra da criança pode ser obtido a partir dos casos de separação conjugal com disputa pela guarda de filhos”.

Dessa forma, entender esse filho, envolvido na disputa da sua guarda, como participante do processo de separação e fortemente ligado às conseqüências dessa disputa, mostra

(18)

a necessidade de atenção às crianças, bem como o questionamento de como estão preparados os mediadores advogados e mediadores psicólogos, para atendimento dessa demanda da escuta da criança. Além disso, lança-se o desafio de conhecer suas percepções, a respeito dessa escuta. Esta pesquisa pode ser de grande aplicabilidade na mediação, já que, conforme declara Slavieiro (2007), os advogados e psicólogos trabalham com lógicas de atuação distintas: o primeiro com a do litígio e o segundo com a da alteridade. Assim, observar advogados e psicólogos como amostra da pesquisa e promover uma comparação das percepções entre esses profissionais pode proporcionar novos parâmetros para o desenvolvimento científico da escuta da criança na resolução de conflitos familiares.

Entende-se como fundamental e de importância científica conhecer e caracterizar as representações sociais de mediadores em conflitos familiares, acerca da escuta da criança, já que as representações sociais são oriundas da construção mental que faz parte do senso comum, elaboradas e compartilhadas pela coletividade, com o fim de construção e interpretação da realidade. Na visão de Moscovici (2003), antes de expor conteúdo privado, a representação social forma as singularidades.

Com base na problemática apresentada e nos estudos disponibilizados na literatura, faz-se o seguinte questionamento: Quais as representações sociais, dos mediadores advogados e

mediadores psicólogos, acerca da escuta das crianças, no processo de separação dos pais?

1.3 OBJETIVOS

1.3.1 Objetivo Geral

Caracterizar as representações sociais dos mediadores advogados e mediadores psicólogos, acerca da escuta das crianças na mediação familiar, no processo de separação dos pais.

(19)

1.3.2 Objetivos Específicos

a) Identificar, nos relatos dos mediadores advogados os elementos que indicam a existência da escuta das crianças no processo de mediação familiar durante a separação dos pais. b) Identificar, nos relatos dos mediadores psicólogos os elementos que indicam a existência

da escuta das crianças no processo de mediação familiar durante a separação dos pais. c) Identificar os procedimentos dos mediadores advogados utilizados para a escuta das

crianças na mediação familiar, no processo de separação dos pais.

d) Identificar os procedimentos dos mediadores psicólogos utilizados para a escuta das crianças na mediação familiar, no processo de separação dos pais.

e) Identificar as atitudes dos mediadores advogados, para a escuta das crianças na mediação familiar, no processo de separação dos pais.

f) Identificar as atitudes dos mediadores psicólogos, para a escuta das crianças na mediação familiar, no processo de separação dos pais.

g) Identificar quais as representações sociais dos mediadores psicólogos, acerca da escuta das crianças na mediação familiar, no processo de separação dos pais.

h) Identificar quais as representações sociais dos mediadores advogados, acerca da escuta das crianças na mediação familiar, no processo de separação dos pais.

i) Comparar as representações sociais dos mediadores advogados e mediadores psicólogos, sobre a escuta das crianças na mediação familiar, no processo de separação dos pais.

1.4 JUSTIFICATIVA

A escolha do tema – escuta da criança na mediação familiar – é resultado das discussões nas aulas da disciplina Núcleo da Saúde e das observações feitas durante o estágio curricular na mediação familiar realizado na Vara da Família do Fórum da Comarca de Justiça de São José. Um dos aspectos referentes à separação de casais que chama a atenção é o fato de a criança raramente ser ouvida ou informada sobre a separação de seus pais. A pesquisa sobre a

(20)

inclusão da criança no processo de mediação é promissora porque os conhecimentos adquiridos com este trabalho podem contribuir na produção de novos conhecimentos com relevância social e prática, servir de ajuda aos profissionais que atuam na mediação familiar e resultar num avanço significativo na aplicação da mediação na resolução de conflitos familiares.

As separações conjugais são cada vez mais freqüentes na sociedade brasileira, e o sistema judiciário não consegue dar respostas rápidas a essas demandas, resultando, assim, no aumento do sofrimento familiar. Para abrandar esse sofrimento, é necessário o sistema judiciário ter maior agilidade no processo de separação conjugal, com vistas a diminuir o tempo de duração dessa situação, uma vez que, com a demora na resolução do conflito, ocorre agravamento emocional das pessoas envolvidas.

A mediação familiar é uma das formas alternativas para buscar soluções mais rápidas e efetivas aos conflitos decorrentes da separação conjugal. Entende-se que a criança faz parte da família, portanto possui direitos de proteção e de escuta; assim sendo, percebe-se a necessidade da devida atenção e prioridade para com ela, pois a sua inclusão na mediação pode diminuir os impactos dos conflitos, no momento do rompimento conjugal dos pais.

Quando se fala da escuta da criança, há opiniões divergentes; alguns autores defendem essa prática, outros fazem diversas ressalvas e até são contrários a ela. Entretanto, ao se considerar que a mediação familiar pode atender a demandas advindas da separação conjugal envolvendo crianças, torna-se de extrema importância investigar e comparar as representações sociais a respeito da escuta dessas crianças por profissionais que atuam na mediação familiar.

Além disso, é importante identificar por qual profissional, psicólogo ou advogado, essa demanda da escuta da criança é percebida e valorizada, e qual o procedimento do mediador no processo de mediação para com as famílias que procuram esse serviço, desde os casais até as crianças envolvidas no conflito.

Com este trabalho, objetiva-se investigar a mediação familiar e a sua ampliação com a inclusão da criança no processo. À medida que se evolui no estudo e conhecimento deste assunto, desenvolve-se e amplia-se a sua prática e, com isso, a sociedade se beneficia porque, ao se minimizar o sofrimento da família, há a promoção e a prevenção da saúde.

Com vistas ao exposto, percebe-se a necessidade de maior atualização, criação e flexibilização das práticas alternativas de resolução de conflitos, para maior eficiência e eficácia da mediação quando da escuta da criança. Nesse sentido, Cezar-Ferreira (2007) afirma que a

(21)

vocação e o humanismo devem ser as características básicas dos profissionais da equipe que presta atendimento ao casal e à sua respectiva família. Faz-se necessária, consequentemente, a adequação desses profissionais às demandas envolvendo a inclusão escuta dos filhos na mediação familiar, de forma a auxiliar o casal e as crianças na busca da melhor solução de seus conflitos.

Isso demonstra a importância de se verificar como os profissionais da mediação familiar (advogados ou psicólogos) percebem a escuta da criança na mediação durante a separação conjugal, bem como, as representações sociais desses profissionais nesse contexto. É necessário ao mediador enfatizar sua imprescindível participação em casos, como a escuta da criança. E, para isso, torna-se necessário que ele pesquise, construa e produza conhecimentos e elementos que explicitem socialmente sua importante relevância e atuação em casos de família, ainda mais especificamente, quando envolve crianças e sua escuta, num momento tão delicado que é o da separação dos pais.

O que chama a atenção, considerando a importância social da escuta da criança na mediação, é a escassa literatura a esse respeito. Tal fato denota a necessidade de priorizar a pesquisa científica sobre este tema. Nesse caminho, conforme Bueno e Costanze (2008), recentemente os debates sobre o depoimento de crianças como ferramenta de auxílio da Justiça têm aumentado significativamente.

Para o desenvolvimento do conhecimento científico deste tema – a escuta da criança –, é necessário identificar e caracterizar as representações sociais com relação à escuta das crianças na mediação familiar, dos mediadores (advogados e psicólogos), no contexto da separação conjugal. Por meio das representações sociais, pode-se compreender a realidade, que organiza e orienta as relações e as práticas sociais dos sujeitos. Então, a relevância científica e social de se estudar essas representações reside no fato de estas revelarem as atitudes e as teorias de senso comum dos mediadores. O conhecimento resultante desta pesquisa poderá oferecer subsídios significativos para aperfeiçoar a técnica da mediação ampliada, pela inclusão da criança, na resolução dos conflitos familiares. Além disso, a produção de conhecimentos a respeito poderá vir a ser aplicada em programas de política pública em benefício da sociedade.

Entendendo que o conhecimento alimenta e orienta a prática profissional, torna-se indispensável avançar em pesquisas, produções científicas e estudos, no contexto da mediação, principalmente em um assunto tão debatido atualmente. Promover a discussão sobre um tema de tamanha importância, que inclui a criança nos assuntos de conflitos de família, dando ênfase às

(22)

percepções dos profissionais mais atuantes na mediação familiar – advogados e psicólogos – será desafiador e, com garantia, de extenso interesse social e científico.

(23)

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A seguir serão abordados conceitos relevantes, descritos na literatura, que fundamentam a temática proposta para o desenvolvimento desta pesquisa.

2.1 SEPARAÇÃO CONJUGAL, CRIANÇA E ATUAÇÃO DO MEDIADOR

A literatura mostra que o número de divórcios está cada vez maior no Brasil. Shine (2003, apud BRITO; AYRES; AMEN, 2006) relata que o alto índice de casamentos rompidos, nos últimos tempos, é um fenômeno social que tem mobilizado a atenção, tanto dos psicólogos, como de assistentes sociais, sociólogos, juristas e religiosos. Essa transformação do casamento coloca como problemática a estrutura familiar da atualidade. Os conflitos decorrentes desse acontecimento não perpassam apenas pelos ex-cônjuges, e sim são proporcionalmente conflituosos na vida de seus filhos. Em vista disso, as problemáticas jurídicas somam-se aos problemas psicológicos e socioeconômicos. Índices mundiais e nacionais confirmam a crise:

De acordo com uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada em matéria da Revista Isto É de fevereiro de 2002, o brasileiro também está se casando menos e se separando mais. O estudo revela que, de 1991 a 1998, o número de divórcios e separações judiciais cresceu 32%, enquanto o de casamentos caiu 6%. Em matéria da Revista Veja de março de 1999, divulgou-se que o número de divórcios quase dobrou no Brasil em apenas dez anos (considerando de 1986 a 1995), chegando a 200.000 por ano. Um em cada quatro casamentos termina em separação. Sendo que de cada cinco crianças nascendo em 1999, um iria viver em família de pais separados antes de atingir a idade madura (SHINE, 2003, p. 7-8).

Com isso, percebe-se a grande demanda a ser abarcada pelo judiciário, qual seja as situações vivenciadas pelos protagonistas de um momento tão difícil que é a separação conjugal, no qual as crianças necessitam de atenção especial. Atenção esta que, geralmente, os pais, por estarem envolvidos emocionalmente com os próprios conflitos, não conseguem perceber a necessidade dos próprios filhos.

Pode-se dizer, de acordo com Shine (2003), o quanto a criança é colocada, na fala dos pais, como a mais beneficiada por seus esforços. No discurso do judiciário, existe a mesma

(24)

ênfase, “melhor interesse da criança”. Com vistas a isso, o psicólogo, via de regra, tem como maioria de seus clientes as crianças (SHINE, 2003, p. 90). Então, se o discurso dos pais, do judiciário e dos psicólogos enfatiza o “melhor interesse da criança”, por que não escutá-la?

É importante identificar as representações da criança na sociedade atual. Um exemplo dessa representação está descrito no trabalho de Andrade (1998), em que a criança é vista pela sociedade como “o ainda não” e, essa maneira de vê-la coloca-a no lugar de um objeto. A partir da aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), as políticas públicas começam um movimento na direção de considerar a criança como um sujeito portador dos direitos do homem. Com isso, passa-se a ter, nos últimos anos, a preocupação quanto à participação da criança nos programas de intervenções psicossociais. Ou seja, efetivar a participação dela, mediante a sua escuta na mediação, implica outro modo de conceituar infância, qual seja, potencializa-se a criança como “agente de instituição e transformação da sociedade em que está inserida” (ANDRADE, 1998, p. 1). Muito embora essa premissa já exista na sociedade sob a representação de as crianças “serem o futuro do país”, “a esperança do futuro melhor”, dentre outros clichês.

Nesse sentido, Shine (2003, apud BRITO; AYRES; AMEN, 2006) afirma existir o imperativo do conhecimento sobre as necessidades, sentimentos e conflitos vividos por essas crianças. Para isso, é fundamental a priorização de um espaço onde elas possam manifestar livremente seus desejos e suas ansiedades. De acordo com Silva (apud CESCA, 2003, p. 39),

a função do profissional psi consiste em interpretar a comunicação inconsciente que ocorre na dinâmica familiar e pessoal [...] Seu objetivo é destacar e analisar os aspectos psicológicos das pessoas envolvidas, que digam respeito a questões afetivo-comportamentais da dinâmica familiar [...] e que garantam os direitos e o bem-estar da criança e/ou adolescente.

Por esses motivos, percebe-se a necessidade da competência do profissional da psicologia para trabalhar na mediação, incluindo crianças e garantindo o seu bem-estar, em momentos delicados no decorrer da separação dos pais. No entanto, “a relação entre a psicologia e as práticas jurídicas ainda se dá de forma estremecida e o lugar do psicólogo nesta área ainda está por se configurar” (MIRANDA, 1998, apud CESCA, 2003, p. 39). É mister configurar esse lugar, ou seja, é preciso demonstrar que o contexto judicial é também campo de atuação do psicólogo, e este precisa ocupar esse espaço com legitimidade.

Com vistas ao bem-estar bio-psico-social da criança, fruto de uma separação conjugal, interseções de ciências são bem-vindas. Como declara Cesca (2004, p. 3), “a relação

(25)

entre os saberes construídos pela Psicologia, pelo Direito e as práticas judiciárias é muito antiga, mas ainda pouco conhecida no Brasil”. Torna-se imperativo enfatizar a importância de profissionais da psicologia, atuando em campos como a mediação familiar, para lidar com este assunto tão delicado e necessário: a escuta da criança que vive o conflito familiar da separação.

Abordando o tema filhos de casais separados, Brito (2007) pesquisou jovens adultos, os quais passaram por essa situação, e suas dinâmicas de vida, decorrentes do rompimento conjugal dos pais. Dados revelaram que, para muitos, houve desdobramentos negativos; várias crianças foram colocadas no centro dos conflitos; afastadas de um dos pais; nessas situações, elas ficavam preocupadas com o seu genitor detentor da guarda e tinham dificuldades de aceitação para um novo relacionamento dos pais.

Alguns autores, como, por exemplo, Brito (2007), julgam que, como se torna cada vez maior o número de casais separados, é possível que o fato venha a se tornar comum e, em conseqüência, torne-se mais fácil a aceitação por parte dos filhos. Outros autores, como Giddens (1999), não percebem correlação alguma; enquanto muitos julgam, como Mendonça (2005 apud BRITO, 2007), por exemplo, que, se os pais se sentem mais felizes com o rompimento, os filhos também assim se sentirão. Por outro lado, autores como Wallerstein, Lewis e Blakeslee (2002 apud BRITO, 2007) dizem não se poder generalizar interpretações. Nesse sentido, esse evento gera experiências diferentes de acordo com cada filho.

Esse filho que passa por diferentes experiências, quando os pais se separam, necessita de maior auxílio ou atenção, e a mediação é uma possibilidade de ajuda importante nesse momento. Segundo Dolto (2003), é preciso humanizar o processo de separação, informando à criança o que se passa, durante o período do rompimento conjugal, sem nada omitir do que lhe diz respeito. Lembrando que aquilo que é do casal é de responsabilidade do casal, porém o que vai reproduzir na família é de interesse de todos e, principalmente das crianças. Isso vem ao encontro das observações de Brito (2007) que, em sua pesquisa, identifica que grande parte de jovens adultos entrevistados, filhos de pais separados, não recebeu esclarecimentos ou informação sobre o conflito do casal. O autor enfatiza, portanto, a necessidade de explicações, por meio de conversa sobre o assunto com os filhos, possibilitando questionamentos e que estes sejam respondidos. Ele diz não ser adequado comunicar o fato apenas no momento da saída de um dos pais, ou dizendo que este irá viajar.

(26)

Em conformidade com a declaração anterior, para Imer-Black (2002), revelar algo que está em segredo pode apresentar um efeito extremamente curativo para pessoas e relacionamentos; do mesmo modo, existem segredos, que possuem um potencial para reconciliação. Além disso, conforme já explicitado, há pouca literatura sobre a escuta da criança na mediação e, como atesta Imer-Black (2002), são escassos os estudos a respeito dos segredos nas famílias. Estes assuntos segredos de família e escuta da criança na mediação familiar, sem dúvida assuntos complementares, são de extrema importância prática e científica e de interesse da psicologia. Nos casos envolvendo separação conjugal e guarda de filhos, é importante a constante informação à criança. De acordo com Dolto (2003), é ingenuidade não informar as crianças sobre o que se passa com a separação de seus pais, uma vez que elas são inteiramente capazes de assumir a realidade em que vivem. Se já vivem essa realidade, é porque assumem mesmo que inconscientemente; por isso, é necessário colocar em palavras os acontecimentos, a fim de que a realidade se torne consciente, ou seja, humanizável. Para a autora, se isso não for realizado, animaliza-se a realidade, dando margens para as fantasias e fugas das crianças.

2.2 MEDIAÇÃO FAMILIAR

As práticas de resolução de conflitos familiares que desejam modificar a cultura do litígio no judiciário são bem-vindas na busca de uma cultura do diálogo e da pacificação. Essas práticas de resolução de conflitos colocam os sujeitos envolvidos no conflito como os principais agentes responsáveis pelas suas próprias decisões quanto aos assuntos que lhes dizem respeito.

Conforme Cezar-Ferreira (2007), pode-se explicitar a existência de quatro práticas alternativas de resolução de conflitos: negociação (quando duas pessoas tentam chegar, por si só, a um acordo); arbitragem (quando existe a presença de um terceiro, o qual foi escolhido por ambos, para conduzir e chegar a uma decisão); conciliação (na qual existe um terceiro que conduzirá os dois conflitantes a um acordo) e a mediação – assunto de interesse deste trabalho.

Neste momento, é oportuno diferenciar a mediação familiar acordista da transformadora. A mediação acordista é aquela cujo objetivo é chegar a um acordo entre os conflitantes; e a mediação transformadora, segundo Warat (2001), vai além da dimensão de

(27)

resolução não-adversarial de disputas jurídicas. A mediação transformadora possui incidências que existem ecologicamente, como uma estratégia educacional, como realização política da cidadania, de direitos humanos e de democracia. Nesse sentido, mediar de maneira transformadora depende diretamente das pessoas envolvidas, de tal forma que caberá ao mediador deixar o crescimento surgir dos próprios indivíduos. Para que isso ocorra, é indispensável intervir no conflito, “deve-se pressupor três instâncias de intervenção: individual ou pessoal, familiar ou outros vínculos amorosos; e social, e, se for necessário, institucional ou organizacional” (WARAT, 2001, p. 139).

Já a prática da mediação acordista tem o intuito maior de “desafogar” o judiciário, enquanto a transformadora, como evidencia Warat (2001), pretende proporcionar um processo psíquico que reconstrua simbolicamente o conflito, de tal modo que permita a construção da autonomia daqueles que reconstroem. A mediação transformadora põe em evidência as pessoas envolvidas no conflito e a busca da mudança de percepção dos significados desse conflito e, com isso, podem ocorrer outras possibilidades de visualizar o futuro. Essa transformação resulta numa alteração no padrão de relacionamento entre os envolvidos. As negociações passam a ser baseadas nas necessidades de cada uma das partes envolvidas e não mais nos desejos, pois as diferenças existem e os modos pelos quais houve a separação também. Sendo assim, negociar com base no desejo é fechar possibilidades de “acordos”, pois em casos de separações quase sempre um não deseja separar-se.

Para Ávila (2004), sob um sentido amplo, mediação é a intervenção de uma terceira pessoa que mantenha a neutralidade, favorecendo, desse modo, uma resolução em litígios de conflitos mundiais, de trabalho, familiares ou sociais. Isso denota a imparcialidade que o mediador deve ter como competência, para, assim, encontrar uma solução alternativa e não um julgamento no qual prevaleça a lógica do litígio de “ganhar x perder”.

Com uma visão mais transformadora e menos acordista, Warat (2001, p. 91) afirma que

a mediação é a inscrição do amor no conflito; uma forma de realização da autonomia; uma possibilidade de crescimentos interior através dos conflitos; um modo de transformação dos conflitos a partir das próprias identidades; uma prática dos conflitos sustentada pela compaixão e pela sensibilidade; um paradigma cultural e um paradigma específico do direito; um direito da outridade; uma concepção ecológica do Direito; um modo particular da terapia; uma nova visão da cidadania, dos direitos humanos e da democracia.

(28)

Por outridade, entende-se o espaço construído junto com o outro para a efetivação da ética, da autonomia e de uma nova concepção de Direito e de sociedade. É a saída, junto com o outro, da alienação. Segundo Warat (2001, p. 199), “ela define a natureza da relação ética que une cada homem com seu semelhante, ou seja, com a ética como alteridade”. Dessa maneira, a mediação busca uma efetivação da autonomia, trazendo, portanto, um crescimento por meio do conflito.

Para tanto, um pouco distinta da visão acima, o tipo de mediação realizada em fóruns, é a mediação acordista; isso ocorre pela demanda de casais em processo de separação presente nas Varas de Família. Contudo, para além da perspectiva do acordo, é necessária uma visão mais ampla a fim de não diminuir a contribuição que os profissionais da mediação podem fornecer com relação aos conflitos familiares. Segundo Grunspun (2000), a mediação é uma maneira informal, sem que haja litígio, com o intuito de auxiliar os conflitantes ao alcance da aceitação mútua e acordo voluntário. Essa idéia de mediação vem ao encontro do conceito de Calmon (2007), o qual acrescenta a necessidade de que, na mediação, deve haver a negociação. O autor entende a mediação como uma negociação envolvendo um terceiro – o mediador.

Nesse aspecto, para se ter uma mediação eficaz – seja ela mais acordista ou transformadora –, precisa-se do mediador e de suas competências. Para Ávila (2004, p. 33), o mediador necessitará de

autenticidade; capacidade de escuta ativa; capacidade de entrar na relação; capacidade de propor idéias; capacidade de não dramatizar; arte de bem resumir a situação; aptidão de ressaltar os aspectos positivos e estimular os esforços dos participantes; capacidade de ver as alternativas; capacidade de abertura às diferenças culturais; persistência e perseverança.

Além disso, na opinião de Cezar-Ferreira (2007), torna-se imperioso o mediador, principalmente em casos de separação, ter nível superior (os mais voltados para a mediação são os advogados, psicólogos e assistentes sociais), capacitação básica em mediação, alguma noção de direito de família, experiência em técnicas de resolução de conflitos relacionais, credibilidade dos conflitantes e imparcialidade.

A mediação necessita de mediador competente para ser eficaz em seu objetivo. Por conseguinte, uma mediação que auxilie os conflitantes na melhor solução, de forma a exercer sua autonomia, precisa de profissionais capacitados para desempenhá-la. Segundo Fiorelli, Malhadas e Moraes (2004), é na Psicologia que se fundamenta toda a estratégia da mediação. Essa

(29)

afirmação está em conformidade com as conclusões da pesquisa realizada por Slavieiro (2007), a qual percebeu, na análise de relatos de mediadores psicólogos e de mediadores advogados, competências arrogadas ao mediador psicólogo e ao advogado, que se pautam principalmente nas discussões da psicologia.

Isso porque as competências mais freqüentes, atribuídas ao mediador psicólogo, foram: a sensibilidade; a alteridade; a comunicação; a facilidade para lidar com conflitos e a utilização de técnicas psicoterápicas. Em contraponto, as competências mais freqüentes conferidas ao mediador advogado foram: desprender-se da lógica do litígio, gostar da área humana e buscar conhecimentos relacionados à psicologia. Tudo isso mostra a percepção dos dois profissionais atuantes para a importância da psicologia na mediação de conflitos. Cabe ao profissional da psicologia atuante nesta área utilizar todo o seu conhecimento e ação em prol de uma melhor mediação familiar.

2.3 REPRESENTAÇÃO SOCIAL

Nesta seção, abordam-se os conceitos de representação social, o de representação social da criança, o da escuta da criança e o do depoimento sem dano, todos eles reforçam a fundamentação teórica para a análise dos dados.

2.3.1 Conceito de representação social

Este item diz respeito aos conceitos de representação social descritos por alguns autores, como, por exemplo: Moscovici, Jodelet, Abric e Marková. As representações sociais, contextualizadas por Moscovici (2003), podem ser explicadas sobre a finalidade de sua existência, de acordo com três hipóteses mais tradicionais: desiderabilidade, desequilíbrio e controle. Todavia, para o autor, a verdadeira finalidade das representações sociais está em tornar familiar algo não-familiar, qual seja, a própria não-familiaridade. De acordo com ele

(30)

em seu todo, a dinâmica das relações e acontecimentos são percebidos e compreendidos em relação a prévios encontros e paradigmas. Como resultado disso, a memória prevalece sobre a dedução, o passado sobre o presente, a resposta sobre o estímulo e as imagens sobre a “realidade” (MOSCOVICI, 2003, p. 55).

Isso mostra que as pessoas preferem sentir-se em casa, salvas de riscos, atritos ou conflitos. Confirmando, assim, crenças e interpretações adquiridas, não contradizendo a tradição, com a espera pela repetição dos acontecimentos, gestos, idéias e situações; tudo isso, por medo do estranho, de tudo que ameace uma ordem pré-estabelecida.

Nesse sentido, conforme Moscovici (2003), o pensar social está mais relacionado à convenção, memória e estruturas tradicionais do que atrelado à razão, às estruturas intelectuais e perceptivas. Com relação a esse aspecto, distingue-se claramente da ciência que tem na lógica sua premissa; por isso, seu caminho é da premissa para a conclusão, ao passo que as representações sociais percorrem o caminho inverso. Desse modo, Moscovici (2003, p. 54) declara: “Deverei expor, sem querer causar mais problemas, uma intuição e um fato que eu creio que sejam verdadeiros, isto é, que a finalidade de todas as representações é tornar familiar algo não-familiar, ou a própria não-familiaridade”.

Apesar dessa clara distinção, sabe-se da complementaridade existente entre ciência e representação social. É evidente, conforme esclarece Moscovici (2003, p. 60), que é difícil a transformação

de palavras não-familiares, idéias ou seres, em palavras usuais, próximas e atuais. É necessário, para dar-lhes uma feição familiar, pôr em funcionamento os dois mecanismos de um processo de pensamentos baseado na memória e em conclusões passadas.

Sendo assim, para que essa familiaridade de idéias e palavras ocorram, tornam-se necessários dois mecanismos básicos – a ancoragem e a objetivação. Estes dois mecanismos favorecem uma feição familiar, necessária às representações sociais.

A ancoragem tem por objetivo diminuir as idéias não-familiares a categorias e imagens comuns. Para Jodelet (2005, p. 48), a ancoragem explica o modo como as informações novas “são integradas e transformadas no conjunto dos conhecimentos socialmente estabelecidos e na rede de significações socialmente disponíveis para interpretar o real, e depois são nela reincorporadas, na qualidade de categorias”. Essas categorias, por sua vez, serão norteadoras da compreensão e da ação.

(31)

Com isso, pode-se retratar a ancoragem, nas palavras de Guareschi (2003, p. 213): “O barco está à deriva, pronto a deslizar, impulsionado por essa correnteza “motivadora e mobilizadora” da não-familiaridade. É preciso encontrar agora faróis que o orientem e margens seguras que o ancorem, nos “jordões” da existência”.

Sob esse viés, ancorar, na visão de Moscovici (2003), significa classificar e atribuir nome a alguma coisa. Para tanto, coisas sem classificação e sem nome permanecem estranhas, sem existência e, além disso, ameaçadoras.

Para o entendimento das representações sociais, além do conceito de ancoragem, conforme Moscovici (2003), o conceito de objetivação é muito mais atuante do que o de ancoragem. Objetivação é união da idéia de “não-familiaridade com a de realidade, torna-se a verdadeira essência da realidade. Percebida primeiramente como um universo puramente intelectual e remoto, a objetivação aparece, então, diante de nossos olhos, física e acessível” (MOSCOVICI, 2003, p. 71-74).

Nas palavras de Jodelet (2005, p. 48), vê-se a importância do conceito de objetivação pelo fato de a autora entender que

a objetivação explica a representação como construção seletiva, esquematização estruturante, naturalização, isto é, como conjunto cognitivo que retém, entre as informações do mundo exterior, um número limitado de elementos ligados por relações que fazem dele uma estrutura que organiza o campo de representação e recebe um status de realidade objetiva.

Isso demonstra a principal função da objetivação, a qual é a transformação de algo abstrato em algo próximo do concreto. Ou seja, trata-se de uma modificação de algo no nível mental, para alguma coisa existente no mundo físico. Segundo Moscovici (2003, p. 71), “o físico inglês Maxwell disse, certa vez, que o que parecia abstrato a uma geração se tornava concreto para a seguinte”. Entendendo os conceitos de objetivação e ancoragem, percebe-se a dimensão abrangente das representações sociais.

Os homens necessitam construir significados para aquilo que os rodeia, de forma que disponham de uma representação tal que lhes assegure familiaridade, conhecimento e até mesmo um suposto domínio de tudo o que faz parte do seu universo; isso lhes dá segurança. Nesse sentido, Jodelet (2001, p. 17) assinala que

como ser social, o homem precisa ajustar-se ao mundo em que vive, sobretudo para adequar-se a ele, no que se refere a comportamento e sobrevivência. Isso implica busca

(32)

contínua de informações sobre esse mundo, informações essas que são de grande importância à vida cotidiana, na medida em que instrumentalizam o indivíduo para o convívio em sociedade.

As representações sociais surgem em decorrência dessa realidade e organizam o posicionamento das pessoas em relação às coisas, às pessoas, ao mundo. Todavia, independentemente do seu sentido e do seu valor, considera-se oportuna a reflexão sobre as informações e significados presentes nas representações sociais.

Ao mesmo tempo em que as representações oferecem aos indivíduos e grupos meios de conservação e proteção diante das contingências diversas do mundo que os cercam, as representações sociais impingem a eles uma grande limitação, mas também são reflexos da construção ativa dos sujeitos (JODELET, 2001), visto que, tal como os hábitos, elas não são deliberações reflexivas, às quais as pessoas aderem voluntariamente, mas instituições valorativas impostas sem necessidade de mediação reflexiva. Dessa forma, as pessoas dificilmente conseguem perceber a presença das representações, nem a forma e as variáveis que contribuíram para a sua formação. De onde se segue uma vinculação das representações sociais com a constituição e com as significações habituais do sujeito, relação essa muito bem pontuada pelo filósofo Michel de Montaigne (2004, p. 122):

O principal efeito da força do hábito reside em que se apodera de nós a tal ponto que já quase não está em nós recuperarmo-nos e refletirmos sobre os atos a que nos impele. Em verdade, como ingerimos com o primeiro leite hábitos e costumes, e o mundo nos aparece sob certo aspecto quando o percebemos pela primeira vez, parece-nos não termos nascido senão com a condição de submetermo-nos também aos costumes, e imaginamos que as idéias aceitas em torno de nós por nossos pais são absolutas e ditadas pela natureza. Daí pensamos que o que está fora dos costumes está igualmente fora da razão.

É no convívio social que o sujeito se apropria dos costumes, segue-os e impõe-nos aos outros; e, assim, surgem as representações sociais. De acordo com Abric (2000), a realidade é construída e compreendida por um ou mais sujeitos, por influência das suas vivências e da cultura. O autor entende que as representações sociais funcionam

como um sistema de interpretação da realidade que rege as relações dos indivíduos com seu meio físico e social, ela vai determinar seus comportamentos e suas práticas. A representação é um guia para a ação, ela orienta as ações e as relações sociais. Ela é um sistema de pré-decodificação da realidade porque ela determina um conjunto de antecipações e expectativas (ABRIC, 2000, p. 28).

(33)

As representações sociais são frutos de uma determinada época, cultura, sociedade, sendo fonte de um poder social, que, se propagado pelas diversas formas, resulta num posicionamento conjunto da sociedade em relação aos fenômenos sociais existentes.

Segundo Jodelet (2008), existe uma preocupação com a relação entre as representações individuais e as sociais, a ponto de chamá-las de “representações sociais e individualizadas”. O limite do caráter social das representações é atribuído aos conteúdos manifestos pelos indivíduos, ou à necessidade de questionar como estes se apropriam dessas representações socialmente compartilhadas. A autora salienta ainda que, nesse contexto, a questão do sujeito não tem sido objeto de reflexão sistemática no enfoque teórico das representações sociais. A preocupação é evitar o risco de se perder o foco da dimensão subjetiva de construção das representações e também da reintegração do sujeito na aproximação teórica das representações sociais.

De acordo com Deleuze e Guattari (1980 apud JODELET, 2008), o sujeito moderno do sistema capitalista está vinculado a dois paradigmas: a sujeição e a submissão do indivíduo às regras e às objetivações. Como mudar esses paradigmas se as subjetividades são criadas e modeladas por meio da história pelas condições sociais e institucionais? A possibilidade dessa mudança pode ser verificada nas seguintes palavras de Guattari (1986 apud JODELET, 2008, p. 40):

A subjetividade está hoje massivamente controlada por dispositivos de poder e de saber que põem as inovações tecnológicas, científicas e artísticas a serviço das figuras mais retrógradas de sociabilidade. Contudo, pode-se conceber outras modalidades de produção subjetiva – como as processuais e singularizantes. Essas formas alternativas de re-apropriação existencial e de auto-valorização podem converter-se amanhã na razão de vida das coletividades humanas e dos indivíduos que se negam a entregar-se à entropia mortífera característica do período por que estamos atravessando. (Tradução nossa).

Conforme Moscovici (2003), a noção de representação social surgiu fundamentada na Sociologia e na Antropologia de Durkheim e Lévi-Bruhl, respectivamente. Tais autores identificaram, como elemento básico para a elaboração de uma teoria da religião, da magia e do pensamento mítico, a ocorrência de certas representações coletivas interpretadas à luz da teoria da linguagem de Ferdinand de Saussure e da teoria das representações infantis, tanto de Jean Piaget, quanto de Vygostky. Essas representações passaram a ser denominadas, por Moscovici (1961), como representações sociais. Trata-se de formações simbólicas que, muito antes de

(34)

explicitar conteúdos privados, estabelecem as condições sociais para formação das singularidades.

Eis em que sentido se pode falar das “representações sociais” como domínio de “teorias” sobre os saberes populares e do senso comum, elaboradas e partilhadas coletivamente com a finalidade de construir e interpretar o real. Trata-se, nessa acepção, de um conceito abrangente, que compreende outros conceitos (tais como: atitude, opiniões, imagens). Ou, ainda, diz respeito a um conceito investido de um poder explanatório, de sentido eminentemente social. Por meio das representações sociais, pode-se conhecer o modo como um grupo humano constrói um conjunto de saberes que expressam sua identidade social. Porto (2006) ressalta a importância de se utilizar a identificação das representações sociais como possibilidade de compreender um fenômeno de estudo. Ao se perguntar sobre os conteúdos dos sentidos, dos valores e das crenças, pode-se caracterizar como a vida social se estrutura.

2.3.2 Representação social da criança

De acordo com a convenção sobre os direitos da criança, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em novembro de 1989, entende-se por criança toda pessoa com menos de 18 anos de idade. Além disso, conforme Dolto (2003, p. 127), “o termo ‘filho’ é empregado pela justiça em seu sentido amplo e designa o filho ou filha que não atingiu dezoito anos”. Dessa forma, denomina-se criança/filho, àquele com idade inferior a 18 anos.

Existem distinções no modo de compreensão sobre infância. De acordo com Frota (2007, p. 5), “infância vem do latim, infantia, e refere-se ao indivíduo que ainda não é capaz de falar. Essa incapacidade, atribuída à primeira infância, estende-se até os sete anos, que representaria a idade da razão”. Já segundo Ariès (2006), a infância não passa de uma invenção da modernidade. Nos séculos XVI e XVII, a concepção de infância estava vinculada à fragilidade e à inocência. No século XVIII, surgiu a construção moderna de infância, assumindo a criança o signo da independência, autonomia e liberdade. O sentimento de infância do século XIX era o de adultos em miniatura. Então, para o referido autor, esse conceito muda de acordo com o tempo e com as condições socioculturais.

(35)

Com vistas ao exposto, discutir representação social da criança torna-se uma questão histórica e cultural. Dessa maneira, conforme afirma Ariès (2006), a palavra enfant, nos séculos XIV e XV, era utilizada como equivalente a valenton, garçon, fils, beau fils e à criança. Tem-se, assim, a idéia de infância ligada à de dependência, tal como explica Ariès (2006, p. 11):

As palavras fils, valets e garçons eram também palavras do vocabulário das relações feudais ou senhorais de dependência. Só se saía da infância ao se sair da dependência, ou, ao menos, dos graus mais baixos de dependência. Essa é a razão pela qual as palavras ligadas à infância iriam subsistir para designar familiarmente, na língua falada, os homens de baixa condição, cuja submissão aos outros continuava a ser total.

Assim sendo, a idéia de dependência foi fortemente atrelada ao conceito de infância nos séculos XIV e XV. Já no século XVII, século do romantismo, a criança passou a ser percebida como “pequenas almas” ou “pequenos anjos”.

No Brasil, para Fontes (2005, apud FROTA, 2007) e Del Priore (2008), o histórico da criança confunde-se com o do preconceito, do abandono e da exploração. Nessa direção, houve grande diferenciação entre crianças, de acordo com a classe social de origem, chegando a chamar-se de “menor”, crianças e/ou adolescentes pobres. Essas representações sofrem mudanças com a aprovação da Constituição de 1988 e com o surgimento do ECA, em 1990, ao assinalar o fim da estigmatização formal da pobreza, da delinqüência e também do termo “menor” de idade.

Verifica-se, conforme Almeida e Cunha (2003), que não há distinções entre as representações sociais da infância e do homem; bem como do mundo e dos valores e normas vigentes numa sociedade. Assim, percepções que ligam à infância a idéia de dependência estão vinculadas às características físicas da fragilidade das crianças, como também ao contexto histórico-social a que pertencem. A Convenção Francesa de 1989, de acordo com Lauwe e Neuerhahn (1989 apud ALMEIDA e CUNHA, p. 4), “abriu caminho em direção a uma nova atitude em relação aos direitos da criança, destituindo os pais de seus direitos de proprietários dos filhos, para tornarem-se responsáveis por eles”. Em vista disso, a partir do século XX, na Declaração Internacional dos Direitos da Criança, enfatizaram-se, e passaram a ser regra na sociedade, a responsabilidade e os papéis do adulto em relação à criança.

(36)

2.4 A ESCUTA DA CRIANÇA

A literatura tem mostrado que a escuta da criança na mediação familiar, no processo de separação dos pais, no contexto do judiciário apresenta controvérsias. As pesquisas conduzem para três principais posições de divergência, que são: algumas são contrárias, outras colocam restrições e outras são favoráveis à escuta da criança.

Para Achim (1997), as posições contrárias a essa escuta estão fundamentadas principalmente pelos argumentos que seguem: ao escutar a criança, está negando-se a autoridade parental uma vez que o poder de decisão deve continuar com os pais; a escuta provoca emoções negativas de ansiedade, de culpa de impotência e de onipotência na criança; para Mathis (1992, apud BRITO; AYRES; AMEN, 2006), essa escuta serve para a naturalização da defesa dos direitos da criança contra seus pais; e Thèry (1992, apud BRITO; AYRES; AMEN, 2006) é contrário à escuta pelo fato de esta tornar a criança igual ao adulto. Nessa concepção de criança, o autor entende que ela possui a mesma responsabilidade e discurso lógico do adulto.

Já as restrições à escuta da criança, segundo Groeninga (2005, p. 9), estão fundamentadas na seguinte declaração: “[...] temos assistido cada vez mais a crianças submetidas a verdadeiros inquéritos e procedimentos violentos que desconsideram sua condição”. O processo de separação dos pais pode ser um momento susceptível para a criança e, no modo de pensar desse autor, essa restrição é devida à falta de prática adequada para a escuta. Essa ausência de habilidade na mediação igualmente é notada por Brito (2004), para quem, na separação conjugal com disputa pela guarda do filho, os operadores do direito entendem que a criança deve escolher com quem ela quer ficar. Nesse caso, a restrição está em escutar a criança com o objetivo de privilegiar a vontade dela. Essa prática é extremamente delicada, visto que escutá-la não se trata de acatar as ditas ‘vontades’ explicitadas por elas. Essas constatações enfatizam a necessidade da capacitação profissional, estudos e pesquisas aos mediadores atuantes nesses casos. Com vistas ao exposto, é de extrema importância detectar-se até que ponto os profissionais atuantes na área possuem preparo suficiente para atendimento das demandas postas.

Entretanto, o direito à expressão e escuta da criança no contexto judicial tornou-se mais freqüente, a partir do ECA e da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança. Sobre essa convenção, Brito, Ayres e Amen (2006) destacam, no artigo 12, o direito de escuta da

Referências

Documentos relacionados

Assim, a preocupação com o entendimento da memória institucional na construção de uma narrativa da trajetória da universidade contempla aspectos da relação entre a

O objetivo deste estudo quase-experimental foi avaliar o impacto de um curso EAD de Estomatologia associado ao uso da rede social Facebook™ como ferramenta de facilitação no

Floresta ombrófila densa aluvial com dossel uniforme Floresta ombrófila densa submontana Floresta ombrófila densa em terras baixas Db com vegetação secundária Floresta ombrófila

Como finalidade, o Programa Patronato busca atender, encaminhar e acompanhar os processos de cumprimento de pena dos indivíduos egressos do sistema penitenciário

candidaturas: as candidaturas devem ser efetuadas nos 10 dias úteis a contar a partir da data da presente publicação, em suporte de papel através do preenchimento de formulário

Em estudos anteriores (VIEIRA, 2011; VIEIRA, 2015;VIEIRA; LEITÃO, 2014, LEITÃO; VIEIRA, 2017; DEL RÉ, 2011; DEL RÉ, 2003; DEL RÉ, MORGENSTERN, DODANE, 2015), trabalhamos com

Although a relation between pitch accent types and gesture types was observed, sentence type or pragmatic meaning constrain this relation: visual cues

Resumo – O objetivo deste trabalho foi avaliar diferentes métodos de extração e quantificação de alumínio  trocável  em  Organossolos. As  amostras