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Escuta como um auxílio na obtenção de mais informações/percepções sobre o caso

No documento Escuta da criança na mediação familiar (páginas 96-98)

4.4 REPRESENTAÇÃO SOCIAL DA ESCUTA DA CRIANÇA

4.4.1 Escuta como um auxílio na obtenção de mais informações/percepções sobre o caso

A representação social mais enfatizada pelos mediadores tanto psicólogos como advogados foi a escuta como um auxílio na obtenção de mais informações/percepções sobre o

caso para instrumentalização técnica. No relato dos participantes, identifica-se a escuta como

sendo um recurso para obter maiores informações e distintas percepções a respeito do caso, tornando-se útil ao mediador. As principais idéias abordadas foram: (a) o mediador adquire mais confiança perante os pais, por ter escutado a criança; (b) a criança tem uma percepção diferente da dos pais; (c) ela pode desmistificar/trazer à tona questões que os pais não estavam conscientes; (d) o infante é reflexo das coisas que acontecem entre os pais, possui menos bloqueios para falar da realidade que vive; (e) a criança traz fatos novos ainda não expostos pelo casal; (f) o mediador fica com mais informações da situação; (f) a escuta auxilia o mediador a encaminhar a mediação dos pais; (h) a criança mostra o que está oculto; (i) a escuta serve para os pais saberem o que a criança pensa; (j) a opinião infantil é tranqüila, serena e sincera, por isso, é muito importante; (l) com a escuta da criança, pode-se ter uma visão maior sobre o conflito; (m) a criança pode dar o caminho e a solução para o conflito; (n) a criança é que fornece a informação correta.

A representação social dos entrevistados perpassa a idéia de que a escuta da criança fornecerá ao mediador mais dados para a mediação. Nas palavras de Cruz, Maciel e Ramirez (2005), a primeira grande articulação Direito/Psicologia surgiu com a avaliação da fidedignidade de testemunhos. Para autores como Mira y López (1967 apud CRUZ, MACIEL E RAMIREZ 2005, p.10) o

testemunho de uma pessoa sobre um acontecimento qualquer depende essencialmente de cinco fatores: a) do modo como percebeu esse acontecimento; b) do modo como sua memória o conservou c) do modo como é capaz de evocá-lo; d) do modo como quer expressá-lo; e) do modo como pode expressá-lo.

Isso demonstra quais são os fatores que devem ser levados em consideração na escuta da criança. A fala de alguns mediadores explicita a questão da sinceridade da criança desde que esta não seja instruída por um dos pais anteriormente: a criança é muito sincera nas suas

A imagem trazida pelos mediadores acerca da autenticidade da criança é evidenciada nas seguintes falas: a opinião da criança é opinião tranqüila, serena, é muito importante; eu

conheço alguns casais, amigos e até na família que tiveram grande melhora com terapia familiar com o envolvimento das crianças na solução ou no encaminhamento na discussão dos problemas no âmbito da família (A4). Outros depoimentos também dizem haver inexistência de bloqueios na

fala delas: a criança, se você tem um pouquinho de noção de como funciona a psicoterapia com

criança, a ludoterapia, você vai entender que a criança tem menos bloqueios para falar da realidade que ela vive e por isso eu acho interessante (P3).

Essa concepção dos entrevistados de que a opinião da criança em alguns casos é tranqüila, serenae que ela tem menos bloqueios que os adultos está de acordo com as palavras de Bueno e Costanze (2008, p. 3):

Já se asseverou que a criança apresenta pureza de espírito, candura e ausência de malícia e que, portanto, seus depoimentos deveriam ser tidos como a exata expressão da verdade, porque se julga a criança tão inocente que sequer sabe mentir, “ex ore puerorum veritas”. A maioria dos autores, entretanto, tem criticado a fé cega com que a justiça encara, às vezes, os testemunhos infantis.

Para o referido autor, os fatores psicológicos que tornam deficientes os testemunhos infantis são: imaturidade, imaginação e sugestibilidade. Isso mostra a relativização da opinião da criança ser a verdade.

Além disso, percebe-se como dado relevante, a criança ser vista mais como uma estratégia para alcance de um fim, do que propriamente o sujeito em quem se tem o foco na escuta. Ou seja, os mediadores alegam ser a escuta da criança um meio para melhor condução da mediação dos pais: ele o mediador agir com mais confiança perante aos pais por ter escutado a

criança e aprendido um outro olhar, de visão daquela realidade ali tratada, nesse sentido (P3)

ou ainda, nota-se a escuta da criança como um caminho para mediação com os pais: um caminho

para trabalhar essa mediação reparadora a partir da informação da criança, a partir disso, vou trabalhar esse casal uma informação a mais (P5).

A evidência de que na escuta da criança na mediação, ela não é o sujeito na escuta e sim objeto, pode ser percebida em outras práticas jurídicas, como no DSD, por exemplo, que utiliza a escuta da criança com fins de recolhimento de provas. Entretanto, o Conselho Federal de Psicologia é contra essa prática, por distanciar-se do trabalho realizado por um profissional da psicologia. Pode-se considerar a criança no lugar do objeto, quando a escuta é um meio de

produção de provas, como no DSD: da mesma forma, isso também pode ocorrer na mediação familiar quando a escuta da criança é realizada para obtenção de informações para fins de trabalhar os conflitos dos pais. Nesse procedimento, a criança não é o sujeito a quem se pretende

auxiliar no conflito, ela é usada como objeto para ajudar na resolução de conflito dos pais. Esse lugar da criança como objeto vem ao encontro da pesquisa de Andrade (1998, p.

6): “A partir desse momento, a criança passa a ser considerada um ser inacabado, objeto de normas submetidas a uma hierarquia rigorosa a fim de se tornar, amanhã, um adulto completo e bem conformado.” Dessa maneira, o autor percebe a criança

como estando sempre no lugar de objeto em um processo macrossocial encaminhado a uma futura sociedade ideal. Nos últimos anos, observamos um movimento no sentido de considerar a criança um sujeito portador dos direitos do homem. Entretanto, o desconhecimento das potencialidades sociais infantis – uma vez que estas nunca foram devidamente investigadas – gera uma ambigüidade e confusão sobre a competência da criança para exercer seus direitos com independência (FIGUEIRA, 1992 apud ANDRADE, 1998, p. 6).

Os dados da pesquisa evidenciam a escuta da criança como forma de se obter mais informações sobre o caso; além de considerá-la um meio para melhor condução da mediação. Nota-se uma ligação com essa forma de perceber a criança como o “ainda não”, que trouxe os resultados da pesquisa de Andrade (1998), que a coloca no lugar de objeto e negando a ela o direito de se manifestar como sujeito.

No documento Escuta da criança na mediação familiar (páginas 96-98)