• Nenhum resultado encontrado

A criança é integrante da família, por isso deve ser ouvida

No documento Escuta da criança na mediação familiar (páginas 104-107)

4.4 REPRESENTAÇÃO SOCIAL DA ESCUTA DA CRIANÇA

4.4.4 A criança é integrante da família, por isso deve ser ouvida

Esta Representação Social obteve uma freqüência cinco – quatro mediadores psicólogos e um advogado –, evidenciando-se, no discurso desses entrevistados, a necessidade da escuta da criança, posto ser ela integrante da família. Os pontos principais abordados por eles foram: a realidade é feita por todos os componentes da família, por isso todos devem participar; a participação de todos é democrática e responsável; incluir a criança é importante já que a criança é sempre a que fica, não entende porque alguém não a visita mais; o mediador que possui uma visão sistêmica possui melhores condições para incluir a criança; a criança não é figurante nas relações familiares, ela é ator principal; família é um sistema em que os elementos que o compõem se comunicam para uma compreensão maior e completa da realidade, é importante a escuta de todas as partes envolvidas; o mediador precisa ter noções de funcionamento da família, de como se estabelecem os vínculos familiares, com esse conhecimento, ele perceberá melhor a

importância da escuta da criança; a criança também faz parte desse sofrimento da separação, ela é importante até porque o futuro dela será decidido; todos os membros precisam ser ouvidos e ajudados.

Sabe-se que a ruptura conjugal é geradora de crise a todos os integrantes da família. Segundo Cezar-Ferreira (2007, p. 76), o Dicionário Aurélio utiliza expressões associadas à crise de separação conjugal, tais como:

Agravamento de um estado crônico”; “manifestação violenta e repentina de ruptura de equilíbrio”, “manifestação violenta de um sentimento”, “estado de dúvidas e incertezas”, “fase difícil grave na evolução das coisas, dos fatos das idéias”; “momento perigoso ou decisivo”, “lance embaraçoso”; “crise amorosa”; “tensão, conflito; deficiência, falta”; “ponto de transição”; “complicação e agravamento da intriga que leva a ação dramática a uma catástrofe ou a conseqüência grave e decisiva”; “situação grave em que os acontecimentos da vida social, rompendo padrões tradicionais, perturbam a organização de alguns ou de todos os grupos integrados na sociedade.

Essas expressões denotam o tom de gravidade de um momento de crise. Associados a ela ocorrem estados de ruptura de padrões, instabilidade, desestruturação, fragilidade, impotência e onipotência, de mudança. Todavia, a crise tem um potencial criativo, ou seja, cria um espaço vazio que precisa ser ocupado.

Diante do exposto, percebem-se no cerne dessa crise, os atores principais: as crianças. Acrescido a isso, os pais normalmente, “para evitar um conflito, não dizem a verdade à criança e dão a ela como explicação”: “Seu pai [sua mãe] viajou”. (DOLTO, 2003, p. 23). Dessa maneira, a criança fica sem palavras para traduzir seus sentimentos, pois não se sente autorizada pelos pais a falar desse problema. É preciso que estes forneçam palavras para ela poder se pronunciar sobre o assunto; portanto, torna-se necessário o uso de palavras claras e escuta a respeito do que está se passando com os pais.

Isso mostra a importância da inclusão da criança na mediação familiar. Deve existir a possibilidade de ela falar e escutar acerca dos conflitos vividos por ela, já que é preciso atenção ao bem-estar emocional aos membros envolvidos na problemática vivida pela família em seu conjunto:

Neste sentido, mesmo os juristas, que não estão habituados a ocupar-se com sentimentos e emoções, devem começar a preocupar-se uma vez que do bem-estar dos pais depende o bem-estar dos filhos, e o bem-estar dos filhos está implícito na norma constitucional que protege o superior interesse das crianças e adolescentes. O fato é que em razão da intensificação da problemática conjugal e de seus efeitos sobre o desenvolvimento dos filhos, um número significativo de autores contemporâneos, estudiosos dos aspectos psicossociais da família, tem se preocupado em pesquisar e escrever sobre a importância

da família para o desenvolvimento emocional de seus membros e sobre a importância das situações de crise na desestabilização do grupo familiar, além de ressaltar a necessidade de ajuda especializada nesses momentos (CEZAR-FERREIRA, 2007, p. 66- 67).

Nessa direção, entende-se que, nas falas dos entrevistados – em sua maioria mediadores psicólogos –, tenha aparecido esta compreensão sobre a inclusão da criança na mediação familiar:

se a gente pega essa coisa grande e traz para a coisa pequenininha que é o contexto familiar e como aquilo que te falei a criança é o ator principal dessa história, filhos também agem, eles são influenciados, eles influenciam o pensamento da família como um sistema onde os elementos que compõem o sistema se comunicam e vai lá para o Watzlawick e você vai ver que inclusive o silêncio comunica e aí a gente que está preparada, a gente que está treinada a gente consegue ler esse texto e consegue ajudar escrever esse texto; e aí você tem noção que cada um tem uma perspectiva a respeito daquilo que está acontecendo que são discursos diferentes da mesma realidade. Para se ter uma compreensão maior e completa dessa realidade, é importante escutar todas as pessoas envolvidas (P3).

Percebe-se, nos depoimentos a ênfase da família como um sistema e, por isso, associando a criança como incluída na mediação pela escuta. Corroborado a isso, há as palavras de Falicov (1996, apud CÉZAR FERREIRA, 2007, p. 67):

Entendendo a família como um sistema social, é possível estabelecer-se a conexão entre o princípio da interdependência das partes e o desenvolvimento familiar. Isso não deve ser compreendido de forma estática, determinista e inflexível, mas considerando a interdependência como uma variável, cujo grau varia conforme o momento do ciclo de vida da família e os eventos específicos.

Esse entendimento pode ser associado à categoria apresentada no Quadro 4 – necessidade de formação dos mediadores para escuta –, em que a subcategoria, necessidade de conhecimentos da psicologia, obteve totalidade de freqüência entre os mediadores advogados. Associado a isso, houve a freqüente referência de psicólogos sobre a necessidade de conhecimentos no que diz respeito a funcionamentos da família. Aqui se obteve essa associação pela consideração da família como um sistema, na mediação familiar:

Talvez eu tenha essa disponibilidade para chamar a criança, para ouvir a criança talvez pela minha formação, formação de terapia de família onde a gente tem o treino da visão sistêmica, tem esse treino, tem essa orientação, entende a importância disso. A criança não é um figurante nas relações, nas interações familiares, pois ela é ator, e ator principal, assim como pais, irmãos e alguém mais que estiver nessa constelação familiar aí né (P3); ou ainda, às vezes o que acontece o casal se separa e a criança fica, entende, ela não entende porque que o fulano não vem mais aqui ou porque ela não fala mais

comigo, então por isso a criança é sempre a que fica, então por isso ela tem que participar da mediação e ser escutada (P2).

Todas as falas demonstram a importância e a significação da comunicação para a criança. De acordo com Vilalba (2006, p. 1), comunicação é uma palavra derivada do termo latino communicare e significa “tornar comum”. Para Watzlavick, Beavin, Jackson (1967, p. 32) a compreensão de si e do outro para a comunicação é fundamental:

Somos constantemente afetados pela comunicação; como sugerimos antes, até a nossa consciência de nós próprios depende da comunicação. Isto foi convincentemente enunciado por hora: Para entender-se a si mesmo, o homem precisa ser entendido por outro. Para ser entendido por um outro, ele precisa entender o outro.

Assim, num primeiro momento, é possível dizer que comunicar é ação social de tornar comum. Desse modo, conforme Vilalba (2006), o que torna ou não comum algo é o sentido que posteriormente se torna um signo. Tudo isso comprova a importância da comunicação à criança, com sentido correto, para que ela signifique isso da maneira mais próxima da realidade em que vive. Até pelo fato de, segundo Imber-Black (2002), revelar certos segredos, possui um efeito profundamente curativo para determinados indivíduos e relacionamentos, além de possuir potencial para reconciliação.

No documento Escuta da criança na mediação familiar (páginas 104-107)