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A escuta da criança depende da característica do caso

No documento Escuta da criança na mediação familiar (páginas 88-91)

4.3 ATITUDES DOS MEDIADORES DIANTE DA ESCUTA DA CRIANÇA

4.3.1 A escuta da criança depende da característica do caso

Notavelmente esta categoria, a escuta da criança depende da característica do caso obteve freqüência 10. Dessa forma, todos os entrevistados percebem a escuta da criança, como devendo ocorrer ou não de acordo com as características de cada caso. Nesse sentido, eles abordam a relativização dessa escuta, posto a particularidade de cada situação. As idéias que resumidamente podem ser atribuídas aos relatos são: é preciso descobrir qual a melhor forma de se fazer a mediação; a escuta depende das peculiaridades do caso, da idade, da história de vida da criança; analisar se é ou não necessário expor a criança; não há regra para escuta da criança, se separado ou junto dos pais; é mais fácil a escuta da criança quando ela tem idade aproximada de dezoito anos; a escuta da criança depende da maturidade dela; a escuta da criança deve acontecer dentro de um contexto, protegido e amparado; a escuta da criança depende do tipo de conflito; a escuta envolvendo a criança, deve ocorrer entre a terceira ou quarta sessão de mediação; dependendo da idade da criança, ela pode ser escutada junto dos pais; a escuta deve ocorrer quando a mediação for mais longa; a escuta deve ocorrer com a criança que consiga se manifestar, com idade de pelo menos quatro ou cinco anos; é preciso escolher a melhor forma de escuta de acordo com cada caso; é necessário um limite de idade, mais ou menos oito anos.

Nesse aspecto, evidenciou-se uma quantidade de dados interessantes, quanto à escuta da criança. Percebe-se que nove mediadores possuem uma atitude favorável à escuta (freqüência 9) e um mediador apresenta atitude desfavorável à escuta (freqüência 1); a premissa básica é que se considere a particularidade de cada caso. Os relatos evidenciam esses dados: aí depende de

cada caso (P2); já escutei separado e já escutei junto com os pais [...] sim, já escutei as crianças separadas e também juntas. (P3); eu acho que num bom contexto, sob certas normas, ela se sentindo protegida, amparada porque vai causar sofrimento, eu não sou contra (P5); em que contexto se é uma criança que vai ser escutada separada dos pais ou junto com os pais (P5); no caso de uma mediação mais longa, pouco mais complicada, seria interessante trazer aquela conversa com a criança junto com os pais (A2). Os relatos demonstram o quanto é delicada a

prática da escuta da criança, pois há diversos fatores que podem influenciar para decisão da escuta. O momento relativo à separação conjugal é, muitas vezes, doloroso para os integrantes da família, Cruz, Maciel e Ramirez (2005, p. 102) enfatizam que

é bastante comum que as emoções humanas sejam exibidas de forma intensa, tornando-o doloroso, tanto para o casal quanto para os filhos e, não raro, atinge também a família ampliada [...] os conflitos podem apresentar-se ainda mais acirrados quando há disputas por interesses, como por exemplo, em processos que envolvam a disputa pela guarda de filhos ou de patrimônio. Muitas vezes as partes estão vivendo os mesmos sentimentos. Medo, hostilidade, ódio, vingança, depressão e ansiedade, fazem parte do elenco das emoções experimentadas por pessoas que enfrentam a separação.

Isso demonstra o quão complexo é o momento da separação conjugal, para a família inteira, primordialmente para os filhos. Uma pesquisa realizada por Cruz, Maciel e Ramirez (2005, p. 104) confirmou a hipótese inicial que diz ser possível: “a presença de um ou mais filhos em uma família em processo de separação seja um ingrediente potencialmente agravante dos conflitos”. No grupo dos casais em separação litigiosa com disputa de guarda, os aspectos psicológicos negativos (depressão, desgaste emocional, ansiedade, intolerância e disposição amorosa) apresentaram-se com grande índice de ocorrência, primordialmente o sentimento “ansiedade”. Por isso, conforme Shine (2003, p. 93), “colocar-se-ia a necessidade de conhecer as necessidades, conflitos e sentimentos destas crianças”.

Essa compreensão foi demonstrada pelos entrevistados, quando relatam que a criança deve ou não ser escutada, de acordo com a complexidade do conflito que a envolve:

Assim cada história é uma história. Então a história de um casal que vai se separar e tem um filho é perceber assim porque o casal vai se separar e se é conveniente ou não estar expondo essa criança e se ela realmente quer, ou se o mediador já conhece essa criança, ou se ela aceita estar participando e falando sobre isso, acho que é isso (P2); mas eu acho que depende do caso, depende do caso de separação, depende da criança, qual é a idade da criança (P2;) ou ainda: se sou contra ou a favor, depende do contexto, do conflito. No caso de uma das partes estar envolvida em tráfico, ameaça de morte essa criança deve estar acuada, que idade teria essa criança que poderia responder, participar disso, teria que ter critérios; onde há ameaça, como a criança iria interferir? Qual é a contribuição que ela poderia dar? Será que ela não sairia machucada? Será também que não teria risco para ela? Então eu vejo assim o meu olhar para isso é muito assim de poder amparar o sofrimento, eu tenho o olhar mais assim (P5).

Não é atual a discussão do testemunho infantil Bueno e Costanze (2008) mostram que o depoimento da criança sempre foi uma preocupação para a justiça penal. O ordenamento jurídico não coloca dificuldades para a participação de menores, como testemunhas. Ao contrário, o Código de Processo Penal deixa claro que qualquer pessoa pode ser testemunha, admitindo-se como meio de prova. Para o autor, os fatores psicológicos que tornam os testemunhos infantis deficientes são:

a) a imaturidade orgânica do infante traz a imaturidade funcional, com o que o desenvolvimento psíquico será incompleto; b) a imaginação: atua duplamente na

criança: meio de defesa (mentira defensiva ou interesseira) ou de satisfação de desejos (brinquedos fantasiosos); c) sugestibilidade: é bem acentuada nas crianças, surgindo mais ou menos aos cinco anos de idade, atinge seu ponto máximo em torno dos oito anos para, a partir de então, entrar em decrescimento. Peculiar é analisar que na tenra idade, a criança mente, sem a menor intenção, mas porque age com força imaginativa, como defesa, como uma arma (BUENO; COSTANZE, 2008, p. 4-5).

Tudo isso traz à tona a condição da imaturidade e da idade da criança, tema comentado pelos entrevistados como aspecto definidor para escuta da criança: bom, eu falo pela

minha experiência, dependeria da maturidade da criança, acredito que à medida que a criança vai criando maturidade ela precisa ser ouvida (P4). Alguns entrevistados falam da necessidade

de um limite de idade para a escuta dessa criança. De acordo com alguns deles, a criança, com oito anos, teria condições de dar informações: mas acho que uma criança aí de oito anos, ela tem

condições de dar informações muito importantes numa mediação familiar (A5); outros percebem

a criança com quatro anos com condições de se manifestar: desde que a criança tenha condições

de se manifestar, claro que estou falando aí de criança de uma certa idade, pelo menos quatro ou cinco anos em diante (A3). Um mediador psicólogo sugere que a idade próxima aos dezoito

anos facilitaria mais. As discussões sobre a maturidade e idade foram freqüentes e são temas que, segundo os entrevistados, devem ser levados em conta no momento da decisão da escuta ou não da criança. Cada mediador fala numa idade ideal para a escuta, evidenciando, desse modo, uma representação social pela inexistência de dados científicos sobre qual idade é mais apropriada para escutar a criança. Pelo contrário, Dolto (2003) enfatiza que toda a idade é apropriada para a escuta.

Alia-se à discussão da maturidade da criança o questionamento sobre o que é verdade para o referencial dela. Na discussão do Depoimento Sem Dano, prática essa diferente da escuta na mediação familiar, existem argumentos contrários à sua implementação, pela indagação: o que seria a verdade para uma criança? (BRITO, 2008, p. 7). Além disso, a autora discute a questão da idade:

No que diz respeito ao caso acima citado, cabe recordar que, em 8 de maio de 2008, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente emitiu nota pública na qual indicava posicionamento contrário à participação de criança de três anos como testemunha [...] citação do artigo 206 do Código de Processo Penal, o que prevê que pais, mães, filhos e cônjuges de acusados podem se eximir da obrigação de depor [...] artigo 208 do mesmo diploma, o qual dispõe que a testemunha de menos de 14 anos não presta compromisso, não sendo obrigada a depor.

Percebe-se que a maioria dos relatos abordando o fator da idade, como determinante para essa escuta da criança na mediação familiar, são de mediadores advogados – apenas um mediador psicólogo refere-se à idade, enquanto somente um mediador advogado não fala sobre a idade da criança na escuta, isso pode ser vinculado ao fato do conhecimento, por eles, desses artigos.

Entretanto, para Dolto (2003), é necessário informar a criança sobre o que está acontecendo, até mesmo para aquela que ainda não anda de poucos meses de idade, para não dar margem às fantasias dela. Em suas palavras, é preciso saber que: cada caso é um caso particular (DOLTO, 2003, p. 110). Essa atitude de que a escuta da criança depende de cada situação está presente nas palavras de todos os entrevistados da pesquisa, os quais mostram essa ressalva com relação à escuta. É importante salientar o que pensam sobre atitude, Rodrigues e Cols (1999) e Lima (1996) apud Barbará, Sachetti e Crepaldi (2005, p. 333): “As atitudes envolvem o que as pessoas pensam, sentem e como gostariam de se comportar em relação a um determinado objeto.” Por isso, a atitude é o que o sujeito desenvolve cognitivamente positivo ou negativo sobre um fenômeno, que o influencia na tomada de posição, por exemplo, ele pode ter uma predisposição positiva (favorável) ou negativa (desfavorável) à escuta da criança com base em sua experiência.

No documento Escuta da criança na mediação familiar (páginas 88-91)