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DEPOIMENTO SEM DANO

No documento Escuta da criança na mediação familiar (páginas 39-43)

O abuso sexual não é tema novo, a maior parte de suas vítimas são crianças e/ou adolescentes. A origem desse abuso, de acordo com Daltoé Cezar (2007) vai além das fronteiras culturais mais conhecidas, possuindo raízes no início da humanidade, das mais remotas civilizações. Essa problemática permanece na atualidade; ainda que decorrentes os progressos em inúmeras áreas do conhecimento, o abuso sexual, mesmo que de forma mascarada, encontra-se no seio da sociedade e é praticado por adultos que muitas vezes integram o núcleo familiar ou são a ele próximos.

Nessa direção percebe-se a necessidade de auxílio em ações preventivas ao fato. No entanto, para o citado autor,

não é possível olvidar-se, que por mais esforços que sejam empreendidos para evitar a prática de abuso sexual contra crianças e adolescentes, os resultados positivos nem sempre são alcançados. Provavelmente, os abusos continuarão a ocorrer e é isso que exigirá que a sociedade enfrente com maior profissionalismo a responsabilização dos abusadores. Ainda que esta seja uma forma menos efetiva de prevenção, trata-se de uma forma pedagógica que pretende inibir tais ações (DALTOÉ CEZAR, 2007, p. 18).

Daltoé Cezar refere-se à responsabilização do abusador, mediante medida judicial que aplique leis de punição a tal ato condenável. No entanto, via de regra, a prática pelo abusador ocorre sem qualquer testemunha e sem vestígio de materiais. Isso aponta a necessidade extrema de depoimento da vítima, uma vez que, possivelmente, seja a única prova.

Conforme o exposto, o depoimento da criança ou adolescentes vítimas de abuso sexual torna-se de extrema importância para aplicação de sanções penais/civis ao abusador. Essa necessidade ante a dificuldade encontrada pelos Juízes, Promotores de Justiça e Advogados para inquirir as vítimas, bem como o ambiente físico pouco acolhedor, além do encontro com o

acusado e revitimização destas, são algumas das razões encontradas para a implantação do polêmico depoimento sem dano (DSD).

Essa possibilidade de escuta pode ser definida como um procedimento, defendido por alguns teóricos, para obtenção de testemunhos de adolescentes e crianças em processos judiciais, os quais são questionados em salas com acomodação adequada, por profissionais pressupostamente capacitados para tal, devendo ser psicólogos ou assistentes sociais (BRITO, 2008).

Essa prática é baseada num projeto de lei, que defende a inquirição de crianças e adolescentes em processos judiciais, o qual propõe mudanças no ECA e no Código de Processo Penal Brasileiro, para a devida regulamentação dessa prática. Um dos argumentos para aprovação desse projeto é o artigo 12° da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, o qual defende o direito da oitiva da criança em qualquer processo judicial que a inclua. O artigo 227 da Constituição Federal, também é outro argumento utilizado, já que defende o princípio da dignidade da pessoa humana (BRITO, 2008).

Para tal ação, é imprescindível participação multidisciplinar. Conforme relata a autora,

alguns operadores do direito indicam que tal procedimento deveria ser realizado por psicólogos ou assistentes sociais. Como descreve Daltoé Cezar (2007), magistrado gaúcho a quem se atribui a idéia de implantação do Depoimento sem Dano e que foi agraciado, em dezembro de 2006, com menção honrosa no prêmio Innovare, este depoimento é: “uma alternativa para inquirir crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual em juízo [...] implementada na cidade de Porto Alegre desde maio de 2003” (BRITO, 2008, p. 2).

Segundo descreve Brito, o autor Daltoé Cezar defende a prática do DSD. Sendo assim, de acordo com Daltoé Cezar, o procedimento com crianças e adolescentes vítimas de abuso deve

retirá-las do ambiente formal da sala de audiências e transferi-las para sala especialmente projetada para tal fim, devendo estar devidamente ligada, por vídeo e áudio, ao local onde se encontram o Magistrado, Promotor de Justiça, Advogado, réu e serventuários da Justiça, os quais também podem interagir durante o depoimento (DALTOÉ CEZAR, 2007, p. 61).

Tal depoimento realizado no estado do Rio Grande do Sul é efetivado por um assistente social ou psicólogo que, com um fone de ouvido, formula perguntas à criança. Para Brito (2008), esse profissional da escuta tem sua atuação equiparada a de um intérprete e não de

um psicólogo. Nas palavras de Daltoé Cezar: “depoimento sem dano é uma audiência de instrução” (2007, p. 73).

Argumentos favoráveis à implantação do depoimento sem dano explicitam a dificuldade de obtenção de provas, a qual ocasiona baixo índice de condenação aos abusadores. De acordo com publicação da Revista Época “onde a técnica é aplicada há seis vezes mais condenações de criminosos” (ARANHA, 2008, s/p.). É importante lembrar que esses argumentos são parciais, porque não consideram como estão essas crianças vítimas de abuso inquiridas no DSD.

Ainda segundo Daltoé Cezar (2007), o Conselho Federal de Psicologia (CFP) encaminhou ao Senado Federal no ano de 2007, o seu posicionamento sobre o DSD declarando que esta prática não é compatível com a prática da psicologia. Além disso, Brito (2008) chama a atenção para o posicionamento do CFP contra o DSD.

O Conselho Federal de Psicologia e a Comissão Nacional de Direitos Humanos sugerem

que a justiça construa outros meios de montar um processo penal e punir o culpado pelo abuso sexual de uma criança ou adolescente, pois não será pelo uso de modernas tecnologias de extração de informações, mesmo com a presença de psicólogos supostamente treinados fora de seu verdadeiro papel, que iremos proteger a criança ou adolescente abusado sexualmente e garantir seus direitos (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2008, s/p).

De acordo com Brito (2008), com visão similar a dos órgãos mencionados, o Conselho Federal de Serviço Social relata que a atuação do assistente social como mero intérprete daquilo que fala o juiz não é prática relativa ao Serviço Social. Tanto o Serviço Social como a Psicologia são contrários a essa prática usada para obter informação da criança – do depoimento, da inquirição e da inexistência do sigilo para com o menor, procedimentos “típico” de um procedimento judicial.

No DSD, o foco não é a proteção à criança, é a condenação do suposto abusador, e a participação do psicólogo no DSD não se compatibiliza com suas atribuições, um vez que sua função não é de inquiridor ou “intérprete”.

O fato de o DSD existir há pouco tempo, necessitando urgência para tomada de decisão, é evidente, ainda mais, sabendo-se que em apenas um encontro a questão tem de ser resolvida: isso demonstra um limite no direito de escuta da criança ser tratada como sujeito e não como um objeto. Outro fato a considerar é que, no caso de abuso sexual, a vítima ama e odeia o

abusador. Em função disso, verifica-se a necessária prudência nesses casos, uma vez que muitas vítimas querem cessar o abuso, mas não desejam a prisão do abusador. Além dessas argumentações contrárias à escuta, observa-se que o artigo 12° da Convenção Internacional prevê sim o direito de escuta da criança, porém em nenhum momento explicita a ‘inquirição’ dela mesma (BRITO, 2008).

Apesar das divergências de opiniões, sabe-se que em países como Argentina, África do Sul e França existem práticas semelhantes. Para a referida autora, na África do Sul, esse projeto prevê que o profissional que irá transmitir as perguntas às crianças pode adequar os questionamentos com o intuito de deixá-los de acordo com o entendimento de uma criança. No entanto, deve haver cautela a fim de que o sentido da questão não seja alterado. Na Argentina, a classe dos psicólogos deixa explícito o quanto essa prática distorce o trabalho da categoria (BRITO, 2008).

Percebe-se, diante do exposto, que, embora existam opiniões contrárias e outras favoráveis, o DSD está sendo utilizado cada vez mais nas práticas forenses, em sua maioria para casos de abuso sexual. Cabe aos profissionais atuantes uma maior tomada de consciência sobre a decorrência e os frutos de sua prática, para a devida avaliação da eficiência e eficácia às crianças,

3 MÉTODO

Conforme Gil (1995), método é uma forma de pensar para se chegar à natureza de um determinado problema, quer seja para estudá-lo ou explicá-lo. Consiste num conjunto de etapas ordenadamente dispostas a serem executadas cuja finalidade é a investigação de fenômenos para a obtenção de conhecimentos.

No documento Escuta da criança na mediação familiar (páginas 39-43)