• Nenhum resultado encontrado

A ESCUTA DA CRIANÇA

No documento Escuta da criança na mediação familiar (páginas 36-39)

A literatura tem mostrado que a escuta da criança na mediação familiar, no processo de separação dos pais, no contexto do judiciário apresenta controvérsias. As pesquisas conduzem para três principais posições de divergência, que são: algumas são contrárias, outras colocam restrições e outras são favoráveis à escuta da criança.

Para Achim (1997), as posições contrárias a essa escuta estão fundamentadas principalmente pelos argumentos que seguem: ao escutar a criança, está negando-se a autoridade parental uma vez que o poder de decisão deve continuar com os pais; a escuta provoca emoções negativas de ansiedade, de culpa de impotência e de onipotência na criança; para Mathis (1992, apud BRITO; AYRES; AMEN, 2006), essa escuta serve para a naturalização da defesa dos direitos da criança contra seus pais; e Thèry (1992, apud BRITO; AYRES; AMEN, 2006) é contrário à escuta pelo fato de esta tornar a criança igual ao adulto. Nessa concepção de criança, o autor entende que ela possui a mesma responsabilidade e discurso lógico do adulto.

Já as restrições à escuta da criança, segundo Groeninga (2005, p. 9), estão fundamentadas na seguinte declaração: “[...] temos assistido cada vez mais a crianças submetidas a verdadeiros inquéritos e procedimentos violentos que desconsideram sua condição”. O processo de separação dos pais pode ser um momento susceptível para a criança e, no modo de pensar desse autor, essa restrição é devida à falta de prática adequada para a escuta. Essa ausência de habilidade na mediação igualmente é notada por Brito (2004), para quem, na separação conjugal com disputa pela guarda do filho, os operadores do direito entendem que a criança deve escolher com quem ela quer ficar. Nesse caso, a restrição está em escutar a criança com o objetivo de privilegiar a vontade dela. Essa prática é extremamente delicada, visto que escutá-la não se trata de acatar as ditas ‘vontades’ explicitadas por elas. Essas constatações enfatizam a necessidade da capacitação profissional, estudos e pesquisas aos mediadores atuantes nesses casos. Com vistas ao exposto, é de extrema importância detectar-se até que ponto os profissionais atuantes na área possuem preparo suficiente para atendimento das demandas postas.

Entretanto, o direito à expressão e escuta da criança no contexto judicial tornou-se mais freqüente, a partir do ECA e da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança. Sobre essa convenção, Brito, Ayres e Amen (2006) destacam, no artigo 12, o direito de escuta da

criança em processos judiciais que a envolvam: “Dispõe sobre o direito da criança à liberdade, ao respeito e à dignidade. No artigo 16, a referida legislação expõe aspectos que compreendem o direito à liberdade, como a opinião e a expressão” (BRITO; AYRES; AMEN, 2006, p. 1). Dessa maneira, com a aprovação do ECA e da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, propõe-se a investigação científica deste tema, escuta da criança na separação conjugal, para apropriação de prática e de conhecimentos que visam perceber as necessidades da criança no contexto da mediação.

Nessa direção, Dolto (2003, p. 59) argumenta que “é muito importante para a criança ser escutada em sua maneira de sofrer e de se exprimir”. Um fato costumeiro é o de crianças sentirem-se culpadas, depois que os pais se separam; sendo assim, a autora destaca a importância de se informar à criança que não é ela a causadora da separação de seus pais. De tal forma, precisa-se frisar que ela nasceu de um sucesso do casal, e não de um fracasso. A escuta e a informação auxiliam a criança no processo da separação de seus pais e possibilitam a ela expressar-se e ser entendida. A escuta dessa criança pressupõe um profissional capaz, que entenda a importância e a relevância dessa ação.

Por outro lado, na visão jurídica, conforme Thèry (1992 apud BRITO; AYRES; AMEN, 2006), a escuta da criança não é verdadeiramente um direito, pois, se o juiz optar por não ouvi-la, não há mecanismo legal algum que altere tal decisão. Além disso, o autor enfatiza que “a confusão de direitos tem por efeito naturalizar os direitos que não se apresentam como direitos fundamentais da pessoa humana” (2006, p. 2). Isso demonstra como é delicado afirmar que a escuta é um direito da criança. Todavia, a partir do ECA, os juízes cada vez mais permitem às crianças participarem de assuntos que lhes dizem respeito.

Portanto, o que se pode afirmar é que é relevante a escuta da criança em processos judiciais e, principalmente, na mediação familiar em casos de separações de pais. Logicamente, deve ser realizada por profissionais capacitados, posto que, perguntar com quem a criança deseja residir, por exemplo, poderá, nas palavras de Cauzaux (1995, apud BRITO; AYRES; AMEN, 2006), gerar culpa pela escolha de um dos genitores em detrimento de outro. Acrescenta ainda o autor que, em diversos momentos, as crianças são “usadas” inclusive por profissionais que querem vender ou provar suas hipóteses para serem colocadas à frente do que se pretende, isto é, quando alguém não consegue mostrar algo como coerente, faz colocações em nome delas.

A informação anterior denota a cautela necessária a essa escuta, dado que, para Mathis (1992, apud BRITO; AYRES; AMEN, 2006), um dos direitos básicos da criança é a sua proteção pelo adulto, não a deixando sozinha e sem autoridade, sabendo que ela necessita da referência do adulto para sua estruturação. Nesse aspecto escutá-la, não significa tratá-la como igual pelo adulto, mas, antes, prepará-la para tornar-se um cidadão pleno, não reduzindo, assim, os poderes paternos.

Os advogados Bueno e Costanze (2008, p. 2) enfatizam o cuidado para com a escuta da criança e dizem, igualmente, que deve ser exercida por profissionais capacitados:

Geralmente para que crianças sejam ouvidas pelo aparato da Justiça, é necessária uma equipe especializada que vise à espontaneidade do menor, tal trabalho é realizado especialmente por assistentes sociais e psicólogos que compõem as equipes interdisciplinares dos juízos, justificando-se que dispõem de recursos técnicos mais apropriados à escuta em pauta.

Os referidos autores destacam ainda a necessidade de técnicas adequadas para a escuta da criança, bem como afirmam ser imprescindível uma capacitação, para adequado procedimento. Além disso, trazem a questão da interdisciplinaridade como necessária à escuta.

Em concordância com a necessidade de escuta, segundo Dolto (2003), no divórcio, questionam-se os referenciais afetivos da criança; para a autora, não é falando a ela que não existe problema algum, que se ajuda a criança nesse conflito. Torna-se indispensável falar-lhe da existência do problema, visto que seus pais são separados, e ela encontrará dificuldades em amar os dois, pois achará que um deles é menos feliz do que o outro, acreditando que um deles tornou o outro – o pai ou a mãe – mais infeliz. Dessa maneira, a autora afirma que “todo esse trabalho deveria ser feito, não pelo juiz, mas por outras pessoas que pudessem falar com as crianças e escutá-las” (DOLTO, 2003, p. 52). Essas colocações de Dolto reforçam, mais uma vez, a necessidade da interdisciplinaridade para a escuta adequada da criança.

Com respeito à inclusão da criança em avaliação de guarda em procedimentos de divórcio, foram criadas em 1992, pela American Psychological Association, por meio de um comitê de especialistas, diretrizes que, segundo Shine (2007, p. 111), “não são consideradas obrigatórias ou exaustivas, o seu objetivo explícito é promover a proficiência no uso dos serviços psicológicos em avaliação de guarda de crianças”; além disso, ressaltam outras diretrizes aos psicólogos norte-americanos: “O objetivo principal da avaliação é avaliar o maior interesse da criança. Os interesses da criança e seu bem-estar são supremos”. (AMERICAN

PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION, 1992 apud SHINE, 2007, p. 677). Dessa maneira, para

informar a criança e compreender o seu interesse e/ou necessidade, é imperativo incluí-la na mediação familiar no processo de separação dos pais. A escuta da criança compreende ouvir, informar num contexto no qual ela tenha consciência ou “awareness” da situação familiar.

No documento Escuta da criança na mediação familiar (páginas 36-39)