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O ensino-aprendizado da capoeira nas aulas de educação fisica escolar

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PAULA CRISTINA DA COSTA SILVA

O ENSINO-APRENDIZADO DA CAPOEIRA NAS AULAS DE EDUCAÇÃO

FÍSICA ESCOLAR

DOUTORADO

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: Educação

ORIENTADORA: Eliana Ayoub

CAMPINAS

2009

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Este trabalho é dedicado aos professores que participaram dessa pesquisa e ao

Mestre Tulé.

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LADAINHA DO AGRADECIMENTO

A volta que o mundo deu!

Não poderia imaginar, Que o som do berimbau,

Que não me deixava concentrar, Na volta que o mundo deu, Me convidou para jogar, Capoeira quando pega, Não é fácil de largar, A magia foi tão grande, Não dá nem pra acreditar, Virou bandeira de luta, Antes de me graduar,

Tornei-me mestre na academia, Capoeira tava lá,

Hoje quase doutora, Com a Capoeira a estudar, A Vitória dessa vida, Não consegui sozinha, Contei com muitos amigos, Que me fizeram acreditar, Que a Capoeira é uma arte, Pra aprender e ensinar, A você quero dizer

Do fundo do meu coração, Essa arte que me encantou, Nunca quero deixar,

Estou virando uma doutora, Mas esse não é o ponto final, É apenas um sinal,

Das voltas que o mundo deu,

Das voltas que o mundo dá, camará!

Essa ladainha é dedicada a todos que participaram desse trabalho e ajudaram-me a torná-lo realidade. Em especial agradeço: à Nana (Super Nana!), ao Mestre Tulé (meu amor), à Marina, à Larissa, à Eliza e ao Izaque (meus pais), ao Lino, à Rô, à Marcinha, ao Didi, ao Vini, à Raquel, à Márcia (irmã), à Cidinha, à Ana Estela, à Aluana, à Vivi do Manauê, ao Geraldinho da FEF, à Lívia, ao Nelson, ao Mestre Luiz Renato, à Elaine, à Helena, ao Marcos, aos professores do GEPEFE, à Gislene, à Nadir, à Rita, ao Silvio e à Márcia Gamboa.

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O senhor... Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam.

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RESUMO

Este trabalho tem como objetivo primordial discutir possibilidades de ensino-aprendizado da Capoeira na educação física escolar compreendendo-a como uma linguagem na qual sua gestualidade, sua musicalidade, seus aspectos históricos e sua ritualidade compõem um acervo a ser apropriado pelos alunos de modo que eles possam compreendê-la e praticá-la. Nessa perspectiva, foi desenvolvida uma pesquisa que englobou um trabalho de campo dividido em duas fases: 1º. Curso de Capoeira para professores de educação física que atuam no ensino fundamental da rede pública da Região Metropolitana de Campinas; 2ª. Acompanhamento das aulas de Capoeira desenvolvidas por duas professoras no contexto da educação física, para turmas de 1ª a 4ª série do ensino fundamental. A análise do curso de Capoeira para professores procurou focalizar as apropriações realizadas por eles, as inter-relações que poderiam ser estabelecidas com sua prática docente e em que medida os assuntos tratados no curso foram suficientes para que desenvolvessem as aulas de Capoeira nas escolas. O acompanhamento e análise das aulas de educação física que abordaram a Capoeira tiveram como finalidade perceber como as professoras trabalharam com os conhecimentos estudados no curso e de que forma esses conhecimentos foram tratados junto aos seus alunos. Como considerações finais da pesquisa, pode-se afirmar que o curso de Capoeira para os professores foi bastante positivo, pois eles tiveram contato com os diferentes aspectos dessa manifestação permitindo que se apropriassem de um repertório básico de gestos, músicas, elementos históricos, lendas e rituais que constituem a Capoeira. Dois pontos que merecem destaque na análise dos resultados gerados nesse curso são: a participação de um Mestre de Capoeira na mediação do processo de ensino-aprendizado dos professores, fato que se mostrou bastante positivo; e a insegurança demonstrada por alguns professores para ministrar o conhecimento Capoeira em suas aulas, que suscitou reflexões sobre o ensino-aprendizado relativo a esse conhecimento na formação continuada de professores de educação física. No que se refere às aulas de educação física que abordaram o tema Capoeira nas escolas, foi percebido que o trabalho das professoras analisadas teve uma boa repercussão entre a maioria dos alunos permitindo que compreendessem a Capoeira como uma linguagem composta por gestos, histórias, músicas e ritos. Porém, notou-se que o seu ensino-aprendizado poderia ser aprofundado se fosse realizado conjuntamente com outras disciplinas, em especial, com o componente curricular: Arte. Por fim, constatou-se que a Capoeira pode constituir-se como um conhecimento relevante que possui um acervo gestual próprio e específico a ser tratado na educação física escolar privilegiando a abordagem das produções culturais do povo brasileiro, merecendo, portanto, ser estudado nas escolas.

Palavras-chaves: Capoeira, educação física escolar, ensino-aprendizado da Capoeira, cultura corporal.

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ABSTRACT

This work has as the main objective to discuss possibilities of Capoeira’s teach-learning on school physical education understanding it like a language which the gestuality, musicality, historical aspects and the rituality make up a collection to be appropriate for the way that students could understand and practice. In this perspective a search was developed that involved a field work divided in two steps: 1st Capoeira’s course to physical education that works for public elementary school in the Metropolitan Region of Campinas; 2nd Follow up of Capoeira classes developing by two teachers in the context of physical education classes from 1st to the 4th grade of basic school. The analysis of Capoeira’s course for teachers looked for focalized the appropriation realized for it, the inter-relations that could be established with the professor practice and how the subjects discussed at the course had been enough to developing Capoeira classes at schools. The physical education classes follow up and analysis that deal with Capoeira had the aim of to realize how teachers work with the course’s knowledge and how this knowledge was discussed with your students. To sum up the search I can say that Capoeira’s course for teachers was very positive because they had contact with different aspects of this manifestation allowing that they appropriate of a basic gesture, music, historic elements, legends and ritual amount that Capoeira consists. However, there were two points that deserves prominencein the analysis of the results generated in this course: a Capoeira’s Masters involvement in the teachers teach-learning process, this was a very positive attitude and the insecurity showed by some teachers to teach the knowledge about Capoeira in their classes, this cause a reflect on how to be occur the teach-learning about this knowledge in the continued formation of physical education’s teachers. Talking about physical education classes that deal with Capoeira at the schools was realized that the teachers analyzed had a good repercussion for the most of students allowing Capoeira comprehension like a language consists of gestures, histories, music and ritual. Than realized that the teach- learning could be deeper if was make with others subjects, especially, with the grade of Arts. Finally, one evidence that Capoeira can be a relevant knowledge that possesses a proper and specific gestures amount to be treated on school physical education privileging the boarding of the cultural productions of the Brazilian people deserving to be studied in the schools.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Fig. 1 - Mestre Tulé na demonstração dos gestos que compõe a benção ... 131

Fig. 2 – Mestre Tulé na demonstração dos gestos que compõe a negativa ... 133

Fig. 3 – Mestre Tulé na demonstração dos gestos que compõe meia lua de frente ... 135

Fig. 4 – Mestre Tulé na demonstração dos gestos que compõe a negativa – continuação ... 136

Fig. 5 - Foto do pátio coberto da escola Giramundo ... 158

Fig. 6 - Foto da quadra externa da escola Giramundo... 158

Fig. 7 - Quadra externa e o parquinho com brinquedos da escola Giramundo... 158

Fig. 8 - Parquinho com brinquedos de madeira da escola Giramundo ... 158

Fig. 9 - Painel da educação física da escola Giramundo... 158

Fig. 10 - Refeitório coberto da escola Giramundo... 158

Fig. 11- Avaliação da escola Giramundo. Tema: Atabaque... 178

Fig. 12 - Avaliação da escola Giramundo. Tema: História do Mestre Pastinha ... 178

Fig. 13- Avaliação da escola Giramundo. Tema: Roda de Capoeira ... 178

Fig. 14 - Avaliação da escola Giramundo. Tema: História do Berimbau e aula no tatame ... 179

Fig. 15 - Avaliação da escola Giramundo. Tema: História do Berimbau em quadrinhos... 179

Fig. 16 - Avaliação da escola Giramundo. Tema: História do Berimbau e bananeira ... 180

Fig. 17 - Desenho do Mestre Tulé. Escola Giramundo ... 181

Fig. 18 - Pátio/estacionamento coberto da escola Mundogira... 183

Fig. 19 - Caminho entre o pátio/estac. e a quadra coberta da escola Mundogira... 183

Fig. 20 - Interior da quadra coberta da escola Mundogira... 183

Fig. 21 - Refeitório coberto da escola Mundogira... 183

Fig. 22 - Uma sala de aula da escola Mundogira... 183

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SUMÁRIO

Introdução – “Quem entrou na roda foi uma mulher, camará!” ... 01

Capítulo I – Capoeira e Educação Física: relações possíveis... 15

1.1. Apresentando a Capoeira ... 15

1.2. Diferentes propostas para o ensino da Capoeira ... 34

1.3. Capoeira e educação física escolar ... 52

Capítulo II – O curso de Capoeira para os professores ... 71

2.1. Organização do curso ... 73

2.2. O mestre convidado ... 75

2.3. Planejamento das atividades ... 82

2.4. Os professores ... 90

2.5. As primeiras aulas ... 109

2.6. A rotina das aulas ... 119

Capítulo III – As aulas de Capoeira na escola ... 151

3.1. A inserção da Capoeira nas escolas ... 153

3.2. A escola Giramundo... 157

3.3. A escola Mundogira... 182

Considerações Finais ... 207

Referências Bibliográficas... 213

Apêndice 01 – Lista de apelidos dos professores... 223

Apêndice 02 – Termo de consentimento livre e esclarecido dos professores... 227

Anexo 01 – Artigo sobre a Rainha Jinga ... 231

Anexo 02 - Artigo sobre Besouro Cordão de Ouro ... 237

Anexo 03 – Artigo sobre Besouro de Mangangá... 241

Anexo 04 – Artigo sobre as Maltas ... 245

Anexo 05 – Artigo sobre Manduca da Praia ... 251

Anexo 06 - Partituras dos toques de berimbau de barriga executados por Mestres de Capoeira da Bahia ... 255

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Introdução

“Quem entrou na roda foi uma mulher, camará!”

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Não é nada, não é nada, a roda. Se o vazio ou o traço? Bom, do vazio Deus fez este mundão todo. Não é nada o traço? Mas a criatura só existe quando deixa marca, traça.2

Tudo começou em 1996, como se a roda de Capoeira3 estivesse formada e eu, ao pé do berimbau, aguardasse o momento em que o mestre cantaria:

“- Iê, dá volta ao mundo!”4

Pensando a roda de Capoeira como uma metáfora da vida, no qual o mundo “dá voltas” e “[...] viver é muito perigoso!”5, ponho-me a narrar um pouco de minha história, como se fosse uma ladainha6. Peço, então, que os gungas7 iniciem o toque de Angola8 para que eu comece esse “canto”, em uma espécie de memorial dos anos de Capoeira e dos caminhos percorridos durante o doutorado.

- Iê!9

Havia me formado bacharel em Recreação e Lazer na Faculdade de Educação Física10 da UNICAMP e estava namorando um mestre de Capoeira. Nunca havia praticado Capoeira

1 Refrão de uma cantiga de Capoeira de domínio público. 2

Trecho do texto “Santugri”. SODRÉ, Muniz. Santugri – histórias de mandinga e capoeiragem. Rio de Janeiro: José Olympio, 1988, pp.15-17.

3 Adotarei o termo Capoeira com a inicial maiúscula quando me referir à manifestação cultural e capoeira com a inicial minúscula quando for tratar de seus praticantes até o período de sua legalização, na década de 1930. 4

Essa expressão é um tipo de senha que, após o canto da ladainha, é dita para comunicar que o jogo entre os parceiros/adversários já pode ser iniciado.

5 Fala do personagem Riobaldo da obra de ROSA, Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006, p.25.

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A ladainha é um canto inicial que precede o jogo da Capoeira no qual é narrada uma história, um fato ou até mesmo é feita uma referência (cantando as qualidades) ou provocação (cantando os defeitos) do parceiro/adversário de jogo.

7 Palavra sinônima de berimbau. 8

É um ritmo do berimbau que é mais lento e acompanha o capoeirista no canto da ladainha.

9 Iê significa um pedido de atenção. Nesse caso é uma palavra usada para dizer que a ladainha vai começar. 10 Utilizarei o termo Educação Física com as iniciais em letras maiúsculas para designar a área de conhecimento e educação física com as iniciais em letras minúsculas para tratar do componente curricular na escola.

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na vida e pensar na possibilidade de experimentar essa prática arrepiava-me. Mas, o mestre foi claro:

“- Toda namorada minha aprende Capoeira!”

Essa frase soou-me como um pedido, decidi aceitar o desafio e comecei a praticar Capoeira.

No começo, achei um pouco estranho aqueles instrumentos musicais diferentes, aquela música que me parecia um tanto entediante, mas tinha algo que me chamava a atenção e deixava-me sempre com vontade de voltar às aulas, não sabia bem o quê. Não era só a presença do mestre, que por sinal, e acima das relações afetivas, era ótimo, mas aquela prática tinha uma aura de mistério. Foi no aprendizado da Capoeira que adquiri gosto por essa prática corporal e através do seu estudo que muitos dos mistérios foram sendo desvendados.

Desde criança, ouvira falar muito pouco de Capoeira, por sinal, quando alguém se referia a essa prática, sempre a associava com coisa de malandro, de “preto”11, de macumbeiro! Coisa para homem, e, em geral, desclassificado, vagabundo! Não era “coisa” para uma menina branca, estudada e de família. Então, a Capoeira para mim, só poderia ser algo ruim, pelo menos até a minha experiência tornar-se real e palpável.

E ela materializou-se através das duas aulas semanais que eu fazia juntamente com uma turma na qual a maioria dos alunos eram, na verdade, ALUNAS!

O mestre naquela época era convidado de um professor do Instituto de Artes Corporais da UNICAMP, que solicitou que ele ministrasse o curso de Capoeira, na modalidade de extensão universitária, priorizando o(a)s aluno(a)s do curso de Dança, mas era permitida a participação de outro(a)s aluno(a)s da universidade e a comunidade em geral, desde que houvessem vagas.

Dessa maneira, minha turma de Capoeira, era repleta de estudantes de dança, que na maioria eram mulheres e moças. Esse foi um dos paradigmas quebrados na minha vida capoeirística.

Mas, não o único, o primeiro deles foi com relação à Capoeira ser muito mal vista na sociedade brasileira, fato que mudou bastante nos últimos anos. Muitos pesquisadores que estudam essa manifestação cultural confirmam a visão preconceituosa do passado. Reis

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(1997), que estudou a Capoeira paulistana na década de 1980, menciona que:“Em 1878, o chefe de polícia do Rio de Janeiro, imbuído dos pressupostos evolucionistas de sua época, considerava a capoeira como uma “doença moral que prolifera em nossa civilizada cidade” (REIS, 1997, p.24)

Vieira e Assunção (2008), outros estudiosos do tema Capoeira, referem-se às mudanças vividas pela Capoeira da seguinte forma:

A percepção da capoeira também mudou radicalmente. De ofensa contra a ordem pública, passível de correção imediata com açoite, e de costume bárbaro de negro, obstáculo ao progresso que precisava ser erradicado, passou a ser vista como folclore exótico, digno de preservação e matriz e uma luta genuinamente brasileira. (VIEIRA e ASSUNÇÃO, 2008, p.10)

Falcão (2008) que estudou a internacionalização da Capoeira, nos últimos anos, também aborda sua transformação:

Se no início do século XX a capoeira se configurava como uma prática de negros recém-libertos da escravidão no Brasil, atualmente, no despertar do século XXI, ela é praticada por pessoas de diferentes etnias e classes sociais de mais de cento e trinta países do mundo [...]

Se à época da escravidão no Brasil o sangue jorrava da caneta do feitor em sistemáticas investidas contra a capoeira, nos últimos anos, ela passou a receber do poder público um tratamento bem diferente, materializado por algumas iniciativas de reconhecimento e valorização desse importante símbolo da cultura brasileira. (FALCÃO, 2008, pp.123-124)

Todas as mudanças sofridas pela Capoeira ocorreram paulatinamente no decorrer do século XX e início deste século e as mesmas são apontadas no item Apresentando a

Capoeira do capítulo I, quando situo as transformações da Capoeira que de “doença moral”

transformou-se em patrimônio imaterial brasileiro.

Outra visão que foi quebrada diz respeito à participação feminina na Capoeira. Há uma tradição masculina construída ao longo dos séculos na prática da Capoeira e alia-se a isso o fato que, por vezes, essa manifestação ser reduzida à arte/luta marcial, campo em que recentemente as mulheres inseriram-se, de acordo com os estudos de Castellani Filho (1991).

Esse autor afirma que a Educação Física para as mulheres, no início do século XX, abrangia apenas os trabalhos manuais, os jogos infantis, a ginástica educativa, entre outras

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atividades compatíveis com a “fragilidade feminina”. As mulheres eram proibidas de praticar lutas de qualquer natureza, futebol, futebol de salão, futebol de praia, pólo aquático, pólo, rugby, halterofilismo e baseball. Essa divisão de exercícios devia-se ao argumento, naquele período, que os exercícios deveriam ser adequados à delicadeza do organismo das mães, uma vez que estes tinham por função construir um corpo feminino apto a suportar a nobre tarefa da reprodução.

Esta situação persistiu por muitos anos e foi a partir da década de 1960, com a luta feminista, com o desenvolvimento tecnológico e com a invenção da pílula anticoncepcional - que possibilitou à mulher viver sua sexualidade de maneira mais autônoma - que aos poucos a inserção feminina no mercado de trabalho passou a ocorrer de forma mais efetiva. Essas alterações acarretaram, por um lado, numa dupla jornada de trabalho para a maioria das mulheres que passaram a assumir uma profissão no mercado de trabalho, além de cuidar dos serviços domésticos. Mas, por outro lado, houve muitos ganhos como a independência financeira, a possibilidade de planejamento familiar, maior independência para suas ações e a participação feminina nas atividades esportivas antes proibidas para as mulheres.

Em 1979, o Conselho Nacional dos Desportos foi obrigado a liberar a prática de artes marciais para as mulheres, após grande polêmica gerada pela participação de atletas mulheres que forjaram sua identidade para competir e sagraram-se vencedoras.12

Dessa forma, no caso específico da Capoeira, que tem certa proximidade com as modalidades esportivas ligadas às lutas ou artes marciais, o preconceito existiu e ainda existe, não só da mulher jogar, mas também de tocar instrumentos, cantar e comandar uma roda de Capoeira. Essa manifestação cultural ainda faz parte de um mundo masculino, do qual a mulher sente-se “permitida” a participar, conforme destaca Bruhns (2000) em seus estudos.

Entretanto, sua prática tem crescido e a cada dia a Capoeira vem conquistando espaço privilegiado dentro da sociedade. Esta manifestação cultural tem se expandido muito rápido na última década, ganhando, a cada ano, um grande número de adeptos e adeptas por todo o território nacional, como também no exterior, como demonstra Falcão (2008) em estudo já mencionado anteriormente.

12 Para saber mais sobre episódio consultar CASTELLANI FILHO, L. Educação Física no Brasil: a história que não se conta. 2ª ed. Papirus: Campinas, 1991.

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Esse fator vem fazendo com que muitos grupos repensem a participação feminina e, se o caminho via grupo de Capoeira constituído e com “tradições cristalizadas”13 torna-se inviável, então, cada vez mais, dá-se a organização de grupos de Capoeira só de mulheres ou que privilegiam a presença feminina em sua composição (ARAÚJO, 2008)

Para Rosângela C. Araújo, a Mestra Janja, o desafio que a Capoeira tem na atualidade para inserir a mulher em sua prática é respeitar a diversidade existente na sociedade e construir na prática da Capoeira o direito a equidade. Nesse sentido, torna-se responsabilidade dos professores, mestres de Capoeira e capoeiristas em geral, democratizar o acesso ao conhecimento da Capoeira em seus diferentes aspectos: gestualidade, musicalidade, rituais, história, filosofia, sem distinção de sexo, etnia, religião ou outras diferenças. No caso específico da participação feminina, ela ressalta que é necessário às mulheres a busca de uma estética gestual e musical que esteja em sintonia com sua condição, ou seja, que não seja preciso imitar a postura masculina para ser reconhecida no meio capoeirístico14 (ARAÚJO, 2008). Nesse caso cito como exemplo, as mulheres que cantam na roda de Capoeira e procuram fazer uma voz mais grave.

Talvez eu tenha tido muita sorte, pois quando iniciei minha incursão na Capoeira, essas questões relativas ao seu aprendizado amplo já se faziam presente, bem como a estética gestual era marcadamente feminina, pois a presença de dançarinas era bastante grande. Inclusive, por vezes, tinha-se que tomar cuidado em não transformar uma armada15 em um giro de ballet.

Por isso eu considerava as aulas deliciosas!

Trago algumas informações a respeito das aulas que freqüentei no início de meu aprendizado da Capoeira no Capítulo II, O curso de Capoeira para professores.

A música que era enfadonha ganhou sentido e significado em meu aprendizado e tornou-se um desafio, pois tocar um berimbau é algo que só se aprende com perseverança.

13 Em uma publicação do Ministério de Relações Exteriores, a saber: Entrevista com Senhora Rosângela C. Araújo (Mestre Janja). In: Textos do Brasil. Brasília: Ministério das Relações Exteriores, vol. 1, n. 14, 2008, pp.99-101; com fins de divulgação da Capoeira em diversos países, Mestra Janja (Rosângela C. Araújo) relata que há grupos que baseados em certas “tradições”, por eles criadas, não deixam mulheres tocar berimbau e “puxar” a ladainha inicial da roda de Capoeira, mesmo que à elas seja ensinado esse tipo de conhecimento. 14 Entendo por mundo da Capoeira ou mundo capoeirístico o universo cultural produzido pelos praticantes desta manifestação cultural, não vinculados ao meio universitário.

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Os demais instrumentos eram igualmente desafiadores e aprender a tocá-los foi um processo longo.

Os gestos do jogo da Capoeira e seu ritual começaram a me fascinar, porém, o repertório gestual mostrou-se infinito, repleto de possibilidades, motivo pelo qual fui aprendendo que a Capoeira é um diálogo, que tem sua própria linguagem. E, se ao dialogarmos usamos diferentes palavras, frases, gírias e expressões, aprendi que no jogo da Capoeira isso também é possível a partir do domínio de um repertório de gestos que incluem golpes, contra-golpes, fintas, acrobacias e teatralização. A autora Maria José S. Barbosa (2005), em seu artigo que trata das cantigas de Capoeira como parte do processo de aprendizado dessa manifestação esclarece que:

A polifonia das vozes—representada pelas letras das cantigas, pelos sons dos instrumentos, pelo barulho dos corpos se locomovendo e pelas palmas dos observadores - é uma das características mais proeminentes da capoeira. O jogo da capoeira desenvolve-se, portanto, como um diálogo, uma conversa de corpos abertos e fechados que se amoldam à coreografia das palavras. O êxito de cada jogada e do jogo como um todo depende da loquacidade corporal dos jogadores e da sua capacidade de ver a roda de capoeira como um espaço de mediação corporal, linguístico e cultural.” (BARBOSA, 2005, pp.78-79)

Considero que o ritual da Capoeira é que lhe dá um ar de mistério que a remete à ancestralidade de uma prática que remonta tempos imemoriais e esse ponto foi a mola propulsora de meus estudos relativos a essa prática.

Eu me inquietava diante da possibilidade de imaginar que há séculos aquela prática havia sido inventada e ainda não havia muitos estudos, na área da Educação Física, em que a Capoeira fosse pensada como uma manifestação cultural.

Diante disso, em 1998, comecei a construir um projeto de mestrado que pudesse investigar a Capoeira englobando sua história e relacionando-a com a área de Educação Física. É válido mencionar que até delinear um objeto de estudo foi necessário muito tempo e a colaboração de acadêmicos de diversas áreas do conhecimento, bem como, de pessoas do meio capoeirístico.

15 Armada ou meia lua de costas é um golpe da Capoeira que é realizado com um giro de 360º do corpo, elevando-se uma das pernas fazendo uma parábola em seu percurso que sai da parte postero-anterior em direção contrária.

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O resultado do trabalho de mestrado veio a público em 2002, com a dissertação desenvolvida sob a orientação do Prof. Dr. Lino Castellani Filho, que abordou as inter-relações estabelecidas entre a Capoeira e a Educação Física, a partir do final do século XIX e ao longo do século XX16.

Na investigação, busquei compreender como os estudiosos da Educação Física apropriaram-se da prática social Capoeira e das produções derivadas desse tema. Para essa tarefa, fiz um estudo bibliográfico das obras referentes à Capoeira nas áreas de Educação Física, História, Antropologia e Sociologia, e igualmente, àquelas pertencentes ao mundo capoeirístico. Procurei complementar o material analisado com dados de fontes bibliográficas originárias de revistas publicadas nos últimos vinte anos que tratavam do tema Capoeira.

Pude apreender ao longo da construção do trabalho que a história da prática social Capoeira serviu de pano de fundo para a compreensão da inserção desta manifestação cultural em nossa sociedade. E foi a partir do estudo de seu percurso histórico que pude traçar os paralelos existentes entre a Capoeira e a área de Educação Física.

Em um período próximo à defesa da dissertação, em 2002, iniciei minha carreira docente no ensino superior ministrando aulas para os alunos de graduação do curso de Educação Física e de Turismo. Fui responsável pelas disciplinas relativas à Recreação e Lazer, Desenvolvimento de Projetos na área de Lazer e Turismo e Trabalhos de Conclusão de Curso, todas essas afetas ao meu perfil profissional ligado à recreação e lazer. Porém, com os estudos do mestrado, pude assumir as disciplinas de História da Educação Física, Ritmo, Danças Brasileiras e Capoeira, sendo estas últimas três aquelas em que me mantive inserida na ponte entre a Capoeira e a Educação Física.

Essa primeira experiência de ensinar a Capoeira aos alunos do ensino superior ocorreu graças ao convite do Prof. Dr. Odilon José Roble que trabalhava com as disciplinas “Dança” e “Ritmo”, no curso de Educação Física, do Centro Universitário de Espírito Santo do Pinhal (UNIPINHAL), em Espírito Santo do Pinhal/SP e propôs-me que compartilhasse com ele metade da carga horária dessas disciplinas. Aceitei o convite e iniciei um trabalho de

16 Trata-se do trabalho de SILVA, Paula Cristina da Costa. A Educação Física na roda de Capoeira: entre a tradição e a globalização. Dissertação (Mestrado em Educação Física), Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, 2002.

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introdução à Capoeira com os alunos do 1º semestre. Era uma aula semanal de quatro horas, nas quais procurei englobar vários aspectos dessa manifestação cultural. Os alunos aprenderam a ginga, alguns golpes, contragolpes e defesas, um pouco sobre os instrumentos musicais da Capoeira (não houve tempo e nem estrutura material para ensinar-lhes a tocar), sua história e suas cantigas. Ao final da disciplina, solicitei que a avaliação fosse um seminário realizado em grupos e que cada grupo fizesse um planejamento de uma aula de Capoeira para diferentes públicos (crianças de três a seis anos, crianças de sete a nove anos, pré-adolescentes, adolescentes, adultos e idosos). A idéia era estimulá-los para reflexão sobre as possibilidades de ensino da Capoeira. A partir das trocas de conhecimentos nas aulas, a idéia de desenvolver um trabalho de pesquisa sobre o ensino da Capoeira começou a se desenhar mais concretamente.

Outra experiência que tive sobre o ensino da Capoeira foi nas Faculdades Integradas de Amparo, em Amparo/SP, em 2004, para os alunos do curso de Educação Física. Mas, nesse caso, a disciplina era “Capoeira”, sendo a carga horária a mesma da experiência anterior, somente quatro horas semanais. Dessa vez, já tinha alguns indícios para o desenvolvimento da disciplina e considero que as aulas foram mais interessantes e encadeadas. Procurei trabalhar o ensino dos gestos (golpes, contragolpes e defesas) de forma mais sincronizada com a história da Capoeira. Essa abordagem não tinha sido realizada na primeira experiência. Não deixei de apresentar aos alunos a parte musical, porém novamente me deparei com a falta de estrutura material (poucos berimbaus, pandeiros e somente um atabaque para uma turma de trinta alunos) e de tempo. Em ambas as ocasiões, considero que um semestre letivo foi muito pouco para que os alunos tivessem uma vivência significativa e que pudessem trabalhar a Capoeira na escola ou em outros locais, após o término do curso de graduação.

Paralelamente ao trabalho docente, em 2003, fui convidada a retomar os trabalhos ligados à área de políticas públicas no campo do lazer e esporte. Assumi o cargo comissionado de agente cultural da região de Nova Aparecida, em Campinas/SP e, em 2004, fui convidada a gerenciar a Coordenadoria Setorial de Ação Cultural, o que acarretou em meu afastamento temporário da docência no ensino superior. Com o término da gestão municipal “Democrática e popular”, no final de 2005, voltei a me dedicar novamente ao universo acadêmico.

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No ano seguinte, conheci melhor os meandros da docência universitária, em uma universidade particular, em Campinas/SP. A disputa nas atribuições de aulas, os inúmeros concursos internos - para legitimar a competência do docente que já ministrou a disciplina com a qual disputa a vaga com seus pares -, a desarticulação do movimento dos professores universitários dessa instituição, através do enfraquecimento de luta sindical pela política de carreira docente e a deslegitimação de minha formação como bacharel em educação física, na formação de licenciandos em Educação Física, mostraram-me o difícil caminho na construção da carreira acadêmica nas instituições particulares de ensino superior.

Meu trabalho como docente nessa universidade durou o tempo necessário para eu perceber que minha formação na área de Educação Física, como bacharel em recreação e lazer, já havia “perdido o tempo de validade”. Em 2005, a modalidade de graduação na qual me formei, em 1995, havia encerrado suas atividades e a maioria de meus colegas, somente formados no bacharelado, haviam pedido reingresso na Faculdade de Educação Física, da UNICAMP, para cursar a Licenciatura em Educação Física.

Em dezembro de 2005, fui desligada da universidade na qual dava aulas. Alguns meses antes, eu já havia pleiteado o meu reingresso na UNICAMP, para terminar meu curso de licenciatura em Educação Física e haviam aceitado meu pedido. Eu já havia cumprido boa parte do curso e restava-me apenas um ano de graduação para ser licenciada.

Há coisas surpreendentes nessa vida... Em janeiro de 2006, fui professora homenageada dos formandos em licenciatura em Educação Física e, em janeiro de 2007, licenciei-me em Educação Física. Duas becas diferentes, em dois anos consecutivos, duas vitórias, mas muito sofrimento e alegrias nesses percursos.

Mas, como escreveu um dia o poeta Fernando Pessoa: “Tudo vale a pena, se a alma não é pequena”. Posso considerar que meu retorno ao curso de licenciatura foi decisivo para a concretização desse trabalho, isso porque pude retomar os estudos de temas relativos à psicologia da educação no ensino fundamental, às abordagens sobre o ensino de educação física na escola e fazer as disciplinas de estágio supervisionado e prática de ensino em educação física escolar.

Foi através do estágio supervisionado que tive a oportunidade de conviver com uma professora de educação física do ensino fundamental, de uma escola pública, da rede estadual de ensino e trocar idéias, conhecimentos e desenvolvê-los no contexto do estágio

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referente ao ensino da Capoeira. Considero que essa experiência foi essencial para essa pesquisa, pois me serviu como um “projeto piloto” para as aulas de educação física ministradas no trabalho de campo dessa pesquisa e que serão detalhadas no Capítulo III - As

aulas de Capoeira nas escolas.

Em meio a essa experiência, no decorrer do primeiro semestre de 2006, pleiteei o ingresso na pós-graduação, no nível de doutorado e obtive êxito iniciando meus estudos no 2º semestre de 2006.

Torna-se de extrema relevância mencionar que durante o desenvolvimento do estágio supervisionado, já contava com o apoio da professora da disciplina que, em meio ao desenrolar de minha graduação, no segundo semestre, tornou-se a orientadora dessa tese, a Profa. Dra. Eliana Ayoub. Anteriormente, ela já havia me convidado a fazer parte do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação Física Escolar (GEPEFE), coordenado por ela e do qual atualmente participo. Este grupo é formado prioritariamente por professores de educação física, da rede pública de ensino, e surgiu da necessidade desses professores, que tinham recentemente ingressado na rede estadual de ensino, através do concurso público realizado em 2005, estudarem possibilidades de ensino-aprendizado da educação física e intercambiar conhecimentos para o desenvolvimento de suas aulas. Como muitos deles estavam, pela primeira vez, à frente dos inúmeros desafios da responsabilidade de ministrar aulas às crianças e jovens, a inquietude em como dar aulas e obter experiências exitosas foi o motor da constituição do GEPEFE e ainda o move nessa direção através da reflexão e sistematização do que vem sido desenvolvido pelos professores. Esta pesquisa contou, portanto, com a participação de vários membros desse grupo no decorrer do trabalho de campo.

A minha entrada no programa de pós-graduação, da Faculdade de Educação, no nível de doutorado significou tomar contato com novas perspectivas de estudo no campo educacional. Isso fez com que eu aproveitasse melhor a formação de licenciada em educação física e pudesse compreender as peculiaridades apresentadas entre os referenciais que pautam os estudos mais amplos da escola no campo da Educação e situar a educação física em seu interior.

Destaco, ainda, outras experiências que me ajudaram a compreender melhor a educação física na escola, dentre as quais as participações como: Monitora bolsista de

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Educação à Distância (EAD)17, Estagiária do Programa de Estágio Docente da UNICAMP, na Faculdade de Educação Física18 e Assistente Pedagógica do “Programa Especial para Formação de Professores em Exercício na Rede de Educação Infantil e primeiras séries do Ensino Fundamental da Rede Municipal dos Municípios da Região Metropolitana de Campinas”, o PROESF19. Após esses trabalhos, notei que minha vivência no campo da educação física escolar encontrava-se mais fortalecida e com mais subsídios para perceber as relações entre essa disciplina e as demais no contexto escolar. Além disso, foi possível notar como a educação física ainda necessita afirmar-se como componente curricular fundamental na formação das crianças e jovens, pois cabe a ela, em muitas escolas, ainda o papel de mera “atividade”. Trato essa problemática relativa à inserção da educação física na escola para além de atividade curricular nos Capítulo I, no item Capoeira e educação física escolar.

Fazendo um balanço do que vivi nestes anos do curso de doutorado posso dizer que minha experiência acadêmica e profissional foi renovada.

Lembro-me, por ocasião da defesa de minha dissertação de mestrado, que o exercício de minha profissão oscilava entre o campo do lazer e das políticas públicas em lazer e recreação. Por vezes, quando relia e deparava-me com os meandros de minha dissertação, observava a semente do que hoje produzo nessa tese; entretanto, relutava em aceitar o desafio e começar (praticamente do zero) o trabalho profissional no campo da educação física escolar. Após aceito, hoje sinto que realmente venho tornando-me, cada vez mais, uma professora de educação física, tanto na luta diária do ensinar, como na utopia de que essa disciplina seja considerada de extrema importância para a formação das pessoas.

Dessa forma, procurei elaborar um trabalho que pudesse contribuir com alguns subsídios referentes aos estudos relativos à educação física escolar tratando da inclusão de

17 Refiro-me à minha participação como bolsista de EAD no curso de Especialização em Gestão Educacional, oferecido pela Faculdade de Educação, da UNICAMP, em parceria com o Governo do Estado de São Paulo, ministrado a todos os diretores do Estado de São Paulo, no ano de 2006.

18

Durante os dois semestres de 2007, fui estagiária na disciplina de “Estágio Supervisionado e Prática de Ensino de Educação Física I e II”, sob a supervisão da Profa. Dra. Eliana Ayoub; no primeiro semestre de 2008, atuei como estagiária da disciplina “Estágio Supervisionado em Educação Física 1”, sob supervisão da Profa. Dra. Helena Althmann, Profa. Dra. Elaine Prodócimo e Prof. Dr. Ademir de Marco; e, no segundo semestre de 2008, trabalhei juntamente com a Profa. Dra. Elaine Prodócimo nas disciplinas “Estágio Supervisionado em Educação Física 2” e “Educação Física no ensino fundamental”.

19 Ministrei as aulas da disciplina “Teoria Pedagógica e Produção de Conhecimento em Educação Física” no decorrer dos primeiros semestres de 2007 e 2008, fazendo parte do corpo docente de Assistentes Pedagógicas – APs – da referida disciplina, sob supervisão da Profa. Dra. Eliana Ayoub.

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um dos temas da cultura corporal em suas aulas, nesse caso a Capoeira. Adoto o conceito de cultura corporal de acordo com o Coletivo de Autores (1992, p. 38) que propõe "uma perspectiva de reflexão sobre a Cultura Corporal" que

[...] busca desenvolver uma reflexão pedagógica sobre o acervo de formas de representação do mundo que o homem tem produzido no decorrer da história, exteriorizadas pela expressão corporal: jogos, danças, lutas, exercícios ginásticos, esporte, malabarismo, contorcionismo, mímica e outros, que podem ser identificados como formas de representação simbólica de realidades vividas pelo homem, historicamente criadas e culturalmente desenvolvidas.

Para tanto, realizei uma pesquisa de campo em duas fases:

1ª. Curso de Capoeira para professores de educação física que atuam no ensino fundamental da rede pública da Região Metropolitana de Campinas (RMC)20, que teve como objetivo propiciar-lhes um contato com a Capoeira em um programa de atividades com vistas ao seu desenvolvimento nas aulas de educação física escolar.

2ª. Acompanhamento das aulas de Capoeira desenvolvidas por duas professoras no contexto da educação física, para turmas de 1ª a 4ª série do ensino fundamental, com a intenção de discutir algumas experiências relativas ao ensino-aprendizado da Capoeira nas aulas de educação física escolar.

Assim, essa pesquisa tem como objetivo primordial discutir possibilidades do ensino-aprendizado da Capoeira na educação física escolar.

O presente texto está estruturado em três capítulos, sendo que, no primeiro, abordo a Capoeira, apresentando suas características, passagens de sua história no Brasil e como ela encontra-se na atualidade contextualizada na sociedade brasileira. Apresento, ainda, algumas propostas para seu ensino, englobando aquelas advindas de intelectuais das Forças Armadas, da área da Educação Física e do próprio meio capoeirístico, procurando mostrar as possibilidades de inserção da Capoeira como conhecimento a ser estudado na educação física escolar. Detenho-me também na análise de obras sobre o ensino da Capoeira na educação

20

A Região Metropolitana de Campinas (RMC) engloba dezenove municípios paulistas: Americana, Artur Nogueira, Campinas, Cosmópolis, Engenheiro Coelho, Holambra, Hortolândia, Indaiatuba, Itatiba, Jaguariúna, Monte Mor, Nova Odessa, Paulínia, Pedreira, Santa Bárbara d’Oeste, Santo Antônio de Posse, Sumaré, Valinhos e Vinhedo. Possui uma população de 2.633.523 habitantes desse total 39,5% são moradores da cidade de Campinas, sede dessa região. Tem a quarta colocação de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Esses dados foram obtidos em:

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física escolar que me serviram de base para a elaboração dos planos de aula do trabalho de campo da pesquisa, tanto no curso para os professores, como nas aulas nas escolas.

O capítulo seguinte refere-se ao curso de Capoeira para os professores de educação física, no qual apresento seus participantes, o mestre convidado e o processo de ensino-aprendizado desenvolvido nessa fase da pesquisa, bem como alguns aspectos vivenciados pelos professores durante as aulas, buscando estabelecer relações entre a prática docente e o ensino-aprendizado da Capoeira.

No terceiro capítulo, passo a descrever o processo de ensino-aprendizado da Capoeira nas aulas de educação física desenvolvido nas duas escolas em que realizei o trabalho de campo. Essa descrição baseou-se nos planos de ensino do conhecimento Capoeira e na discussão acerca de alguns pontos marcantes desse processo, como por exemplo, a avaliação do que os alunos apreenderam durante as aulas.

Nas considerações parciais, aponto o que ainda pode ser aprofundado nesse texto, com vistas à sua entrega definitiva no programa de pós-graduação, e retomo alguns aspectos relevantes sobre a discussão do ensino-aprendizado da Capoeira nas aulas de educação física escolar.

SECRETARIA DE ECONOMIA E PLANEJAMENTO DO GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Disponível em <http://www.ppa.sp.gov.br/perfis/PerfilRMCampinas.pdf. Acesso em 24 de set. 2008.>

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CAPÍTULO I

Capoeira e Educação Física: relações possíveis

“Capoeira me mandou Dizer que já chegou ...”21

1.1. Apresentando a Capoeira

A Capoeira, manifestação de origem escrava, que no Brasil faz-se presente há séculos, ocupou na sociedade colonial e imperial um papel ligado à marginalidade sendo perseguida e reprimida. Nesse período, sua prática era feita por escravos favorecendo, em certa medida, sua resistência cultural.

Abreu (2008), em texto que trata da repressão às manifestações escravas, escreve que a Capoeira e outros folguedos de origem africana, denominados batuques (porque incluíam em sua execução o toque de tambores ou/e marimbas) eram perseguidos recorrentemente nos centro urbanos daquele período, com destaque para o Rio de Janeiro/RJ, Salvador/BA e Recife/PE, pois perturbavam a ordem pública e incentivavam a conspiração escrava contra o regime instaurado.

Recentemente, com o levantamento de documentos históricos sobre as passagens criminais dos capoeiras22, no decorrer dos séculos XIX e XX, alguns historiadores vêm se debruçando em estudos sobre essa manifestação cultural, majoritariamente aquela praticada no Rio de Janeiro e na Bahia.

Um dos estudiosos que trata da Capoeira escrava é Carlos Eugênio Líbano Soares e apresenta-a, em suas obras, imersa em um sistema social escravagista complexo. Nesse universo social, o autor considera a cultura daquele período como "[...] um processo em constante difusão, e que reflete as relações dentro da sociedade, se intercambiando entre livres e escravos em uma troca permanente [...]” (SOARES, 1993, p.8). É a partir desse

21

Trecho da música Berimbau, de Baden Powell e Vinicius de Moraes.

22 Faço uma distinção na terminologia capoeira e capoeirista. Quando me refiro ao capoeira estou tratando dos praticantes de Capoeira antes de sua criminalização. E capoeirista, refere-se aos seus praticantes após a década 1930, pois remete ao termo Esporte e a palavra esportista, ou seja, o praticante de Capoeira é o capoeirista como o praticante de uma modalidade esportiva é um esportista.

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contexto que ele aborda em suas duas obras23 a Capoeira na primeira metade do século XIX e a etnia dos escravos-capoeiras. Traz ainda o debate sobre os mecanismos de resistência escrava no ambiente opressor da cidade do Rio de Janeiro, a formação das maltas e sua composição, a influência dos imigrantes portugueses na Capoeira, a participação dos capoeiras na política Imperial, na Guerra do Paraguai, nas Forças Armadas e as repressões sofridas por essa prática cultural durante todo o século XIX.

Vale a pena ressaltar a presença marcante das maltas de Capoeira no Rio de Janeiro no decorrer do século XIX, pois a organização desses grupos de capoeiras e suas incursões nos territórios da cidade foi ponto determinante para a inclusão dessa manifestação no código penal, em 1890. Abreu (2008, p.41) afirma que:

Os tempos tumultuosos da capoeira, como revelam os dados históricos, foram mais freqüentes e intensos na cidade do Rio de Janeiro, cidade na qual os capoeiras, tiveram mais influência e participação na vida cotidiana do que em qualquer outro local no século XIX. O noticiário dos jornais da época dão conta disso ao narrarem as ações das maltas (grupos de capoeira adversários entre si) em conflito com elas próprias e a polícia, para demarcarem geograficamente parte da cidade com o fim de exercerem o domínio e o poder paralelo. As notícias desses jornais acusam a veemente participação dos capoeiras do Rio em outros aspectos da vida da cidade, como na vida política, com sérios envolvimentos em eventos como a Abolição da Escravatura (1888) e a Proclamação da República (1889). Foi muito por conta do comportamento social dos capoeiras no Rio de Janeiro que se justificou a inclusão da capoeira como crime no Código Penal da República.

Antônio Liberac C. S. Pires é outro historiador que estudou a Capoeira no final do século XIX e início do XX, no Rio de Janeiro e na Bahia. Ele expôs, em seus trabalhos24, a construção de símbolos étnicos, identidades sociais, a origem e os paradigmas dessa prática cultural. Procurando romper com a visão existente sobre a Capoeira como prática de

23 Refiro-me aos seguintes trabalhos: SOARES, Carlos Eugênio L. A negregada instituição: capoeiras no Rio de Janeiro (1850-1890). (1850-1890). 1993. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCH), Universidade Estadual de Campinas, Campinas. E a obra SOARES, C.E.L. A capoeira escrava e outras tradições rebeldes no Rio de Janeiro (1808 – 1850). Campinas: UNICAMP/Centro de Pesquisa em História Social da Cultura, 2001.

24 Trata-se das obras: PIRES, Antônio Liberac C.S. Movimentos da cultura afro-brasileira: a formação histórica da capoeira contemporânea (1890 – 1950). 2001. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCH), Universidade Estadual de Campinas, Campinas e PIRES, A.L.C.S. A capoeira na jogo das cores: criminalidade, cultura e racismo na cidade do Rio de Janeiro (1890-1937). 1996. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCH), Universidade Estadual de Campinas, Campinas.

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marginais, o autor valeu-se da documentação histórica para demonstrar que esta era estreitamente vinculada à classe trabalhadora, em sua maioria trabalhadores de rua, como os carregadores, carroceiros, vendedores ambulantes, entre outros. Ele procurou, em seus trabalhos, proporcionar uma visão geral sobre a capoeiragem no Rio de Janeiro, na segunda metade do século XIX (as práticas culturais, sociais, políticas e econômicas dos capoeiras), as relações de solidariedade e conflito vividas pelos praticantes bem como suas faixas etárias, ocupações, raças, condições habitacionais e familiares. Seus estudos referentes à Capoeira, no início do século XX, foram ampliados abrangendo, além das práticas culturais dos capoeiras do Rio de Janeiro/RJ, também aquelas afetas aos da Bahia (Salvador e Recôncavo baiano) delineando o perfil desses capoeiras e o processo de constituição da tradição da Capoeira baiana.

No que se refere à tradição, considero relevante abordar o processo de reinvenção da tradição25 da Capoeira baiana, termo cunhado por Letícia V. S. Reis (1997), que deu origem ao que se considera hoje a Capoeira Moderna26. Esse processo ocorreu no decorrer das décadas de 20, 30, 40 e 50, do século XX, encabeçado por inúmeros capoeiras que, clandestinamente, ensinavam essa manifestação. Seu auge foi em 1937, quando Manoel dos Reis Machado, o Mestre Bimba, criador da Capoeira Regional, obteve êxito na luta iniciada há tempos pelos capoeiras para sua retirada do rol de atividades incluídas como contravenção penal. Entretanto, Vicente Ferreira Pastinha, o Mestre Pastinha, outro ícone da capoeiragem baiana, seguiu o caminho aberto pela legalização da Capoeira criando outra forma de organizá-la, jogá-la e pensá-la: a Capoeira Angola.

Poder-se-ia destacar algumas diferenças existentes entre essas duas modalidades. A Capoeira Angola busca uma maior aproximação com a cultura africana. Existe a preocupação dos “angoleiros”27 em manter algumas características encontradas na forma “antiga” da Capoeira, antes de sua legalização, o que justifica, da parte desses praticantes,

25 O termo reinvenção da tradição é utilizado por Reis (1997, p.100), baseado nos estudos do historiador Hobsbawn (1984), e trata do conceito de "tradição inventada", que é definida como "[...] um conjunto de práticas sociais de natureza ritual ou simbólica, que visam inculcar valores e comportamentos por intermédio da repetição o que implica uma continuidade em relação a um passado histórico apropriado".

26 Este termo utilizado pioneiramente por Reis (1997) é adotado para designar o período após a década de 1930 que se caracterizou pelas transformações as quais a Capoeira passou ao longo dos anos. Estas mudanças, por sua vez, englobam a formulação da Capoeira Regional e da Angola e sua hibridização a partir da migração de capoeiristas baianos para o sudeste e, mais atualmente, pode-se considerar sua internacionalização e as metamorfoses daí decorridas como parte constituinte da Capoeira moderna.

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um discurso pautado na pureza de uma Capoeira tradicional; porém, esse fato mostra-se contraditório. Vieira e Assunção (2008, p.13), analisando os estilos da Capoeira atual, afirmam:

[...] é preciso lembrar que a capoeira baiana antes da modernização não era homogênea e uniforme, mas que cada mestre ensinava um conjunto específico de movimentos, ritmos e rituais. Tanto que a capoeira de outros mestres antigos como Waldemar, Cobrinha Verde ou Canjiquinha podia ter características bastante distintas da forma ensinada por Pastinha.

Dessa maneira, nunca houve tradição única e monolítica na capoeira baiana antiga, o que, por sua vez, facilitou que posteriormente cada grupo ressaltasse elementos diversos e mesmo conflitantes da ‘tradição’.

Já para o Mestre Bimba, o que importava era a eficiência da luta. Em seu discurso, ele enfatizava que o capoeirista não poderia esperar o toque do berimbau para se defender em uma situação de perigo.

Além disso, existem outras características marcantes desses dois estilos ou modalidades que são:

• Os golpes, contragolpes e defesas da Capoeira Angola buscam evidenciar um caráter de

pureza, não se assemelhando àqueles derivados de outras lutas. Para Mestre Pastinha, os

principais golpes da Capoeira Angola eram: “[...] cabeçada, rasteira, rabo de arraia, chapa de frente, chapa de costas, meia-lua e cutilada de mão” (PASTINHA, 1988, p.35). Na Capoeira Regional, o cerne de sua metodologia de ensino baseia-se na “Seqüência de Bimba” que é composta por oito partes que são realizadas por dois capoeiristas, sendo que um deles irá fazer os golpes (Aluno “A”) e o outro irá respondê-los com as defesas e contragolpes (Aluno “B”). Gradativamente, aumenta-se a complexidade dos exercícios e, de acordo com as indicações dadas pelo mestre, devem ser repetidos tanto pelo executor dos golpes como por quem executa os contragolpes e defesas, sendo que ambos trocam de papel no decorrer dos treinos. Constam dessa metodologia dezoito golpes, contragolpes e defesas que são os seguintes: “meia-lua de frente, armada, aú, rolê, cocorinha, negativa, cabeçada, armada, queixada, benção, martelo, palma, godeme, arrastão, galopante, giro, joelhada e meia-lua de compasso” (ALMEIDA, 1982, pp.30–37). Além dessa, existe outra seqüência de golpes e contragolpes: a Cintura Desprezada (também conhecida como Balões ou os Golpes

27

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Ligados)28. Esta série é responsável por muitas polêmicas, pois atribuem a ela a descaracterização da Capoeira com a incorporação de golpes de outras lutas e de elementos da ginástica artística. Entretanto, para ambas as modalidades, a ginga é considerada como ponto principal para o desenvolvimento do jogo e aprendizado da gestualidade do capoeirista.

• Na Capoeira Angola o ritual do jogo é complexo e cheio de minúcias com as chamadas, as saídas para o jogo, músicas, etc. Todos esses elementos possuem significados na Capoeira Angola e para serem realizados devem estar dentro de um ritual apreendido pelo aluno. Na Capoeira Regional, também existem aspectos ritualísticos. Para o sociólogo Muniz Sodré (apud ABREU, 1999, p.34), ex-aluno de Mestre Bimba, havia preocupação da parte do mestre em perpetuar uma série de rituais, a maioria de origem africana, como:

[...] 1) a religião – o capoeirista entra na roda, benzendo-se ou mesmo despachando o Exú29 para não atrapalhar o jogo; 2) os cânticos rituais – as cantigas de entrada, de louvação, de bravura, de mal-dizer são indispensáveis ao jogo; 3) os instrumentos musicais – sem berimbau, não se faz uma roda de capoeira. A variação dos toques, com o crescendo ou o ralentando do som, determina a velocidade dos jogadores; 4) o culto aos heróis – nas rodas as grandes figuras da capoeira são sempre invocadas ou lembradas; 5) a ginga – a dança balançada e maneirosa exprime liberdade, arte e desafio do corpo.

• O aspecto místico encontra-se mais presente na Capoeira Angola, apesar de se observar comportamentos nesse sentido na Capoeira Regional. Neste ponto, Pires (2001, p. 289) e Reis (1997, p. 145), apontam que na Capoeira Angola há um elo maior de ligação com as práticas místicas, seja na maneira de designar as qualidades dos praticantes como “[...] o bom capoeirista é aquele que se deixa movimentar pela alma”, ou através dos cantos de louvação que recorrentemente se referem a Deus, aos santos e/ou aos orixás.

28

As ilustrações da Seqüência de Bimba podem ser encontradas no livro: CAPOEIRA, Nestor. Capoeira: os fundamentos da malícia. Rio de Janeiro: Record, 1992, pp. 159-180.

29 O Exu é um dos orixás do candomblé que, de acordo com essa religião, faz a ligação entre o mundo dos seres humanos e dos orixás. Ele é o dono dos caminhos e das portas, tendo como missão proteger e cuidar dessas passagens, no entanto ele não age de acordo com os preceitos de bem e mal das religiões ocidentais, pois realiza seus próprios julgamentos. Ele procede de acordo com suas vontades e cabe aos seres humanos satisfazerem seus desejos, sempre agradando-o e pedindo-lhe permissão nos momentos de entrada em alguma situação. Na África, sua figura é ligada à fertilidade, sendo representado muitas vezes com um símbolo fálico. No Brasil, adquiriu a imagem traduzida pelo sincretismo religioso que fez sua ligação com a figura do diabo.

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• Em ambas as modalidades a música tem a função de narrar o jogo, sendo executada pela charanga30, entretanto sua composição difere-se entre esses estilos. Na Capoeira Angola, a charanga é composta por três berimbaus (berra-boi, médio e violinha31), um atabaque, um agogô, um reco-reco e um ou dois pandeiros. A Capoeira Angola apresenta em sua bateria vários instrumentos ligados à herança cultural africana (o atabaque, reco-reco, o agogô) enquanto que a Capoeira Regional procurou desvincular a presença marcante desse tipo de instrumentos em sua banda que é formada por um berimbau, dois pandeiros e palmas. Os toques do berimbau também se diferem quanto à velocidade e a sonoridade, existindo variações de toques nos dois estilos.

• A Capoeira Angola não adota o ritual de formatura. Sendo assim, o aluno está apto a exercer a função de mestre através de sua experiência na Capoeira Angola e seu reconhecimento pela comunidade capoeirística32. Já para a Capoeira Regional o ritual de formatura foi bastante significativo, na época de mestre Bimba, pois tinha toda pompa de uma formatura escolar, com paraninfo, orador, madrinha para cada capoeirista, medalha e lenço de seda pura33 simbolizando o diploma, além dos rituais pertinentes a uma cerimônia desse tipo. Mas, na atualidade, é mais comum que os grupos desse estilo, realizem os “batizados” para reconhecer publicamente a graduação dos capoeiristas.

• Na Capoeira Angola a teatralização é um elemento fundamental das jogadas, considerada como a mandinga34 do capoeirista, dando à ela uma conotação por vezes lúdica, identificando-a com o termo vadiagem35. Na Capoeira Regional a teatralização também existe, mas não é evidenciada.

Todavia, ambos os estilos de Capoeira adotaram o ambiente fechado (Academia ou Centro Desportivo) como o espaço ideal para seu aprendizado e buscaram discipliná-lo, só

30

Charanga é o nome dado à bateria de instrumentos musicais que compõe a roda de Capoeira.

31 O berimbau berra-boi é o mais grave e marca o compasso da batida, o médio dá a estabilidade, fazendo alguns improvisos, e o violinha improvisa durante a maior parte da música, fazendo papel de solista.

32 Este ponto é polêmico, pois alguns mestres de Capoeira Angola adotaram variadas formas de promover seus alunos, mas no geral não se tem conhecimento da realização de formaturas neste estilo de Capoeira.

33 Nota-se que Mestre Bimba transitava no limite entre apropriação da cultura ocidental e a recuperação da memória dos escravos africanos no Brasil. Afirma-se isso porque o lenço de seda pura representa a memória dos antigos capoeiras que o usavam com o intuito de não serem feridos na garganta com uma navalha, isso porque existia a crença de que a lâmina da navalha não cortava o lenço de seda pura. Dessa forma, costumava-se usá-lo amarrado ao pescoço.

34 Percebe-se que apesar do grau de importância ser diferente, entre as propostas para a Capoeira, a mandinga está presente em todas elas, seja na Angola, Regional.

35

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que de formas diferentes. A Capoeira Regional aproximou-se da influência da pedagogia militarista e esportivista da educação física e a Capoeira Angola reelaborou em seu discurso de afirmação social um caráter esportivo e ligado à ginástica.

Apesar das diferenças existentes entre a Capoeira Regional e Angola, para os dois mestres representantes dessas modalidades, a Capoeira possuía uma origem negra ligada à luta pela liberdade dos negros no Brasil. E é a partir de suas propostas que até hoje encontra-se pautados os Fundamentos da Capoeira36, dada a importância desses representantes para

seu desenvolvimento como uma prática social. Foi a partir de suas idéias que surgiu para contrapor o modo “branco e erudito”37, de se pensar a Capoeira, uma proposta “negra e popular”38.

Esse modo “branco e erudito” de sistematizar a Capoeira que se diferenciava das propostas dos mestres soteropolitanos, vinha sendo gestado, por intelectuais das forças armadas, civis e professores de educação física, desde o início do século XX, em contraposição às formas de se praticar a Capoeira até então existentes. Suas idéias principais giravam em torno de fazer da Capoeira uma modalidade esportiva ou um método ginástico brasileiro, entretanto estas propostas não eram homogêneas.

No estudo que desenvolvi no mestrado39, abordei detidamente as obras que compuseram essas diferentes proposições confrontando-as e destacando as inter-relações que existiram entre a Capoeira e a Educação Física no decorrer do século XX.

Posso destacar algumas delas, relativas à proposta “branca e erudita” para a Capoeira. A primeira adveio da instituição militar, trata-se do "Guia do Capoeira ou Ginástica Brasileira", de 1907, escrito por um oficial, identificado como O.D.C., que enxergava nesta manifestação cultural uma forma de "defesa da soberania nacional".

36É o conjunto de conhecimentos relativos ao jogo da Capoeira, passados oralmente através dos mestres. Termo também muito utilizado no candomblé para se referir aos conhecimentos relativos a essa religião. É interessante apontar que um capoeirista autêntico tem a obrigação de conhecer esses fundamentos, caso contrário, ele poderá ser desqualificado perante a comunidade capoeirística.

37 Expressão cunhada por Reis (1997, p.98) que atribuía a esta proposta a adequação da Capoeira aos métodos ginásticos em voga no início do século XX e que tinham a finalidade de adequar as pessoas as idéias higienistas e eugenistas.

38

Ainda de acordo com Reis (1997, p.98) a proposta negra e popular para a Capoeira demonstrava a possibilidade de sua prática vinculada às tradições africanas no Brasil.

39 Refiro-me ao trabalho: SILVA, Paula C.C. A Educação Física na roda de Capoeira: entre a tradição e a globalização. Dissertação (Mestrado em Educação Física), Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, 2002.

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Apesar da proibição da prática da Capoeira, no início do século XX, havia pessoas ensinando, clandestinamente, essa manifestação no Rio de Janeiro. Nesta cidade, uma personalidade do meio capoerístico, Aníbal Burlamaqui (o Mestre Zuma), ensinava Capoeira pautado em regras e competições advindas do boxe, chegando a lançar, em 1928, o livro "Ginástica Nacional (Capoeiragem) Metodizada e Regrada (RJ)" onde apresentava seus conceitos metodológicos para a implementação da prática da Capoeira esportiva.

Anos mais tarde, em 1944, Inezil Penna Marinho, um professor universitário de Educação Física, foi vencedor de um concurso de monografias promovido pelo Governo de Getúlio Vargas com o trabalho "Subsídios para o estudo da metodologia do treinamento da capoeiragem", no qual explorava algumas argumentações apontadas por O.D.C., além de, no último capítulo, inserir as regras esportivas adotadas por Aníbal Burlamarqui em seu livro de 1928. MARINHO (1944) em sua obra tentou metodizar e uniformizar os golpes de Capoeira para torná-la "a luta genuinamente brasileira".

A proposta de Marinho diferenciava-se da de Mestre Bimba, pois dava início à concretização do projeto da Capoeira-esporte ocidentalizado no âmbito nacional e sua aceitação pautava-se basicamente na tese de ser ela "a única colaboração autenticamente brasileira à educação física".

Portanto, essas propostas, apesar de díspares, colaboraram em um novo modo de se praticar a Capoeira e pensá-la na sociedade capitalista brasileira.

Por outro lado, no decorrer do século XX, vários mestres de Capoeira, além de Bimba e Pastinha, produziram obras tratando da metodologia de ensino da Capoeira, reforçando o caráter “negro e popular” de sua sistematização, são elas: O Pequeno Manual do Jogador de Capoeira e Galo já cantou: Capoeira para iniciados, ambos escritos por Nestor Capoeira e

publicados respectivamente em 1981 e 1985; O que é Capoeira?, de Almir das Areias, de 1983; Capoeira, arte, folclore, de Walce Souza, o mestre Deputado, publicado no ano

de1986[?]; Capoeira: os fundamentos da malícia, de Nestor Capoeira, do ano de 1992 e o livro Idiopráxis da capoeira, de Mestre Zulu, publicado no ano de 1995.

Essas obras apresentam a construção teórica elaborada pelo meio capoeirístico e dá indícios de como o conhecimento é repassado e interpretado pelos mestres. Essa visão de mundo, apresentada por eles, compreende a manifestação Capoeira incluindo os aspectos subjetivos desenvolvidos e exercitados durante o fluir de sua prática. Penso que a

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