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Capítulo I – Capoeira e Educação Física: relações possíveis

1.1. Apresentando a Capoeira

A Capoeira, manifestação de origem escrava, que no Brasil faz-se presente há séculos, ocupou na sociedade colonial e imperial um papel ligado à marginalidade sendo perseguida e reprimida. Nesse período, sua prática era feita por escravos favorecendo, em certa medida, sua resistência cultural.

Abreu (2008), em texto que trata da repressão às manifestações escravas, escreve que a Capoeira e outros folguedos de origem africana, denominados batuques (porque incluíam em sua execução o toque de tambores ou/e marimbas) eram perseguidos recorrentemente nos centro urbanos daquele período, com destaque para o Rio de Janeiro/RJ, Salvador/BA e Recife/PE, pois perturbavam a ordem pública e incentivavam a conspiração escrava contra o regime instaurado.

Recentemente, com o levantamento de documentos históricos sobre as passagens criminais dos capoeiras22, no decorrer dos séculos XIX e XX, alguns historiadores vêm se debruçando em estudos sobre essa manifestação cultural, majoritariamente aquela praticada no Rio de Janeiro e na Bahia.

Um dos estudiosos que trata da Capoeira escrava é Carlos Eugênio Líbano Soares e apresenta-a, em suas obras, imersa em um sistema social escravagista complexo. Nesse universo social, o autor considera a cultura daquele período como "[...] um processo em constante difusão, e que reflete as relações dentro da sociedade, se intercambiando entre livres e escravos em uma troca permanente [...]” (SOARES, 1993, p.8). É a partir desse

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Trecho da música Berimbau, de Baden Powell e Vinicius de Moraes.

22 Faço uma distinção na terminologia capoeira e capoeirista. Quando me refiro ao capoeira estou tratando dos praticantes de Capoeira antes de sua criminalização. E capoeirista, refere-se aos seus praticantes após a década 1930, pois remete ao termo Esporte e a palavra esportista, ou seja, o praticante de Capoeira é o capoeirista como o praticante de uma modalidade esportiva é um esportista.

contexto que ele aborda em suas duas obras23 a Capoeira na primeira metade do século XIX e a etnia dos escravos-capoeiras. Traz ainda o debate sobre os mecanismos de resistência escrava no ambiente opressor da cidade do Rio de Janeiro, a formação das maltas e sua composição, a influência dos imigrantes portugueses na Capoeira, a participação dos capoeiras na política Imperial, na Guerra do Paraguai, nas Forças Armadas e as repressões sofridas por essa prática cultural durante todo o século XIX.

Vale a pena ressaltar a presença marcante das maltas de Capoeira no Rio de Janeiro no decorrer do século XIX, pois a organização desses grupos de capoeiras e suas incursões nos territórios da cidade foi ponto determinante para a inclusão dessa manifestação no código penal, em 1890. Abreu (2008, p.41) afirma que:

Os tempos tumultuosos da capoeira, como revelam os dados históricos, foram mais freqüentes e intensos na cidade do Rio de Janeiro, cidade na qual os capoeiras, tiveram mais influência e participação na vida cotidiana do que em qualquer outro local no século XIX. O noticiário dos jornais da época dão conta disso ao narrarem as ações das maltas (grupos de capoeira adversários entre si) em conflito com elas próprias e a polícia, para demarcarem geograficamente parte da cidade com o fim de exercerem o domínio e o poder paralelo. As notícias desses jornais acusam a veemente participação dos capoeiras do Rio em outros aspectos da vida da cidade, como na vida política, com sérios envolvimentos em eventos como a Abolição da Escravatura (1888) e a Proclamação da República (1889). Foi muito por conta do comportamento social dos capoeiras no Rio de Janeiro que se justificou a inclusão da capoeira como crime no Código Penal da República.

Antônio Liberac C. S. Pires é outro historiador que estudou a Capoeira no final do século XIX e início do XX, no Rio de Janeiro e na Bahia. Ele expôs, em seus trabalhos24, a construção de símbolos étnicos, identidades sociais, a origem e os paradigmas dessa prática cultural. Procurando romper com a visão existente sobre a Capoeira como prática de

23 Refiro-me aos seguintes trabalhos: SOARES, Carlos Eugênio L. A negregada instituição: capoeiras no Rio de Janeiro (1850-1890). (1850-1890). 1993. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCH), Universidade Estadual de Campinas, Campinas. E a obra SOARES, C.E.L. A capoeira escrava e outras tradições rebeldes no Rio de Janeiro (1808 – 1850). Campinas: UNICAMP/Centro de Pesquisa em História Social da Cultura, 2001.

24 Trata-se das obras: PIRES, Antônio Liberac C.S. Movimentos da cultura afro-brasileira: a formação histórica da capoeira contemporânea (1890 – 1950). 2001. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCH), Universidade Estadual de Campinas, Campinas e PIRES, A.L.C.S. A capoeira na jogo das cores: criminalidade, cultura e racismo na cidade do Rio de Janeiro (1890-1937). 1996. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCH), Universidade Estadual de Campinas, Campinas.

marginais, o autor valeu-se da documentação histórica para demonstrar que esta era estreitamente vinculada à classe trabalhadora, em sua maioria trabalhadores de rua, como os carregadores, carroceiros, vendedores ambulantes, entre outros. Ele procurou, em seus trabalhos, proporcionar uma visão geral sobre a capoeiragem no Rio de Janeiro, na segunda metade do século XIX (as práticas culturais, sociais, políticas e econômicas dos capoeiras), as relações de solidariedade e conflito vividas pelos praticantes bem como suas faixas etárias, ocupações, raças, condições habitacionais e familiares. Seus estudos referentes à Capoeira, no início do século XX, foram ampliados abrangendo, além das práticas culturais dos capoeiras do Rio de Janeiro/RJ, também aquelas afetas aos da Bahia (Salvador e Recôncavo baiano) delineando o perfil desses capoeiras e o processo de constituição da tradição da Capoeira baiana.

No que se refere à tradição, considero relevante abordar o processo de reinvenção da tradição25 da Capoeira baiana, termo cunhado por Letícia V. S. Reis (1997), que deu origem ao que se considera hoje a Capoeira Moderna26. Esse processo ocorreu no decorrer das décadas de 20, 30, 40 e 50, do século XX, encabeçado por inúmeros capoeiras que, clandestinamente, ensinavam essa manifestação. Seu auge foi em 1937, quando Manoel dos Reis Machado, o Mestre Bimba, criador da Capoeira Regional, obteve êxito na luta iniciada há tempos pelos capoeiras para sua retirada do rol de atividades incluídas como contravenção penal. Entretanto, Vicente Ferreira Pastinha, o Mestre Pastinha, outro ícone da capoeiragem baiana, seguiu o caminho aberto pela legalização da Capoeira criando outra forma de organizá-la, jogá-la e pensá-la: a Capoeira Angola.

Poder-se-ia destacar algumas diferenças existentes entre essas duas modalidades. A Capoeira Angola busca uma maior aproximação com a cultura africana. Existe a preocupação dos “angoleiros”27 em manter algumas características encontradas na forma “antiga” da Capoeira, antes de sua legalização, o que justifica, da parte desses praticantes,

25 O termo reinvenção da tradição é utilizado por Reis (1997, p.100), baseado nos estudos do historiador Hobsbawn (1984), e trata do conceito de "tradição inventada", que é definida como "[...] um conjunto de práticas sociais de natureza ritual ou simbólica, que visam inculcar valores e comportamentos por intermédio da repetição o que implica uma continuidade em relação a um passado histórico apropriado".

26 Este termo utilizado pioneiramente por Reis (1997) é adotado para designar o período após a década de 1930 que se caracterizou pelas transformações as quais a Capoeira passou ao longo dos anos. Estas mudanças, por sua vez, englobam a formulação da Capoeira Regional e da Angola e sua hibridização a partir da migração de capoeiristas baianos para o sudeste e, mais atualmente, pode-se considerar sua internacionalização e as metamorfoses daí decorridas como parte constituinte da Capoeira moderna.

um discurso pautado na pureza de uma Capoeira tradicional; porém, esse fato mostra-se contraditório. Vieira e Assunção (2008, p.13), analisando os estilos da Capoeira atual, afirmam:

[...] é preciso lembrar que a capoeira baiana antes da modernização não era homogênea e uniforme, mas que cada mestre ensinava um conjunto específico de movimentos, ritmos e rituais. Tanto que a capoeira de outros mestres antigos como Waldemar, Cobrinha Verde ou Canjiquinha podia ter características bastante distintas da forma ensinada por Pastinha.

Dessa maneira, nunca houve tradição única e monolítica na capoeira baiana antiga, o que, por sua vez, facilitou que posteriormente cada grupo ressaltasse elementos diversos e mesmo conflitantes da ‘tradição’.

Já para o Mestre Bimba, o que importava era a eficiência da luta. Em seu discurso, ele enfatizava que o capoeirista não poderia esperar o toque do berimbau para se defender em uma situação de perigo.

Além disso, existem outras características marcantes desses dois estilos ou modalidades que são:

• Os golpes, contragolpes e defesas da Capoeira Angola buscam evidenciar um caráter de

pureza, não se assemelhando àqueles derivados de outras lutas. Para Mestre Pastinha, os

principais golpes da Capoeira Angola eram: “[...] cabeçada, rasteira, rabo de arraia, chapa de frente, chapa de costas, meia-lua e cutilada de mão” (PASTINHA, 1988, p.35). Na Capoeira Regional, o cerne de sua metodologia de ensino baseia-se na “Seqüência de Bimba” que é composta por oito partes que são realizadas por dois capoeiristas, sendo que um deles irá fazer os golpes (Aluno “A”) e o outro irá respondê-los com as defesas e contragolpes (Aluno “B”). Gradativamente, aumenta-se a complexidade dos exercícios e, de acordo com as indicações dadas pelo mestre, devem ser repetidos tanto pelo executor dos golpes como por quem executa os contragolpes e defesas, sendo que ambos trocam de papel no decorrer dos treinos. Constam dessa metodologia dezoito golpes, contragolpes e defesas que são os seguintes: “meia-lua de frente, armada, aú, rolê, cocorinha, negativa, cabeçada, armada, queixada, benção, martelo, palma, godeme, arrastão, galopante, giro, joelhada e meia-lua de compasso” (ALMEIDA, 1982, pp.30–37). Além dessa, existe outra seqüência de golpes e contragolpes: a Cintura Desprezada (também conhecida como Balões ou os Golpes

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Ligados)28. Esta série é responsável por muitas polêmicas, pois atribuem a ela a descaracterização da Capoeira com a incorporação de golpes de outras lutas e de elementos da ginástica artística. Entretanto, para ambas as modalidades, a ginga é considerada como ponto principal para o desenvolvimento do jogo e aprendizado da gestualidade do capoeirista.

• Na Capoeira Angola o ritual do jogo é complexo e cheio de minúcias com as chamadas, as saídas para o jogo, músicas, etc. Todos esses elementos possuem significados na Capoeira Angola e para serem realizados devem estar dentro de um ritual apreendido pelo aluno. Na Capoeira Regional, também existem aspectos ritualísticos. Para o sociólogo Muniz Sodré (apud ABREU, 1999, p.34), ex-aluno de Mestre Bimba, havia preocupação da parte do mestre em perpetuar uma série de rituais, a maioria de origem africana, como:

[...] 1) a religião – o capoeirista entra na roda, benzendo-se ou mesmo despachando o Exú29 para não atrapalhar o jogo; 2) os cânticos rituais – as cantigas de entrada, de louvação, de bravura, de mal-dizer são indispensáveis ao jogo; 3) os instrumentos musicais – sem berimbau, não se faz uma roda de capoeira. A variação dos toques, com o crescendo ou o ralentando do som, determina a velocidade dos jogadores; 4) o culto aos heróis – nas rodas as grandes figuras da capoeira são sempre invocadas ou lembradas; 5) a ginga – a dança balançada e maneirosa exprime liberdade, arte e desafio do corpo.

• O aspecto místico encontra-se mais presente na Capoeira Angola, apesar de se observar comportamentos nesse sentido na Capoeira Regional. Neste ponto, Pires (2001, p. 289) e Reis (1997, p. 145), apontam que na Capoeira Angola há um elo maior de ligação com as práticas místicas, seja na maneira de designar as qualidades dos praticantes como “[...] o bom capoeirista é aquele que se deixa movimentar pela alma”, ou através dos cantos de louvação que recorrentemente se referem a Deus, aos santos e/ou aos orixás.

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As ilustrações da Seqüência de Bimba podem ser encontradas no livro: CAPOEIRA, Nestor. Capoeira: os fundamentos da malícia. Rio de Janeiro: Record, 1992, pp. 159-180.

29 O Exu é um dos orixás do candomblé que, de acordo com essa religião, faz a ligação entre o mundo dos seres humanos e dos orixás. Ele é o dono dos caminhos e das portas, tendo como missão proteger e cuidar dessas passagens, no entanto ele não age de acordo com os preceitos de bem e mal das religiões ocidentais, pois realiza seus próprios julgamentos. Ele procede de acordo com suas vontades e cabe aos seres humanos satisfazerem seus desejos, sempre agradando-o e pedindo-lhe permissão nos momentos de entrada em alguma situação. Na África, sua figura é ligada à fertilidade, sendo representado muitas vezes com um símbolo fálico. No Brasil, adquiriu a imagem traduzida pelo sincretismo religioso que fez sua ligação com a figura do diabo.

• Em ambas as modalidades a música tem a função de narrar o jogo, sendo executada pela charanga30, entretanto sua composição difere-se entre esses estilos. Na Capoeira Angola, a charanga é composta por três berimbaus (berra-boi, médio e violinha31), um atabaque, um agogô, um reco-reco e um ou dois pandeiros. A Capoeira Angola apresenta em sua bateria vários instrumentos ligados à herança cultural africana (o atabaque, reco-reco, o agogô) enquanto que a Capoeira Regional procurou desvincular a presença marcante desse tipo de instrumentos em sua banda que é formada por um berimbau, dois pandeiros e palmas. Os toques do berimbau também se diferem quanto à velocidade e a sonoridade, existindo variações de toques nos dois estilos.

• A Capoeira Angola não adota o ritual de formatura. Sendo assim, o aluno está apto a exercer a função de mestre através de sua experiência na Capoeira Angola e seu reconhecimento pela comunidade capoeirística32. Já para a Capoeira Regional o ritual de formatura foi bastante significativo, na época de mestre Bimba, pois tinha toda pompa de uma formatura escolar, com paraninfo, orador, madrinha para cada capoeirista, medalha e lenço de seda pura33 simbolizando o diploma, além dos rituais pertinentes a uma cerimônia desse tipo. Mas, na atualidade, é mais comum que os grupos desse estilo, realizem os “batizados” para reconhecer publicamente a graduação dos capoeiristas.

• Na Capoeira Angola a teatralização é um elemento fundamental das jogadas, considerada como a mandinga34 do capoeirista, dando à ela uma conotação por vezes lúdica, identificando-a com o termo vadiagem35. Na Capoeira Regional a teatralização também existe, mas não é evidenciada.

Todavia, ambos os estilos de Capoeira adotaram o ambiente fechado (Academia ou Centro Desportivo) como o espaço ideal para seu aprendizado e buscaram discipliná-lo, só

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Charanga é o nome dado à bateria de instrumentos musicais que compõe a roda de Capoeira.

31 O berimbau berra-boi é o mais grave e marca o compasso da batida, o médio dá a estabilidade, fazendo alguns improvisos, e o violinha improvisa durante a maior parte da música, fazendo papel de solista.

32 Este ponto é polêmico, pois alguns mestres de Capoeira Angola adotaram variadas formas de promover seus alunos, mas no geral não se tem conhecimento da realização de formaturas neste estilo de Capoeira.

33 Nota-se que Mestre Bimba transitava no limite entre apropriação da cultura ocidental e a recuperação da memória dos escravos africanos no Brasil. Afirma-se isso porque o lenço de seda pura representa a memória dos antigos capoeiras que o usavam com o intuito de não serem feridos na garganta com uma navalha, isso porque existia a crença de que a lâmina da navalha não cortava o lenço de seda pura. Dessa forma, costumava-se usá-lo amarrado ao pescoço.

34 Percebe-se que apesar do grau de importância ser diferente, entre as propostas para a Capoeira, a mandinga está presente em todas elas, seja na Angola, Regional.

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que de formas diferentes. A Capoeira Regional aproximou-se da influência da pedagogia militarista e esportivista da educação física e a Capoeira Angola reelaborou em seu discurso de afirmação social um caráter esportivo e ligado à ginástica.

Apesar das diferenças existentes entre a Capoeira Regional e Angola, para os dois mestres representantes dessas modalidades, a Capoeira possuía uma origem negra ligada à luta pela liberdade dos negros no Brasil. E é a partir de suas propostas que até hoje encontra- se pautados os Fundamentos da Capoeira36, dada a importância desses representantes para

seu desenvolvimento como uma prática social. Foi a partir de suas idéias que surgiu para contrapor o modo “branco e erudito”37, de se pensar a Capoeira, uma proposta “negra e popular”38.

Esse modo “branco e erudito” de sistematizar a Capoeira que se diferenciava das propostas dos mestres soteropolitanos, vinha sendo gestado, por intelectuais das forças armadas, civis e professores de educação física, desde o início do século XX, em contraposição às formas de se praticar a Capoeira até então existentes. Suas idéias principais giravam em torno de fazer da Capoeira uma modalidade esportiva ou um método ginástico brasileiro, entretanto estas propostas não eram homogêneas.

No estudo que desenvolvi no mestrado39, abordei detidamente as obras que compuseram essas diferentes proposições confrontando-as e destacando as inter-relações que existiram entre a Capoeira e a Educação Física no decorrer do século XX.

Posso destacar algumas delas, relativas à proposta “branca e erudita” para a Capoeira. A primeira adveio da instituição militar, trata-se do "Guia do Capoeira ou Ginástica Brasileira", de 1907, escrito por um oficial, identificado como O.D.C., que enxergava nesta manifestação cultural uma forma de "defesa da soberania nacional".

36É o conjunto de conhecimentos relativos ao jogo da Capoeira, passados oralmente através dos mestres. Termo também muito utilizado no candomblé para se referir aos conhecimentos relativos a essa religião. É interessante apontar que um capoeirista autêntico tem a obrigação de conhecer esses fundamentos, caso contrário, ele poderá ser desqualificado perante a comunidade capoeirística.

37 Expressão cunhada por Reis (1997, p.98) que atribuía a esta proposta a adequação da Capoeira aos métodos ginásticos em voga no início do século XX e que tinham a finalidade de adequar as pessoas as idéias higienistas e eugenistas.

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Ainda de acordo com Reis (1997, p.98) a proposta negra e popular para a Capoeira demonstrava a possibilidade de sua prática vinculada às tradições africanas no Brasil.

39 Refiro-me ao trabalho: SILVA, Paula C.C. A Educação Física na roda de Capoeira: entre a tradição e a globalização. Dissertação (Mestrado em Educação Física), Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, 2002.

Apesar da proibição da prática da Capoeira, no início do século XX, havia pessoas ensinando, clandestinamente, essa manifestação no Rio de Janeiro. Nesta cidade, uma personalidade do meio capoerístico, Aníbal Burlamaqui (o Mestre Zuma), ensinava Capoeira pautado em regras e competições advindas do boxe, chegando a lançar, em 1928, o livro "Ginástica Nacional (Capoeiragem) Metodizada e Regrada (RJ)" onde apresentava seus conceitos metodológicos para a implementação da prática da Capoeira esportiva.

Anos mais tarde, em 1944, Inezil Penna Marinho, um professor universitário de Educação Física, foi vencedor de um concurso de monografias promovido pelo Governo de Getúlio Vargas com o trabalho "Subsídios para o estudo da metodologia do treinamento da capoeiragem", no qual explorava algumas argumentações apontadas por O.D.C., além de, no último capítulo, inserir as regras esportivas adotadas por Aníbal Burlamarqui em seu livro de 1928. MARINHO (1944) em sua obra tentou metodizar e uniformizar os golpes de Capoeira para torná-la "a luta genuinamente brasileira".

A proposta de Marinho diferenciava-se da de Mestre Bimba, pois dava início à concretização do projeto da Capoeira-esporte ocidentalizado no âmbito nacional e sua aceitação pautava-se basicamente na tese de ser ela "a única colaboração autenticamente brasileira à educação física".

Portanto, essas propostas, apesar de díspares, colaboraram em um novo modo de se praticar a Capoeira e pensá-la na sociedade capitalista brasileira.

Por outro lado, no decorrer do século XX, vários mestres de Capoeira, além de Bimba e Pastinha, produziram obras tratando da metodologia de ensino da Capoeira, reforçando o caráter “negro e popular” de sua sistematização, são elas: O Pequeno Manual do Jogador de Capoeira e Galo já cantou: Capoeira para iniciados, ambos escritos por Nestor Capoeira e

publicados respectivamente em 1981 e 1985; O que é Capoeira?, de Almir das Areias, de 1983; Capoeira, arte, folclore, de Walce Souza, o mestre Deputado, publicado no ano

de1986[?]; Capoeira: os fundamentos da malícia, de Nestor Capoeira, do ano de 1992 e o livro Idiopráxis da capoeira, de Mestre Zulu, publicado no ano de 1995.

Essas obras apresentam a construção teórica elaborada pelo meio capoeirístico e dá indícios de como o conhecimento é repassado e interpretado pelos mestres. Essa visão de mundo, apresentada por eles, compreende a manifestação Capoeira incluindo os aspectos subjetivos desenvolvidos e exercitados durante o fluir de sua prática. Penso que a

necessidade dos mestres em compreender o sistema social e perceberem-se inserido nele, como produtor de cultura, fez com que buscassem formas de expressão que representassem uma construção cultural não efêmera como a prática da Capoeira, mas com valor formal,