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MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

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Academic year: 2018

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

DIANE PORTUGUEIS

Quem somos nós, descendentes? Da História à socialização na

constituição de identidades “teuto

-

brasileiras”

MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

SÃO PAULO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA SÃO PAULO

Programa de Estudos pós-graduados em Psicologia Social

DIANE PORTUGUEIS

Quem somos nós, descendentes? Da História à socialização na

constituição de identidades “teuto

-

brasileiras”

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em PSICOLOGIA SOCIAL, sob a orientação do Professor Doutor Antônio da Costa Ciampa.

SÃO PAULO

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BANCA EXAMINADORA

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RESUMO

PORTUGUEIS, D. (2013). Quem somos nós, descendentes? Da História à socialização na constituição de identidades “teuto-brasileiras”. Dissertação de mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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ABSTRACT

PORTUGUEIS, D. (2013). Who Are We, the Descendents? From History to Socialization in the Establishment of the “German-Brazilian Identities.” Master’s Thesis. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

This paper addresses the establishment of the identities of German descendents in Brazil, specifically in the Southern and Southeastern regions. The relevance of this study arose from the vast influence of German descendents in Brazil, which is more visible in the cultural and economic dimensions of the country. It was noticed that there was a lack of studies addressing this population, both in terms of identity and cultural studies, as well as those related to social psychology in relation

to their socialization in the globalized world.

The method used was Oral History, namely life stories. The analysis of 6 stories made it possible for us to note the differences between two groups: descendents 20 to 30 years of age and those who are older, aged 50 to 60 years old. For the younger population, we pointed out to the recovery of their supposed identity in connection to identity policies mediated by the “Germanness,” and that was more evident for those who had not lived

in Germany.

For the older descendents, we noted a close connection with cultural hybridism (H. BHABHA, 2001), which was understood as the search to complement elements of both cultures (Brazil and Germany), and which added to the critical ownership that they make of traditions, as well as their own reinvention in the place where they live to the

point that political identities are biasedly revealed.

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ABSTRACT

PORTUGUEIS, D. (2013). Wer sind wir, die Nachfahren? Von der Geschichte zur Sozialisation in der Identitätsbildung der "Deutsch-Brasilianer". Masterarbeit. Päpstliche Katholische Universität von São Paulo.

In der Diskussion dieser Masterarbeit geht es um die Identitätsbildung von deutschen Nachfahren in Brasilien, besonders im Süden und Südosten. Die Wichtigkeit dieser Studie ergibt sich aus dem Umfang des Einflusses dieser Personengruppe und ist am deutlichsten sichtbar in den kulturellen und wirtschaftlichen Bereichen des Landes. Es fehlen Studien die diese Bevölkerungsgruppe beruecksichtigen, sowohl in dem Aspekt der Identität und der Erkenntnisse über die Kultur als auch der Sozialpsychologie in bezug deren Sozialisation in der globalisierten Welt. Als Methode wurde Oral History

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DEDICATÓRIA

Àqueles que têm coragem de serem felizes em sendo sinceros com seus

sonhos. Em especial, às famílias Portugueis, Stoffelshaus e Frauz, por não

terem temido tal desafio e outros tantos, enfrentados para muito além do

oceano Atlântico...

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(...) extinguir em si tudo o

que é simples mundo e

introduzir consenso em todas

as suas transformações (...)

ele deve exteriorizar tudo o

que é interior e formar tudo o

que é exterior.”

(Schiller)

(...) eu sou desde o momento

em que cheguei à consciência

de mim mesmo, aquele que

eu fizer de mim com

liberdade e sou isso pela

razão de ser eu mesmo quem

faz isso de mim.”

(Fichte)

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Agradecimentos

Há quem diga que o trabalho acadêmico é uma construção solitária. No meu caso, digo com propriedade que longe disso, o resultado deste trabalho se deve a uma configuração coletiva (lembrando a amiga Vanessa- “esse trabalho é fruto de uma construção coletiva”) que se iniciou muito tempo atrás com algumas vivências na graduação, passando pelas experiências na Alemanha, chegando finalmente à PUCSP,

local de minha “morada” atual. Quando falo em configuração coletiva, penso em

figuras importantes que passaram ou que ainda estão em minha vida, inspirando-me, seja com ideias, como no compartilhamento de reflexões, opiniões, sentimentos, experiências, exemplos, trocas e, sobretudo, apoio. Este trabalho começou a tomar corpo quando eu vivia no exterior. Enquanto lidava com o “ser estrangeira”

vislumbrava a compreensão de mim mesma, de minha identidade em suas múltiplas facetas e formas, advindas de minha origem, mas também da minha atividade em local tão diferente daquele onde nasci e vivi. Percebi que tais questionamentos não eram somente meus. Assim, nasceu algo que posso arriscar nomear como um projeto de vida. A tal projeto devo a inspiração propiciada pelas trocas com amigos do Camarões, Guatemala, Marrocos, Bósnia, Etiópia, Turquia, Romênia e Alemanha.

Gostaria de expressar nesta lista (limitada pelo tamanho, mas não por minhas intenções!) meu sincero reconhecimento às pessoas que proporcionaram que eu fosse quem sou hoje e que ainda estarão comigo, naquilo que serei amanhã. Estas pessoas a serem aqui mencionadas, são parte da minha constituição enquanto sujeito que almeja uma sociedade cada vez mais justa, cada vez mais emancipadora.

Na tentativa de não ser injusta (com quem aqui nomeio e também comigo mesma, não sendo traída pelos lapsos da memória) inicio meu muito obrigada de forma mais ou menos cronológica. Darei início agradecendo professores que me acompanharam no primário e ginásio. São eles: professora Ana Cristina, que me apresentou aos primeiros livros e incitou-me o gosto pela leitura; professora Célia, por acreditar que mesmo não sabendo matemática poderia ser boa em outras coisas, mesmo não entendendo a lógica dos números. Da graduação agradeço imensamente aos professores vindos da Escola de São Paulo; destes, destaco meu mestre Ardans, pelo bom encontro que mudaria minha vida e por sempre ter acreditado em mim, antes mesmo que eu o fizesse. Mestre, obrigada! Nesta fase conheci quatro amigas, que me acompanhariam em outras tantas caminhadas: Joyce Peu, Renata Pavani, Keila Sgobi e Clarissa de Franco. Obrigada pela parceria, pela força em tantos momentos, pelo

“holding” e principalmente pela longa amizade. À Clarissa um agradecimento especial, por me ajudar no lado objetivo da concretização deste projeto, desde sua concepção até os tantos telefonemas amigos e força espiritual, sempre acolhedora e bem vinda. Valeu querida amiga! Depois, devo agradecer a minha família, que mesmo

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Sumário

Prólogo ... 13

Introdução: delineando o objeto de estudo ... 15

Objetivos ... 25

O caminho metodológico ... 25

Dos procedimentos de pesquisa às considerações éticas ... 28

Capítulo 1 – Localização histórica do objeto de estudo ... 33

Localizando o sujeito a partir de um breve resumo da história da colonização alemã no Brasil ... 34

Barreiras interétnicas e o Deutschtum ... 41

São Paulo: uma cidade em desenvolvimento- a relação com Santo Amaro...48

A campanha de nacionalização e o Estado Novo: pela criação de um povo “abrasileirado”.. ...56

A liga pangermânica e o nazismo no Brasil ... 61

Campos de concentração no Brasil ... 65

Capítulo 2 – A identidade como questão ... 68

A construção social da realidade- contribuições de Peter Berger, Thomas Luckmann e Georg H. Mead ... 71

Fases do self ... 75

Sociedade: uma realidade subjetiva e objetiva ... 76

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Vivenciar papéis em uma nova realidade ... 82

Capítulo 3 – Anamorfose e o sujeito imigrante: usos do conceito na compreensão das (de)formações identitárias ... 87

Capítulo 4 - Dando voz aos narradores. Significados e sentidos emanados quando da pergunta “quem é você, quem pretende ser”? ... 99

O descendente por ele mesmo- para além do alemão a construção de si no cotidiano...99

Primeiro bloco- “jovens descendentes”...100

Ponderações acerca do bloco “jovens descendentes”...143

Segundo bloco- “descendentes mais velhos”...147

Ponderações acerca do bloco “descendentes mais velhos”...207

Capítulo 5- Quem somos nós, descendentes? Algumas reflexões...213

Considerações, finais (?)...225

Referências bibliográficas ... 228

ANEXOS ... Anexo 1 Termo de consentimento livre e esclarecido ... 241

Anexo 2 Entrevista com Lya Luft. ... 242

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Prólogo

Era uma vez... Do enraizamento pessoal à questão de pesquisa

A construção deste trabalho envolve uma trajetória pessoal, necessariamente. Trajetória esta de uma menina nascida em São Paulo na década de 80, criada por sua avó, filha de alemães adventistas, agricultora, nascida no interior de Santa Catarina e também por seu avô, alemão, nascido em Muehlheim an der Ruhe (Alemanha) emigrado em meados de 1907 para o Brasil e que, em sua herança geracional traz também um avô judeu-russo, nascido em um barco aportado no Uruguai e uma avó, também judia, filha de um alemão e uma austro-húngara, vindos para o Brasil em condições de provável perseguição.

É uma história que se inicia com o despertar da consciência de “quem era eu”. Ainda menina, foi somente na escola que percebi falar um idioma diferente e que minha altura e aparência chamavam a atenção. De brincadeiras sobre a “girafa branquela” foi um longo caminho até que na idade adulta, já na faculdade, nasceu o desejo de aprender a língua alemã culta na escola de idiomas, que propiciou o vislumbrar de um universo simbólico, correspondente a muitos quilômetros de oceano e dois continentes.

Quem eu era, quem sou e o que representa ser descendente de alemães e também de judeus no Brasil em uma constelação familiar tanto quanto peculiar, é uma busca atual que permeará também o futuro, tanto no que se refere à vida pessoal, como também de estudante interessada em entender os fenômenos migratórios e seu desenrolar.

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14 Encontro também com o estrangeiro, com a África, com o Oriente Médio... Descubro assim o significado do companheirismo, da amizade, da parceria que ultrapassam barreiras, credos, línguas e costumes transformando, desta forma, dificuldades em reais possibilidades.

Justamente destes encontros nasceu a curiosidade em entender quem seria o teuto-brasileiro. Mistura interessante, de um mundo antigo com um mundo novo, choque entre o quente e o frio, entre o cinza e múltiplos tons, ginga, cheiros e sabores tropicais. Como ocorreu esta emigração, em quais condições históricas e como se deu a adaptação em local tão diverso?

Emigrantes rumo a sonhos e conquistas; ser estrangeiro não é algo fácil. Envolve a descoberta de um novo mundo e também um novo si mesmo. Para mim, o sentido e o significado disto abarcam um retorno à história do Brasil que, por sua vez, compõe minha pessoa, o meu ser na atualidade.

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Introdução- o delineamento da questão de pesquisa

O foco desta pesquisa foi a investigação do processo de construção da identidade de descendentes de imigrantes alemães que vivem no Brasil, nas regiões Sul e Sudeste do país1. Nestas, o fluxo imigratório da referida população deu-se em maior número. A pesquisa contemplou membros de diferentes gerações de descendentes alemães (filhos, netos e bisnetos) cujos ancestrais se estabeleceram em solo brasileiro até o período final da Segunda Guerra Mundial2. A escolha por tal momento histórico levou em consideração a entrada no país dos imigrantes “pioneiros”, assim reconhecidos pela literatura que refere a imigração desta população como a imigração alemã antiga. (SIRIANI, 2003)

A expectativa deste estudo foi de que se desvelassem os meandros e enquadramentos sociais da constituição identitária dos teuto-brasileiros face à sua socialização em território brasileiro, bem como, a compreensão deste processo junto à composição da população brasileira pensando-se em espectro ampliado sobre suas influências na cultura.

Em tempo de deslocamentos frequentes muito diversos do que foram nos séculos XIX e início do século XX, o advento da globalização e da modernidade tardia promovem a circulação facilitada de um número cada vez maior de pessoas de diversas origens, que se encontram e convivem em um mesmo espaço social (BECK, 1999). Estas trazem consigo, em sua bagagem a cultura na qual foram socializadas. Neste contexto de espaços e deslocamentos, tem-se no Brasil – país cuja miscigenação advinda de sua colonização é parte essencial de sua história e que no século XXI revela-se mais uma vez como grande receptor de imigrantes – um importante “laboratório social” cujas formas até então empregadas na recepção de estrangeiros aguçam nossa curiosidade quanto a este movimento (a recepção dos que emigram e seu desenrolar).

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Estas regiões foram contempladas em nossa pesquisa por expressarem o fluxo imigratório de alemães em maior número não desconsiderando-se a existência de outras, também receptoras desta população.

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16 Desta forma, o interesse em estudar sobre descendentes de imigrantes alemães (chamados“teuto-brasileiros”) no Brasil abarcou, para além do interesse pessoal a peculiaridade da condição de vida nos trópicos à época, as experiências vivenciadas em ambiente muito diverso de sua Pátria natal e as posteriores dificuldades ocasionados pelo contexto político brasileiro. Dado o modo encontrado para sua integração social, estes sujeitos continuaram a construir o país, não mais com o caráter de imigrantes, mas como parte da nação que se tornou sua pátria e onde raízes foram criadas, modificando-se a paisagem e estabelecendo-modificando-se características próprias à cultura local. “Ao longo dos anos de permanência dos imigrantes e seus descendentes no Brasil, as misturas entre a cultura local e a germânica moldaram sua identidade, única e hifenizada”. (MIRANDA, 2008)

A escolha pela referida população não teve por base a porcentagem de imigrantes europeus que escolheram o Brasil como o país de morada uma vez que, de acordo com Seyferth (1994, p.3):

O contingente imigratório de origem alemã não foi o mais significativo, apesar da sua continuidade: entre 1850 e 1938 não houve interrupção do fluxo, entrando no país entre 1 e 2 mil alemães por ano (numa estimativa aproximada); só a década de 1920 registrou um fluxo mais intenso (cerca de 75.000 imigrantes, aproximadamente 30 % do total desde 1824). O total de imigrantes assinalados por diversos estudiosos da imigração varia entre 235.846 (Carneiro, 1950) e 257.114 (Diegues Jr., 1964) (...). A relevância e a especificidade dessa imigração, contudo, pouco tem a ver com as estatísticas ou seu privilegiamento pelo governo imperial (...) o fato mais significativo constituiu no estabelecimento em frentes pioneiras (Waibel, 1958), ao longo de todo o século XIX e nas primeiras décadas do século XX - inicialmente com exclusividade e, mais tarde, compartilhando os assentamentos com imigrantes de outras etnias européias (principalmente italianos e poloneses) - formando uma sociedade étnica, econômica e culturalmente diversa da brasileira. Essa diversidade, marcada em todos os planos da vida social, transformou-se numa questão nacional durante toda a Primeira República, atingindo seu ponto máximo de conflito durante o Estado Novo, no contexto da campanha de nacionalização (dirigida a todos os imigrantes e descendentes, mas particularmente dura com os chamados tento-brasileiros).

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17 pesquisa é expressivo, visto que o estudo de Stehling é datado de 1979. De acordo com Magalhães (1998), o Brasil está atrás apenas dos Estados Unidos da América em número de falantes da língua alemã, sendo o segundo país mais escolhido pelos alemães para emigrar.

A idéia de estudar os aspectos da constituição da identidade de descendentes alemães surgiu durante estadia da autora (2007-2011) na Alemanha, período no qual verificou inúmeras vezes a dificuldade de integração de descendentes turcos à cultura e língua locais. Dados da imprensa alemã3 expressam grande preocupação com as chamadas políticas de integração4 ao país. Tal fato suscitou questionamentos acerca de como teria se dado no Brasil a integração de descendentes alemães, como teria sido sua adaptação ao local e à cultura? Quem são estes indivíduos, como lidaram (ou ainda lidam) com o deslocamento de seus antecessores e como a memória influenciou e/ou influencia a construção de suas identidades?

Outro aspecto relevante que nos levou a escolha deste objeto, foram os sentimentos da autora (neta de alemães e de judeus russos), muitas vezes confrontada na Alemanha com questionamentos referentes a seu pertencimento: “Você é brasileira ou alemã? Talvez ambos?”; “Sim você é alemã, pois aqui o que vale é o sangue, pouco importa o local de seu nascimento”; “Tem o passaporte, então é alemã de verdade”; “Ah sim você não é alemã, é teuto-brasileira.”Ao final, caber-nos-ia responder quem éramos/quem somos a nós mesmos, compreender tal construção. Neste constante autoquestionamento sobre o “eu” em uma nação que não aquela de nosso nascimento fomos tomados, muitas vezes, pela ideia de “duplo pertencimento” e por um sentimento de encontrarmo-nos em um “entre lugares” (BHABHA, 2001) tema este, sem dúvida, disparador de conflitos que nos coloca frente à (re)construção permanente de

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Welt online. A integração dos turcos - um mal entendido. WELT ONLINE. Türkische Integration- ein Missverständnis. Integração dos turcos- um mal entendido. Disponível em<http://www.welt.de/satire/article1663983/Tuerkische_Integration_ein_Missverstaendnis.html> (acesso em 10.09.2011)

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18 identidade(s) a partir de suas metamorfoses. Este tipo de questionamento acabou por tornar-se cada vez mais pertinente, à medida que nossos colaboradores da pesquisa mencionavam semelhante conflito, muitas vezes, cercados de incômodos.

Em diversas localidades do Brasil, em especial na região Sul, marcas da imigração alemã são evidentes. O Estado de Santa Catarina é considerado o mais “alemão” do Brasil. Aproximadamente 35% (a maior porcentagem dentre os Estados brasileiros) da sua população possui ascendência alemã. As cidades do interior do Estado ainda preservam a arquitetura germânica das casas, bem como, a língua alemã e festas populares, como a Oktoberfest. Importa ressaltar que a imigração alemã no Sul do Brasil deixou marcas profundas na composição da população. Nos Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul a cada três pessoas, uma tem origem alemã. Números menores encontram-se no Paraná e em todo o Sudeste e Centro-Oeste do país. No ano 2004, a imigração alemã no Brasil completou 180 anos. Estima-se que haja um milhão de falantes do idioma alemão no Brasil, sendo em sua grande maioria bilíngues. (fonte: DW-WORLD,2011)

Dentre alguns aspectos históricos desta imigração, houve um muito significativo dado na história recente do Brasil, que provocou influências importantes no modo de vida de imigrantes alemães5 e seus descendentes. Segundo Seyferth (1989, 1991) e Willems (1980) o Governo Federal Brasileiro determinou durante o Estado Novo a extinção das instituições comunitárias, proibiu o uso da língua alemã e publicações em alemão. Enviou unidades do exército a várias cidades situadas nas regiões de colonização. Tal fato, justificado pelo chamado perigo alemão6 ocorreu em 1937 perdurando até o final da Segunda Guerra Mundial em 1945. O plano de construção do Estado Nacional no Brasil do período de Vargas visava acabar com a descentralização do poder e promover um projeto de “uniformização e consolidação de uma identidade nacional.” (SANTANA, 2010, p. 245).

5 As influências do período do Estado Novo não foram privilégio dos imigrantes alemães, mas também

dos japoneses, italianos e judeus.

6 O perigo alemão constituiu-se pelo temor de que a Alemanha anexasse áreas de colonização alemã no

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19 Diversos aspectos definem este período, sendo de especial relevância a proibição de manifestações de qualquer ordem por grupos estrangeiros. Deu-se, por exemplo, o ataque ás chamadas ideologias alienígenas, denominação dada ao modo de viver próprio dos grupos de estrangeiros e a preocupação com a fixação da língua portuguesa e da cultura brasileira. “Neste período se inicia a afirmação de uma identidade nacional, na qual os colonos alemães de alguma maneira serão assimilados” (idem, 2010). Estes fatos e outras informações históricas serão contemplados no primeiro capítulo deste trabalho.

Partindo-se do pressuposto de que as colônias alemãs da época já teriam lugar e papel definidos no Brasil, bem como por parte se deus componentes, sentimentos de acolhimento, como se constituiriam identidades a partir daí?

Para Hall (2011) a identidade torna-se uma “questão” quando se está em crise, quando algo que se supõe fixo, coerente e estável é deslocado pela experiência da dúvida e da incerteza. A identidade não existe senão como um processo de construção e pressupõe o reconhecimento da alteridade para sua afirmação.

De acordo com Santos (2010), a Identidade Nacional seria “uma identidade coletiva organizada em torno do Estado-Nação7 e estaria fundada sobre o princípio da autoridade, colocado acima da solidariedade. O nacionalismo constrói a idéia de totalidade: um povo, uma nação, uma cultura, uma língua” (p.30-31). Contudo, o nacionalismo possui um caráter étnico, uma vez que na origem da idéia de nação está a de uma comunidade étnica.

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20 Na prática, o nacionalismo está ligado à ideia de pertencimento e justamente por isso, o imigrante que possui uma identidade dupla, é uma contradição dentro da categoria de Estado-Nação. O duplo pertencimento coloca o problema da lealdade nas redes de participação. (SANTOS, 2010, p.30-31)

Conforme Santos (2010a) o problema do duplo pertencimento é frequente a partir da segunda geração de imigrantes. “A primeira geração está ligada à identidade do país de origem, enquanto a segunda geração se sente dividida entre a identidade dos pais e a do país de acolhida” (p. 31).

Quanto à identidade nacional, salienta Llobera (1996 apud SANTOS, 2010a, p. 31):

Nas suas origens e na sua essência, a identidade nacional é uma tentativa de preservar os costumes dos nossos antepassados. O nacionalismo põe em destaque a necessidade das raízes e da tradição na vida de qualquer comunidade.

A identidade se constrói através de relações, isto é processual e relacional e, portanto, capaz de se adaptar às transformações sociais e pode ser vista como construção social de pertencimento. Em época de globalização é oportuno lembrar que a identidade marca distância, mas também aproximações. (SANTOS, 2010a, grifo nosso DP)

Para que se entenda a identidade é preciso compreender o processo de sua produção. “A identidade é a articulação da diferença e da igualdade” (CIAMPA, 2001, p. 138). É a estrutura social mais ampla que oferece os padrões de identidade; neste sentido, também se pode dizer que as identidades em seu conjunto refletem a estrutura social, ao mesmo tempo em que reagem sobre ela, conservando-a ou transformando-a.

Ciampa traz a visão de que em cada momento da existência do indivíduo, embora sendo uma totalidade, manifestam-se partes de si como desdobramento das múltiplas determinações as quais está sujeito.

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21 idéia de identidade cultural8 é utilizada para o estudo de grupos migrantes, sendo freqüentemente intercambiada com o conceito de organização (SANTOS, 2010a; DANTAS, 2010) e de memória (POLLAK, 1989, 1992) uma vez que esta, sendo relativamente constituída efetua um trabalho de manutenção, coerência, unidade, continuidade e organização. A memória deve ser entendida como um fenômeno coletivo e social, construído coletivamente e submetido a flutuações, transformações e mudanças constantes. (POLLAK, 1992).

Pollak (1992) em seu estudo sobre memória e identidade social, afirma que a memória tem características flutuantes e mutáveis, tanto individual quanto coletivamente e na maioria das memórias existem marcos ou pontos invariantes e imutáveis. Ao questionar quais são os elementos que constituem a memória individual ou coletiva, entende que são os acontecimentos vividos pessoalmente e aqueles vividos

por tabela, ou seja, acontecimentos vividos pelo grupo ou pela coletividade a qual a pessoa julga pertencer.

Se formos mais longe, a esses acontecimentos vividos por tabela vêm se juntar todos os eventos que não se situam dentro do espaço-tempo de uma pessoa ou de um grupo. É possível que, por meio da socialização política, ou da socialização histórica, ocorra um fenômeno de projeção ou identificação com determinado passado, tão forte que podemos falar de uma memória quase herdada. (POLLAK, 1992, p. 2)

O mesmo autor se refere à existência de acontecimentos regionais que traumatizaram muito e marcaram tanto uma região ou grupo, que sua memória pode ser transmitida ao longo dos séculos com altíssimo grau de identificação. Arruti (2002) contribui neste sentido, ressalta que memórias e identidades não são entidades fixas,

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22 mas representações e construções da realidade, fenômenos mais subjetivos do que objetivos.

Na perspectiva da transmissão psíquica dentro da família, autores como Neuberger (1999) e Andolfi (1984) retratam a memória como transmissão capaz de deter as informações necessárias para articular o projeto fundador da família. A história de uma família é uma trama complexa e singular de histórias individuais, vínculos intergeracionais e experiências compartilhadas que se sucedem em tempo que se toma forma, não na sucessão dos anos, mas no perpetuar-se das gerações. Sugere a necessidade da presença de uma continuidade histórica e evolutiva entre os significados que diferenciam modelos de relação do passado e do presente, o que se trata da identidade cultural de uma família. (ANDOLFI, 1984)

Sayad (1998) salienta a contradição dupla existente na imigração: representa um estado provisório que se prolonga indefinidamente, ao mesmo tempo em que se torna um estado definitivo, vivido com o sentimento de provisório. Koltai (1997) acrescenta que para o senso comum, estrangeiro é alguém que vem de outro lugar, não está em seu país e, ainda que em certas ocasiões possa ser bem-vindo, na maioria das vezes é passível de ser mandado de volta para seu país de origem, repatriado. “A categoria sócio-política que o estrangeiro ocupa o fixa numa alteridade que implica numa exclusão, necessariamente.” (KOLTAI, 1997, p. 8).

Pensando-se tais questões na realidade social do cotidiano, iluminam-nos Berger e Luckmann (1996) com sua descrição do mundo da vida cotidiana “não somente tomado como uma realidade certa pelos membros da sociedade na conduta subjetivamente dotada de sentido que imprimem às suas vidas, mas um mundo que se origina no pensamento e na ação dos homens comuns, sendo afirmado como real por eles” (p. 36). Aqui o interesse é o caráter intencional comum de toda consciência.

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23 Segundo os autores, o interesse nas zonas distantes (como o passado) é menos intenso e menos urgente. O interesse maior do sujeito é o aglomerado de objetos implicados em ocupações diárias, porém o trabalho efetuado nas zonas mais distantes poderá afetar a vida cotidiana. Ciampa (2001) coloca que algumas personagens que compõem nossa identidade sobrevivem até mesmo quando nossa situação objetiva mudou radicalmente.

É a estrutura temporal que fornece a historicidade que determina a situação do sujeito no mundo da vida cotidiana. “Nasci em certa data, entrei para escola em outra data, comecei a trabalhar como profissional em outra, etc. (...).” (BERGER e LUCKMANN, 1996, p. 45). Estas datas, contudo, estão localizadas em uma história muito mais ampla e esta localização configura decisivamente a situação do indivíduo. Logo, a estrutura temporal da vida cotidiana também impõe à biografia, uma totalidade. E é nesta estrutura temporal que a vida cotidiana conservará para o indivíduo o sinal de realidade.

Neste sentido, tomaremos como ponto de partida a caracterização de Ciampa (2001), que coloca a importância da identidade como metamorfose e nunca como algo cristalizado. Em sua visão, cada indivíduo encarna as relações sociais, configurando uma identidade pessoal, uma história de vida, um projeto de vida no emaranhado das relações sociais. A discussão acerca das questões identitárias e seu desenrolar partindo-se da socialização, individualização e o sintagma departindo-senvolvido por Ciampa (2001) partindo-serão abordados no capítulo dois.

Nos mais de 180 anos de imigração alemã no Brasil, suas influências fizeram-se presentes em diversos setores (sobretudo, do ponto de vista econômico, visto, por exemplo, o grande número de empresas alemãs em território brasileiro, à exemplo de São Paulo9). No entanto, a integração e desenvolvimento dos imigrantes e de seus descendentes no país, sua inserção cultural, como esta se deu e vem se constituindo no

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24 processo da construção de identidades, levando-se em conta origem, história, relações intersubjetivas, o modo como foram socializados, além de sua busca por reconhecimento, merecem maior visibilidade e justificam a relevância deste estudo. Sua constituição enquanto sujeitos e cidadãos reflete diretamente suas relações sociais e posicionamentos frente à sociedade que os acolheu, fazendo frente ao que continuarão construindo nesta.

No que se refere à contribuição científica desta pesquisa, constatou-se que a maior parte dos estudos encontrados sobre a referida população é predominante do campo da História e visam em geral, um contexto político. Dentre o material encontrado pouco se fala da história de vida e construção da identidade e metamorfoses presentes na vida de imigrantes alemães e/ou seus descendentes no Brasil, mas sim de sua representação social, por exemplo, seu “status” enquanto “herdeiros do nazismo”. Assim, algumas questões envolvendo a ideia de anamorfose e o “ser estrangeiro” são apresentadas no capítulo três.

No quarto capítulo conferiu-se espaço para o olhar dos sujeitos colaboradores desta pesquisa, que em suas narrativas de vida trouxeram temas que iluminam os capítulos anteriores; bem como abrem portas para a discussão de seus pontos de vista que proporcionaram reflexões e considerações, sobre quem afinal são- no capítulo cinco.

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25 Para que se abarcassem as diferentes formas das vivências do sujeito, que ora representam contradições de si mesmos trabalhou-se com o conceito de personagem

(CIAMPA, 2006) que não perde a relação com o papel, mas que permite considerar as possíveis variedades, sejam elas grupais, sejam também, individuais.

Em seu conjunto as identidades constituem a sociedade (CIAMPA, 2001) e com este olhar, o presente estudo buscou contribuir com a compreensão da construção da identidade dos teuto-brasileiros que por sua vez, são parte da constituição da identidade coletiva da sociedade brasileira. Buscou-se, pois, refletir criticamente sobre desdobramentos e pertinências deste contexto, frente o processo de constituição identitária dos descendentes entrevistados.

OBJETIVOS

Geral:

Compreender a construção da identidade de descendentes alemães (teuto- brasileiros) considerando sua socialização em parte do território brasileiro, bem como, a situação da imigração frente à autodefinição do eu.

Específicos:

 Entender como se dá a compreensão de sua identidade cultural (sentimentos de pertencimento) frente às formas de socialização vivenciadas;

 Identificar fatores que possam dificultar ou facilitar a mudança que a migração ocasiona para o sentido de quem se é e como isto difere entre os diferentes contextos histórico-políticos.

O CAMINHO METODOLÓGICO

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26 propõe um pensamento questionador. Questiona, sobretudo, as relações de poder decorrentes do sistema social em que vivemos. Considera os fenômenos estudados a partir de suas determinações histórico-sociais e sua orientação para a emancipação humana. Segundo Goulart (2009) Habermas manifesta a necessidade de se estudar de forma reconstrutiva o modelo concreto de relacionamento entre o Estado, as instituições políticas e a sociedade. Com o filósofo frankfurtiano, reportaremo-nos a uma perspectiva de estudos críticos de macro alcance, que nos projeta nas relações políticas, sociais e comunitárias- em múltiplas formas e modos (SPINK & SPINK, 2006).

O método escolhido para o estudo se insere na abordagem qualitativa. A pesquisa qualitativa refere-se, em amplo sentido, a descrições detalhadas de situações com o objetivo de compreender os indivíduos em seus próprios termos. “Como a realidade social só aparece sob a forma de como os indivíduos veem este mundo, o meio mais adequado para captar a realidade é aquele que propicia ao pesquisador ver o mundo através dos olhos dos pesquisado” (GOLDENBERG, 2005, p. 27). As chamadas metodologias qualitativas privilegiam de modo geral a análise de micro processos, através do estudo das ações sociais individuais e grupais (MARTINS, 2004).

A pesquisa qualitativa debruça-se sobre o conhecimento de um objetivo complexo: a subjetividade, cujos elementos estão implicados simultaneamente em diferentes processos constitutivos do todo, os quais mudam em face do contexto em que se expressa o sujeito concreto. A história e o contexto que caracterizam o desenvolvimento do sujeito marcam sua singularidade, que é expressão da riqueza e plasticidade do fenômeno subjetivo (GONZÁLEZ-REY, 2002).

Para a coleta de dados, utilizou-se o Método de História de Vida, pertencente às metodologias qualitativas10 (Abordagens Biográficas). Este método objetiva apreender

10

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27 as articulações entre a história individual e a história coletiva, em uma ponte entre a trajetória individual e a trajetória social (SILVA, 2007). Emolduradas na metodologia qualitativa, as abordagens biográficas caracterizam-se por um compromisso com a história como processo de rememorar, com o qual a vida vai sendo revisitada pelo sujeito. O método da História de vida funciona como possibilidade de acesso do indivíduo a realidade que lhe transforma e é por ele transformada, na busca da apreensão do vivido social, das práticas do sujeito por sua própria maneira de negociar a realidade onde está inserido (BARROS, 2000). Este método tem como objetivo o acesso a uma realidade que ultrapassa o narrador. Por meio da história de vida contada da maneira que é própria do sujeito, tenta-se compreender o universo do qual o indivíduo faz parte. Isto nos mostra a faceta do mundo subjetivo em relação permanente e simultânea com os fatos sociais. (CAMARGO, 1984)

Segundo Goldenberg (2005) a utilização do método biográfico em ciências sociais e humanas é uma maneira de se revelar como as pessoas universalizam, através de suas vidas e de suas ações, a época histórica em que vivem. O método biográfico pode acrescentar a visão do lado subjetivo dos processos institucionais estudados, como as pessoas concretas experimentam estes processos e levantar questões sobre esta experiência mais ampla. Becker (1994) enfatiza o valor das biografias, atribuindo grande importância às interpretações que as pessoas fazem de suas próprias experiências como explicação para o comportamento social. Para Ferrarotti (1983) citado por Goldenberg (2005), cada indivíduo singulariza em seus atos a universalidade de uma estrutura social e é possível “ler uma sociedade através de uma biografia conhecer o social partindo-se da especificidade irredutível de uma vida individual” (GOLDENBERG, 2005, p.36). Queiroz (1988) complementa, com sua visão de que o indivíduo é um fenômeno social e desta forma, aspectos importantes de sua sociedade e grupo, bem como, comportamentos, valores e ideologias podem ser apanhados através de sua história. “A história de vida é, portanto, técnica que capta o que sucede na encruzilhada da vida individual com o social.” (p.36)

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28 definições de situação que o texto transmitido pressupõe, a partir do mundo da vida do autor e de seus destinatários (HABERMAS, 1987). A interpretação hermenêutica no âmbito das metodologias qualitativas busca reconstruir os processos interativos que produzem o sentido prático ou a construção social da realidade (KÖLLER, 2003). Minayo (1996, p. 220) apud Szymanski (2002, p.65) define a hermenêutica como “a busca de compreensão de sentido que se dá na comunicação entre os seres humanos”. A autora enfatiza a importância que a hermenêutica dá para as condições da vida, situadas sócio-historicamente.

Dos procedimentos de pesquisa às considerações éticas - o caminhar do

pesquisador

Em um primeiro momento a coleta de dados dar-se-ia por meio da execução de entrevistas abertas com membros de três gerações de famílias de descendentes alemães (por exemplo, avô, pai e filho) em uma cidade do Sul do Brasil. Este procedimento fora elaborado em virtude do contato já estabelecido com a AMIG (Associação Pró-Memória da Imigração Germânica) que proporcionaria indicações de pessoas a contribuírem com relatos. Visava-se a indicação de sujeitos que tivessem vivido o período conhecido por “Estado Novo”11 ainda que não pessoalmente, em forma de memórias.

Contudo, tal contato não se desenvolveu de acordo com as expectativas supracitadas. As indicações cedidas pela AMIG foram de ordem bibliográfica e não o contato direto com pessoas. Desta forma, iniciou-se um período de revisão da forma de abordagem dos sujeitos e coleta de dados.

Posteriormente acionou-se (por meios eletrônicos, telefônicos e também pessoalmente) cinco escolas alemãs (sendo uma suíço-brasileira), um hospital alemão, institutos de cultura e ensino da língua, clubes recreativos, restaurantes, associações, a Câmara de Comércio Brasil Alemanha e uma instituição de longa permanência para

11 A escolha por este período da História do Brasil apontava o impacto causado nas vidas dos sujeitos,

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29 idosos alemães na cidade de São Paulo. Houve ainda, a tentativa de contato com diversos sites de relacionamento e blogs na internet, bem como, com professores da língua alemã (encontrados por meio de anúncios, expostos em murais de duas Universidades em São Paulo).

A mesma estratégia foi utilizada ao tentarem-se contatos com sujeitos potenciais colaboradores, em Curitiba, Londrina, Florianópolis e Porto Alegre (cidades representantes dos Estados contemplados12 nesta pesquisa, onde nos foram indicadas pessoas e associações culturais). A descrição da trajetória do contato com sujeitos colaboradores da pesquisa faz-se relevante. Demonstra o grau de dificuldade da aproximação com esta população. Assim sendo, mudou-se a estratégia sem que, contudo, se alterassem as premissas de investigação.

A nova tática constituiu-se em apresentar a proposta de pesquisa à pessoas de nosso relacionamento na academia e também no convívio social cotidiano, bem como em eventos científicos e encontros promovidos por associações comerciais e culturais alemãs (sempre atentos, observando os lugares13 que frequentávamos) e auxílio de informantes14, cujo conhecimento do universo dos descendentes alemães, bem como experiências pessoais e de trabalho colaboraram muito com a pesquisa.

Sugere-se aqui o que M.J.Spink (2007) denomina “pesquisar no cotidiano” (p.7)

12Ressalta-se que não se focalizou uma cidade em especial, mas sim a apreensão de uma diversidade

dentro do Sul e do Sudeste do Brasil, à partir de contatos indicados.

13 Cabe aqui alusão à ideia desenvolvida por Peter Spink (2008) sobre os

micro lugares. Seu propósito é de “chamar a atenção para a importância do acaso diário, dos encontros e desencontros, do falado e do ouvido em filas, bares, salas de espera, corredores, escadas, elevadores, estacionamentos, bancos de jardins, feiras, praias, banheiros e tantos outros lugares” (p.70) de encontros ou breves encontros, onde o pesquisador atento está de passagem. O autor cita Law & Mol (1995) ao explicar que os micro-lugares tratam-se de uma inserção horizontal do pesquisador nos encontros diários, encontros que não são abstratos, mas que ocorrem sempre em lugares, com suas sociabilidades e materialidades. (P.SPINK, 2008, p. 70)

14 Agradeço imensamente o auxílio e disposição de Jorge Bodanzky e Carminha Gongora, que

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30 (...) se pesquisarmos no cotidiano, seremos partícipes dessas ações que se desenrolam em espaços de convivência mais ou menos públicos. Fazemos parte do fluxo de ações; somos parte dessa comunidade e compartimos de normas e expectativas que nos permitem pressupor uma compreensão compartilhada dessas interações.

Em meio ao olhar voltado para o cotidiano15, foi possível chegarmos a seis colaboradores e um informante que não nos contou sua história de vida, mas sim sua experiência junto à população foco desta pesquisa. Todavia, a ideia inicial de coletarem-se relatos de gerações de uma mesma família não obteve êxito. Ora pelos entrevistados não quererem que outras pessoas de sua família falassem, ora pela não existência de outras gerações ou mesmo, pelos sujeitos não estarem abertos ao contato para entrevistas.

Ressalta-se o estranhamento da obtenção de respostas negativas por todas as outras formas de contato com colaboradores (em sendo os centros de língua, cultura e escolas fontes supostamente “interessadas”), bem como em nosso contato pessoal com descendentes alemães em restaurantes e/ou associações. Supõe-se, a partir deste fato dado no campo, a existência de questões ainda não elaboradas que permeiam o imaginário dos descendentes em formas de não ditos16. É possível que o mal estar gerado no tocante ao tema “ser alemão” esteja associado com os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial, por exemplo.

Por outro lado, em se pensando o silêncio institucional, uma abertura para o diálogo poderia promover justamente a dissolução de preconceitos e maior

15 Fausto (1991) em trabalho intitulado

Historiografia da imigração para São Paulo, retrata às várias

interfaces da mobilidade social das diversas etnias que vieram para o estado de São Paulo. Em referência às ações cotidianas, ressalta a importância de estudos que levem em conta dimensões da experiência de vida, o que implica um fazer da história, uma história necessariamente social. Esta, diz respeito a um olhar da vida familiar, das relações na escola, dos negócios e das especializações profissionais.

16 Para iluminar esta relação, buscou-se inspiração em Claude Olievenstein (1989). Segue o que o autor

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31 transparência no que se refere à história e sua construção, que não se interrompe nos acontecimentos passados, podendo ser repensada ou mesmo reformulada quando há espaço para o debate. A não abertura para o diálogo ressalta-se, demonstra o não lidar com o inesperado, mas também, a não abertura para uma nova possibilidade de construção para este inesperado.

As entrevistas concedidas foram gravadas e transcritas. Posteriormente deu-se a análise das histórias de vida, tomando-se por base categorias que nortearam os discursos dos sujeitos, fazendo-se uso do sintagma17 desenvolvido por A. C. Ciampa (identidade-metamorfose-emancipação). Deste, desdobraram-se elementos cuja análise se estabeleceu.

A análise do material, elencada ao sintagma proposto por A. C. Ciampa, teve o entendimento deste como metacategoria de pesquisa. Dando lugar a extração de categorias, portanto, “fornecidas pelo próprio participante do estudo” (MOURA et al., 1998, p. 91) e além disso, na interpretação dos dados procurou-se verificar a adequação dos dados ao referido sintagma, pela mediação das categorias extraídas do material coletado “buscando conhecer o modo pelo qual se daria a evolução do fenômeno no tempo.” (CONTRANDRIOPOULOS et al., apud MOURA et al., 1998, p. 92) visando assim “determinar até que ponto os dados obtidos se mostram úteis e informativos para os objetivos do estudo.” (HIGHLEN & FINLEY apud MOURA et al., 1998, p. 92).

Foram observados aspectos legais, de acordo com a Resolução 196/96 de proteção ao sigilo e procedimentos adotados em pesquisas acadêmicas. O contato com o

17

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(33)

33

Capítulo 1

Localização histórica do objeto de estudo

Localizar historicamente os objetos a serem estudados é uma forma de se partir de princípios definidos, estabelecidos pela realidade construída materialmente e dado o delineamento histórico, encarar tal objeto em suas nuances mais sutis, até concepções no presente.

Pretende-se com este capítulo, emitir visão panorâmica acerca da história dita “oficial” da imigração alemã para o Brasil, conferindo-lhe detalhes sobre aspectos correspondentes a ambos os países- Alemanha e Brasil, que perpassaram interesses dos indivíduos envolvidos neste processo. Almeja-se ampliar a compreensão acerca do movimento migratório na perspectiva da história não oficial, aquela a ser relatada pelos sujeitos colaboradores desta pesquisa, na construção de suas identidades, na apreensão de suas histórias vividas e compartilhadas. Ao localizar o sujeito em sua história, se alcança sua constituição com espectro ampliado, deste, enquanto ser atuante na sociedade, na percepção que tem desta e de como a resignifica, promovendo sentido à própria existência. Como colocado por Prost (2008, p.133) “a história está aparentemente empenhada em conciliar contradições”:

(...) tem necessidade de fatos, extraídos de fontes; no entanto, sem que sejam questionados, os vestígios permanecem silenciosos e nem sequer são “fontes”. A história aparece de preferência como prática empírica, uma espécie de atividade amadorística em que ajustes, incessantemente diferentes, conseguem juntar materiais de textura variada ao respeitar, em maior ou menor grau, exigências contraditórias. (PROST, 2008, p. 133)

Ainda neste sentido, é inspiradora a fala de Sérgio Buarque de Holanda em sua introdução à Davatz (1980, p. 45):

(34)

34

Localizando o sujeito a partir de um breve resumo da história da

colonização alemã no Brasil

(fonte: arquivo Martius Staden)18

A onda imigratória alemã para o Brasil teve seu início na abertura dos portos brasileiros às nações amigas, pelo príncipe regente D. João VI, no ano de 1808. Foi incrementada após o decreto de 25 de novembro do mesmo ano, que possibilitou o acesso à propriedade fundiária a estrangeiros, incentivando a entrada de grupos imigrantes de variadas procedências. Petroni (1982 apud SIRIANI, 2003) refere-se à imigração como fator civilizatório, sobretudo. A presença dos alemães no Brasil no período colonial, ainda que em números diminutos, representou uma imigração de

qualidade, na medida em que no país permaneceram estudiosos, artistas, engenheiros, artífices e militares de origem alemã (SIRIANI, 2003).

Willems (1980) considera a etnia definida linguisticamente19 para chegar ao número máximo de cerca de 500 mil imigrantes de língua alemã, desde meados de 1827

18 Foto obtida no site http://www.martiusstaden.org.br/ acesso em 06.09.2013

19 Em sendo este estudo sobre identidade, cabe menção a este fato como prática vigente a época, que

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35 até 1940, incluindo este número também imigrantes da Áustria, Rússia, Polônia, Tcheco-Eslováquia e Suíça.

A imigração alemã, numericamente, foi muito menos significativa do que a italiana, portuguesa, espanhola e japonesa. Também não apresentou período de maior afluxo; caracterizou-se por entradas mais ou menos constantes20 no período de 1850 a 1919, com aumento brusco na década de 1920, relacionados à dificuldade do pós-guerra na Alemanha (SEYFERTH, 1994).

Ainda que menor em relação a outros grupos étnicos, sua importância no contexto imigratório brasileiro, contudo, tem a ver com a forma de participação no povoamento dos três estados do Sul do país (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) que ocorreu em zonas pioneiras e com a formação cultural de comunidades com traços específicos. Segundo Huber (2007, p. 280) especificidades étnicas visíveis na organização comunitária dos imigrantes que se dirigiam para centros urbanos chamou a atenção dos nacionalistas brasileiros, gerando situações de conflito que perduraram até a década de 1940. Os pontos mais críticos foram, entretanto, alcançados na época das duas Guerras Mundiais. Na avaliação de documentos, Magalhães (1998) refere o desejo da realização da utopia dos alemães por conquistar o “Novo Mundo” (p.24), onde havia terras abundantes e trabalho para todos.

De acordo com Huber (2007) a colonização começou em 1818, com a colônia Leopoldina– nome da imperatriz que estimulou a imigração alemã, na Bahia, seguido da fundação de Nova Friburgo na região serrana do Rio de Janeiro em 1819, por imigrantes suíços.

Em 1824, com a fundação da bem sucedida colônia de São Leopoldo no Rio Grande do Sul, iniciou-se a imigração considerada oficial, seguida de

20 Em 1859 o Decreto de Heydt proibiu a imigração de cidadãos prussianos (depois estendida a outros

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36 diversas outras colônias no Rio Grande do Sul e também em Santa Catarina e no Paraná, além de outras, mais esparsas, em Minas, São Paulo e Espírito Santo. Em Santa Catarina são povoadas as principais bacias hidrográficas, os conhecidos ''vales'' de imigrantes alemães, como o Vale do Itajaí, Vale do Cachoeira e outros. (HUBER, 2007, p. 280)

A autora enfatiza a participação dos alemães no processo de colonização do Brasil, já desde a fundação da primeira colônia na Bahia, em 1818. Com presença significativa em cidades como São Paulo, Porto Alegre e Curitiba, a maioria encontrou-se engajada em projetos baencontrou-seados na pequena propriedade familiar, nas zonas rurais da região Sul. Davatz (1980) acrescenta que no Sul do Brasil, verdadeiros colonos foram recebidos, ou seja, entravam imediatamente na posse da terra e passavam a viver como proprietários rurais. Seyferth (2000a) coloca que, como um todo, o sistema de colonização produziu um campesinato com características próprias, tendo como unidade básica a pequena propriedade familiar no curso de um processo de povoamento que correspondeu a sucessivas levas de imigrantes, no período que foi de 1824 até o início da década de 1930, com progressiva diminuição do fluxo imigratório na década de 1930.

A colônia alemã indicava um estilo de vida distinto21, com culturas camponesas diversas, costumes, hábitos e organização comunitária estruturada num contexto vivido como pioneiro22, quando o contato com a sociedade nacional abrangente era restrito à parcela da população envolvida na atividade comercial ou residente nos núcleos urbanos (SEYFERTH, 2000b). Ainda neste contexto, cabe ressaltar a existência de grande heterogeneidade cultural dentre os imigrantes alemães. Grande parte deles adentrou o

21 Magalhães (1998) ressalta que os imigrantes alemães, para além de bagagens e sonhos, trouxeram

consigo o desejo de recriar seu mundo, formas de sobrevivência e de manifestações culturais inspiradas em suas memórias, somando-se às experiências de seu novo universo. Com relação a isto o estudo de Cabreira (2002) sobre memórias da imigração síria e libanesa em São Paulo, retrata que o desejo de recriação do próprio mundo é comum entre imigrantes, sendo claramente compreendido pelo referencial geográfico ligado ao estudo das paisagens, explorado pela autora.

22“A imagem que emerge nos discursos sobre o pioneirismo é a da conquista pelo trabalho: a colônia,

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37 Brasil muito antes da unificação política da Alemanha. Pertenciam de certa forma, a países diferentes, considerando-se mutuamente como estrangeiros. Havia grande diferença também entre os grupos de alemães protestantes e católicos, diferenças estas que originaram reagrupamentos na autocolonização no Brasil (WILLEMS, 1980). No entanto, Siriani (2003) salienta que “o convívio entre os alemães de diferentes procedências regionais jamais fora impedimento para uma conduta cordial entre os membros dos grupos23” (p.43). Estes apresentavam imbricadas redes de relações sociais, tanto entre si como em relação à população nativa que os acolheu. As maiores diferenças existentes de fato, eram os dialetos e crenças religiosas.

Segundo a mesma autora, o ponto de partida para a imigração oficial foi o decreto de D. João VI, datado em 16 de março de 1820, declarando de maneira explícita o interesse do governo em incentivar a entrada de cidadãos alemães e daqueles outros países que considerassem oportuno se estabelecerem em território brasileiro. Contudo, o que o decreto não explicitava era o porquê de tal posicionamento em relação aos alemães. Siriani (2003) e autores como Seyferth (1982, 1994, 2000a) e Lorenz (2008) apontam a possibilidade de ter sido esta, uma política imigratória voltada para o branqueamento. Segundo estes autores, o imigrante europeu foi considerado o tipo racial mais adequado para purificar a raça brasileira e também o tipo de mão de obra adequada para solucionar o problema econômico vigente, sobretudo, após a abolição do tráfico de escravos africanos. “Simultaneamente à abolição dos escravos, surgiram no Brasil ideias raciais: alguns abolicionistas declararam-se explicitamente contrários a imigração de trabalhadores não brancos, como os asiáticos” (LORENZ, 2007, p. 31). Estes defenderam o recrutamento exclusivo24 de trabalhadores brancos para aumentar a massa ariana no Brasil.

23 Acredita-se que as diferenças procedentes da diversidade regional e religiosa eram amenizadas em

território brasileiro em vista à sobrevivência. A troca e ajuda mútuas eram uma necessidade superior, imagina-se, às divergências existentes.

24

(38)

38 Á respeito do ideal de branqueamento, Nabuco (apud Lorenz, 2008 p. 31) coloca:

O Brasil deveria se tornar um país onde, atraída pela franqueza das nossas instituições e pela liberdade do nosso regime, a imigração europeia traga sem cessar para os trópicos uma corrente de sangue caucásio vivaz, enérgico e sadio, que possamos absorver sem perigo.

Neste trecho, Lorenz exemplifica um pensamento vigente à época, defendido e aclamado por muitos intelectuais; trata-se de que da “miscigenação branca” dependeria a homogeneização da população brasileira, processo este que não deveria ser prejudicado por outras “raças” (aspas nossas).

Ainda para ilustrar o espírito desta época, sugerem-se dizeres de Davatz (1980, p.31):

Como o sal permite saborear alimentos naturalmente insípidos, assim também a mistura bem proporcionada de sangue germânico é salutar a qualquer povo (...).

De acordo com Seyferth (2000a., 2000b) os critérios de seleção de imigrantes visavam europeus brancos que deveriam promover e dilatar a civilização do vasto Reino do Brasil. Trazer colonos significava povoar o território, produzir alimentos e desenvolver artes e ofícios, mais precisamente, segundo os discursos dos imigrantistas da época, gente “afeita” ao trabalho (SEYFERTH, 2000b., aspas da autora). A ideia de civilização com base no apoio à vinda destes imigrantes trazia consigo pressupostos de exclusão, cujas distinções fenotípicas eram consideradas muito importantes.

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39 De acordo com Oliveira25 (2008, p. 32) A discussão sobre os interesses envolvidos na imigração/colonização assumiu grande importância na abordagem do processo de integração dos imigrantes e seus descendentes no Estado, na economia e sociedade brasileira. O autor cita Luiza Iotti (2001, p. 21), quanto ao reflexo da legislação imperial brasileira, sobre “contradições existentes na sociedade brasileira em relação à política imigratória a ser adotada pelo império.”

Ressalta-se que os imigrantes germânicos chegaram ao Brasil em meio a uma política excludente, seja por parte do povo brasileiro que considerava os negros mão de obra não qualificada e, portanto, não bem vinda, seja por parte da própria Alemanha, que conferiu a seus cidadãos condições de vida dificultosas. A partida de indivíduos indesejados para redução de gastos também foi estimulada, como deficientes, criminosos, doentes etc. (KARASTOJANOV, 1999; SIRIANI, 2003)

Neste contexto cabe a reflexão acerca da situação em que se deu a imigração. A ideologia excludente deve ser considerada, sobretudo, quanto ao processo de assimilação à nova cultura. Consideram-se aqui os dizeres de Sayad (1998) no tocante a imigração sofrer de uma dupla contradição - esta representa, portanto, um estado provisório que se prolonga indefinidamente, ao mesmo tempo em que se torna um estado definitivo e vivido com o sentimento de ser provisório. Como estas condições excludentes, em suas variadas formas, viriam a ser vivenciadas por estes sujeitos?

Em 1824, iniciou-se o povoamento sistemático do Brasil meridional por imigrantes germânicos e mais a frente, em 1859, emigraram, da Saxônia para o Brasil, algumas centenas de famílias de artífices e operários (entres estes carpinteiros, serralheiros, costureiras, etc.) em circunstâncias diferentes daqueles que adentraram o Brasil anteriormente. A situação econômica destes emigrantes não era exatamente precária. Eles não queriam trabalhar em fábricas e tal desejo, de evitar a proletarização que acometia seu país, foi o que os induziu a emigrar. Dentre aqueles que podiam escolher

25 O historiador questiona ao longo de seu estudo, o real interesse na concessão de cidadania efetiva e

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40 entre o trabalho rural ou industrial ou emigrar para onde as terras eram baratas e férteis, a segunda opção fora a de muitos. A forma de administração dos territórios de sua terra natal, também foi um fato importante, que levou a emigração coletiva. A Alemanha estava sob um regime político que promovia altíssimos impostos que forçaram a população ao êxodo. Muitas famílias fugiam, abandonando propriedades, evitando assim autoridades fiscais e policiais. (WILLEMS, 1980)

No Brasil, os imigrantes foram alocados na periferia das grandes propriedades escravistas, iniciando um processo de ocupação que, após a independência, seria deslocado para o extremo sul, onde a colonização aparece como sinônimo de povoamento. A imigração subsidiada pelo Brasil, com intensa propaganda nos países da Europa, sobretudo Alemanha, devia atender ao princípio geopolítico de consolidação de território, mais nitidamente delineado a partir da fundação da colônia de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, em 1824, e de três outras colônias em Santa Catarina e no Paraná, estabelecidas em 1829 em caminhos de cargueiros que ligavam o litoral ao planalto e este à província de São Paulo (SEYFERTH, 2000a). A forma como foram localizadas as colônias alemãs fomentou uma espécie de autossegregação dos colonos o que culminou em pouca miscigenação junto à população local (LORENZ, 2008) muito diferente do que fora almejado pelos defensores do projeto de branqueamento da população brasileira. Isolados, os alemães e seus descendentes mantiveram a preservação de sua individualidade “étnica e nacional” (LORENZ, 2008, p. 32) em um movimento que até então não preocupava as autoridades brasileiras.

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41 causando grandes problemas aos imigrantes de origem protestante, deixados, muitas vezes, à própria sorte” (p.46).

Uma melhora ocorreu a partir 1832, já no período regencial, com a lei que estabelecia que os imigrantes no Brasil, há mais de quatro anos, poderiam naturalizar-se e garantir o direito à cidadania. Contudo, ainda que tais questões fossem discutidas por deputados e demais autoridades, suas consequências quase arrasaram a vários núcleos coloniais. Os recursos financeiros26 destinados aos colonos e à introdução de novos estrangeiros foram suspensos. Nesta condição, os imigrantes alemães viram-se sem chances de sobreviver, corroborando com maior desconfiança quanto ao Estado Brasileiro. Desta forma, a solidariedade étnica se tornou estratégia de sobrevivência e também um meio para prosperar.(SIRIANI, 2003)

A partir de 1870, outros grupos de trabalhadores se deslocam para o Brasil, segundo Magalhães (1998) trouxeram consigo uma experiência de nação; tornaram-se cidadãos do Reich - uma Alemanha unificada que incutiu sentimentos de pertença naqueles que emigraram, perpetuando tais sentimentos em um público cada vez mais fiel, no novo país de moradia, seja por meio das escolas primárias, como também por meio da literatura. Nesta época, o número de imigrantes foi mais expressivo do que em tempos anteriores, sobretudo devido ao sucesso da propaganda imigrantista do Brasil.

Barreiras interétnicas e o

Deutschtum

Quanto à localização das colônias alemãs, esta revela interesses mais diretos da política de colonização dos imigrantes, como já mencionado, que era povoar terras desabitadas, consideradas mais apropriadas à instalação de colonos estrangeiros livres e

26 Fernandes (2011) em referência a imigração alemã para a cidade de São Paulo, relata que as

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42 europeus (ou seja, brancos) num processo controlado pelo Estado. Nestas terras, os imigrantes ficaram isolados27 em zonas pioneiras não ocupadas pela grande propriedade o que propiciou a formação de laços de ajuda entre os mesmos, devido à falta de infraestrutura oferecida pelo Estado, tais como fundação de escolas, espaços de convivência, estradas, pontes etc. (SEYFERTH, 2000a, HUBER, 2007)

Conforme Huber (2007) após 1850, o governo imperial passou a responsabilidade da colonização às províncias e vieram a vigorar as companhias particulares de colonização. A continuidade da ação dos agenciadores durante o Império e a propaganda oficial das empresas particulares de colonização na Alemanha, atraíram camponeses, sobretudo, mas também trabalhadores urbanos e artífices, em busca de melhores condições de vida: ser ''proprietário'' (p.281, aspas da autora). São atraídos ainda professores, artesãos, operários, refugiados políticos e pessoas com recursos financeiros para dedicar-se a atividades comerciais e industriais. Ainda que as colônias tivessem planejamento cuidadoso, em sua maioria não havia demarcação prévia de linhas e lotes. Tal trabalho foi realizado pelos imigrantes-colonos na abertura de

picadas28 ou linhas, na construção de pontes e pontilhões, estradas, edificação de alojamentos públicos e outras obras. Havia com isto o auxílio ao pagamento das dívidas para com as companhias.

27

Giralda Seyferth (1982) entende o sentimento de pertencimento identitário dos imigrantes alemães como consequência do sistema de colonização do Brasil. Uma vez que estavam isolados, fortaleceram-se nas relações de colaboração junto aos fortaleceram-seus fortaleceram-semelhantes a partir do que trouxeram (e conheciam) de sua cultura comum. Isto pode explicar a manutenção da língua e perpetuação da cultura entre os descendentes provindos de comunidades mais isoladas. Cabe ressaltar que isto não é exclusivo deste grupo de imigrantes, mas tendência existente também em outros grupos pertencentes a outras correntes migratórias.

28 Picadas ou linhas se constituíram como unidades sociais básicas do sistema, de cujo traçado

(correspondente a uma via de comunicação) eram demarcados os lotes. Por exigência legal o colono devia residir na sua propriedade, fato que impediu a formação de povoados ou aldeias semelhantes às europeias, o que levou os geógrafos a definir essa forma de ocupação como “rural dispersa” (ROCHE, 1969; WAIBEL, 1958 apud SEYFERTH, 2000). Houve uma tendência a reunir na mesma linha, ou em linhas contíguas, imigrantes de mesma nacionalidade e em alguns casos, até da mesma procedência regional. (mais informações em SEYFERTH, G. As identidades dos imigrantes e o melting pot nacional,

Referências

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