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Barreiras interétnicas e o Deutschtum

No documento MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL (páginas 41-56)

Quanto à localização das colônias alemãs, esta revela interesses mais diretos da política de colonização dos imigrantes, como já mencionado, que era povoar terras desabitadas, consideradas mais apropriadas à instalação de colonos estrangeiros livres e

26 Fernandes (2011) em referência a imigração alemã para a cidade de São Paulo, relata que as

promessas feitas pelas propagandas imigrantistas eram descabidas frente à realidade das condições econômicas e estruturais da cidade. Com a vinda de números significativos de imigrantes, o orçamento público ficou sobrecarregado, uma vez que era necessário garantir subsídios diários para os imigrantes alemães, assim como arcar com os salários do funcionalismo público; tais salários deixaram, entretanto, de ser pagos, para que o governo pudesse honrar com os subsídios prometidos. Neste ínterim, os alemães tornaram-se vítimas de desafetos diversos; jornais publicavam artigos críticos relacionados a esta população, acusada ainda pelos cidadãos paulistanos como responsáveis pelos problemas econômicos da cidade.

42 europeus (ou seja, brancos) num processo controlado pelo Estado. Nestas terras, os imigrantes ficaram isolados27 em zonas pioneiras não ocupadas pela grande propriedade o que propiciou a formação de laços de ajuda entre os mesmos, devido à falta de infraestrutura oferecida pelo Estado, tais como fundação de escolas, espaços de convivência, estradas, pontes etc. (SEYFERTH, 2000a, HUBER, 2007)

Conforme Huber (2007) após 1850, o governo imperial passou a responsabilidade da colonização às províncias e vieram a vigorar as companhias particulares de colonização. A continuidade da ação dos agenciadores durante o Império e a propaganda oficial das empresas particulares de colonização na Alemanha, atraíram camponeses, sobretudo, mas também trabalhadores urbanos e artífices, em busca de melhores condições de vida: ser ''proprietário'' (p.281, aspas da autora). São atraídos ainda professores, artesãos, operários, refugiados políticos e pessoas com recursos financeiros para dedicar-se a atividades comerciais e industriais. Ainda que as colônias tivessem planejamento cuidadoso, em sua maioria não havia demarcação prévia de linhas e lotes. Tal trabalho foi realizado pelos imigrantes-colonos na abertura de

picadas28 ou linhas, na construção de pontes e pontilhões, estradas, edificação de alojamentos públicos e outras obras. Havia com isto o auxílio ao pagamento das dívidas para com as companhias.

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Giralda Seyferth (1982) entende o sentimento de pertencimento identitário dos imigrantes alemães como consequência do sistema de colonização do Brasil. Uma vez que estavam isolados, fortaleceram- se nas relações de colaboração junto aos seus semelhantes a partir do que trouxeram (e conheciam) de sua cultura comum. Isto pode explicar a manutenção da língua e perpetuação da cultura entre os descendentes provindos de comunidades mais isoladas. Cabe ressaltar que isto não é exclusivo deste grupo de imigrantes, mas tendência existente também em outros grupos pertencentes a outras correntes migratórias.

28 Picadas ou linhas se constituíram como unidades sociais básicas do sistema, de cujo traçado

(correspondente a uma via de comunicação) eram demarcados os lotes. Por exigência legal o colono devia residir na sua propriedade, fato que impediu a formação de povoados ou aldeias semelhantes às europeias, o que levou os geógrafos a definir essa forma de ocupação como “rural dispersa” (ROCHE, 1969; WAIBEL, 1958 apud SEYFERTH, 2000). Houve uma tendência a reunir na mesma linha, ou em linhas contíguas, imigrantes de mesma nacionalidade e em alguns casos, até da mesma procedência regional. (mais informações em SEYFERTH, G. As identidades dos imigrantes e o melting pot nacional, 2000, p. 147).

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Nos relatos e histórias de vida dos imigrantes, na documentação oficial e também nas narrativas da literatura teuto-brasileira, ao longo do processo de colonização, são descritos conflitos de terra, o cansaço para derrubar a mata e cultivar os lotes sem usar os métodos tradicionais europeus. Problemas como o povoamento disperso, a precariedade das estradas e o transporte, das doenças e enchentes, o endividamento e a dependência em relação aos comerciantes estabelecidos, entre outros. As dificuldades enfrentadas, ao longo do período de ocupação territorial ajudam a elaborar a figura do ''pioneiro'' – como desbravador da floresta e o fundador das colônias alemãs – algo que aparece com frequência na literatura teuto-brasileira. (HUBER, 2007, p. 281)

Um exemplo que ilustra o isolamento das colônias é tema do estudo de Úrsula Albersheim (1962) denominado “Uma Comunidade Teuto-Brasileira”. Neste, a autora analisa a relação entre os problemas causados pelo isolamento da população de alemães do Vale do Itajaí no sul do Brasil, em região denominada Jarim. Nesta, o isolamento da população foi equiparado a uma ilha nacional possibilitando que se observassem modificações sofridas pela cultura dos imigrantes, à maneira como se adaptaram ao novo meio, aos elementos da cultura local e também, inversamente, características especiais que emprestaram à região que ocuparam tal qual hábitos da população, processo este nomeado pela autora como “variante teuto-brasileira da cultura nacional” (p.176) - sobre as relações sociais dos diferentes grupos postos em contato (brasileiros, teuto-brasileiros e luso-brasileiros) maneira como se adaptaram reciprocamente e as consequências que este tipo de contato trouxe à cultura de ambos em um processo mútuo.

Algo que retrata o isolamento mencionado pode ligar-se ao fato de a população de Jarim nunca ter tomado conhecimento de fato, dos acontecimentos mundiais e de suas proporções. “Mantiveram a visão idealizada da Alemanha retratada pela memória de pais e avós, em detrimento do Brasil, como um lugar de poucos recursos”. (ALBERSHEIM, 1962, p.182)

O desenvolvimento posterior à fase pioneira dos colonos, bem como a migração para centros urbanos maiores, como a cidade de São Paulo29, além da emancipação de

29 Davatz (1980) defende que a imigração dos alemães a São Paulo ocorreu de modo diverso do que fora

em outros Estados do Brasil. Em São Paulo, por exemplo, foi a repressão do tráfico de escravos negros e o encarecimento destes que a estimulou. Contudo, há relatos discutidos por este mesmo autor sobre alemães que nesta cidade se sentiam tratados como “escravos brancos” (aspas nossas).

44 algumas colônias ainda no período imperial, promoveram diferenças culturais significativas, aumentando os discursos sobre assimilação dos estrangeiros, preocupando nacionalistas com a possível formação de minorias ou quistos nacionais30 (SEYFERTH, 2000b.). Cabe ressaltar que a maior notoriedade da imigração alemã, deve-se a concentração espacial em áreas coloniais e urbanas (bairros etnicamente configurados) e suas especificidades culturais- incluindo o uso da língua, evidenciando- se um discurso étnico fundamentado na noção de germanidade ou germanismo –

Deutschtum (germanidade)31 veiculado nas instituições comunitárias (escolas, associações, igrejas), na imprensa e também na literatura publicada em língua alemã. O surgimento de uma etnicidade teuto-brasileira32 deu-se junto à emancipação das colônias (transformadas em município) configurando-se uma classe média urbana e rural que exercia sua cidadania e também proposições políticas (SEYFERTH, 2000c).

É possível propor um exemplo do “exercício” do Deutschtum, no fragmento que segue, trazido por uma das interlocutoras desta pesquisa:

“O jornal que corria em casa, a Colônia tem dois jornais, um é o Deutsche Zeitung e outro, um era para os alemães que vieram depois da Segunda Guerra ou no intervalo entre guerras e o outro é dirigido para uma Colônia mais antiga, que ainda fala alemão, mas com uns pedaços de português no meio, sabe? Esse jornal corre muito pelos lados de Blumenau, Rio Grande do Sul, áreas de colônias de alemães mesmo né, mas ele é editado aqui em São Paulo. E na minha casa sempre tinham os dois jornais, na casa da minha vó também, minha vó lia sempre, eu ia no jornaleiro em Santo Amaro,

30 Em seu ensaio, Arjun Appadurai (2009) propõe reflexões sobre a violência em larga escala de nossa

época relacionando esta, sobretudo, à aspectos culturais. Discute a posição das minorias considerando estas como muito vulneráveis- sujeitos vítimas do processo de expiação de medos e outras projeções em caráter conhecido popularmente como “bode espiatório”. A busca da identidade nacional que se perde meio à fluidez promovida por mudanças de ordem política, exacerbaria este processo e “encontrar um culpado.” Pode por vezes, promover um tipo de “certeza identitária” resultando na unificação e propagação de um Etnhosnacional.

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Deutschtum demarca a etnicidade a partir de crença na origem racial comum, engloba a língua, cultura

e determina a solidariedade do povo alemão. (SEYFERTH, 2000c)

32A categoria de identificação “teuto-brasileiro” afirma uma condição de pertencimento à nação alemã

e à cidadania brasileira como coisas compatíveis. Os imigrantes pensavam o Brasil como um Estado etnicamente plural e não como uma Nação (SEYFETH, 2000c, p.3). Em nossa estadia na Alemanha fomos identificados pelas pessoas como teuto-brasileiros- Deutschbrasilianer o que demonstra ser este termo comumente usado em referência à descendentes alemães nascidos no Brasil.

45 lá sempre tinha, ele era semanal. Eu ia pro colégio e minha avó falava: - traga o jornal.”(S.)

O Deutschtum foi assunto de grande destaque de editoriais e artigos de jornais e almanaques. Tais publicações visavam à manutenção da língua, dos costumes, das instituições étnicas dos alemães. Tais publicações configuram não só o entendimento da natureza da ideologia étnica, mas também as preocupações brasileiras com o perigo

alemão existentes na época - “pois nelas se enfatizava o direito à especificidade como grupo nacional, muitas vezes sob o argumento da superioridade germânica.” (SEYFERTH, 1994, p. 6)

Seyferth sugere alguns conceitos importantes para a definição do Deutschtum:

(...) a nova pátria é a colônia, a nova cidadania é brasileira, mas a etnia continua sendo alemã; o ato de emigrar significou o rompimento com o país de origem, mas não com o Volk (povo) alemão. O pertencimento sugerido por tal categoria remete, por um lado, a uma entidade supra territorial - a nação alemã, concebida como entidade cultural e linguística que une um povo de mesma origem e, por outro lado, à cidadania e a um território considerado como Heimat (casa) ou Vaterland (terra paterna) - no caso, o Estado brasileiro. (...) a ligação com a Alemanha, portanto, baseia-se se na comunidade de sangue e língua, naturalizada através de um modo de vida alemão preservado nas colônias, numa reapropriação da ideologia nacionalista anterior a unificação alemã, que podia falar de uma Nação sem Estado. De certa forma isso explica porque a endogamia e até mesmo a nova sociedade, imaginada como produto da capacidade herdada de trabalho, portanto associada à raça, são concebidos como fronteira étnica a preservar. O modelo étnico de nação tem seus mitos de descendência e eles são necessários à mobilização interna. Nesse caso, o mito da união espiritual e cultural de todos os alemães e seu passado original, serve de base a formulação do Deutschtum, que também incorpora um outro mito, o da capacidade inata de trabalho que produziu uma sociedade civilizada em plena selva. (SEYFERTH, 1994, p. 6, tradução nossa)

Seyferth expõe o conceito Pátria, implícito na categorização étnica e no próprio

Deutschtum. Se por um lado a etnicidade supõe o pertencimento à nação alemã pelo direito de sangue, por outro, a ideia de se ter no Brasil uma pátria, proporciona a condição de brasileiros. Pátria tem dois significados distintos, que se completam, um deles remetido à colônia enquanto comunidade étnica, o outro ao Estado enquanto entidade política e territorial. No primeiro caso, prevalece o conceito de Heimat (termo derivado da palavra Heim = lar) que remete ao processo histórico de colonização- pois a pátria é a colônia germanicamente construída. No segundo caso, prevalece o conceito de

Vaterland, remetido à cidadania e associado ao trabalho.

Essa duplicidade da noção de pátria inclui os dois princípios que regem a identidade étnica: uma pequena pátria alemã no Brasil construída com

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esforço coletivo dos colonos pioneiros e a pátria brasileira, que remete a cidadania referenciada pelo direito de solo. (SEYFERTH, 1994, p. 7)

Magalhães (1998) acrescenta ainda, que o Deutschtum, enquanto sentimento de pertença “denota uma noção orgânica de comunidade, em que imagens da família, do corpo, do sangue, não são utilizados como uma metáfora, mas constituem essência mesma de suas premissas” (p.109). Por exemplo, a língua materna, teria para o indivíduo o mesmo significado que uma mãe para seu filho.

Neste outro exemplo, também tratado por um de nossos interlocutores, percebem-se algumas proporções o Deutschtum pode alcançar, influenciando o projeto de vida.

“(...) ser descendente de alemã me afeta 100%. Muitas das minhas características de personalidade vêm, com certeza, disso. Seja genético ou comportamental... Muitas pessoas acham que sou efetivamente estrangeira e que vim parar no Brasil em algum momento da vida por causa de coisinhas simples, que para mim, minha mãe, minha tia e qualquer alemão considera básico: pensar nas suas ações e se elas poderiam incomodar ou prejudicar o próximo. Exemplo besta: procurar um local adequado para atravessar a rua. Com certeza influenciou no meu projeto de vida, pois nunca me senti lá muito brasileira e isso fez com que eu buscasse alternativas de locais onde eu talvez me sentisse mais em paz. Antes de pensar em algo radical, como voar pelo Atlântico, pensei muito em mudar para o interior, ou para o Sul, ou para o interior do Sul.” (P.)

O escritor Hans Tolten (apud MAGALHÃES, 1998, p. 110) retrata uma experiência na família para falar de seus sentimentos perante à pátria que não conheceu:

A saudade que minha mãe tinha da pátria era tão grande e tão vivamente narrada que ela fazia com que eu me sentisse em minha fantasia muito mais na terra distante do que no mundo de hoje, em que estou eu. (TOLTEN, 1934, p.12 )

A partir das definições do Deutschtum e de como os alemães lidavam com esta forma de pertencimento étnico, é possível contextualizar o que se deu durante o governo de Getúlio Vargas, na criação do Estado Novo. De acordo com Seyferth (2002) a maior crise33 nas relações com os brasileiros se iniciou em 1939, durante a campanha de

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A imigração pode ter sido a principal impulsionadora da campanha de nacionalização. Para mais detalhes acerca deste tema ver SEYFERTH, G. Os imigrantes e a Política de Nacionalização do Estado

47 nacionalização forçada imposta pelo Estado Novo. Decorreu um projeto de assimilação que visava todos os imigrantes e descendentes estabelecidos no país, contudo, foi especialmente rigoroso com alemães e japoneses. Durante toda a campanha repressiva das manifestações étnicas, os descendentes de imigrantes (brasileiros por nascimento) foram classificados como alienígenas, estrangeiros que deveriam ser abrasileirados, misturados a sociedade nacional.

A questão do reconhecimento e da assimilação de estrangeiros e seus descendentes no Brasil durante este período gerou marcas. Jornais34 da época trataram estas pessoas de forma particular e estigmatizada promovendo conflitos35, revoltas e retaliações. Questões importantes quanto à posição destes sujeitos frente sua relação com o Brasil são pertinentes: de imigrantes, ora convidados a adentrar e permanecer no país, foram de alguma forma “enganados”, levando-se em conta as condições objetivas encontradas. Pressionados a mudar hábitos e manifestações culturais, iniciar-se-ia uma segunda etapa de adaptação36, etapa esta por certo não esperada, sobretudo por aqueles já há anos no Brasil. Paradoxalmente, a tese do branqueamento da população vislumbrava europeus como imigrantes ideais à formação da nova racialidade, estes, no

34 Não somente os jornais da época, os livros didáticos também compunham este momento político que

o Brasil atravessava. Conforme Cabreira (1996, p. 50), os livros didáticos produzidos neste período refletiam em seu conteúdo o ideário político de cunho nacionalista e patriótico propagado pelo governo. A Geografia deveria contribuir para o desenvolvimento cívico e patriótico das crianças, que aprendiam que os imigrantes, assim como comunistas e anarquistas, eram elementos nocivos à sociedade e que este contingente populacional era considerado fator de problemas sociais, gerador de crimes entre outros.

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Para maiores informações acerca da expressão da mídia em relação aos imigrantes e seus descendentes durante o Estado Novo consultar FERNANDES, L. N. P. “Perigo alemão ou germanofobia?”

Os alemães em São Paulo entre 1889 e 1918. Mestrado em História Social, Departamento de História

Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2011.

36“O antigermanismo e a guerra causaram um movimento que de certa forma dividiu os imigrantes

alemães. Uma boa parcela alinhou-se aos interesses brasileiros voluntaria ou involuntariamente e outra, apenas deixou de manifestar em público seus interesses pela Alemanha. Aqueles que se mantiveram comprometidos com a germanidade, exacerbaram ainda mais suas posições, criticando ainda mais a sociedade de modo geral, esta concebida ainda, como receptora. Comportavam-se como minoria étnica e se auto nomeavam uma nação oprimida, reagindo de forma semelhante as minorias do império austro-húngaro, por exemplo. Este comportamento pode ser considerado uma reedição das experiências sofridas na Europa.” (MAGALHÃES, 1998, p. 99-100)

48 entanto, deveriam integrar-se ao abrasileiramento cultural, o que significou uma forma de sentenciarem37-se etnicidades produzidas pelos processos imigratórios. (SEYFERTH, 2000)

São Paulo: uma cidade em desenvolvimento- a relação com Santo Amaro

Viaduto do Chá (São Paulo) com a estrutura metálica importada da Alemanha. Acervo do Instituto Martius-Staden

A imigração alemã para São Paulo teve início em 1827. Segundo dados da historiadora Siriani (2003, p. 57) esta se deu após aviso expedido pelo governo imperial ao presidente da Província, o qual informava sobre o envio de um grupo de imigrantes alemães que deveria ser estabelecido pelas autoridades locais, onde melhor lhes conviesse. Tal notificação foi motivo de grande surpresa (ainda que, segundo a autora, já houvesse um aviso anterior). Após quarenta dias desta notificação, atracaria no porto de Santos o primeiro e numeroso grupo de alemães. Estes, não passaram por uma prévia seleção o que Siriani (2003) coloca ter sido um grande problema posteriormente.

37Acrescentamos, contudo, uma questão valorizada e ressaltada em alusão ao Brasil: sua multiplicidade

49 Dados do instituto Martius Staden38 revelam que os primeiros alemães que chegaram a São Paulo não eram, em sua maioria, afeitos ao trabalho agrícola, mas sim artesãos e ou profissionais de áreas técnicas, motivo que levou à grande dificuldade na adaptação ao trabalho nas fazendas de café.

Um retrato dos momentos iniciais dos imigrantes alemães em São Paulo e do despreparo da Província é descrito por Siriani (2003);

Despreparado, o governo provincial não sabia como agir. O que fazer com estes indivíduos? Sem um núcleo colonial formado e nem sequer planejado, os alemães foram enviados temporariamente ao Hospital Militar de São Paulo. Ali instalados, deu-se início a uma verdadeira via sacra, que durou aproximadamente dois anos, até que obtivessem os prometidos lotes de terra. Eram duzentos e vinte e seis indivíduos, aos quais foram se juntando outros grupos menores, que ao cabo de dois anos já representavam quase mil almas.

(p. 58)

Siriani acrescenta que, também devido ao despreparo para o recebimento dos alemães em São Paulo, estes foram mal recebidos pela população. Sua presença representou prejuízo aos cofres públicos. Para tanto, a autora menciona nota publicada em jornal de grande circulação na época, que ilustra a situação:

Não havemos de chorar amargamente a quantia de 400.000$000 de réis para mais que mensalmente sai dos cofres nacionais da província, para sustentar os colonos? (...) não nos havemos de lembrar sem dor que esse dinheiro é sangue dos nossos concidadãos e que estes, por estas e outras ficarem reduzidos à mendicidade hão de mandá-los à taboa, ao mesmo passo que se importa gente estranha (...) facinorosa, com inauditos sacrifícios, para colonizar um país que não precisa, senão que o deixem prosperar... (nota do jornal Farol Paulistano de 12 de julho de 1828 apud SIRIANI, 2003, p. 59)

A autora comenta este fato (entre outros com o mesmo caráter) enquanto desagrado que passou rapidamente à xenofobia. As autoridades responsáveis pelo assentamento dos imigrantes alemães demoraram até chegar ao consenso de que seu destino seriam as terras devolutas do sertão de Santo Amaro. Os imigrantes, durante dois anos, ainda não estavam assentados e enquanto “sobrecarregaram os cofres

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Instituto Martius Staden- vídeo informativo sobre a imigração alemã em São Paulo: <http://www.martiusstaden.org.br/ >( acesso em 06.09.2013)

50 públicos” (idem,ibidem) tinham também seu descontentamento aumentado pelo crescente sentimento de não pertencerem a lugar algum, aliado à impotência e ao fato de não serem bem quistos na cidade. “A cidade de São Paulo nos primeiros anos do império era um local de parcos recursos, acanhado e pouco habitado. Dessa forma deve ter sido para seus habitantes um choque a chegada de tantos estrangeiros39, de uma só vez...” (idem, ibidem).

Após a esperada definição do local de assentamento, houve grande decepção frente à realidade apresentada, sobretudo quanto às dificuldades locais. De acordo com Siriani (2003), a diferença das condições de vida, comparadas à vida na terra natal eram

No documento MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL (páginas 41-56)

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