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A construção social da realidade contribuições de Peter Berger, Thomas Luckmann e Georg H Mead

No documento MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL (páginas 71-76)

A realidade é construída socialmente e desta forma não há como se pensar a constituição de identidades à parte deste fato.

A vida cotidiana apresenta-se como uma realidade interpretada pelos homens e subjetivamente dotada de sentido para eles na medida em que forma um mundo coerente. (BERGER & LUCKMANN, 2011, p. 35)

O mundo da vida cotidiana é tomado como realidade pelos membros da sociedade em sua subjetividade, no modo como apreendem este à sua conduta, no sentido que imprimem às suas vidas. “mundo que se afirma no pensamento e ação dos homens comuns, sendo afirmado como real por eles.” (idem p.36)

Peter Berger e Thomas Luckmann apontam a formação de intersubjetividades e a apreensão destas nas experiências subjetivas da vida cotidiana. Interessa-lhes o caráter intencional, comum de toda consciência e estudam a vida cotidiana, uma vez que ocorre nesta, a tensão da consciência em seu máximo. Logo, se configura no cotidiano a realidade experimentada pelos sujeitos, que neste contexto, desenvolvem sua atitude natural. Trata-se de uma realidade instituída antes do sujeito “entrar” nesta, com seus objetos, valores. Realidade esta, anteriormente dotada até mesmo pelo local geográfico onde o sujeito nasce, com seu relevo, clima e territórios já definidos.

A realidade da vida cotidiana está organizada em torno do ‘aqui’ de meu corpo e do ‘agora’ do meu presente. Este ‘aqui e agora’ é o foco de minha atenção à realidade da vida cotidiana (...). A realidade da vida diária, porém não se esgota nessas presenças imediatas, mas abraça fenômenos que não estão presentes no ‘aqui e agora. ’ (BERGER & LUCKMANN, 2011, p.39)

72 O elemento da realidade cotidiana mais próximo do sujeito é aquele em que o mesmo tem acesso, quase que por sua manipulação corporal. É aquela realidade em que o indivíduo pode atuar modificando-a, implementando-lhe aspectos seus como, por exemplo, por meio da atuação pelo trabalho. Cabe ressaltar, que o “aqui e agora” da atuação do sujeito não impede que zonas distantes também estejam presentes nas ações, por meio da memória e também através do que os autores nomeiam como mundo intersubjetivo.

A realidade da vida cotidiana apresenta-se a mim como um mundo intersubjetivo, um mundo de que participo juntamente com outros homens. Esta intersubjetividade diferencia nitidamente a vida cotidiana de outras realidades das quais tenho consciência. Estou sozinho no mundo de meus sonhos, mas sei que o mundo da vida cotidiana é tão real para os outros quanto para mim mesmo. (BERGER & LUCKMANN, 2011, p. 39)

Não há existência na vida cotidiana senão em-relação. A noção de intersubjetividade acontece no encontro com o outro e também agrega o sujeito à vida em sociedade, ao mesmo tempo em que promove seu desenvolvimento pessoal (social e também cognitivo).

É possível reconhecer a alusão de Berger & Luckmann (2011) às proposições de Georg H. Mead e a compreensão destas para a interação do homem na realidade cotidiana, quando colocam:

Sei que minha atitude natural com relação a este mundo corresponde à atitude natural dos outros, que eles também compreendem as objetivações graças às quais este mundo é ordenado, que eles também organizam este mundo em torno do aqui e agora de seu estar nele e têm projetos de trabalho nele. Sei também que os outros têm uma perspectiva deste mundo comum que não é idêntica à minha. Meu ‘aqui’ é o ‘lá’ deles (...) de todo modo sei que vivo com eles em um mundo comum. (BERGER & LUCKMANN p.40)

Cabe a reflexão sobre a inter-relação existente entre a intencionalidade do sujeito elaborada à partir da aquisição do “outro generalizado” ou seja, partindo-se das proposições de Mead quanto a formação do self. A formação do self (que caminhará junto ao desenvolvimento da personalidade) contém a apreensão do “outro” enquanto instituição relevante na vida do sujeito, na adoção das atitudes desta, ou seja, o assim chamado “outro generalizado” (SOUZA, 2006).

73 O comportamento passa a ter sentido para o indivíduo quando este se exterioriza, tornando-se atitude, disposição para a conduta. Logo, para Souza (2006) em sua leitura de Mead, a natureza da consciência é social, dialeticamente funcional e passa a ser o princípio que permite ao sujeito compartilhar conceitos, viabilizando assim sua participação, ação e também inserção na sociedade, o que marca uma fase decisiva na socialização (SOUZA, 2006; BERGER & LUCKMANN, 2011).

Berger & Luckmann colocam que a formação na consciência do outro generalizado marca uma fase decisiva na socialização. “Implica a interiorização da sociedade enquanto tal e da realidade objetiva nela estabelecida e, ao mesmo tempo, o estabelecimento subjetivo de uma identidade coerente e continua” (p.173). A sociedade, a identidade e a realidade cristalizam subjetivamente no mesmo processo de interiorização. Esta cristalização ocorre juntamente com a interiorização da linguagem. Aquilo que é “real fora passa a ser real dentro”. (idem, p. 173)

É pelo compartilhamento intersubjetivo por meio da linguagem que o sujeito se constitui. Isto se inicia ainda na infância, quando a criança gradualmente aprende o processo de apropriação da atitude do outro durante o brincar (conceito nomeado como

play and the game)54, organizando este outro para si, como o outro generalizado (SOUZA, 2006). No game a criança aprende jogos “de regras” algo extremamente importante para a convivência social.

A criança desenvolve o seu self ao mesmo tempo em que compartilha, apreende e treina experiências com os outros. A formação de seu próprio repertório dá-se em- relação com outros selves em processo reflexivo e sempre social. A organização do repertório comportamental da criança se desenvolve em atos e também em atos-resposta às atitudes do outro (MEAD, 1972, interpretação nossa55). De acordo com Mead a

54Conceito amplamente explicado e exemplificado na obra original de Mead intitulada “Mind, self and society. From the Standpoint of a social behaviorist. Chicago: The University of Chicago Press, 1934”. 55

“(...) These responses must be, in some degree, present in his own make-up. In the game, then, there is a set of responses of such others so organized that the attitude of one calls out the appropriate attitudes of the other.” (Mead, 1972, p. 151)

74 experiência do self reflete a sociedade de modo total (cabe ressaltar que o self é uma instância construída na interação em sociedade, não “está” no sujeito desde o nascimento).

É, portanto, nas trocas simbólicas, por meio da linguagem (incluindo- se também gestos) que a comunicação interna se desenvolve. Constitui-se uma forma de consciência de si mesmo a partir do contato com o outro. É como “tornar-se objeto para si mesmo” (MEAD, 1972, p.138) aquisição esta mediada pela intersubjetividade promovida pela comunicação. Registramos e pensamos a partir de nossas experiências vividas e compartilhadas.

Conforme Souza (2006, p. 53) o outro generalizado seria uma espécie de influência da socialização na constituição do self e assim na própria individuação do sujeito. Um outro “outro”, que possibilitará a internalização de regras sociais. Desta forma, a personalidade estaria relacionada ao social e com o meio linguístico de modo intrínseco. O sujeito passa a interagir no mundo pela apropriação do outro, o que permite, por sua vez, também a reflexão de si mesmo.

Nas palavras de Mead (1972) citado por Sass (2004, p. 280):

É na forma do outro generalizado que os processos sociais influenciam o comportamento dos indivíduos neles envolvidos e que são executados, quer dizer que é nessa forma que a comunidade exerce seu controle sobre o comportamento de seus membros; porque é nessa forma que o processo entra como um fator determinante do pensamento individual. Pelo pensamento abstrato o indivíduo assume para si a atitude do outro generalizado, sem referencia à expressão que esse outro generalizado possa assumir para qualquer outro individuo particular; e pelo pensamento concreto assume essa atitude em que é expressa nas atitudes para o seu comportamento, por parte daqueles outros indivíduos com quem está envolvido na situação ou no ato social. Mas, unicamente adotando a atitude do outro generalizado para si, por uma dessas maneiras, pode o indivíduo pensar, porque apenas assim pode se dar o pensamento. E somente através da apropriação pelos indivíduos da atitude ou das atitudes do outro generalizado para si mesmo que pode existir um universo de discurso, como um sistema de significados comuns ou sociais que o pensamento pressupõe.

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Fases do self

Georg H. Mead explica as fases do self determinando o “eu” e o “mim”. Segundo a leitura de Souza (2006, p.58) o mim exprime convencionalidade, tradição e adaptação e o eu, indica a novidade, originalidade e criação.

No meio social, são as atitudes do outro que constituem o mim organizado e então o sujeito reage a estas atitudes com o eu. O self, produzido no confronto entre o eu e o mim, assegura a incorporação de atitudes sociais o que possibilita a socialização do sujeito. (SASS, 2004; SOUZA, 2006)

De acordo com Werle (2008, p. 44) a consciência deve ser entendida como fluxo de pensamento e vivências originadas na relação dinâmica entre uma pessoa e seu ambiente significativo. Mead compreende, desta forma, a construção da identidade como um processo de aprendizagem social intersubjetiva. Logo, “ver o seu próprio comportamento a luz do comportamento do outro é o que modela o self ”. (idem p. 44)

Trata-se de pensar a identidade dos indivíduos socializados como sendo formada, ao mesmo tempo, por meio do entendimento linguístico com os outros e por meio de uma compreensão intra-subjetiva, histórica e vital consigo mesmo. A individualidade forma-se nas práticas e estruturas de reconhecimento intersubjetivo e na autocompreensão mediada intersubjetivamente. (WERLE, 2008, p.43)

O autor refere Mead em seu entendimento da identidade, não como algo que o individuo “possui”, mas sim uma construção desta em meio a processos comunicativos, que envolvem constantes “ajustes reflexivos do comportamento” sempre em consideração a conduta de outros cujos papéis assumimos. (WERLE, 2008, p. 45)

Na leitura de Juergen Habermas56, a obra de Mead auxilia a conceber a identidade pessoal enquanto processo de aprendizagem mútua, que possibilita que se

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Para um maior aprofundamento acerca da discussão feita por Habermas sobre George H. Mead consultar: Juergen Habermas- Pensamento pós-metafísico. Estudos filosóficos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Tempo brasileiro, 2002.

76 vislumbrem potenciais emancipatórios de uma razão comunicativa na realidade social do indivíduo que pode até mesmo resultar em formas e modos de maior liberdade, formas de inclusão e participação democrática na vida em sociedade. (WERLE, 2008)

No documento MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL (páginas 71-76)

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