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A campanha de nacionalização e o Estado Novo: pela criação de um povo “abrasileirado”

No documento MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL (páginas 56-65)

Instituída em nome da unidade nacional, a campanha de nacionalização do Estado Novo, iniciada em 1937 com a pretensão de forçar a assimilação dos alienígenas (indicação de ausência de abrasileiramento), produziu a maior crise enfrentada por alemães e seus descendentes: houve intervenção nas escolas e outras instituições comunitárias, o uso da língua materna foi proibido em público e os militares procuraram impor civismo através do elogio à miscigenação étnico/racial. Tal fato teve efeitos decisivos, dentre eles, o desaparecimento da imprensa e das escolas étnicas e de algumas instituições culturais (ALVES, 2006; SEYFERTH, 2000a, 2000b) as situações de conflito produzidas marcaram a vida cotidiana destes alemães até o final da década de 1940, todavia, cabe aqui o questionamento constante no que toca a expressão destes fatos, sobre marcas ainda presentes, mesmo em dias atuais.

No trecho que segue, Seyferth (2000a) indica motivações econômicas e geopolíticas consideradas quanto ao planejamento da colonização, nem sempre consoantes com os princípios do nacionalismo.

(...) para os propósitos de formação da nação, os imigrantes e seus descendentes deviam ser assimilados, ou melhor, caldeados num

abrasileiramento de concepção cultural e racial; mas a colonização, tal como

47Com relação ao citado “caboclo alemão” faz-se necessário pensar também o modo como a cultura

alemã é expressa, por exemplo, em festividades. Citamos como exemplo a festa alemã intitulada “Maifest” que acontece anualmente no bairro do Brooklin em São Paulo, na qual estivemos presentes. A impressão, quando de nossa visita, com exceção da venda de bebidas e salsichas ter sido algo de proporção muito maior do que de fato é em comparação a Alemanha, foi que grande parte dos descendentes presentes remontam uma Alemanha não mais existente, talvez a Alemanha de outrora, de seus antepassados. Na festa foram apresentadas danças e roupas típicas (apenas da região da Bavaria) que hoje já não existem na Alemanha. O que se propõe com este comentário é o total esquecimento com relação ao imigrante pioneiro em São Paulo, que passou pelo processo de acaboclamento, relacionando-se com os caboclos brasileiros, assemelhando-se a estes em costumes e modos de vida constituindo a seu modo, uma relação de parceria. Manter e perpetuar a imagem da “pátria distante” pode ter um sentido neste tipo de festividade, entretanto, seu significado afasta-se do teuto-brasileiro que se constituiu no cotidiano e labuta em São Paulo.

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foi implementada no sul, deixou, a princípio, uma população estrangeira numericamente expressiva afastada da sociedade nacional. (...) temos, por um lado, uma concepção de nação elaborada, num sentido mais geral, por nacionalistas de diferentes matizes compartilhando ideais assimilacionistas e princípios de desigualdade racial e, por outro lado, os interesses econômicos e políticos provincianos (ou não) que preferiam o “colono estrangeiro” no seu lugar- isto é, explorando morigeradamente e sem reivindicações cívicas o seu lote colonial. Nessa perspectiva, os colonos não deviam ter representatividade política. (SEYFERTH, 2000a, p. 150)

A autora acrescenta que oficialmente, elites brasileiras nunca deixaram de falar em assimilação e miscigenação, negando a existência de minorias. Contudo, na prática, a especificidade social e cultural das diversas colônias, bem como a segregação resultante da política oficial de colonização, gerou um discurso de exclusão. “Os indivíduos étnicos não podiam ser considerados brasileiros - estigmatizados como cidadãos ilegítimos porque não eram nacionais”. (SEYFERTH, 2000a, p. 151)

(...) Vargas, tomando como parâmetro o perfil político de Hitler, defendia a manutenção de um Estado forte e centralizado, que instrumentalizasse o surgimento da “nação brasileira unificada e poderosa. Essa era a fórmula adotada tanto pelos regimes totalitários, caso da Alemanha, como autoritários, caso do Brasil. Interessava a ambos os ditadores, ainda que em graus diferenciados, legitimar o processo de dominação social. (GIL, 1995,

apud ALVES, 2006, p. 70)

Os alemães no Brasil sofreram com a política nacionalista do governo Vargas uma série de decretos publicados que atingiram costumes, o cotidiano e valores desta comunidade de imigrantes. Ficou proibido falar seu idioma48 em público, reunir-se para atividades políticas ou manter escolas essencialmente alemãs. Tais medidas foram naquela época, cumpridas a risca na região sul do país, região que detinha maior número de estrangeiros e descendentes alemães, medidas adotadas também em outros Estados do país. (PERAZZO, 2009)

48“O espírito de identidade nacional, envolvendo sentimentos de amizade, solidariedade e fraternidade,

esteve nas bases do patriotismo das comunidades alemãs. Esteve também na base da organização de comunidades, da formação de pequenas associações a partir do final do século XVIII, que reforçaram tais sentimentos e valorizaram a língua como forma de cultivar costumes e tradições artístico-culturais dos grupos. A fragmentação territorial da Alemanha parece ter traduzido um tipo de configuração de sociedade que, baseada no patriotismo cultural e popular, fomentou tanto o sentimento de desenraizamento como também uma noção de identidade fortemente calcada na unidade. A noção de unidade aqui presente foi integrada, sobretudo pelo idioma.” (CAMPOS, C. M. A política da língua na era

58 Vivência esta, também relatada por uma colaboradora de nossa pesquisa:

“E essa coisa do Getúlio ainda pega muito. É porque você teve uma geração que praticamente não leu o alemão e quando você não lê, não escreve, você fica ruim da língua e aí você teve depois uma geração que, praticamente, é eu fiz o último ano do primário lá em Pomerode e não se podia falar o alemão na escola, não se podia, não tinha nenhuma coisa de incentivar a língua.” (S.)

“(...) e aí vem o negócio da guerra, mas mesmo assim, toda repressão do Getúlio, mesmo assim o grupo se manteve! Os colégios voltaram, entendeu? Voltam a ensinar alemão, os colonos voltaram às suas associações e sei lá, você tem pessoas, na verdade, não da minha idade, um pouco mais velhas, que não podia dar nome alemão então os caras foram descolar nomes alemães antiquíssimos, que você não via como alemão.” (S.)

Entre 1930 e 1940, as comunidades teuto-brasileiras eram formadas pelos netos de descendentes dos alemães que imigraram para o Brasil no final do século XIX, sendo estes, portanto, a terceira geração germânica. No entanto, ainda que nascidos no Brasil, mantinham hábitos, costumes e tradições alemãs e viviam como comunidades estrangeiras. Isto determinou um controle mais rigoroso sobre estes grupos, altamente atingidos pela campanha nacionalizadora de Vargas. “Estas medidas modificaram o cotidiano, relações e valores morais, culturais e sociais de crianças, jovens e adultos e idosos” (PERAZZO, 2009, p. 168). Tal tratamento dispensado aos alemães e, também, aos demais súditos do eixo49, deixou de ser apenas uma questão nacional, passando a denotar uma aproximação entre Brasil e Estados unidos.

A proibição de se falar o alemão (em público) silenciou50 cerca de 50% da população de alemães no Sul do Brasil; a substituição rápida das escolas alemãs por

49A expressão “Súditos do Eixo” foi utilizada para designar alemães, japoneses e italianos que se

encontravam no Brasil. A conotação em torno do termo súdito remete à submissão à vontade do outro e ao dever de obediência. O Eixo inicialmente foi formado pela aliança entre a Itália, Alemanha e Japão, em 1936. Os “eixistas” passaram a ser considerados submissos aos ideais políticos de seus países de origem e desta forma, considerados como ameaça potencial. A disseminação deste termo transformou estes cidadãos em representantes de perigo à segurança nacional, fator este que legitimava determinadas práticas de repressão. Os alemães, contudo, foram o alvo principal da campanha da política de repressão aos estrangeiros. (PERAZZO, 2009, p. 28-176)

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No Filme-documentário feito por uma de nossas colaboradoras há um emocionante depoimento do que se deu nesta época. Há relatos de como as pessoas literalmente emudeceram e passaram a sentir medo de desconhecidos, que por ventura pudessem escutá-las falando alemão e denuncia-las. Há

59 escolas brasileiras criou problemas para que se encontrasse número suficiente de professores, o que fez com que o nível de muitas escolas fosse rebaixado. Muitas vezes, professores e alunos não se entendiam, uma vez que falavam idiomas diferentes. O fechamento das associações recreativas interrompeu a vida social da população, a apropriação pelo Estado de escolas, hospitais e prédios assumiu, aos olhos da população, caráter de “roubo legal.” (ALBERSHEIM, 1962, p.183)

Selecionamos alguns comentários de entrevistas realizadas por Albersheim (1962, p.184-185) com membros de uma comunidade em Jarim, no Vale do Itajaí- Santa Catarina (local citado anteriormente) que ilustram a reação da população à campanha de nacionalização.

“Senti-me como membro de uma tropa de ocupação em território estrangeiro.” (diretor de um grupo escolar luso brasileiro, enviado para a região em 1944). (p. 184)

“A campanha de nacionalização fechou as boas escolas, substituindo-as, e apenas em parte, por outras que estão longe de chegar aos pés das alemãs e deu margem a uma série de perseguições de ordem pessoal, sob a falsa bandeira de nacionalização.” (p.184)

“A população falava alemão porque nunca lhe haviam dado bons professores de português; mas, os que falavam português sabiam-no melhor que muito brasileiro e não cometiam erros de gramática e ortografia.” (p.184)

“Toda minha família foi presa; tinham uma pequena fábrica e falavam alemão. Como é que meu avô depois de velho vai aprender outra língua? Lá na prisão davam óleo de espingarda para beber, como castigo. Muitos devem ter bebido gasolina, com um fósforo aceso para não esquecer tão facilmente.”(p.185)

“Os soldados saiam para a colônia e prendiam os colonos que falavam alemão; uma vez trouxeram um que falou em alemão com seus cavalos. Deixaram os animais e o arado no campo e trouxeram o homem...”(p.185)

também o seguinte relato: “uma língua não se aprende por decreto” em alusão à abrupta obrigatoriedade em se falar somente a língua portuguesa.

60 “As ruas esvaziaram-se, ninguém queria sair de casa e os colonos pediam ao leiteiro para comprar o que necessitavam. Morreram os clubes todos, não havia mais vida na colônia (...).” (p.185)

“O tempo de guerra foi terrível e sem razão. Não havia nazistas em Jarim; nunca houvera. O que interessava era o que se plantasse e colhesse, não importa em que língua. O que ocorrera durante a guerra causara o atraso de Jarim, que nunca mais se recuperará.”(p.185)

“O mal que os nazistas fizeram foi muito inferior ao que foi causado pela campanha de nacionalização.” (depoimento de um luso-brasileiro radicado na região) (p.185)

Albersheim salienta que, com exceção de parte mais idosa da população, o bilinguismo (alemão-português) foi tornando-se geral, tanto no que se refere à língua falada normalmente, como a utilizada em apresentações públicas, no teatro, igreja, discursos, no jornal ou no rádio; caracterizando-se como forma de resistência às medidas impostas.

Além de questões específicas contra os chamados Súditos do Eixo a instauração do Estado Novo por parte do governo brasileiro buscou ainda, de acordo com Carneiro (2007), impedir a imigração dos judeus refugiados do nazismo. Indiferentes à situação vivenciada pelos mesmos na Europa, optou-se pela adoção de uma política imigratória seletiva e restritiva. Sob argumentos antissemitas, a imigração de judeus foi considerada ameaçadora à integridade étnica e religiosa da população brasileira (branca e católica). Ao Estado coube selecionar o tipo de imigrante que ingressaria no Brasil e ao conter a entrada de judeus, buscou-se evitar a proliferação de doutrinas perigosas à segurança nacional e ainda a entrada no país de uma “raça considerada inferior” (CARNEIRO, 2007, p.1).

A lógica era de que o equilíbrio social, racial e político só poderia ser alcançado por meio da intervenção direta do Estado que, sob a liderança de Getulio Vargas (1897-1954), se apresentava como capacitado a transformar o Brasil numa nação forte e gerar um “novo homem” brasileiro. Por meio de ações preventivas e punitivas, o governo Vargas sustentou uma política imigratória antissemita com o objetivo de garantir uma imigração saudável e civilizada. É importante lembrar que os refugiados judeus eram, em grande parte, profissionais liberais, comerciantes, intelectuais e ativistas políticos excluídos da sociedade alemã e dos países ameaçados de ocupação pelos nazistas desde 1933. (CARNEIRO, 2007, p.1)

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A liga pangermânica e o nazismo no Brasil

Em 1891, foi criada na Alemanha a Liga Pangermânica (Alldeutscher Verband). Seu intuito era preservar a nacionalidade alemã, “divulgando e propagando os planos expansionistas da germanidade e a união integral da germanidade em todo o mundo, bem como campanha pela germanidade no exterior.” (MAGALHÃES, 1998, p. 105)

No século seguinte, soma-se a estes objetivos, a extensão dos direitos de cidadania dos alemães no exterior, sob argumentos baseados no jus sanguinis (direito de sangue). Conforme Fernandes (2011) as ideias propagadas incentivavam a conservação do Deutschtum, uma vez que a germanidade era uma questão herdada por laços culturais sendo considerado alemão quem possuía o sangue alemão.

O mesmo autor refere que a Liga Pangermânica considerava os colonos no Brasil como “alemães no exterior” e estes representando, portanto, o reino alemão e, além disso, um atrativo mercado consumidor de produtos alemães. (p. 14, aspas do autor)

A Liga Pangermânica tinha interesses econômicos no Brasil e era consenso considerar o local de residência de alemães, também como território alemão. Assim, criava contornos a ideia de se constituir “uma nova Alemanha na América do Sul” (HELL, 2008 apud FERNANDES, 2011 p. 14). Alemães residentes no Brasil, por sua vez, propagavam estas ideias e desta forma, foram considerados resistentes à integração a sociedade brasileira. Muito além dos interesses econômicos, os pangermanistas visavam:

expandir o território alemão e manter a consciência nacionalista dos alemães que imigraram, pregando a necessidade de manterem seus costumes e auxiliando financeira e ideologicamente instituições como escolas, igrejas e demais instituições culturais. (FERNANDES, 2011, p. 16)

Tais ideias eram divulgadas por periódicos alemães de circulação no Sul do Brasil e sua influência mais direta recaiu sobre as escolas de língua alemã, que preparavam crianças e jovens para o pangermanismo do futuro. (MAGALHÃES, 1998)

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A liga Pangermânica, portanto, não só era partidária de uma

Grossdeutschland, mas também de uma entidade que incluiria todos os alemães do mundo, não importando o país em que vivessem. Esta comunidade seria possível porque a nacionalidade, para o alemão, é obtida por direito de sangue e não pelo fato de ter nascido na Alemanha. Neste sentido o cidadão pode ser vinculado a um Estado, mas não ao nacional. Por isso, na concepção pangermânica, todos os alemães e descendentes em todo o mundo, poderiam formar uma unidade nacional sem se constituírem, necessariamente, em traidores dos estados dos quais são cidadãos. E assim sendo, trabalharem para tornar a Alemanha uma forte potencia mundial, seja abrigando mercados para a indústria e comercio alemães, seja divulgando a cultura alemã. (SEYFERTH, 1976, p. 45-46)

Conforme Perazzo (2009, p. 243) “o pangermanismo permitia a preservação da imagem, da língua e dos aspectos culturais da pátria- mãe”. A partir de 1933, a causa nazista atraía a simpatia dos alemães no Brasil, que desenvolviam a ideia de constituírem um “pedaço da Alemanha” no Brasil, tomando-se como exemplo a forma como foram capazes de superar traumas e humilhações do passado, despertando formas de identificação e também o orgulho de ser alemão. “Mais que uma consciência ideológica propulsora de uma adesão partidária, o que estava em jogo nesse momento era a afeição pelo nazismo como manifestação de endosso àquilo que vinha da pátria- mãe.” (PERAZZO, 2009, p. 243). Um dos entrevistados desta pesquisa corrobora com esta colocação de Perazzo ao mencionar esta questão como algo importante para os alemães, no sentido de exaltarem seu pertencimento, sem que se soubesse exatamente o significado ou intenções do partido de Hitler.

Albersheim (1962) acrescenta ainda que em ambiente em que os elementos da cultura alemã eram valorizados em detrimento da brasileira, a admiração e amor pela longínqua Alemanha tornou muitas pessoas presas fáceis para os movimentos da propaganda nazista no Brasil. Para esta população, a nacionalização incitada pelo governo Vargas representou grande surpresa e injustiça; não se podia entender o significado desta ação dentro da atmosfera vigente.

Dados de Dietrich (2007) revelam a existência de um Partido Nazista em São Paulo. Segundo estes, houve uma expressão relevante do partido na cidade, ainda que grande parte da comunidade não tenha se filiado formalmente. Ainda assim, havia partidários e representantes deste partido em praticamente todos os segmentos sociais e culturais, de modo direto ou indireto. “O partido tinha uma organização própria com

63 vários cargos, desde diretores a auxiliares e células nazistas ligadas a ele” (DIETRICH, 2007, p. 74). O principal objetivo era unir a comunidade alemã do Brasil à causa do

Terceiro Reich, “chamando os alemães do exterior a formar a grande Comunidade Nacional.” (DIETRICH, 2007, p. 74)

À exemplo do que ocorreu na cidade de São Paulo, Perazzo (2009, p. 238) coloca:

A manutenção dos laços da comunidade alemã com a terra natal proporcionou as condições para que parte dos alemães de São Paulo aderisse às propostas do nacional-socialismo de Hitler e cultivasse no seu imaginário a identidade coletiva nazista que, associada ao sentimento de pertencer à nação alemã e à representação de heterogeneidade cultural da capital, fizera crer que, poderia preencher São Paulo com a sua cidade particular.

No Sul do país, o Partido Nazista não se apresentou tão ativo como em São Paulo, ainda assim, o projeto de expansão da Liga Pangermânica mostrou-se interessado na região, sobretudo devido a suas características geográficas e ao clima, pontos considerados ideais para a expansão da raça ariana. De acordo com Lorenz (2008) a procura de possibilidades de instalação de brancos em regiões tropicais e de formação de um sistema colonial que pudesse preservar a identidade nacional alemã fora o grande objetivo na colonização da região Sul do Brasil. Havendo inclusive, debates científicos a este respeito:

(...) que levaram à distinção entre o Brasil (mais precisamente a região Sul, zona de clima temperado) e outras regiões de emigração ou colonização alemã no mundo: os cientistas consideraram o Brasil um caso excepcional pelas possibilidades de manutenção da saúde física e da identidade cultural e, através disso, da endogamia “racial” das comunidades alemãs ali residentes há diversas gerações (...) aptidão extraordinária do sul do Brasil para as expansões alemãs. (LORENZ, 2008, p.34)

Questões relacionadas ao nazismo, bem como a forma que este se expressou no Brasil, podem servir de pano de fundo quanto à forma como surge no imaginário social, ainda na atualidade. De alguma maneira, “o ser alemão51” é associado a este

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De acordo com Moscovici (2003) no tocante às representações sociais, fruto de crenças fortemente cristalizadas e enraizadas estas passam a adquirir vida própria circulando e se encontrando, capazes de influenciar os comportamentos dos indivíduos, gerando movimentos que extrapolam grupos e englobam coletividades.

64 acontecimento e momento histórico e o reflexo disto é relacionado de modos diversos aos descendentes alemães até mesmo, diferentes gerações em suas famílias continuam lidando com desdobramentos de marcas cujo conflito advindo da representação social que lhes é atribuída em associação ao nazismo, ainda lhe ocasionam. Pudemos perceber a presença do referido conflito de forma pontual, na fala de dois de nossos interlocutores:

“(...) eu sempre fui chamado de nazista assim, por apelido no colégio, depois na faculdade. Eu andava de cabelo raspado,então as pessoas me chamavam de nazista e eu não sei por que, mas esse pessoal também não se misturava com o meu grupo, entendeu?”(E.)

“No colégio eu tive amigos espetaculares que conseguiram isolar esse fator histórico, sabe?”(E.)

“Isso na faculdade eu fiquei com um pouquinho de raiva, isso tocou pra mim. Eu nunca tive raiva, mas desse pessoal aí, nossa, como é que pode, me chamavam mesmo de nazista, essas coisas... Bom, eu levava numa boa, numa boa... Mas era um apelido meio chato assim...”(E.)

Este mesmo narrador relata um episódio ocorrido após o falecimento de sua avó em uma pequena cidade do litoral sul de São Paulo. Cabe ressaltar, que seus avós alemães construíram esta casa, que possuía características típicas da arquitetura alemã em sua composição em madeira. Sua avó era velha conhecida da cidadezinha, moradora por mais de 40 anos no bairro. Não se relacionava com quase ninguém, com exceção de alguns alemães e descendentes, moradores da região. Comunicava-se muito mal em português.

“ Aí ficamos 6 meses ainda, a casa ficou lá 6 meses e aí em 6 meses os caras arrebentaram a casa, foi ladrão, arrebentaram com pé de cabra, todas as janelas de madeira, aquelas partes de madeira e , nossa, o medo é que botassem fogo na casa...” (E. )

Aqui se coloca em questão a origem do medo de E. Possivelmente os saques tenham ocorrido por ladrões, contudo, o medo associado ao “colocar fogo” extrapola

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