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Não se nasce imigrante, torna-se um Identidade e o fenômeno migratório.

No documento MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL (páginas 77-82)

Para que se inicie este tópico da discussão, faz-se interessante a colocação de Sayad (1998) quanto à imigração enquanto objeto sobre o qual pesam várias representações coletivas. Segundo o autor, a imigração submete-se a estas representações que, uma vez constituídas, transformam-se em realidades parcialmente autônomas- “com eficiência tanto maior quanto essas mesmas representações corresponderem a transformações objetivas, ou seja, estas condicionam o surgimento daquelas.” (p. 57).

Em se tratando a identidade de importante categoria no auxílio do entendimento do sujeito em sua totalidade, é relevante a compreensão das metamorfoses que os sujeitos vivenciarão no contexto migratório. Ciampa (2001) ressalta a identidade compreendida como metamorfose e nunca como algo cristalizado. Em sua visão, cada indivíduo encarna as relações sociais, configurando uma identidade pessoal, uma história de vida, no emaranhado das relações sociais.

Stuart Hall, importante autor ligado aos estudos culturais, corrobora com este prisma, quando afirma:

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(...) a identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo (...) não algo inato, existente na consciência no momento do nascimento. Existe sempre algo “imaginário” ou fantasiado sobre sua unidade. Ela permanece sempre incompleta, está sempre “em processo”, sempre “sendo formada”. (HALL, 2011, p. 39)

(...) Assim, em vez de falar da identidade como uma coisa acabada, deveríamos falar de identificação e vê-la como um processo em andamento. A identidade surge não tanto daplenitude da identidade que já está dentro de nós como indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é “preenchida” a partir de nosso exterior, pelas formas através das quais nós imaginamos ser vistos por outros. (idem p.38-39)

De acordo com Stuart Hall (2011) o sujeito fala sempre a partir de uma posição histórica e cultural específica. O autor discute para tanto, a ideia de identidade cultural- esta enquanto exemplo de comunidade, que busca recuperar a verdade sobre o passado na unicidade de uma história e de uma cultura partilhadas. Hall, em sua concepção de identidade cultural, refere a questão tanto do tornar-se quanto de ser. Não significa negar que a identidade tenha um passado, mas reconhecer que ao reivindicá-la, pode-se reconstruí-la; o passado sofre constante transformação na forma do presente. Esse passado é parte de uma “co-munidade imaginada57” comunidade de sujeitos que se

apresentam como sendo um “nós”.

O autor argumenta que construída na diferença, a identidade não tem significado fixo – não é completamente fixa ou completa, de modo que sempre existem formas de

deslizamento- com esta posição Hall enfatiza a fluidez da identidade. “Ao ver a identidade como um ‘tornar-se’ visa àqueles que são capazes de posicionarem-se a si próprios e de reconstruir e transformar identidades históricas herdadas de um suposto passado comum”. (WOODWARD, p. 28)

Não se pode pensar a identidade sem sua base na constituição de sujeito construído históricamente. Para Castells (1999), a construção da identidade vale-se da matéria prima fornecida pela história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e

57 Para maior esclarecimento acerca das comunidades imaginadas consultar Benedict Anderson-

Comunidades imaginadas. São Paulo: Companhia das letras, 2008. “Mais que inventadas, as nações são imaginadas, no sentido de que fazem sentido para a alma e constituem objetos de desejos e projeções” (Anderson, 2008, p.10)

79 revelações de cunho religioso. Todos estes materiais são processados pelos indivíduos, grupos sociais e sociedades, que reorganizam seu significado em função de tendências sociais e projetos enraizados na sua estrutura social. Logo, quem constrói a identidade coletiva e para quê essa identidade é construída, são em grande medida os determinantes do conteúdo simbólico desta identidade, bem como, seu significado para aqueles que com ela se identificam ou dela se excluem. “A construção da identidade sempre ocorre em um contexto marcado por relações de poder.” (CASTELLS, 1999 p. 24).

Neste contexto, em se tratando das relações de poder existentes nos diversos campos sociais58 tem-se na teoria crítica da sociedade, um aporte que ilumina a compreensão do modo como identidades se constituem. A estrutura lógica da teoria crítica capta a dimensão histórica dos fenômenos, dos indivíduos e das sociedades. Também nessa lógica, trabalha inicialmente com determinações abstratas. Ao tratar o momento histórico, parte de uma concepção da economia baseada na troca. Os conceitos marxistas de mercadoria, valor, dinheiro, acumulação podem funcionar como conceitos gerais aos quais uma realidade concreta pode ser assimilada. A teoria crítica procura integrar um dado novo no corpo teórico já elaborado, relacionando-o sempre com o conhecimento que já se tem do homem e da natureza naquele momento histórico. (FREITAG, 1986)

A teoria começa, pois, com uma idéia relativamente geral da troca simples de mercadorias, representada por conceitos relativamente gerais. Pressupondo todo o conhecimento disponível e assimilando todo o material resultante de pesquisas próprias e alheias, procura mostrar como a economia de troca nas condições atualmente dadas, conduz necessariamente ao agravamento das contradições na sociedade, o que na época da criação do Instituto de Investigações Sociais em Frankfurt (Institut fuer

Sozialforschung) foi um grande tema, que levava a guerras e revoluções. (FREITAG,

58Woodward (2003, p. 30) aponta os “Campos sociais” em alusão a Pierre Bourdieu. Os campos sociais

englobam famílias, grupos de colegas, instituições educacionais, grupos de trabalho, partidos políticos etc. Os sujeitos participam destes, exercendo variados graus de escolha e autonomia, cada um contendo seu contexto material e um conjunto de recursos simbólicos. Uma casa é o exemplo de um espaço onde as pessoas vivem diferentes identidades familiares.

80 1986). A teoria crítica abarca tais fenômenos em sua compreensão sócio-histórica. O teórico não tradicional assume a condição de analista e crítico da situação, procurando colaborar na intervenção e no redirecionamento do processo histórico em favor da emancipação dos homens em uma ordem social justa e igualitária. Para Horkheimer, praticar teoria e filosofia é algo inseparável da ideia de nortear a reflexão com base em juízos existenciais comprometidos com a liberdade e a autonomia do homem. (FREITAG, 1986; SLATER, 1978)

Tais contradições na sociedade levam, ainda no momento atual, a guerras e conflitos59, bem como, fluxos migratórios são parte integrante e também consequente deste processo que decorre, além dos conflitos em si, em mudanças econômicas, mudanças nas relações de trabalho e no relacionamento entre as pessoas envolvidas: aqueles que migram, aqueles que permanecem em suas culturas e aqueles que convivem (ou virão a conviver) com os “estrangeiros”.

Segundo Guareschi et al. (2003) e Ulrich Beck (1999) mudanças trazidas pela globalização envolvem a interação entre fatores econômicos e culturais, promovendo rápidas mudanças sociais e deslocamento de culturas. Tais mudanças certamente abalam a vida local. Local já sem identidade objetiva fora de sua relação com o global, em resposta decorre uma tendência à homogeneização60 da cultura.

Questiona-se o fenômeno migratório aqui compreendido, não como mero deslocamento de pessoas a espaços diversos, mas este reconhecido como agente da hibridização de culturas que, ao se misturarem em contexto possibilitado pela globalização, abrem portas para a manutenção de ideais xenofóbicos, fruto da não

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Há diversos exemplos na atualidade que ilustram esta questão, como os conflitos ligados ao advento do 11 de setembro nos Estados Unidos, a Primavera árabe, a guerra civil na Síria entre outros.

60 Cabe a discussão de Berger & Luckmann (2005) sobre a crise de sentido vigente na sociedade

moderna. “Talvez o fator mais importante no surgimento de crises de sentido na sociedade e na vida do indivíduo não seja o pretenso secularismo moderno, mas o moderno pluralismo. Modernidade significa um aumento quantitativo e qualitativo da pluralização. São conhecidas as causas estruturais desse fato: crescimento populacional e migração e, com isso, um aumento de cidades- pluralização no sentido físico e demográfico; economia de mercado e industrialização que misturam pessoas dos mais diferentes tipos e que as forçam a chegar a um entendimento mais ou menos pacífico (...).” (p.49)

81 incorporação destas pessoas em movimento, das necessidades do mercado e das dificuldades com a receptação do que difere. “O outro cultural é sempre um problema, pois coloca permanentemente em xeque nossa própria identidade. A questão da identidade, da diferença e do outro é um problema social e, ao mesmo tempo pedagógico (...)”. (SILVA, 2002, p. 97)

Almeida (2005) refere o desenvolvimento do indivíduo em uma relação dialética entre a singularidade e a individualidade. Expõe, como exemplo, a individualidade segundo a ótica de Juergen Habermas: “a individualidade não é pensada, em primeira linha, como singularidade, (...) mas como realização própria, - e a individualização como uma realização própria do indivíduo (HABERMAS, 1990 apud ALMEIDA, 2005 p. 33).

Habermas considera o agir orientado para o entendimento como possibilidade de existência de uma sociedade livre de coerção. As pessoas, através do consenso propiciado pelas ações comunicativas, viabilizam a própria reflexão e por sua vez, autonomia. Nas palavras do autor:

Somente na medida em que crescermos no interior desse ambiente social, poderemos constituir-nos como indivíduos capazes de agir de maneira responsável e desenvolver pelo caminho da internalização dos controles sociais a capacidade de seguir por conta própria as expectativas tidas como legítimas ou de ir contra elas. (HABERMAS, 2002, p.215)

De acordo com Habermas, tornar-se indivíduo leva em conta a socialização do sujeito em seu meio social, sempre mediado pela linguagem. Contudo, a individuação ocorre por vezes de modo forçado, irrefletido. O indivíduo tem que se adequar para estar e viver em sociedade tem de aceitar normas e regras para a vida comum como que em um “engolir goela abaixo” (CIAMPA, 2012). Por outro lado, o sujeito que consegue transpor a individuação acrítica se individualiza. Sabe, portanto, separar o que é seu daquilo que foi imposto.

(...) os sujeitos precisam criar suas formas de vida integradas socialmente reconhecendo-se reciprocamente como sujeitos capazes de agir autonomamente e, além disso, como sujeitos que são responsáveis pela continuidade de sua vida, assumida de modo responsável. (HABERMAS, 2002 p. 233)

82 Exemplos de individualização são trazidos por nossa colaboradora, nos trechos que seguem:

“(...) então aquilo foi despertando em mim uma ideia de que não era pra eu me dirigir pra esse lado, entendeu, uma ideia assim de que eu tinha que ter profissão, tanto que sou a primeira mulher da família a ter diploma , um curso superior, a trabalhar fora, a primeira a separar né, então tem isso e eu acho que fui ficando assim. eu tinha isso sempre claro, que eu tinha que ser uma pessoa assim, quando falavam esse negócio de “não varre que você vai ter a vida inteira pra fazer isso” eu já pensava não, não quero fazer isso a vida inteira, já imaginava, falava não, não quero, entendeu?”(S.)

“(...) Eu vivi essas coisas aí e tenho, exatamente por ter essa formação histórica, eu consigo ver minhas origens claramente, meus movimentos, os movimentos que a família fez, pra lá, pra cá (...). Então mais aí, essa independência econômica, financeira que eu sempre tive me deu mais independência, xingar a pessoa, brigar, a universidade, briga em empresa, isso realmente faz a diferença, eu acho que fez a diferença eu acho que eu vivi assim, ainda vejo, eu espero continuar assim, vendo o que ta acontecendo, entendeu?(S.)

“O meu irmão mais velho, tem a nacionalidade austríaca, ele tem eu nunca pediria, jamais, que acho assim terrível, a gente já viveu muita coisa, viveu na ditadura e tal, terrível e agora que tá moleza viver no Brasil, não vou pedir outra nacionalidade, eu sou contra, eu não quero pedir essa nacionalidade.” (S.)

No documento MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL (páginas 77-82)

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