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A identidade como questão

No documento MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL (páginas 68-71)

“[...] a realidade, sendo sempre síntese do subjetivo, determina que os conflitos sempre se expressem (e sempre sejam decididos) sob formas historicamente dadas, levando- nos a recusar o modelo biológico da filosofia da história (passando então a ser importante explicitar o que queremos dizer quando falamos em sociedade ou cultura). A liberdade para virmos a ser humanos (não a liberdade vazia de qualquer coisa), recusando a coerção (uma objetividade em que subjetividade não se reconhece), cria o interesse de garantir a autoconservação da espécie, o interesse pela libertação- um interesse racional e não uma razão interesseira- o interesse pela progressiva humanização da espécie humana, que se elevou acima das condições da existência animal. Esse interesse é que determina o que merece ser vivido nas condições dadas.” (Antônio da Costa Ciampa)

“[...] a identidade nunca existe a priori, nunca é um produto acabado; sempre é apenas o processo problemático de acesso de uma imagem de totalidade.” (Homi K. Bhabha)

A exploração deste tema envolve um questionamento: a resposta dada por um indivíduo quando perguntado sobre quem é sua pessoa produziria um efeito que o torna perfeitamente previsível? É com esta indagação que Ciampa (2001[1987]) inicia a explanação do que entende por identidade. Esta, segundo o autor, configura uma totalidade contraditória, múltipla e mutável, onde o indivíduo sempre é único na multiplicidade e na mudança e se revela naquilo que oculta. O processo de mudança é constante e nos tornamos algo que não éramos ou nos tornamos algo que já éramos e que estava embutido dentro de cada um.

Identidade é uma junção de vários fatores. Iniciada por nosso nome, escolhido pelo grupo familiar, passa por várias expectativas que outros colocam em nós, chegando então no decorrer da existência em um ponto onde o indivíduo consiga nomear suas vontades, desejos, qualidades e ações. “O sujeito deixa de ser substantivo, ser nomeado, para ser verbo, ser ação” (CIAMPA, 2001, p. 170).

69 Ciampa coloca que para compreender o que é identidade é preciso ter claro o processo de sua produção. “A identidade é a articulação da diferença e da igualdade” (p. 138). É a estrutura social mais ampla que oferece os padrões de identidade; neste sentido, também se pode dizer que as identidades em seu conjunto, refletem a estrutura social, ao mesmo tempo em que reagem sobre ela, conservando-a ou transformando-a. Em cada momento da existência do indivíduo, embora sendo uma totalidade, manifestam-se partes de si como desdobramento das múltiplas determinações as quais está sujeito. Isto configura a identidade como algo não fixo e sim mutável, uma construção, um efeito, processo de produção e até mesmo um ato performativo. Ligada a estruturas discursivas, narrativas e ainda a sistemas de representação. (SILVA, 2003)

Nas palavras de Almeida (2005):

A noção de identidade tem se mostrado fecunda para o conhecimento de processos de mudança nas formas como os indivíduos se situam no mundo e em suas relações a partir de redefinições pessoais e da adoção ou manutenção de modos autônomos de gerir a vida. Ela nos permite desvelar como os processos de conformação e de alocação de lugares sociais informam a formação dos indivíduos e normatizam a expressão de seus desejos e projetos em nome da reprodução de sistemas de vida nem sempre propícios à ampliação das experiências sociais e à mudança de padrões tradicionais de reconhecimento social. Permite, também, considerar a participação do indivíduo na construção de seu modo de ser no mundo e de sua apresentação nas relações interpessoais. Tendo em mente o interesse emancipatório, a identidade afigura-se uma ferramenta importante para dar conta, por um lado, dos processos de ‘emudecimento do outro’, que induzem a conformidade e a mesmice e, por outro lado, dos processos de auto-reflexão e entendimento que estão na base da autonomia e da assertividade pessoal. (p. 3-4)

Almeida (2005) posiciona a identidade como “um jogo dialético entre a diferença que se estabelece na interação de indivíduos, envolvendo autoimagens e representações alheias reciprocamente orientadas.” (p. 52). É ainda produto da ideia que fazemos de nós mesmos e a ideia que outros fazem de nós em um encontro dialético dos modos que nos representamos e somos representados. A identidade é algo “suposto ou pressuposto” (idem, p. 53) uma vez que é formada a partir daquilo que nos é mostrado e, portanto visto ou percebido.

O autor coloca que identidade “é algo que se constitui através de práticas, conhecimentos, envolvimentos pessoais, numa contínua articulação significativa das experiências vivenciadas pelos indivíduos em suas relações com os outros e consigo

70 mesmos(...).” (p.53-54). Está em processo contínuo de transformação e simultaneamente de interiorização. A identidade forma-se na dialética indivíduo sociedade.

De acordo com Jacques (1998) existe um panorama de autores que empregam distintas expressões como imagem, representação e conceito de si na discussão de identidade. Em comum, caracterizam o desenvolvimento por estágios crescentes de autonomia e consideram a identidade como gerada pela socialização garantida pela individualização. Na Psicologia Social, a identidade como problemática ocupa lugar importante na tradição interacionista simbólica, em trabalhos pioneiros de George H. Mead. “(...) o processo do qual surge a pessoa é um processo social que envolve a interação dos indivíduos do grupo e envolve a pré existência do grupo.” (MEAD, 1972, p. 193)

Ciampa (2001) em acordo com as noções tratadas por Mead acrescenta que o conhecimento de si é dado pelo reconhecimento recíproco dos indivíduos identificados através de um determinado grupo social, grupo este que acaba por ser determinante na configuração subjetiva do indivíduo. Pode-se exemplificar com crianças em seu processo de desenvolvimento que, logo nas idades iniciais passam a compreender como os outros são enquanto aumentam sua compreensão de senso de si mesmas. Reconhecer-se e ter sua identidade em grupos que existam objetivamente, onde se trabalha ou se tem alguma prática são fatores que levam a existência em atividade, esta é reconhecida por meio da ação praticada pelo indivíduo. “Nós somos nossas ações, é pelo agir que se é (...). Onde a identidade aparece e se estabelece pelas ações do sujeito” (Ciampa, 2001, p. 203).

Os sistemas identificatórios são por vezes subdivididos e a identidade passa a ser qualificada como identidade pessoal - atributos específicos do indivíduo (JACQUES, 1998) e identidade coletiva - atributos que assinalam a pertença a grupos ou categorias (CIAMPA, 2012). Esta última, ainda recebe predicativos mais específicos como identidade étnica, religiosa, profissional etc. (JACQUES, 1998)

71 A identidade tem seu desenvolvimento determinado por condições históricas, sociais e materiais dadas, somadas ainda às formas como o próprio indivíduo elabora tais condições. Desta maneira, a concretude da identidade está em sua temporalidade: passado, presente, futuro. É, portanto, síntese de múltiplas e distintas determinações. (CIAMPA, 2001[1987])

A construção social da realidade- contribuições de Peter Berger,

No documento MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL (páginas 68-71)

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