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Protagonismo ambiental em práticas de arborização : elementos motivacionais, saberes e fazeres de atores sociais

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Programa Multiunidades em Ensino de Ciências e Matemática

Instituto de Física Gleb Wataghin

Fábio Gabriel Nascibem

PROTAGONISMO AMBIENTAL EM PRÁTICAS DE ARBORIZAÇÃO: ELEMENTOS MOTIVACIONAIS,

SABERES E FAZERES DE ATORES SOCIAIS

ENVIRONMENTAL PROTAGONISM IN PRACTICES OF TREATMENT: MOTIVATIONAL ELEMENTS,

KNOWLEADGS AND PRATICES OF SOCIAL ACTORS

CAMPINAS 2019

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Fábio Gabriel Nascibem

PROTAGONISMO AMBIENTAL EM PRÁTICAS DE ARBORIZAÇÃO: ELEMENTOS MOTIVACIONAIS, SABERES E FAZERES DE ATORES SOCIAIS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Multiunidades em Ensino de Ciências e Matemática (PECIM), da Universidade Estadual de Campinas, como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestre em Ensino de Ciências e Matemática, na Área de Concentração em Ensino de Ciências e Matemática.

Orientadora: Profa. Dra. Alessandra Aparecida Viveiro Coorientador: Prof. Dr. Oswaldo Gonçalves Junior

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO

ALUNO FÁBIO GABRIEL NASCIBEM E

ORIENTADA PELA PROFESSORA DRA.

ALESSANDRA APARECIDA VIVEIRO

CAMPINAS 2019

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COMISSÃO EXAMINADORA

Profa. Dra. Alessandra Aparecida Viveiro

Prof. Dr. Sandro Tonso

Profa. Dra. Maria Auxiliadora Bueno Andrade Megid

Ata da defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer às pessoas e instituições que foram imprescindíveis para o sucesso da pesquisa:

À minha família, nas pessoas de meus pais, meu irmão, minha cunhada e a todos os amigos e amigas pela amizade e companheirismo;

Aos meus orientadores Alessandra e Oswaldo, pela amizade, apoio e dedicação à minha formação; Aos membros da banca examinadora, Sandro Tonso e Dora Megid, pelos apontamentos e por contribuírem tão fortemente na minha formação;

Ao Programa Multiunidades em Ensino de Ciências e Matemática, nas pessoas do secretário Fabrício, da estagiária Gláucia e da coordenadora Silvia, por todo apoio e atenção dispensada; O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- Brasil (CAPES)- Código de financiamento 001, a quem agradeço.

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RESUMO

A sociedade ocidental e capitalista apresenta valores como o patriarcado, a valorização do ter em detrimento ao ser, o consumismo, a elitização do saber científico, a visão de ser humano à margem da natureza, entre outros, que afetam fortemente o ambiente. Faz-se urgente uma mudança paradigmática, que se contraponha a esse movimento. Nesse cenário, chamam a atenção ações de protagonismo ambiental, muitas vezes realizadas por sujeitos que estão à margem na sociedade, com saberes e fazeres igualmente marginalizados, que se mostram centrais quando olhamos questões de conservação ambiental. Tomando como foco as práticas de arborização, voltamos o olhar para o estudo das motivações que levam sujeitos ao plantio de árvores em espaços públicos e privados, tais como praças, terrenos baldios, margens de córregos, áreas de nascentes, entre outros, bem como saberes e fazeres relacionados a essas práticas. O problema de pesquisa foi identificar se as práticas de protagonismo ambiental relacionadas à arborização realizadas por diferentes atores sociais estão inseridas em uma racionalidade ambiental. Assim, a pesquisa teve por objetivo investigar quais as motivações, saberes e fazeres envolvidos em práticas de arborização, promovidas por atores sociais em diferentes espaços. Foram utilizadas histórias orais e os critérios de análise foram emersos do processo. Os plantadores foram identificados por meio de reportagens da grande mídia, em uma comunidade no Facebook, denominada “Plantadores de Árvores” ou por meio de indicações. Foram selecionados plantadores residentes em pequena, média e grande mancha urbana. Há indícios, de acordo com os principais resultados, que parece haver relação entre a motivação central dos plantadores com a sensação de pertencimento à causa de plantar e que o entendimento das relações entre saberes e fazeres parece ser importante neste processo, além de que a prática possa ser preponderantemente masculina. Tais apontamentos sinalizam que a pluralidade de saberes, fazeres, culturas e ópticas estão presentes, constituindo indícios de uma racionalidade ambiental.

Palavras-chave: educação ambiental; elementos motivacionais; fazeres; saberes;

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ABSTRACT

Western and capitalist society presents values such as patriarchy, the valorization of having to the detriment of being, consumerism, the elitism of scientific knowledge, the vision of being human on the fringes of nature, among others, that strongly affect the environment. A paradigm shift is urgently needed to counteract this movement. In this scenario, attention is drawn to actions of environmental protagonism, often carried out by individuals who are marginalized in society, with equally marginalized knowledges and practices that are central when we look at environmental conservation issues. Focusing on the practices of afforestation, we turn our attention to the study of the motivations that lead subjects to the planting of trees in public and private spaces, such as squares, vacant lots, banks of streams, areas of springs, among others, as well as knowledge and practices related to these practices. The research problem was to identify if the practices of environmental protagonism related to the afforestation carried out by different social actors are inserted in an environmental rationality. Thus, the research had as objective to investigate the motivations, knowledge and practices involved in afforestation practices, promoted by social actors in different spaces. Oral histories were used and the analysis criteria emerged from the process. The planters were identified through media reports in a Facebook community called "Tree Planters" or through nominations. Planters resident in small, medium and large urban areas were selected. There are indications, according to the main results, that there seems to be a relationship between the central motivation of planters with the sense of belonging to the cause of planting and that the understanding of the relations between knowledge and actions seems to be important in this process, may be predominantly male. Such notes indicate that the plurality of knowledges, practices, cultures and optics are present, constituting evidence of an environmental rationality.

Keywords: environmental education; motivacional elements; doings; knowledge;

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SUMÁRIO

1. Apresentação e introdução ... 9

2. Hibridização de saberes, experiências e fazeres: de monoculturas às ecologias e uma nova racionalidade ambiental ... 15

2.1 A lógica hegemônica e o conflito ambiental ... 15

2.2 Dupla ruptura, pluralidade de saberes e uma nova racionalidade ambiental ... 23

2.3 Regionalização, território, completude, felicidade e valorização do ser: consequências de um novo pensar ... 33

2.4 Das monoculturas às ecologias: Pensando novos caminhos para uma racionalidade ambiental contra-hegemônica ... 39

2.5 Em síntese ... 46

3. Revisão bibliográfica e levantamento webgráfico sobre elementos motivacionais, saberes e fazeres que inspiram práticas de arborização ... 50

3.1 Revisão bibliográfica ... 50

3.2 Levantamento webgráfico ... 53

3.2.1 Um olhar sobre os plantadores no contexto de reportagens ... 54

4. Percurso Metodológico da pesquisa de campo ... 62

4.1 Conceituação geral das Histórias Orais ... 62

4.2 Definição de passos metodológicos ... 65

4.3 A identificação dos atores e o proceder da entrevista ... 69

5. Elementos motivacionais, saberes e fazeres relacionados a práticas de arborização: descrições e reflexões ... 76

5.1 Quem são os plantadores? ... 77

5.2 Por que plantam? ... 82

5.3 Que saberes, técnicas e fazeres acionam? ... 88

5.4 Onde plantam? ... 101

6. Uma nova racionalidade ... 108

7. Considerações finais ... 120

8. Referências ... 123

9. Apêndices ... 126

Apêndice A - Termo de consentimento ... 126

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1. Apresentação e introdução

O percurso e a motivação que culminaram nesta pesquisa, em nível de mestrado, tiveram início em 2012, ano em que surgiu a oportunidade de fazer uma iniciação científica, durante a Licenciatura em Química, com apoio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Naquela ocasião, investigamos aspectos relacionados ao saber científico, focalizando o que pensavam estudantes do Ensino Médio sobre o Ensino de Ciências que vivenciavam e suas visões sobre a natureza da ciência. A pesquisa teve fomento do PIBIC/CNPq e permitiu-me ter uma noção sobre o saber científico e sobre a natureza da Ciência.

Seguindo o percurso, após findar este ciclo, mais tarde interessou-me a relação entre o conhecimento científico com os saberes populares, levando meu foco de pesquisa para tais relações, investigando quais elementos entre estes saberes convergem ou divergem e como esta relação está presente na escolarização.

A motivação em pesquisar esse assunto surgiu após ter lido a obra “Alfabetização Científica”1, de Áttico Chassot, na qual o autor explora a temática em um dos capítulos. Foi então que pesquisei quais os saberes e fazeres relacionados à medicina natural, agroecologia e alimentação em um assentamento rural na cidade de Araraquara - SP. O projeto se iniciou em 2014 e, em 2015, fui contemplado com uma bolsa de iniciação científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) até o fim de 2016. No último ano do fomento, pesquisei qual a inserção destes saberes da comunidade na escola localizada no mesmo assentamento.

Em 2017, com o ingresso na pós-graduação e a partir da aproximação com um projeto que vinha sendo desenvolvido por uma equipe da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e tinha como foco atores sociais envolvidos em práticas de arborização2, pensamos no direcionamento do olhar dos saberes e fazeres para a questão ambiental. Desperta nossa atenção que pessoas lançam mão de ações de protagonismo ambiental, muitas vezes realizadas por sujeitos que estão à margem na sociedade, com saberes e fazeres igualmente

1

CHASSOT, A. Alfabetização científica: questões e desafios para a educação. 5. ed. Editora Unijuí: Ijuí, 2011.

2 O projeto envolve uma equipe multidisciplinar, composta por professores e alunos de Graduação e

Pós-Graduação da Unicamp, sendo desenvolvido no âmbito do Laboratório de Estudos do Setor Público (LESP), da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA). Envolve, de forma articulada, as dimensões pesquisa e extensão. É coordenado pelo Prof. Dr. Oswaldo Gonçalves Junior, da FCA, e pela Profa. Dra. Alessandra Aparecida Viveiro, da Faculdade de Educação.

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marginalizados, que se mostram centrais quando olhamos questões de conservação ambiental. Compreender como e por que se dão esses processos pode contribuir, a nosso ver, para o entendimento e fortalecimento de uma racionalidade ambiental, pautada na diversidade de saberes.

Nosso olhar foi se compondo por diferentes influências para essa compreensão. Por exemplo, visualizando efeitos de uma centralização de um saber em detrimento à pluralidade, temos que no documentário dirigido por Carol Black, intitulado “Escolarizando o mundo: o último fardo do homem branco” (ESCOLARIZANDO, 2011), é possível constatar o quanto é audaciosa a proposta de imposição cultural. Por um lado, os ocidentais, autointitulados missionários, com a missão de aculturar o restante do mundo. Por outro lado, os indianos, que veem suas culturas esmagadas pela cultura ocidental, vendida como única capaz de promover a verdade.

Seguindo nesta direção, o documentário apresenta por um lado, a visão ocidental do processo, da qual é “fardo do homem branco” civilizar o restante do mundo, retratando a situação dos povos tradicionais da Índia. Segundo a visão ocidental, os saberes tradicionais e populares destes povos são atrasados e devem ser substituídos pelo saber científico, para trazê-los para o mundo moderno, onde as aspirações são sempre materiais, de acumulação de bens e dinheiro.

O efeito disto pode ser visto nas crianças indianas entrevistadas, que mal sabem sobre sua própria cultura ou identidade. Elas são proibidas de se comunicarem em língua local, sendo que nas escolas é permitido apenas se comunicar em Inglês, pois esta é a “língua universal”.

Os frutos desta ocidentalização são sentidos por pessoas dessas comunidades tradicionais, das quais reproduzimos algumas falas contidas no documentário:

[1] Eu era mais feliz antes do que agora que as crianças foram embora para estudar, elas precisam estudar. Antes todos ficávamos juntos (ESCOLARIZANDO, 2011, adaptação nossa).

[2] Eu não sei nada, quando alguém vem perguntar algo, mando falar com meus filhos, eles foram à escola (ESCOLARIZANDO, 2011, adaptação nossa).

Estas duas falas são de uma senhora camponesa das regiões montanhosas da Índia. Antes do advento da ocidentalização, as pessoas eram supostamente mais felizes por

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viverem em comunidade, gerações atrás de gerações, onde comungavam conhecimentos e vivências. Há, entretanto, uma quebra cultural brusca, o saber local é desacreditado e as crianças vão embora para grandes cidades para “aprenderem” o saber ocidental, numa tentativa de universalizar o mundo em torno do conhecimento científico. A segunda fala é contundente, sendo comum ver pessoas acharem que não sabem nada por não serem proficientes no saber científico.

Esta violência cognitiva é fruto de uma disputa que opõe de um lado os saberes populares e tradicionais - que são característicos das populações, e obtidos através da transmissão de gerações e gerações -; e de outro, a pretensão da ciência ocidental em universalizar o mundo em torno de um saber supostamente superior, detentor de verdades.

Ainda no documentário, a falsa ideia de que, por meio dos costumes ocidentais, dentre os quais o conhecimento científico tradicional, as sociedades tidas como atrasadas pelas lentes ocidentais irão prosperar, é desmentida. A maioria dos recém-formados em universidades indianas não consegue emprego, o que os frustra, deprime e lhes trazem sentimento de fracasso.

Por outro lado, as pessoas, ao se sentirem pertencidas à cultura, com seus saberes, com seu espaço e seus territórios, tendem a possuir um sentimento de completude, felicidade, bem-estar e realização.

Aqui, o que propomos não é a ideia de ingenuamente romantizar a vida no campo, e tampouco os saberes populares ou tradicionais. Para problematizarmos, traremos a seguir a fala importante do pesquisador Wade Davis, antropólogo e etnobotânico de origem colombiana-canadense, entrevistado no filme:

Se me acidentasse, gostaria de ser levado ao médico, não a um xamã africano. (ESCOLARIZANDO, 2011, adaptação nossa).

A partir desta fala, corroboramos que não se trata ingenuamente de desprezar o saber científico, que claramente traz e trouxe enormes contribuições para o desenvolvimento da humanidade. A medicina moderna, por exemplo, pode ser muito mais eficiente em certos tratamentos que o tratamento milenar através de plantas, mas este não é o ponto em discussão, e sim, a violência cultural.

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O que propomos não é esquecer um saber em detrimento a outro, mas sim, estabelecer diálogos, uma vez que acreditamos que estes diálogos são enriquecedores para ambos os saberes.

Feita essa contextualização sobre a importância da pluralidade de cultura e saberes, afunilaremos para o contexto ambiental. O que se tem é que o ambiente parece estar sendo levado ao colapso por valores presentes nos modelos de sociedade que se configuram e predominam no mundo ocidental. Os valores levam em conta apenas a acumulação de bens, e têm frutos claros, como: o individualismo, materialismo, a felicidade como uma função da acumulação de capital, e a natureza muitas vezes vista como moeda de troca na satisfação de tais necessidades.

Pode ser, então, que seja prudente uma profunda mudança de lógica, sendo que a visão capitalista- que acarreta sérios problemas ao ambiente- não possa mais ser remendada e dessa forma, não podemos esperar que se solucionem os problemas por ela justapostos. Sendo assim, urge que tenhamos novas visões.

Em direção a isso, lançamos um olhar sobre atores sociais3 que lançam mão de ações de protagonismo ambiental em práticas de arborização, plantando árvores em suas casas, à beira de córregos, em locais públicos, etc. Nesse sentido, focalizamos o protagonismo4 em práticas de arborização, em diferentes espaços, e nos voltamos ao estudo das motivações que levam sujeitos ao plantio de árvores em espaços públicos e privados, bem como saberes e fazeres relacionados a essas práticas. Esse tema já vinha sendo explorado em outros trabalhos (VIVEIRO et al., 2015; GONÇALVES JUNIOR; VIVEIRO, 2016; VIVEIRO; GONÇALVES JUNIOR, 2016).

Pensamos que o entendimento das motivações, saberes, fazeres, bem como a caracterização das práticas possam ser importantes para compreender esse movimento e buscar indícios sobre a racionalidade envolvida nesses processos.

A partir disso, nosso problema de pesquisa pode ser expresso na seguinte questão:

Práticas de protagonismo ambiental relacionadas à arborização realizadas por diferentes atores sociais estão inseridas em uma racionalidade ambiental?

3Atores sociais, nesse contexto de pesquisa, são entendidos como pessoas que exercem papéis de ação social em

seu meio.

4 Protagonismo é entendido no contexto como ato de tomar atitude, lançar mão, realizar, de ser agente em seu

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Nós entendemos que uma racionalidade ambiental é aquela que contenha valores que direcionem olhares a aspectos socioambientais, como: diálogo entre saberes5, valorização do ser, pluralidade de visões, fazeres, culturas6 e interesses, juntamente com apelo para o plantio, no caso de nosso estudo, bem como para conservação e melhoria do ambiente.

Por falar no termo cultura,

A cultura é definida como uma propriedade humana única, baseada em uma qualidade simbólica, comunicativa, social e cumulativa relacionada ao tempo da interação humana, permitindo assim que a cultura material e a tecnologia floresçam, se acumulando em agrupamentos humanos (MINTZ, 2010, p. 224, tradução nossa).

No contexto de pesquisa, cultura é entendida por nós como sendo um conjunto de saberes, fazeres, manifestações artísticas e outras, que são socialmente herdadas e construídas, sendo transpassada geração pós-geração, e sendo parte importante da identidade de um povo.

Aprofundaremos tais pensamentos no capítulo teórico. O problema de pesquisa foi orientado por algumas questões: a) Quem são os (as) plantadores (as)?

b) Onde plantam? c) Por que plantam?

d) Que saberes, técnicas e fazeres acionam?

Nosso objetivo de pesquisa foi investigar quais as motivações, saberes e fazeres envolvidos em práticas de arborização são promovidas por atores sociais em diferentes espaços.

Para esse entendimento, exploramos aspectos sobre alguns referenciais que temos entendido como relevantes para compreensão da temática em voga. Para tanto, trouxemos a visão de Boaventura de Sousa Santos (1989, 1995, 2002, 2007, 2009) para discussão sobre o contexto social, político e econômico da sociedade vigente, bem como o conceito de ecologia de saberes trazidos por ele como central no entendimento de um novo paradigma social. Esses diálogos de saberes necessitam de uma sistematização de suas relações e, portanto, recorremo-los a Fleck (2010). Por fim, afunilamos este contexto maior para o contexto ambiental, tomando os estudos de Leff (2009a, b, 2010a, b, 2011, 2015) para abordar a

5 Estamos compreendendo que saber é um conjunto de explicações, que possuem entre si, um conjunto de teorias

e modelos baseados em métodos que lhes são próprios. A ciência está permeada por certo rigor e uma linguagem própria, bem como um modus operandi para validação do conhecimento, conquanto que o saber popular é demarcado pela empiria e imitação. Outros saberes requerem outras vias de formulação de seus conhecimentos.

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perspectiva de uma racionalidade ambiental, em oposição à lógica instrumental da sociedade capitalista. Tais aspectos serão abordados no capítulo 2.

No capítulo seguinte, apresentaremos uma revisão bibliográfica e webgráfica, visando discutir o que a comunidade científica já pesquisou sobre o tema, e também, no âmbito das reportagens, entender um pouco sobre: quem são os atores que plantam; identificar possíveis colaboradores e ter outro contexto de abordagem do tema para traçar possíveis contrapontos.

A seguir, no capítulo 4, vamos expor os fundamentos metodológicos acerca da pesquisa e os delineamentos do trabalho de campo.

No capítulo 5, apresentaremos um panorama sobre quem é que planta, que saberes, fazeres e técnicas acionam na prática de plantar, as motivações que os levaram a plantar e onde plantam.

No capítulo 6, a partir dos resultados apresentados na seção anterior, traçamos relações entre as práticas dos atores colaboradores e o entendimento de qual racionalidade acionam, fundamentalmente analisando de acordo com a racionalidade ambiental conceituada por Leff (2009a, b, 2010a, b, 2011, 2015) e as monoculturas ou ecologias, disponíveis em Santos (2002).

O texto é finalizado com considerações sobre o trabalho desenvolvido, referências e apêndices.

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2. Hibridização de saberes, experiências e fazeres: de monoculturas a

ecologias e uma nova racionalidade ambiental

Nesse capítulo iremos desenvolver as bases conceituais da pesquisa, olhando a partir de uma esfera macro, trazendo pressupostos estabelecidos na emergência da sociedade hegemônica, com seus valores e sua racionalidade. A seguir, trataremos de impactos desses valores sobre a questão ambiental. Ao percebermos que a racionalidade da sociedade ocidental capitalista é problemática para o ambiente, avançaremos no sentido de sistematizar uma racionalidade ambiental, com valores demarcados pelo diálogo entre saberes, o pertencimento, valorização de diferentes atores, regionalização de manifestações, a realização para além das questões materiais, e outros. Sobretudo, a pluralidade acima do individual e ecologias acima de monoculturas.

2.1 A lógica hegemônica e o conflito ambiental

A ciência moderna é marcada pela emergência de um paradigma assentado na racionalização, no rigor, no empirismo e no positivismo (SANTOS, 1989). De acordo com Boaventura de Sousa Santos (1986), o saber científico é elevado para um patamar dogmático, de alto status.

Esta crença foi denominada “cientificismo”, e passou a ser questionada, principalmente, no pós-guerra (período sequente à Segunda Guerra Mundial), na qual o conhecimento científico foi empregado para a produção de bombas, de diversas atrocidades no que tange aos direitos humanos e promover destruição em massa (SANTOS, 1989).

Surge então, uma gama de pesquisadores a questionar o grande status e as concepções antiéticas e equivocadas do ponto de vista epistemológico da ciência, seja por meio de especialistas em epistemologia à sociólogos da ciência. Encontramo-nos, portanto, em um período de transição entre esta ciência dita “moderna” para um novo paradigma epistemológico da ciência (SANTOS, 1989).

Como veremos em breve, a racionalidade sobre ambiente também será questionada, mas para tanto urge que discutamos concepções em uma esfera macroscópica para depois problematizarmos o âmbito ambiental.

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De acordo com Santos (1989, p. 18), “a reflexão epistemológica é a consciência teórica da pujança da disciplina em mutação e, por isso, é enviesada no sentido de afirmar e dramatizar a autonomia do conhecimento científico em relação a outras formas e práticas de conhecimento”. Neste sentido, é reconhecido que o paradigma vigente é precário, e, portanto, não necessariamente o saber científico deve ser visto como hierarquicamente superior a outras manifestações (SANTOS, 1989).

Urge entender quais as bases que se assentam tal paradigma, para que se possa pensar em alternativas. Argumenta Santos (1995) que o paradigma moderno está assentado em valores como a cristandade, individualismo, materialismo, em uma hegemonia branca, europeia, masculina, entre outros valores.

O paradigma se vale de um processo harmônico entre regulação e emancipação, de tal modo, que seu sucesso depende estritamente deste equilíbrio. A regulação é compreendida como os processos e relações do Estado, do mercado e das obrigações civilizatórias, grosso modo entendidas como as leis. Por outro lado, a emancipação se assenta nas artes, literatura, e nas racionalidades, tal como a ciência (SANTOS, 1995).

O que se percebe, entretanto, é um desequilíbrio em tal balança. A repressão do Estado e os interesses do mercado em alta sufocaram os mecanismos emancipatórios, de modo a provocar um colapso do sistema moderno (SANTOS, 1995).

Isso não significa, no entanto, uma negação total da sociedade capitalista ou do próprio conhecimento científico, mas sim de reclamar por uma sociedade que esteja em equilíbrio social, respeitando as culturas e diversos conhecimentos.

Ninguém questiona hoje o valor geral das intervenções no real tornadas possíveis pela ciência moderna através da sua produtividade tecnológica. Mas este facto não deve impedir-nos de reconhecer outras intervenções no real tornadas possíveis por outras formas de conhecimento. (SANTOS, 2007, p. 26)

O que propomos não é esquecer um saber em detrimento a outro, mas sim, estabelecer diálogos, uma vez que acreditamos que estes diálogos são enriquecedores para ambos os saberes.

Ainda por falar em ciência, há dentro dela reconhecidamente uma racionalidade cognitiva-instrumental que ganha hegemonia frente a outros tipos de racionalidade. Isto também contribui para uma elitização das formas de fazer e conhecer (SANTOS, 1995).

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Isto ocorre porque a ciência é vista como uma forma privilegiada de conhecimento. Há um discurso de “verdade científica”, promotora de uma força produtiva, sustentada pela educação formal e garantida por meio de recursos estatais despendidos. A ciência é vista como um conhecimento civilizador (SANTOS, 1995).

Ainda sob este efeito, as pessoas citam a expressão “cientificamente comprovada” para atestar sua confiabilidade. De tal modo, concordamos haver uma linha divisória entre saberes hegemônicos e outros saberes desacreditados.

Buscando caminhar no entendimento da linha divisória entre os saberes, Santos (2007) argumenta que por tudo que foi citado, o saber científico se consolidou como hegemônico, provocando logo um sufocamento de outras epistemologias. O autor denomina este episódio de epistemicídio, uma vez que muita experiência social é perdida.

Outras formas de saberes são úteis apenas para a epistemologia dominante quando lhe servem de matéria-prima, ou ainda como uma ilusão para parecerem aos marginalizados que estão no controle (SANTOS, 2007).

Há uma tentativa de homogeneizar a sociedade, numa missão dita “colonizadora”, reduzindo a mesma a uma única manifestação. Assim sendo, muita experiência e muitos saberes são perdidos (SANTOS, 2007).

Em contrapartida, o grande acesso à informação ampliou a resistência frente a esta violência e ao modelo capitalista e desigual, permitindo que praticamente todas as pessoas tivessem voz e manifestassem suas opiniões. Têm-se, nos dias atuais, uma noção ampliada da diversidade e da complexidade dos saberes e fazeres (SANTOS, 2007). O mundo é diverso e complexo, logo é razoável pensar que há uma grande diversidade epistemológica, para além de qualquer padrão arbitrário. Considerar e reconhecer outras formas de produção de conhecimento, com outras formas de validade, amplia o espectro de visão de atores sociais diversos (SANTOS, 2007).

A ideia central, defendida por Santos e Meneses (2009, p. 13), é a de que:

Além de todas as dominações por que é conhecido, foi também uma dominação epistemológica, uma relação extremamente desigual de saber-poder que conduziu à supressão de muitas formas de saber próprias dos povos e/ou nações colonizados. As epistemologias do Sul o conjunto de intervenções epistemológicas que denunciam essa supressão, valorizam os saberes que resistiram com êxito e investigam as condições de um diálogo horizontal entre conhecimentos. A esse diálogo entre saberes chamamos ecologia de saberes.

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Ampliando esta ideia, o autor sugere que há uma sociologia dos saberes que é excludente, pois privilegia o saber científico e ignora outras formas de conhecimento. Denomina esta sociologia como “sociologia indolente”, aquela que é imune a dores, por estar ao centro, por ser dominante (SANTOS, 2002).

Em primeiro lugar, a experiência social em todo o mundo é muito mais ampla e variada do que o que a tradição científica ou filosófica ocidental conhece e considera importante. Em segundo lugar, esta riqueza social está a ser desperdiçada. É deste desperdício que se nutrem as ideias que proclamam que não há alternativa, que a história chegou ao fim, e outras semelhantes. Em terceiro lugar, para combater o desperdício da experiência, para tornar visíveis as iniciativas e os movimentos alternativos e para lhes dar credibilidade, de pouco serve recorrer à ciência social tal como a conhecemos. No fim de contas, essa ciência é responsável por esconder ou desacreditar as alternativas. Para combater o desperdício da experiência social, não basta propor um outro tipo de ciência social. Mais do que isso, é necessário propor um modelo diferente de racionalidade (SANTOS, 2002, p. 238).

Para o autor, a visão cartesiana da construção científica, que tende a se pulverizar e buscar a partir do estudo das partes para se chegar ao todo, a qual ele chama de uma razão metonímica, é problemática, pois a ciência se colocou no centro do grande palco, como capaz de explicar toda complexidade do mundo, e logo “os outros saberes, não científicos nem filosóficos, e, sobretudo, os saberes não ocidentais, continuaram até hoje em grande medida fora do debate” (SANTOS, 2002, p. 241).

Esta racionalidade se mostrou incapaz de aceitar que há verdades fora da ocidental, ou então da ciência, como discute o autor no trecho:

A razão metonímica afirma-se uma razão exaustiva, exclusiva e completa, muito embora seja apenas uma das lógicas de racionalidade que existem no mundo e seja apenas dominante nos estratos do mundo abrangidos pela modernidade ocidental. A razão metonímica não é capaz de aceitar que a compreensão do mundo é muito mais do que a compreensão ocidental do mundo (SANTOS, 2002, p. 242).

Contrapondo esta visão, Santos (2007) argumenta que somos seres limitados, sendo assim, mais desconhecemos do que conhecemos, e, portanto, nosso conhecimento é limitado. Nenhum saber possui completude em si mesmo, mas é no diálogo entre os saberes que se atinge a maior complexidade possível, pois, o mundo é plural, então é razoável pensar que as manifestações também são plurais.

Neste sentido, os escritos de Nunes (2009, p. 232-233), disponíveis no livro “Epistemologias do Sul”, organizado por Santos e Meneses, dão completude a esta discussão:

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Reconhecer a validade e a dignidade de todos os saberes implica que nenhum saber poderá ser desqualificado antes de ter sido posto à prova a sua pertinência e validade em condições situadas. Inversamente, a nenhuma forma de saber ou de conhecimento deve ser outorgado o privilégio de ser considerada como mais adequada ou válida do que outras sem a submeter a essas condições situadas e sem a avaliar pelas suas consequências e efeitos. Nenhum saber poderá, assim, ser elevado à condição de padrão a partir do qual será aferida a validade dos outros saberes sem considerar as condições situadas de sua produção e mobilização e suas consequências.

As manifestações humanas são plurais, logo os saberes e culturas também serão. Qualquer tentativa de padronização é elitista e uma violenta audácia de universalização do planeta. Do ponto de vista ambiental, tais valores da sociedade hegemônica parecem levar ao colapso, urgente, portanto que se pense em uma nova racionalidade ambiental.

Seguindo este afunilamento para o contexto para a área ambiental, assim como Boaventura de Sousa Santos, Enrique Leff (2010) reconhece que estamos vivendo um período demarcado pela crise epistemológica. Desta vez, trata-se das consequências para a questão ambiental e o inerente conflito de interesses: de um lado, a lógica instrumental do capitalismo; de outro, a emergência de uma nova racionalidade, pautada no diálogo de saberes, na interdisciplinaridade, na complexidade.

De acordo com Leff (2010, p. 318), o

Conflito ambiental está marcado por interesses pela apropriação da natureza como fonte de riqueza e suporte de práticas produtivas. Nesses processos, os conhecimentos e os saberes jogam um papel instrumental ao potenciar a apropriação econômica da natureza; mas também jogam como saberes que forjam sentidos e que mobilizam a ação com valores não mercantis e para fins não materiais nem utilitários.

Há, de acordo com Leff (2009a), duas racionalidades: uma pautada na racionalidade instrumental do capital que visa exclusivamente produção de bens de consumo, bens comerciais e dividendos. Outra, a racionalidade ambiental, que é pautada na equilibração social, cultural, econômica e ecossistêmica.

Em outras palavras, para a visão instrumental, os saberes, conhecimentos e instituições de produção servem a papéis em uma visão estritamente econômica e mercantil, em que apenas os interesses do mercado são levados em conta. Tais desequilíbrios de ordem

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social resultam em uma visão de externalidade, em que a natureza é um meio de conquista de bens materiais.

Antigamante, as populações tradicionais e os povos camponeses se valiam da natureza como fonte de interação e ação social - por exemplo, a produção de recursos, de práticas religiosas e espirituais- ; agora, na visão da sociedade capitalista, toda essa tradição é desprezada, gerando várias crises, seja de ordem social, epistemológica, cultural e econômica (LEFF, 2009).

Assim, “a degradação cultural e iniquidade social gerados nesse processo converteram-se num custo econômico e político do projeto de globalização” (LEFF, 2009, p. 99).

Prosseguindo no pensamento, a crise se resulta também uma crise epistemológica.

A crise ambiental e a crise do saber surgem como a acumulação de “externalidades” do desenvolvimento do conhecimento e do crescimento econômico. Surgem como todo um campo do real negado e do saber desconhecido pela modernidade, reclamando a 'internalização' de uma 'dimensão ambiental' através de um “método interdisciplinar”, capaz de reintegrar o conhecimento para apreender a realidade complexa (LEFF, 2011, p. 309).

Uma visão recorrente e falaciosa que preconiza a mera reorganização de saberes é a do desenvolvimento sustentável, para qual, seria possível atingir sustentabilidade pelas lentes mercantis. Leff (2010, p. 329) critica tal visão, pois, "[…] a sustentabilidade não será um fim alcançável através de uma reintegração interdisciplinar do conhecimento como fundamento de uma gestão científica do desenvolvimento, e menos ainda de uma ‘economização’ e mercantilização da natureza”.

O saber ambiental não pode ser construído através das mesmas ideias que levaram à destruição do ambiente. Propõe-se, então, um modelo holístico de conhecimentos que se integrem, para construir aquilo que ele chama de racionalidade ambiental, ou seja, uma construção teórica plural de ambiente que questione os paradigmas atuais (LEFF, 2011, 2015).

O saber ambiental não nasce de uma reorganização sistêmica dos conhecimentos atuais. [...] O saber ambiental se constrói por um conjunto de processos de naturezas diversos, que não cabem num modelo global, por holístico e aberto que ele seja. A lógica dos processos ecológicos, culturais e tecnológicos envolvidos está integrada

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com a racionalidade das formações teóricas, das organizações produtivas, das estruturas institucionais e de interesses sociais diversos, onde se mobiliza e se concretiza o potencial para construção de uma racionalidade ambiental [...]. (LEFF, 2015, p. 208)

Posto isso, complexidade do tema nos convida a sermos interdisciplinares. O ambiental de cada “ciência” deve dialogar e contribuir reciprocamente. Mais que isso, por envolver interesses, valores e práticas subjetivas, a racionalidade ambiental transcende a racionalidade científica e a objetividade. Abre-se diálogo, portanto, entre ciência, saberes, tradições, saberes populares, entre outros, formando aquilo que se chama de hibridização cultural.

Ainda “[...] na perspectiva desta racionalidade ambiental, a interdisciplinaridade é mais que a soma das ciências e dos saberes herdados; implica a problematização e transformação dos conhecimentos pela emergência ambiental” (LEFF, 2015, p. 248).

Caso a etnociência7 constituísse objetos de estudos para área ambiental científica,

Isso implicaria um processo de refundamentação científica que abriria um programa inovador para as etnociências. O que não só tem sentido pela necessidade de dar uma base epistemológica às etnociências, mas para entender o intercâmbio, diálogo, e hibridização de saberes através de códigos culturais e estratégias conceituais diferentes. Isso poderia levar-nos a compreender a possibilidade de amalgamar e assimilar conhecimentos científicos modernos com saberes e práticas tradicionais, a entender como estes intercâmbios redefinem os códigos culturais dos grupos humanos que dão suporte simbólico e material de sua sobrevivência biológica, de suas autonomias políticas e de suas identidades étnicas; a ver a constituição de novos atores sociais que mobilizam a construção de uma nova racionalidade de uso da natureza. (LEFF, 2015, p. 271-272).

A relação entre o popular e o científico é ainda mais complexa e ampla de relações e articulações, pois, por exemplo, pode haver a imposição de modelos tecnológicos modernos em substituição a valores tradicionais, como ocorrido na Índia, retratados no documentário citado. Há, nesses casos, claramente uma hierarquia entre os saberes, tal como para Boaventura apontou, em que muitas vezes, por gozar de maior prestígio, a ciência substitui saberes tradicionais.

7 O termo etnociência é questionado por autores como Beucage (2000), pois ele carrega um paradoxo: por um

lado, ao classificar saberes como etnociência, está automaticamente igualando este saber ao saber científico, logo atribuindo valor; por outro lado, hierarquiza os saberes, pois a ciência é a métrica para considerar o que é válido ou não, pois para ser considerado um saber válido, o saber étnico precisou ser equivalente ao saber científico. Salientamos que Leff empregou o termo e conservamo-lo, muito embora não concordemos com sua grafia.

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É necessário esclarecer os mecanismos de dominação dos saberes tradicionais, voltar os olhares para eles, para promover, enfim, diálogos construtivos. “[...] surge assim, a necessidade de um método para olhar para o invisível, para descobrir os rastros dos saberes erodidos8 e resgatar a memória das tradições e práticas arrasadas pela violência da certeza do poder dominante (PÉREZ TAYLOR, 1996 apud LEFF, 2015, p. 273).

Existe uma diferenciação dos sistemas de conhecimentos quanto a “estratégias cognitivas, formas de justificação, validação e contrastação com realidade e suas motivações e interesses na transformação do mundo e apropriação da natureza” (LEFF, 2015, p. 273). São formas diferentes de ler, interpretar e interagir com o mundo.

Em resumo, a etnociência abre caminho para a construção da racionalidade ambiental, trazendo à tona novos atores sociais, fornecendo objetos de estudos, e também sendo uma importante via de consolidação do saber científico através de práticas validadas e que formarão um saber híbrido capaz de alterar a percepção do ser humano com o ambiente (LEFF, 2015)

Em resumo, constatamos que o recíproco diálogo entre os saberes pensados numa racionalidade que o leve em conta, muito tem a contribuir para a temática ambiental; além disso, isso se faz necessário, sem o qual grandes experiências sociais são perdidas, e no fim, repensar essas relações é contribuir com uma nova racionalidade.

A partir desta problematização, Boaventura de Sousa Santos (1989, 1995, 2007, 2009) sugere que há duas possibilidades imbricadas que visam à construção de um paradigma emancipador. A primeira ideia é a de dupla ruptura epistemológica (SANTOS, 1989, 1995). A segunda ideia é uma racionalidade que se encaminhe para ecologias (SANTOS, 2002), algo que avançaremos à frente.

A dupla ruptura é entendida como um processo em que a ciência rompe a linha abissal que está inserida reconhecendo a validade de outros saberes, que, por consequência, levaria a uma ecologia dos saberes (SANTOS, 2007, 2009). Por outro lado, o senso comum, em diálogo com a ciência, é enriquecido com linguagem e rigor que permitem a solução de problemas antes insolúveis. Em contrapartida, a ciência adquire características importantes, como plasticidade, tessitura social e concretude, algo que antes não era possível, pois a ciência é naturalmente abstrata e distanciada do grande público. Assim, ambos os polos

8 O termo “erodido(s)” deriva do fenômeno conhecido como “erosão”. No sentido original, uma erosão refere-se

à degradação de uma área por fenômenos das intempéries. Neste contexto particular, está também se referindo a uma degradação, mas aqui se aplica a degradação cultural.

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tendem a se enriquecer reciprocamente. Por consequência, outras ecologias seriam visualizadas, pois todas estão interligadas. Além disso, caminharemos para a sistematização de uma racionalidade pautada na complexidade, nos ditos de Leff (2009a, b, 2010a, b, 2011, 2015). Na sequência explicitaremos melhor tais ideias.

2.2 Dupla ruptura, pluralidade de saberes e uma nova racionalidade ambiental

Primeiramente, Boaventura de Sousa Santos (2007) acredita que há uma linha divisória entre o saber ocidental, representado pelos saberes hegemônicos, considerados abissais, pois estão a um abismo de distância em relação a outros saberes marginalizados.

Este abismo é tão profundo que os saberes erodidos são quase inexistentes nos debates e completamente esquecidos nas discussões de modo a ser impossível a coexistência entre eles (SANTOS, 2007).

De um lado da linha estão os conhecimentos abissais (hegemônicos), dentre eles, a ciência. Do outro lado,

Refiro-me aos conhecimentos populares, leigos, plebeus, camponeses, ou indígenas do outro lado da linha. Eles desaparecem como conhecimentos relevantes ou comensuráveis por se encontrarem para além do universo do verdadeiro e do falso. É inimaginável aplicar-lhes não só a distinção científica entre verdadeiro e falso, mas também as verdades inverificáveis da filosofia e da teologia que constituem o outro conhecimento aceitável deste lado da linha. Do outro lado da linha, não há conhecimento real; existem crenças, opiniões, magia, idolatria, entendimentos intuitivos ou subjectivos, que, na melhor das hipóteses, podem tornar-se objectos ou matéria-prima para a inquirição científica. Assim, a linha visível que separa a ciência dos seus “outros” modernos está assente na linha abissal invisível que separa de um lado, ciência, filosofia e teologia e, do outro, conhecimentos tornados incomensuráveis e incompreensíveis por não obedecerem, nem aos critérios científicos de verdade, nem aos dos conhecimentos, reconhecidos como alternativos, da filosofia e da teologia (SANTOS, 2007, p. 3).

Deste modo, os saberes populares, dentre outros, estão localizados em uma região periférica da linha, desprovidos de qualquer status, de qualquer possibilidade de diálogo, de qualquer respeito, e sequer são reconhecidos como conhecimento.

Em nossa pesquisa, nos interessa estes diálogos entre os saberes abissais com aqueles marginalizados, estabelecendo pontos de contato que acreditamos que trarão muitas contribuições nesta linha de utopicamente almejarmos uma nova racionalidade.

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[...] A injustiça social global está, desta forma, intimamente ligada à injustiça cognitiva global. A luta pela justiça social global deve, por isso, ser também uma luta pela justiça cognitiva global. Para ser bem sucedida, esta luta exige um novo pensamento, um pensamento pós-abissal (SANTOS, 2007, p. 10).

Posto isso, e também dito que as desigualdades persistem, é necessário uma postura de estabelecer diálogos e evitar novos “epistemicídios”. Urge, então, entender como se dão estes diálogos, uma vez que concordamos que são necessários, e mais que isso, é urgente reestabelecer a horizontalidade entre os saberes, para além de um pensamento abissal.

Nunes (2009) sugere uma simetrização radical dos saberes, denominado de “Epistemologia do Sul”, para emergência de uma nova racionalidade epistemológica, em que o critério de avaliação dos conhecimentos deixe de ter um padrão e uma lente científica e passe a avaliar os saberes através de suas relações com o contexto e suas consequências.

Sobre isto, está claro que as consequências da hegemonia científica são problemáticas, como pudemos contemplar nos exemplos advindos do documentário “Escolarizando o Mundo”. Assim, deste modo, “a epistemologia do sul é uma epistemologia da impossibilidade de uma epistemologia geral” (NUNES, 2009, p. 234).

Para que isso seja possível, no entanto, primeiramente, segundo Santos (1995), é necessária uma dupla ruptura. A ciência sofre ruptura, “inserindo-a numa totalidade que a transcende” (SANTOS, 1986, p. 46) reconhecendo em outros saberes e no senso comum capacidades de enriquecer relações de mundo através de diálogos.

Características do senso comum como plasticidade, pragmatismo, simplicidade, criatividade e outras podem ajudar na construção de uma nova racionalidade. Em outras palavras, “o senso comum só poderá se desenvolver em pleno sua positividade no interior de uma configuração cognitiva em que tanto ele quanto a ciência moderna se superem a si mesmos para dar lugar a uma nova forma de conhecimento” (SANTOS, 1986, p. 44).

Para entendermos melhor tal processo de relação entre os saberes, recorremo-los à epistemologia de Ludwik Fleck (2010), que considera termos dois círculos no que tange aos conhecimentos. O círculo esotérico de um dado conhecimento é composto pelos pesquisadores e especialistas que trabalham como profissionais. O círculo exotérico, por sua vez, é composto pelos leigos mais ou menos instruídos. Para o autor, o nascimento de um coletivo de pensamentos surge na oposição entre o saber especializado e o popular.

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O conhecimento científico é definido na literatura a partir de diferentes perspectivas. Para Dieckmann e Dieckmann (2008), é científico o conhecimento sistematizado e publicado pela Academia. São considerados científicos, portanto, os conhecimentos produzidos por instituições de pesquisa, e que seguem métodos para lhe atribuir confiabilidade e lhe diferir dos conhecimentos não científicos.

Os saberes populares, por sua vez, são definidos por Lakatos e Marconi (2003, p. 75) como aquele “transmitido de geração em geração por meio da educação informal e baseado em imitação e experiência pessoal”. Fleck (2010) argumenta que o saber popular abastece a maior parte dos conhecimentos que possuímos e mesmo os profissionais das ciências lhe devem muitos conceitos. Ainda para o autor, a ciência popular é peculiar e emaranhada. São características importantes deste saber: a visão ilustrativa e evidente, na qual o seu auge é uma visão de mundo mais concreta que o saber sistematizado (FLECK, 2010).

Associados a conhecimentos adquiridos à luz da experiência em anos de vida, e sendo parte da cultura do indivíduo e de um grupo social, os saberes populares podem trazer grandes contribuições se forem estabelecidos diálogos com os conhecimentos científicos. Por um lado, este processo pode ocasionar muitas determinações interessantes e novos caminhos para ciência; por outro, a valorização daqueles que produzem e detêm os saberes populares. Na escola, essa articulação é especialmente interessante e necessária.

Estes estilos de pensamento são similares às nuvens, ou atmosferas de percepções que os envolvidos partilham, sendo conjugado socialmente, e tão mais forte serão quanto mais adeptos os estilos tiverem (FLECK, 2010). Se cada estilo é socialmente organizado, requer uma iniciação no círculo. Se houver intolerâncias recíprocas entre os círculos, ou caso haja hegemonia, pode-se haver grandes perdas culturais (FLECK, 2010).

A interdependência dos saberes, para Fleck (2010), é que a partir do saber especializado surge o saber popular. O segundo, graças à sua simplificação e forma ilustrativa, configura-se concreto e seguro. O saber especializado é abstrato e incerto. Portanto, o saber especializado produz conhecimentos e seu objetivo final é se consolidar de forma segura e mais concreta possível. Então, o saber sistematizado procura se consolidar como um saber popular.

Seja qual for a maneira de descrever um determinado caso, a descrição sempre acaba sendo uma simplificação permeada por elementos apodíticos e ilustrativos: através da comunicação, até mesmo de cada de cada denominação, um saber se torna mais

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exotérico e popular. [...] Certeza, simplicidade, plasticidade somente surgem do /saber popular, pois o especialista busca nele a crença nesses valores enquanto ideal do saber. Aí reside a importância epistemológica geral da ciência popular (FLECK, 2010, p. 168).

O saber popular pode ser tanto resultado da consolidação e aplicação social do saber científico, bem como, por não ter tanto rigor e ser permeado por outros saberes (o religioso e o mágico) e trazer outras explicações mais embasadas na experiência e no empirismo. Além disso, pode motivar estudos para a ciência (FLECK, 2010). Exemplo disso são práticas de uso milenar de plantas empregada por comunidades tradicionais que são objetos de estudos científicos que determinam desde novos medicamentos a partir dos óleos essenciais às novas práticas médicas.

Outro fato que também chama atenção é de que as primeiras pessoas a lançarem mão sobre os problemas ambientais foram pessoas que estavam longe do meio científico, enquanto a ciência foi colocada em xeque pelo uso de seus conhecimentos em guerras e também em práticas que destruíam o ambiente, como o caso do DDT, relatado por Rachel Carson na obra “Primavera Silenciosa” 9

.

A partir destas recíprocas correlações entre os saberes, acreditamos que os saberes em diálogo determinam uma cultura, um modo de pensar que resulta em fazeres e práticas. Neste estudo, interessa-nos saber quais as práticas, saberes, fazeres e técnicas estão envolvidos em práticas de arborização, em especial naquelas desenvolvidas por pessoas “comuns”, atores sociais protagonistas em diferentes espaços.

Trazendo a temática ambiental em voga, uma concepção interessante a respeito do diálogo entre os saberes é a de Enrique Leff, que nos convida a uma racionalidade ambiental, a da complexidade (LEFF, 2010; 2015).

Um dos fatores apontados por Leff para entender o mecanismo de emancipação de novos atores sociais para a racionalidade proposta remete aos saberes populares. Para Leff (2009), estes têm grande papel na construção de uma nova racionalidade ambiental. O modelo de sustentabilidade deve colocar em risco a racionalidade tradicional, pois, de um lado está uma racionalidade puramente econômica, com os interesses do capital acima de tudo; e de outro, uma racionalidade com a apropriação coletiva e comunitária das saberes.

Para ele, ao levar em conta os saberes populares, os marginalizados são emancipados e colocados na posição de novos atores sociais, pois

9

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[...] O diálogo de saberes adquire novos horizontes na perspectiva ambiental concebido como uma gestão cultural dos recursos ambientais que requer uma rearticulação ou hibridização de conhecimentos científicos e tradicionais. O que está em jogo não é apenas a resolução pacífica de conflitos ambientais complexos, mas também a questão da reapropriação social da natureza, processo para o qual confluem diversos atores sociais, cada um com suas identidades e interesses conformados por conhecimentos e saberes diferenciados (LEFF, 2009, p. 358).

A nova gestão ambiental se insere pautada pelo diálogo entre saberes, uma verdadeira hibridização10

, em que cada núcleo de cultura é autônomo, respeitado e valorizado, numa perspectiva interdisciplinar, em que a validade de cada saber é sua aplicabilidade prática e contextual (LEFF, 2010).

Nesse sentido, o saber ambiental abre uma perspectiva de análise da produção e de aplicação de conhecimentos como um processo que compreende condições epistemológicas para as possíveis articulações entre ciências e os processos de internalização do saber ambiental emergente nos árduos núcleos da racionalidade científica, e a hibridização das ciências com o campo dos saberes “tradicionais”, populares e locais (LEFF, 2010, p. 317).

Ao assumirmos tal perspectiva,

A produção “interdisciplinar” de conhecimentos se insere, dessa maneira, no marco das lutas por certa autonomia cultural, pela autogestão dos recursos das comunidades, pela propriedade das terras de uma população; pela produção e pela aplicação de certos conhecimentos que permitam uma apropriação coletiva dos recursos naturais, uma produção sustentável e uma divisão mais equitativa da riqueza, para satisfazer as necessidades básicas das comunidades e para melhorar sua qualidade de vida (LEFF, 2010, p. 317).

Em nosso entendimento, a proposta de dupla ruptura dos saberes hegemônicos trazida por Boaventura de Sousa Santos e seus colaboradores (SANTOS, 1986, 1995, 2007; NUNES, 2009) tem a mesma direção da noção de hibridização proposta aqui por Enrique Leff.

O reexame das tradições, dos saberes tradicionais e populares surgem como alento e recurso para aproveitar ao máximo os recursos ambientais sem promover degradação e

10

O termo “Hibridização” deriva do verbo “hibridizar”, que é empregado no sentido de mistura. Por exemplo, no ambiente químico se refere a misturas de orbitais atômicos. No sentido usado por Enrique Leff, do qual conservamos o contexto, quer dizer a mistura e o diálogo dos saberes, onde não há mais um único saber separado, mas sim um grande saber híbrido que é a mistura de vários.

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extrativismo (LEFF, 2009a). Em outras palavras, quando se olham costumes e tradições como de indígenas ou práticas de atores sociais diversos que sejam pouco afetadas pelos interesses do capital, bem como da globalização, têm-se inspirações para a melhoria do manejo com o ambiente. Ao passo que isto ocorre, e que todos os saberes sejam postos em diálogo, em uma situação de hibridização, todos aprendem reciprocamente.

Daí a importância de investigar a organização social e produtivas das culturas tradicionais, das comunidades “primitivas" e das sociedades camponesas, para reconhecer e valorizar o processo histórico de assimilação cultural dos processos ecossistêmicos e das transformações que sofreu o meio, assim como os traços culturais fundamentais que constituem a identidade étnica de uma comunidade. Isso permite descobrir a racionalidade de suas práticas de uso dos recursos e reorientá-las para o objetivo da sustentabilidade (LEFF, 2009a, p.100).

Neste sentido,

Em busca de fundamentação do saber coloca por sua vez a possibilidade de construir novos projetos de civilização- estratégias de etnoecodesenvolvimento - a partir dos valores e saberes das comunidades rurais e de sua “mestiçagem”com as ciências e tecnologias modernas, num processo de inovação de práticas de aproveitamento sustentável dos recursos naturais. (LEFF, 2015, p. 263)

Trata-se, de acordo com Leff (2015), de uma hibridização dos saberes camponeses, tradicionais, populares, juntamente com o saber científico, respeitando as identidades culturais, e que cada um possa contribuir reciprocamente.

Dando sequência, Leff (2009a; 2015) caminha para conceituar racionalidade pautada em termos culturais, algo que ele chama de “racionalidade cultural”. Neste subconjunto dentro da grande racionalidade ambiental- que é o que nos interessa nesta pesquisa- o apreço pela diversidade de saberes e técnicas das diferentes culturas, formações sociais e comunidades, que a partir destes, satisfazem suas necessidades, chegam a um patamar de bem-estar, e realizam um tipo de gestão ambiental sendo muitas vezes sustentáveis (LEFF, 2009a; 2015).

Assim, “a racionalidade cultural das práticas produtivas tradicionais contrapõem-se à especialização e homogeneização da natureza e à maximização do benefício econômico (LEFFa, 2009, p. 100).

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Neste sentido, a nova gestão ambiental pautada em tais princípios de hibridização de saberes preconiza entre outras coisas, a valorização do potencial socioambiental de cada território, região, comunidade, ou cada reunião de diferentes atores sociais. Além disso, preconiza o entendimento de novas e alternativas possibilidades de reorganização social, pautada em essencialmente em uma noção de sustentabilidade que não seja ingênua (LEFF, 2010).

Exigem novas noções de sociedade, política e economia pautadas em condições que promovam a conservação dos recursos, diminuição das desigualdades, partilha e formas novas de produtividade baseadas na participação comunitária, etc (LEFF, 2010).

Assim sendo,

[…] a complexidade ambiental se abre para um diálogo de saberes que acarreta uma abertura à interrelação, ao confronto e ao intercâmbio de interesses, em uma relação diametral que vai da solidariedade e complementariedade entre disciplinas, ao antagonismo de saberes; onde se inter-relacionam processos significativos, mais que posições científicas, interesses disciplinares e verdades objetivas (LEFF, 2010, p. 318).

"O ambiente não é somente um objeto complexo, mas que está integrado pelas identidades múltiplas que configuram uma nova racionalidade, a qual acolhe diversas racionalidades culturais e abre diferentes mundos de vida” (LEFF, 2009b, p. 21).

Se por ora o capitalismo, com sua racionalidade instrumental, sufocou saberes populares e tradicionais, o momento é de emancipar e constituir novos atores sociais que sejam capazes da transformação da vida a partir de seus saberes e fazeres e do poder (LEFF, 2015).

Este saber ambiental da complexidade é um saber plural, que é um convite para uma nova racionalidade, para além da racionalidade instrumental capitalista, mas que efetivamente não se trata de um novo paradigma, pois

Na verdade, esse saber ambiental ficou excluído num processo de extermínio dos saberes “não científicos” (saberes errantes, ciganos, nômades), no campo de concentração das externalidades do sistema econômico- político e científico-tecnológico dominante. Esse saber é mais do que uma “dimensão” internalizável através de uma visão holística e uma verdade sistêmica (LEFF, 2010, p. 318).

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Ao considerar este pensamento socioambiental complexo, chamado por Leff (2009b. p.17) de “saber ambiental”, há um convite para a valorização do ser em detrimento ao ter.

O saber ambiental faz renascer o pensamento utópico e a vontade de liberdade em uma nova racionalidade na qual se fundem o rigor da razão e os excessos do desejo, a ética e o conhecimento, o pensamento racional e a sensualidade da vida. A racionalidade ambiental abre caminho para uma reerotização do mundo, transgredindo a ordem estabelecida, a qual impõe a proibição de ser (LEFF, 2009b, p. 17).

É, ainda, o assumir da incompletude do ser, que ao se assumir com incompleto se abre a outros saberes, outras experiências, negando uma epistemologia central ou globalizada (LEFF, 2009b).

O saber da complexidade é um ato político de clamor por sustentabilidade, pautado no equilíbrio socioambiental, de valorização de práticas e saberes.

O diálogo de saberes não é um relaxamento do regime disciplinar na ordem do conhecimento para dar lugar à aliança de lógicas contraditórias, a abertura de um jogo indiferente de linguagens, a um consumo massificado de conhecimentos, ou de uma personalização subjetiva e individualizada do conhecimento, capazes de coabitar com suas contradições. O saber ambiental se forja no encontro (enfrentamento, entrecruzamento, hibridização, antagonismo) de saberes diferenciados por matrizes de racionalidade- identidade-sentido que respondem a estratégias de poder pela apropriação do mundo e da natureza (LEFF, 2010, p. 331).

É por excelência o encontro com as diferentes identidades presentes no planeta, cada qual com suas práticas e costumes, para muito além da visão do mercado, "mobilizando os atores sociais para a construção de estratégias alternativas de reapropriação da natureza em um campo conflitivo de poder, no qual se desdobram sentidos diferenciados e, muitas vezes, antagônicos, na construção de um futuro sustentável” (LEFF, 2009b, p. 19).

As etnociências permitem valorizar e recuperar um arsenal de conhecimentos práticos, capazes de inserir como “matéria-prima elaborada” na produção de conhecimentos científicos sobre a produtividade dos ecossistemas, sobre o aproveitamento dos seus recursos, sobre os processos tecnológicos ecologicamente sustentáveis e sobre as condições de assimilação destes novos saberes e meios de produção, às práticas das comunidades indígenas e camponesas (LEFF, 2009a, p. 113)

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Assim, os saberes das comunidades tradicionais e camponesas, bem como os saberes populares, fornecem exemplos de manejo responsável e sustentável, além de fortalecer a questão de identidade e pertencimento (LEFF, 2009). Portanto, “a identidade étnica vai configurando as práticas diferenciadas no manejo dos recursos que constituem a riqueza do patrimônio cultural e de recursos naturais dos povos indígenas e das sociedades camponesas da atualidade” (LEFF, 2009a, p. 116).

Um sistema de saberes, práticas e ações constitui uma cultura. Para a temática ambiental, Leff (2009, p. 124) conceitua a cultura ecológica como sendo “sistema de valores ambientais que reorienta os comportamentos individuais e coletivos, relativamente às práticas de uso dos recursos naturais e energéticos”.

Em um viés socioambiental, as ações dos diferentes atores concorrem para a defesa, bem como participação e autogestão ambiental (LEFF, 2009) e, “ao mesmo tempo, o saber gera sentidos que mobilizam os atores sociais a tomar posições diante do mundo, definir suas identidades e projetar suas utopias” (LEFF, 2015, p. 279).

Ainda segundo o autor, "outro mundo é possível para além da finalidade de dar maior equidade, sustentabilidade e justiça ao mundo atual dentro do marco da racionalidade estabelecida” (LEFF, 2009b, p. 22).

A crise ambiental é, para Leff (2016, p. 347) uma

Crise da natureza como degradação do ambiente, mas sobretudo, crise do conhecimento, que só é possível transcender rompendo o cerco da mesmidade do conhecimento e sua identidade com o real baseado no imaginário da representação, abrindo-se ao infinito a partir de um diálogo de saberes no reencontro do Ser com a outridade.

O que se pretende nessa racionalidade é que o desenvolvimento seja pautado em equilíbrio socioambiental, ecológico e justo. Para isso, além de novos meios econômicos, concorre também para o equilíbrio epistemológico e cultural (LEFF, 2009a).

Na perspectiva da sustentabilidade e de uma racionalidade ambiental, as diversidades ecológica e cultural aparecem não só como princípios éticos e como valores não mercantilizáveis, mas como verdadeiros potenciais produtivos que integram um sistema de recursos naturais, culturais e tecnológicos, capazes de reorientar a produção das populações do terceiro mundo (LEFF, 2009a, p. 99).

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Estas mudanças, segundo Leff (2010) estão além do âmbito meramente científico, solicitando diálogos construtivos entre diversos saberes, instituições e entes. A mudança de racionalidade é assim, pautada em uma visão socioambiental e interdisciplinar.

A interdisciplinaridade implica assim um processo de inter-relação de processos, conhecimentos e práticas que transborda e transcende o campo da pesquisa e do ensino no que se refere estritamente às disciplinas científicas e a suas possíveis articulações. Dessa maneira, o termo interdisciplinaridade vem sendo usado como sinônimo e metáfora de toda interconexão e “colaboração” entre diversos campos do conhecimento e do saber dentro de projetos que envolvem tanto as diferentes disciplinas acadêmicas, como as práticas não científicas que incluem as instituições e atores sociais diversos (LEFF, 2010, p. 311).

Este diálogo de saberes é estabelecido para além das instituições científicas, pelas suas diferentes áreas disciplinares (LEFF, 2010a). Examinemos o pensamento abaixo:

Neste contexto, a noção de interdisciplinaridade se aplica tanto a uma prática multidisciplinar (colaboração de profissionais com diferentes formações disciplinares), assim como ao diálogo de saberes que funciona em suas práticas, e que não conduz diretamente à articulação de conhecimentos disciplinares, onde o disciplinar pode referir-se à conjugação de diversas visões, habilidades, conhecimentos e saberes dentro de práticas de educação, análise e gestão ambiental, que, de algum modo, implicam diversas “disciplinas”– formas e modalidades de trabalho –, mas que não se esgotam em uma relação entre disciplinas científicas, campo no qual originalmente se requer a interdisciplinaridade para enfrentar o fracionamento e a superespecialização do conhecimento (LEFF, 2010, p. 312).

A questão, portanto, deixa de ser puramente do capital, e do mercado, para ser uma questão sociológica e de valorização das pessoas portadoras de conhecimentos que não eram levados em conta, ou não valorizados de acordo com o sua enorme riqueza.

Estes novos protagonistas, com seus saberes locais, afirmam seus direitos à cultura e ao território- seja quando colocam que “ a biodiversidade é igual a território + cultura”, como sustentam os afrocolombianos do Pacífico sul; ou ainda afirmam “não queremos terra, queremos território” e reivindicam seu bien vivir, como fazem os indígenas e camponeses do altiplano Boliviano e do Equador (LEFF, 2009, p. 363).

O surgimento de novos atores sociais, traduzindo suas culturas e manejos ambientais para satisfação das suas necessidades e seu bem-estar concorre mesmo que indiretamente, para uma racionalidade ambiental alternativa ao capital, sendo pautada em

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