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5. Elementos motivacionais, saberes e fazeres relacionados a práticas de arborização:

5.2 Por que plantam?

Nas textualizações buscamos evidenciar os elementos motivacionais que os plantadores entrevistados apontaram. Em nosso entendimento, pensamos que há fortes indícios de que a ligação emocional e conexão com a natureza, traduzida como um sentimento de pertencimento ao local onde se vive, é um fator importante, sendo mencionado por todos os colaboradores. A transmissão de conhecimentos pelos pais e avós foi apontada por um plantador, enquanto a maioria deles aponta que as técnicas e saberes adquiridos durante o trabalho são importantes para a criação de uma cultura de plantador.

Para o primeiro plantador, sua principal motivação é o sentimento de conexão com a natureza, que talvez tenha sido transmitido por sua avó e seu pai. Os trechos extraídos da sua História Oral exemplificam esta constatação:

Eu sempre tive esse gosto pela natureza, eu não sei explicar o certo, mas sempre gostei de apreciar as árvores, gosto de ver nascer, crescer, produzir, mas o certo, o porquê que eu gosto disso é difícil explicar. Foi desde pequeno, porque eu tive influência da minha avó, ela sempre gostou de flores, de plantas, e eu cresci perto dela, então eu fui influenciado por ela. Mas, de uns seis, sete anos eu já estava plantando também.

Dando sequência, como perspectiva de continuidade de sua ação como plantador, ele pretende fazer um projeto que consiste em formar uma equipe cuja finalidade vai desde a produção de mudas até plantio em áreas de preservação ambiental, tal como sinaliza o trecho:

Mas eu tenho um projeto que eu quero colocar em prática logo que é começar a produzir as mudas e encontrar um grupo, uma equipe para plantar nas áreas verdes daqui.

O trecho explicitado sinaliza que o plantador é muito conectado com a temática ambiental e pretende ampliar seu raio de ação. Como veremos em breve, no subtítulo (4.6 Onde Plantam), sua ação está localizada em sítios de amigos e áreas de reserva. O que percebemos é que ele pretende ampliar e atingir mais áreas com sua prática.

O interessante é deslocar o olhar sobre a produtividade dos plantadores: de um olhar mercadológico para a produtividade ligada ao legado ou à mensagem que transmitem. No caso deste plantador, ele atua em sítios de amigos e áreas verdes, mas pretende ampliar seu legado ambiental, o que sinaliza que o sentimento de utopia está em franca ascensão.

Na próxima seção iremos cruzar estes dados para o entendimento de uma possível ecologia de produtividades, na qual poderemos notar uma variedade de produtividades que permeia a ação de plantio destes plantadores. A ecologia de produtividades recupera outros sistemas de produtividade que não seja o olhar estrito à produtividade lucrativa.

No caso particular deste plantador, ele parece se satisfizer plantando, tanto que quer expandir e mobilizar outras pessoas em torno da prática. Sua produtividade parece estar ligada, portanto, a estes movimentos: daquilo que já fez e o que pretende expandir.

O segundo plantador não explicitou sua motivação central durante sua fala, pois deixamos que ele dissertasse à vontade, uma vez que a entrevista se configurou desta maneira. Este nosso colaborador é uma pessoa extrovertida e julgamos mais interessante ouvir suas histórias do que interrompê-lo, sendo que seria possível no todo entender as questões de pesquisa.

Pensamos, ao analisarmos sua História Oral como um todo, que sua motivação central parece ser advinda de sua curiosidade com a natureza, que foi aprimorada em seu trabalho, e com o passar dos anos foi se complexando, tornando-se fruto de seus saberes, fazeres, sentimento de conexão e pertencimento com a natureza e seu amor pela cidade onde

mora. Nos próximos subtítulos exemplificaremos trechos pertinentes a elas que sustentarão nossa percepção.

Em sua história oral, destacamos vários trechos em que seu legado é perceptível. O legado para nós não está somente ligado à produtividade, mas também a algo que realimenta e significa a prática, dando mais motivação para seguir plantando. No primeiro trecho, vemos que ao coletar semente, que é uma das origens e motivações dele como plantador, acabou por gerar algo que o satisfaz muito, que é a atuação dele na abertura de trilhas nas serras.

De repente eu comecei a abrir um pedaço de trilha, que eu fazia trilha para coletagem de semente, semeação de sementes... Aí veio três motoqueiros e passou pela trilha e disse assim: “Ó Tonhão, podemos usar estas trilhas?”. Eu falei: “Ó, meu amigo, é o seguinte, respeitando o meio ambiente não tem nada mais, pode conseguir passar”. Aí passaram, e no passar dessa trilha eles falaram no outro sábado: “não tem jeito do senhor aumentar mais?”. Aí deu no que deu: as trilhas formadas. Aí veio dez motos, cinco motos, trinta motos, cinquenta motos, até duzentas motos veio também... Até hoje muitos motoqueiros vem para Monte Alto para fazer as trilhas, e eu falei para eles, expliquei a eles sobre as toras, o que é meio ambiente, o que não é meio ambiente, respeito, respeito sobre a natureza, sobre as cobras, sobre os bichos, tudo...

Há um legado de que mais pessoas acabam por tomar contato com áreas verdes, usufruem do espaço e terminam também por se conscientizarem da importância da preservação do bem coletivo, algo do qual o plantador se orgulha.

Em outro momento, há um dilema em que ele seria remanejado para outra área, deixando de ser zelador da praça para ir atuar em outro setor. Eis que então, pessoas ligam para a prefeitura e exigem que o administrador, no caso o prefeito, deixasse-o seguir nas praças, pois estavam bem cuidadas, sendo um grande reconhecimento e demonstração de que ele é produtivo para a cidade.

Aí as mulheres falavam: “Seu Maurício, não deixa mais o grandão sair da praça, porque o grandão levantou a praça, ressuscitou a praça que tava morta”. Aí comecei por oportunidade trabalhar aqui com muito carinho, muito amor, até hoje tenho amor no plantio, tudo o que eu faço.

O terceiro colaborador atrela sua motivação central para uma questão de ter curiosidade para com a natureza, como pudemos apurar neste trecho:

Curiosidade. Estava em contato com a natureza, eu sempre admirei muito a natureza, né. Então é isto aí...

A origem da sua prática é descrita no trecho abaixo:

É porque nós moramos numa fazenda de um mineiro e quando começou a influência da plantação de sítio de laranja, nós, eu e meus irmãos, ajudamos a preparar vinte mil mudas para plantar na fazenda do João Bernardo da Fonseca. Naquela época ninguém plantava e a turma admirou de plantar 20 mil mudas de laranja. E foi onde ele acertou a mão. Daquele tempo para cá a gente vem aprendendo a fazer enxerto.

Notamos que há, primeiramente, um componente de produtividade, pois, eles foram efetivos ao produzir 20 mil mudas aplicando a técnica de enxertia. O que para nós chama muita atenção é que o que deu a oportunidade de serem tão produtivos não são técnicas intensivas de agricultura, mas uma técnica dotada do saber popular. Fica evidente que o sistema de produção é alternativo, para além de fertilizantes e defensivos agrícolas, produtos atrelados à produção capitalista.

Até nos dias atuais, nosso colaborador segue fazendo a técnica (entraremos em mais detalhes a seguir) no seu quintal, sendo uma pessoa distinta e reconhecida na sua cidade. Pensamos que estes fatores possam sinalizar para um plural de produtividades válido.

Por sua vez, o quarto entrevistado afirma gostar de mexer com plantas, de estar em contato com a natureza e este ponto parece ser sua motivação central para práticas de plantio, como vemos no trecho trazido de sua História Oral:

Então, eu gosto de mexer com as plantas. Eu gosto [do que faço]. [Me] Considero [plantador, porque] é o serviço da gente. A gente gosta. Tipo de jardinagem que a gente entende. Então, o que eu mexo com jardim faz 25 anos, certo?

Há por parte dele um sentimento de gratificação pelo seu trabalho, da qual ele relata ter plantado várias plantas em várias localidades. Examinemos o excerto abaixo:

Eu sei que eu plantei um monte. Nessa chácara mesmo que eu vou amanhã, eu ajudei a plantar um monte de eucalipto e vários tipos de árvores também. Plantei para tudo que é lugar, no campestre, nos condomínios, plantei um monte...

Assim, notamos aqui um componente de produtividade que é citado pelo próprio, que se sente feliz por ter deixado sua contribuição em várias localidades, e isso parece movê- lo ainda mais.

O quinto plantador atrela sua motivação a um sentimento de conexão com a natureza em que afirma sempre ter havido. Relata ter sido escoteiro e ter encontrado um modo de unir o engajamento dos jogadores virtuais em torno da causa do jogo. Tem paixão pela natureza e por fazer novos amigos na vida real. O trecho abaixo exemplifica o que pensa este colaborador:

Não [foi de origem familiar], eu sempre tive uma conexão com a natureza. Não foi uma questão familiar não. Tanto que já fui escoteiro, já tive no meio do mato, sempre tive uma boa conexão com a natureza. Não foi ali não. Plantar coisa com meu pai não foi um catalisador disso. Eu não sei dizer qual foi o meu catalisador. Foi aquela conexão que quando você tá no lugar você se sente em paz, sabe? Eu sempre me senti assim. Eu sempre andei descalço no meio do mato pra sentir a terra, sempre fui assim.

Para ainda mais, o trabalho parece ter grandes proporções: de uma iniciativa local, de repente parece ter inspirado outras pessoas e o trabalho ganhou proporções globais, como vemos abaixo:

Isso cresceu muito hoje em dia. Inicialmente era uns 13, eu sou o fundador, mas quem participou do evento lá em Sorocaba, do piloto, foram 13 pessoas. Agora, no Brasil, nós devemos estar por volta de 200 a 300 pessoas. No México também deve estar por aí. Tem um grupo sendo fundado nos EUA, na Inglaterra, na Tailândia e acho que na França também. Quando a gente fez, saímos em jornais no mundo todo, literalmente. Muitas pessoas se empolgaram, mas quando vão cavar buracos acabam desistindo da empolgação inicial. Por isso é necessário força de vontade.

Esse componente mais uma vez nos parece fomentar mais e mais a prática do plantador, e também parece se referir a um parâmetro de produtividade: Só conseguimos valorizar a prática se deslocarmos o olhar para outras formas de valorizar que não o acúmulo lucros. No caso deste plantador, parece claro que ele além de promover encontro de pessoas que estavam inicialmente conectadas apenas pela internet, ainda envolveu-os em um ideal elevado, para plantar árvores. Além disso, inspirou muitas pessoas ao redor do mundo.

O sexto colaborador não explicita sua motivação. Entretanto, contextualmente em sua História Oral, pensamos que sua motivação esteja atrelada à curiosidade e seu sentimento de conexão e amor à natureza, conforme trazem os excertos:

Eu achei uma sementinha na rua da casa da minha tia que eu estava indo passear com minha família, e eu achei várias sementinhas no chão, de uma espécie que hoje eu identifico como sibipiruna, uma espécie brasileira, e eu plantei essa semente e germinou super fácil e eu pensei: “nossa que incrível, uma árvore miniatura dentro da minha casa!”. Eu vi quão fácil era plantar.

Este trecho nos leva a pensar que o seu vislumbre foi um fator que ficou na sua memória e pode tê-lo impulsionado a plantar novamente. Algo como este ocorreu mais tarde quando o jovem estava na escola e juntamente com amigos se engajou em práticas ambientais, conforme o excerto:

[Outro fato que ocorreu] foi com um grupo da minha escola, faz oito anos que este grupo existiu, não existe mais. Aliás, existe, e foi criado por uma amiga minha. Ela simplesmente falou: “vamos criar um grupo do qual quem jogar lixo na escola vai levar tantos socos na cara [risos]”. Aí eu [disse]: “Tá bom”. E só que depois de três anos ficou uma coisa meio boba porque a gente tava crescendo e ninguém tava tendo interesse, levando a sério. E aí eu persisti neste grupo, era o “amigos do verde” e deu muito mais certo. Eu fiz um blog a partir deste grupo, o blog precisava colocar conteúdo para as pessoas terem interesse na conservação do meio ambiente. Conforme minhas pesquisas, em minha cidade havia uma floresta nativa da qual não existe mais. Aí eu: “Nossa, como assim? Existia uma floresta linda aqui e eu não estou vendo? Cadê isso? Eu preciso fazer alguma coisa”. E aí começou meu interesse. Eu fui atrás de uma paisagista e ela me ajudou a pedir sementes pela internet e agora este grupinho está virando uma ONG, está em processo de registro, e tudo por causa de uma brincadeira de escola.

Este trecho delimita uma nova fase da sua ação, pois foi origem da sua motivação a fazer um blog e mais tarde uma ONG, em que ele acaba por se conectar nas redes sociais com outras pessoas e que mais tarde forneceram sementes, trocaram informações e ele pôde aprimorar sua prática.

A ONG também parece ser um parâmetro de avaliação de sua produtividade, pois, através do seu trabalho exposto, dá dicas, troca informações, deixa sua mensagem e seu legado e potencialmente termina por inspirar outras pessoas por ali. Em um trecho, contextualmente, podemos ainda compreender a magnitude de sua produtividade, examinemos:

Então conforme eu plantei 800 mudas, apareceu uma praga na minha casa e destruiu a maior parte. Era uma praga que destruiu as mudas de baixo para cima, então não tinha como tratar, eu não sabia como tratar. E aí destruiu a maior parte, ficou 300 mudas.

Embora não haja no decorrer da História Oral dados atualizados de quantas mudas ou quantas árvores tenha plantado, e mesmo que não estejamos valorizando-os pela quantidade de árvores plantadas, e sim pela prática, há uma noção que de fato existe uma produção grande. Aliado ao fator ONG, vemos que a produtividade deste plantador é desde a produção em grande escala de mudas, pela satisfação de fazê-las e recuperar seu espaço, até a troca de saberes e inspirações recíprocas que ele faz na internet.

A internet se mostra uma ferramenta importante para a prática. Ela permite a conexão de pessoas de diversas localidades e no caso dos plantadores parece aglutiná-los, permitindo, assim, a troca de experiências e saberes.

Outra reflexão que nos parece pertinente é que à medida que a idade aumenta, aumenta conjuntamente a importância dos saberes e fazeres ligados ao ato de plantar, caso dos plantadores 2, 3 e 4. Pensamos que isso se deva ao fato de os saberes populares serem frutos da imitação, da prática do dia a dia e da empiria, adquiridos quando esses plantadores moravam no campo. Esse resultado encontra consonância com aquele encontrado em Ribeiro (2018), vide seção 2, na qual, ele dizia ter encontrado também correlações entre a vida no campo e o ato de plantar. Nos plantadores mais jovens, caso dos plantadores 1, 5 e 6, nos parece prevalecer a conexão e ligação com a natureza e o sentimento de utopia de querer melhorar o mundo onde vivem.

Pensamos que as questões de pertencimento e saberes e fazeres possuem correlações, pois o sentimento de pertencimento tem a ver com se sentir parte de um território e se ver inserido, e não à margem, tendo saberes e culturas respeitadas e valorizadas.

Acreditamos que o perfil traçado a partir das motivações centrais dos plantadores apontem de fato indícios que há correlações entre ambos. A seguir, vamos aprofundar mais nas questões, pois há outros indícios fora da motivação central, espontaneamente apontadas, que merecem atenção para melhor entendimento.