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4. Percurso Metodológico da pesquisa de campo

4.3 A identificação dos atores e o proceder da entrevista

Para proceder quanto à identificação desses atores, inicialmente utilizamos um caminho que foi sempre revisto no decorrer do trabalho.

A intenção inicial foi de identificar protagonistas a partir dos membros de uma comunidade virtual na rede social Face book denominada “Plantadores de Árvores”, criada em 2014 e mantida pela equipe do projeto maior ao qual se relaciona essa proposta de investigação, para sondagem sobre os possíveis atores sociais de interesse. Importante destacar que não necessariamente esses atores participavam das comunidades virtuais, mas puderam também ser por meio delas identificados a partir da indicação de outros membros. Optamos, depois, por trabalhar também com pessoas que se destacavam por suas práticas de plantio de árvores em espaços de circulação da equipe do projeto.

Para definir com quem faríamos contato, buscando um grupo diversificado para participar da pesquisa, estabelecemos alguns critérios para selecionar os possíveis colaboradores.

O primeiro deles foi relacionado ao local de moradia dos plantadores. Procuramos identificar plantadores que se destacavam pela sua prática em uma cidade de pequeno porte (até 50 mil habitantes), uma de médio porte (até 250 mil habitantes) e em regiões metropolitanas. Assim, por conveniência, selecionamos pessoas residentes em Monte Alto, São Carlos, e Grande São Paulo, em um eixo partindo de uma cidade paulista mais do interior até a capital. A intenção, neste caso, foi a de tentar perceber se os elementos motivacionais, saberes e fazeres se alteravam de acordo com o tamanho da cidade.

Uma possibilidade é a de que o acess/o a saberes e fazeres torna-se mais globalizado quando as cidades se tornam maiores. Em contrapartida, em cidades menores, espera-se que saberes e fazeres populares, bem como um sentimento de pertencimento à cultura, estejam mais preservados.

Um outro critério foi a questão da idade que pensamos que poderia se constituir como um fator preponderante: plantadores mais experientes podem ter mais saberes pautados na prática e na imitação, enquanto jovens podem ter graus mais elevados de idealismo e pertencimento. Buscamos trabalhar, então, com jovens, adultos e idosos.

A partir disso, realizamos entrevistas com seis plantadores. Na seção seguinte explicitaremos como cada um deles foi selecionado, caracterizando-os.

Aqui, como aspecto mais geral dos procedimentos, cabe ainda discorrer sobre a dinâmica das entrevistas.

Segundo Garnica (2011), na ocorrência da entrevista, deve-se explicitar ao entrevistado quanto aos objetivos de pesquisa e também o conteúdo que será perguntado.

A fluidez da conversa é promovida através do diálogo, sendo uma relação totalmente horizontal entre pesquisador e o entrevistado. Muitas vezes ocorre, inclusive, que o entrevistado explique ou ensine a respeito do assunto ao pesquisador (GARNICA, 2011), de tal modo que a História Oral assume um caráter emancipador, colocando ambos os sujeitos em pé de igualdade. Antes marginalizado, agora o entrevistado é agente da pesquisa.

Segundo Garnica (2011, p. 74), os melhores diálogos são aqueles em que o pesquisador interage fortemente com o entrevistado “complementando ou valorando as experiências que este esteja descrevendo”. Ainda para Garnica (2011), toda forma é válida para permitir um diálogo rico, desde mostrar fotografias, documentos, outras narrações, no sentido de deixar tanto pesquisador e entrevistado mais à vontade da ocorrência da entrevista e promover a rememoração, vencendo o constrangimento inicial natural.

Na perspectiva das histórias orais, além destes elementos, Freitas (2006) aponta que se deve tomar cuidado para não interferir na fala daquele que narrará suas histórias de vida, emitir julgamentos de valores, discordar dos fatos e nem interrompê-lo.

Seguindo as recomendações da autora, tivemos o cuidado de entrevistar as pessoas em locais onde se sentiam à vontade, e que estimulassem as suas lembranças. Meihy (2002) lembra que por ser um processo de rememoração, logo eminentemente dinâmico, a História Oral é permeada por distorções, planificações, mentiras e esquecimentos que levam a outra característica importante: ateremos em busca de experiências e impressões destes atores, e não de uma verdade objetiva.

Sobre estas questões, em nossa investigação buscamos sempre que possível não direcionar e induzir as respostas, apenas apresentando à pesquisa, as questões investigadas e alguns elementos a fim de estimular a rememoração. Durante a entrevista, no entanto, caso o entrevistado tivesse dificuldade de contar histórias, seja por timidez ou por falta de memória, ou ainda, em caso de fuga do tema, usamos do artifício de fazer pequenos diálogos para que pudessem estimular um diálogo mais fluido.

Na etapa posterior às entrevistas, procedemos às transcrições, que segundo Meihy (2002), podem ser literais ou transcriadas. Buscando não alterar substancialmente o teor daquilo que foi narrado pelos entrevistados, adotaremos a transcrição literal. As intervenções serão apenas no sentido “de alterar palavras repetidas ou retificadas pelos entrevistados”, conforme sugere Freitas (2006, p.67).

O transcritor deve interferir o mínimo possível no material oral, registrando todo e qualquer tipo de informação. O silêncio deve ser devidamente registrado, mas com cuidado de não poluir o texto. Pausas curtas, por exemplo, são bem registradas apenas com a pontuação. Apenas pausas maiores devem merecer esta atenção e ser interpretada. Isso pode ser evidência de que o entrevistado pudesse ter se emocionado ou estivesse pensando (ALBERTI, 2004).

Risos são bons marcadores para evidenciar o clima em que sucede a entrevista; uma emoção também pode ser muito significativa em um relato de História Oral, demonstrando satisfação, uma memória boa e tantos outros sentimentos (ALBERTI, 2004).

Emoções tal como lágrimas também merecem registro, pelas mesmas razões que os risos, ou seja, para evidenciar a emoção trazida pelo depoente ao tratar o assunto que está contando. Aliado às anotações de campo, que devem conter aquilo que o pesquisador julgar

relevante, é possível interpretar o contexto das emoções, conferindo fidelidade àquilo que está se relatando (ALBERTI, 2004).

Trechos incompletos são uma marca muito comum em relatos orais, que devem ser acompanhados por reticências. Outra consideração que merece destaque quanto às reticências são os falsos começos, trechos estes em que a pessoa fala uma oralidade e muda repentinamente o sentido frase (ALBERTI, 2004).

Alberti (2004) recomenda a transcrição e conferência do conteúdo após pouco tempo da realização da entrevista, para que o pesquisador possa, com sua memória e suas anotações, dar sentido a tudo aquilo que foi relato, trazendo o contexto e o porquê de tudo que foi dito. Pesquisas paralelas são essenciais para dentre outras coisas, solucionar dúvidas, conferir a correção de nomes próprios, esclarecer passagens obscuras, erros de conteúdo, siglas entre outras. Esses movimentos fizeram parte do nosso trabalho.

Algumas das transcriações aceitas são no sentido de enriquecer o material, mas o cuidado a ser tomado é de jamais alterar o sentido daquilo que foi relatado. Até mesmo inversões de palavras podem alterar completamente o sentido. As principais adequações sugeridas por Alberti (2004) dizem respeito primordialmente à inserção de notas explicativas, que devem ser feita nos seguintes casos:

a) Quando o entrevistado segue um raciocínio de uma pergunta anterior e não responde a pergunta atual. Convém neste caso redigir a sua resposta e inserir uma nota explicativa de que a resposta dada seguia raciocínio anterior, ou então suprimir a pergunta feita que não obteve resposta.

b) Quando o entrevistado concorda com a cabeça ou faz gestos, obviamente isto não é captado no áudio, portanto, deve ser feita uma nota.

c) Quando ocorrem eventos ou circunstâncias durante a entrevista que não possam ser entendidas oralmente, devem ser explicadas. Exemplo disto é um depoente apontar para uma determinada planta para explicar como fez o seu plantio, necessitando que se insira uma explicação de que neste instante houve tal evento.

d) Quando se muda a tonalidade da voz para dar ênfase, ou fazer imitações. O texto escrito perde esta riqueza, que deve ser resgatada na forma de notas.

e) Retificar pequenos equívocos quando o entrevistado diz uma palavra que é certamente percebida pelo contexto que gostaria de dizer outra, mas na hora da fluidez oral se equivocou, como por exemplo, erros de concordância, erros de terminologia, e outros. Então tal contexto deve ser resgatado.

f) Interrupções muito longas na gravação devem explicar o que levou a tal evento. Por exemplo, quando o entrevistado pede para desligar o gravador para relatar um assunto delicado que merece discussão quanto à publicação ou não do teor.

Muito comum quando na ocasião da passagem da gravação oral para escrita é haver trechos inaudíveis, ou seja, que não é possível entender ou ouvir. Neste caso, sugere-se que se escreva “[inaudível]” e não se tente jamais substituir aquele trecho por uma invenção, caso contrário se estará interferindo no texto, e ocasionando prejuízos de fidelidade. É imprescindível utilizar bons gravadores, evitar falar junto com outra pessoa e ter precisão na transcrição para evitar o uso do recurso do inaudível, pois ele representa um trecho que não será possível extrair interpretações (ALBERTI, 2004).

Alberti (2004) indica, entretanto, que se o pesquisador puder contornar o problema, deve fazê-lo. Por exemplo, quando se tem quase certeza de ter entendido o que o entrevistado quis dizer, ou a memória do pesquisar estiver recente e ele puder complementar, então se coloca esta palavra entre colchetes e insere uma nota ao leitor dizendo que a memória do pesquisador permite lembrar que era a palavra em destaque. Isso é válido apenas quando se tem quase certeza de que a palavra é aquela, jamais devendo, portanto inventar palavras. Nos seus dizeres, Alberti (2004) diz que em casos de frases descendentes, que ocorrem quando a pessoa está fazendo uma longa exposição e ao final da frase diz algo em baixo som, quase inaudível, é preferível usar reticências, pois a palavra é quase irrelevante para indicar uma ruptura drástica, como é o recurso do inaudível.

Outro destaque é quando o pesquisado ou pesquisador preferem tratar um trecho com o gravador desligado. Neste caso, para efeitos de transcrição, deve-se indicar que a entrevista foi interrompida (ALBERTI, 2004), sendo fiel ao conteúdo e à cronologia da entrevista.

O caso quando o entrevistado se autocorrige é conveniente suprimir as palavras corrigidas, para não dar noções errôneas e ambíguas. Não é entendido como uma violação quanto à fidelidade, pois o próprio depoente se corrigiu, indicando o sentido correto (ALBERTI, 2004).

No que tange à pontuação, se trata do ponto mais problemático da passagem do oral para o escrito, pois, interferências do transcritor alterarão totalmente o sentido do depoimento. Deve-se utilizar das anotações e lembranças do contexto para saber efetivamente o que o entrevistado quis dizer para adequar à pontuação (ALBERTI, 2004).

A última etapa de transcrição é o copidesque, cuja finalidade é a correção da linguagem, que para Alberti (2004), deve manter a ordem das perguntas e respostas, as categorias e as notas e indicações que se sucederam na transcrição. É lícito que se corrija apenas a redação e às normas gramaticais, como a pontuação, tornando o texto adequado para leitura em norma culta (ALBERTI, 2004).

Algumas supressões podem ser feitas, no intuito jamais de alterar o sentido, mas burilar a linguagem. Neste sentido, são aceitos que se suprimam palavras repetidas, sons isolados destoados do sentido, cacoetes da linguagem, como “né, sabe, tipo”, interrupções provocadas pelo entrevistador, perguntas repetidas, vocábulo “que” repetido, expressões de acompanhamento do entrevistador, como “hum, sei”, no entanto, expressões de espanto que são relevantes para interpretação do contexto não devem ser suprimidas e outras supressões que possam permitir melhor fluidez na leitura, mas não alterando o sentido (ALBERTI, 2004).

Podem ser feitos pequenos acréscimos de artigos, pronomes ou outras palavras que permitam uma melhor fluência, sempre levando em conta o critério de jamais mudar o sentido do depoimento (ALBERTI, 2004).

Em relação à transcrição e em observância a estas recomendações, procedemos objetivando modificar o mínimo possível a história relatada. Para atribuir anonimato, conferimos aos entrevistados números (1, 2, 3, 4, 5 e 6). Além disto, retiramos apenas palavras repetidas, ou cacoetes de linguagem para tornar o texto mais fluido, mantendo fidedignas as manifestações de emoções, risos, pausas e tudo que pudesse enriquecer a oralidade. A seguir, na textualização, eventualmente realizamos inserções de notas explicativas que couberam dentre as recomendações de Alberti (2004). Risos e silêncios foram transcritos como uma marca para o entendimento do estado emocional do entrevistado. Posterior à transcrição, inicia-se a etapa mais importante no que tange à análise, que é textualização. A transcrição é um processo árduo, na qual o pesquisador traduz a oralidade para forma escrita, para poder proceder a análise. A textualização é uma etapa menos técnica, logo mais interpretativa que a fase de transcrição, uma vez que não há um

software capaz de analisar e interpretar as etapas inerentes à atividade humana (GARNICA,

2011).

Segundo Garnica (2011), a textualização pode ser realizada de diferentes modos, seja desde um que preconiza o mínimo de interferência, apenas eliminando marcas de

oralidade, e vícios de linguagem, tornando a leitura mais fluida, até modos mais subjetivos, como o pesquisador organizar subtítulos de acordo com os objetivos de análise. Evidentemente, esse processo requer uma etapa de análise, pois a interpretação do pesquisador, de acordo com seus objetivos, já está impregnada em seu olhar.

Ainda para Garnica (2011), pode-se construir uma História Oral textualizada a partir da transformação da transcrição em uma narrativa, ou ainda, proceder na inserção de subtítulos de interesse do pesquisador no próprio texto transcrito.

Em nossa pesquisa, realizamos a textualização em forma de narrativa individual para cada plantador, apenas retirando as oralidades e dando fluência, coerência e coesão ao texto e inserindo subtítulos a fim de organizar melhor o conteúdo textualizado, facilitando a análise do mesmo.

Vale ressaltar que as entrevistas foram transcritas e textualizadas quase sempre no mesmo dia da entrevista, para que os resultados pudessem ser cruzados com a memória nossa, bem como nas nossas anotações de campo.

Os pontos mais importantes selecionados para discussão e critérios de análise foram emersos a posteriori. Os aspectos analisados incidiram sobre o que leva as pessoas a realizar práticas de plantio de árvores, a motivação para a prática, se há alguma tradição familiar envolvida, se tais saberes são passados de geração em geração, etc. Pensamos que seria uma forma melhor esboçar os principais destaques após todas as narrativas. Isto porque os pontos foram emersos tal como temas principais das narrativas vistas em conjunto à luz de nosso referencial. Assim sendo, pode haver narrativas contidas em diferentes pontos de reflexão, pois pode ser que pontos de destaque diferentes foram apontados pelo mesmo plantador.

A seguir, na próxima seção, procederemos à caracterização dos atores entrevistados, bem como apresentaremos as histórias orais individuais, seus pontos importantes e suas discussões.

5. Elementos motivacionais, saberes e fazeres relacionados a práticas de