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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ FERNANDO BOTTO LAMÓGLIA O HUMOR COMO DESAFIO NO AMBIENTE EDUCACIONAL

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FERNANDO BOTTO LAMÓGLIA

O HUMOR COMO DESAFIO NO AMBIENTE EDUCACIONAL

Curitiba 2019

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O HUMOR COMO DESAFIO NO AMBIENTE EDUCACIONAL

Tese apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em educação stricto sensu, em nível de Doutorado, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Orientador: Professor Doutor Lindomar Wessler Boneti

Curitiba 2019

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Lamóglia. Sua despedida recente, entre risos e lágrimas, me ensinou, com a sabedoria do tempo, a importância do melhor momento de toda a minha vida: o aqui-e-agora. Dedico esse trabalho também à minha mãe, Edy Maria, guardiã da serenidade, do amor incondicional e graciosa provedora do refúgio de um inesquecível e sempre presente colo que acolhe.

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Agradeço a todos os professores que contribuíram para que esse trabalho fosse construído. Foram muitos. Mas, desde os tempos da alfabetização, alguns trouxeram doses raras de conhecimento e de incentivo aos quais presto essa reverência.

Ao meu orientador, professor Lindomar Wessler Boneti, a quem admiro por todo o seu trabalho, postura e caráter.

Aos professores Araci da Luz, Cloves Amorim, Evelyn Orlando e Regina Bley, que aceitaram o convite de compor a minha banca de qualificação e se mostraram verdadeiros educadores ao trazer suas profundas contribuições de modo motivador, imbuídos de uma legítima humildade acadêmica, com o ideal de disponibilizarem seus saberes a serviço da ciência.

À Solange Helena Corrêa, criatura absolutamente fantástica, secretária acadêmica do PPGE da PUC-PR.

Aos educadores que contribuíram como incentivadores nessa trajetória acadêmica, Ana Paula Mello Peixoto, Denise Ferreira, José Maria Lima Torrado, Maria José Belli.

Aos colegas de humor Diogo Portugal, Paulo Graton e Michel Elias. O Michel, vulgo Felipinho, certa vez fez uma apresentação de comédia em pé particular para meu pai já enfermo, na casa dele, período em que ele atravessava áridas sessões de quimioterapia. As risadas que papai deu naquele dia são inesquecíveis para mim. Aos amigos Newton, Jackson, Rogério, Abílio, Eliseu, Nilo, Raphael e Sanches, que nem são tão grande coisa assim, mas é o que eu tenho pra hoje.

Às mulheres que fazem parte da minha vida: Denise, Luciane, Ana Lúcia, Silvia, Amanda, Natália, Marina e Mariana.

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As relações entre o humor e a escola na perspectiva docente foram o ponto de partida dessa investigação. Neste trabalho é defendida a tese de que o humor a liberdade no convívio social, promovendo assim distintas identificações de individualidades, construídas no âmbito das relações sociais no ambiente educacional. Para tanto, cinco caminhos foram trilhados. O primeiro deles parte do meu histórico pessoal enquanto aluno e docente que construíram um olhar acerca das aproximações e distanciamentos entre humor e educação. O segundo caminho consistiu em descrever a evolução histórica de como o humor é filosoficamente concebido. Em seguida, buscou-se verificar como as políticas públicas educacionais se situam na formação para a cidadania, considerando que o humor se insere no âmbito da liberdade de expressão. No quarto caminho, foram estudadas as possibilidades construtivas do emprego do humor na educação a partir de referenciais da Psicologia e da Neurociência. Completam os caminhos percorridos as entrevistas com seis docentes a fim de compreender o fenômeno a partir de seus olhares. Foram constatados encontros e desencontros relativos ao aproveitamento do humor na educação: a legislação ampara tal possibilidade; contudo, as experiências pessoais que tive informavam a existência de clima de opressão à expressão do humor na escola, ao mesmo tempo em que também sugeriam possibilidades benéficas, se estas ferramentas fossem bem utilizadas. Diversos estudos atestam resultados positivos do humor na aprendizagem, no clima escolar e na socialização. Com o apoio do programa IRAMUTEQ, constatou-se que os docentes entrevistados se mostram favoráveis ao humor no ambiente escolar; no entanto, revelou que eles não se sentem suficientemente confiantes para lidar com o humor, para manejá-lo como uma produtiva e saudável ferramenta em sala de aula. A institucionalidade da escola privilegia a seriedade do mundo do trabalho em detrimento das emoções do mundo da vida. Essa questão é abordada a partir de uma visão multidisciplinar, que conta com os seguintes referenciais teóricos: Marshall (1967), Gadotti (2000), Boneti (2018), Freire (1996) e Carvalho (2002). Nas Teorias do Humor, diversos autores nos forneceram fundamentação, entre eles: Morreall (1999), Bergson (1983), Hobbes (1651) e Freud (1900). Ocorre que o docente carece de método para aproveitar esse recurso na escola, − e isso indica um desafio: o de se proporcionar a ele uma adequada formação com vistas a propiciar um uso produtivo, saudável e benéfico do humor em sala de aula.

Palavras-chave: Teoria do humor. Riso na escola. Humor e aprendizagem. Benefícios do humor na escola. Sociologia da educação.

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. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Quadro 1 — Base Nacional Comum Curricular 34

Quadro 2 — Participantes de pesquisa 35

Quadro 3 — Teorias do Humor 54

Quadro 4 — Principais ocorrências da cidadania na Constituição Federal de

1988 59

Quadro 5 — Principais ocorrências de cidadania na LDBEN/1996 59 Quadro 6 — Cidadania no PCN/1997, PNE/2014 e BNCC/2017 60 Quadro 7 — Ocorrências dos vocábulos "cidadania" e "trabalho" 87 Quadro 8 — Humor na escola: algumas possíveis finalidades 104

Quadro 9 — Conceito de emoção 110

Quadro 10 — Grupos de classes 128

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. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Figura 1 — Por que o humor não é levado a sério? 19

Figura 2 — Humor, mundo da vida e mundo do trabalho 25

Figura 3 — Correlação entre prêmios Nobel per capita por países e consumo de

chocolate 122

Figura 4 — Dendograma das classes da análise textual das entrevistas dos

docentes 125

Figura 5 — Principais palavras empregadas em cada classe 126

Figura 6 — Filograma 127

Figura 7 — Clusters por escore Pearson da classe 6 131

Figura 8 — Nuvem de palavras 133

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ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade

AT Análise Textual

ATD Análise Textual Discursiva

BNCC/2017 Base Nacional Comum Curricular de 2017 CF/1988 Constituição Federal de 1988

CHD Classificação Hierárquica Descendente

LDBEN/1996 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 MMI Método de Mapeamento Icônico

PCN/1997 Parâmetros Curriculares Nacionais de 1997 PNE/2014 Plano Nacional de Educação de 2014

ST Segmentos de texto

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1 . . . 2 . . . 2.1 . . . 2.2 . . . 2.2.1 . . . 2.2.2 . . . 2.2.3 . . . 2.3 . . . 3 . . . 4 . . . 4.1 . . . 4.2 . . . 4.3 . . . 4.4 . . . 4.5 . . . 5 . . . 5.1 . . . 5.2 . . . 5.3 . . . 5.4 . . . 6 . . . . . . . . . . . . INTRODUÇÃO 11

OS MEANDROS DA PESQUISA: MÉTODO E METODOLOGIA 27

MÉTODO DE PESQUISA 30

PESQUISA EMPÍRICA E COLETA DE DADOS 32

Campo de análise e seleção do universo de pesquisa 33 Procedimento técnico da coleta de informações 36

Roteiro de entrevistas 36

ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES 37

TEORIAS DO HUMOR 39

HUMOR, LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL E CIDADANIA 58

LEGISLAÇÕES EDUCACIONAIS E CIDADANIA 58

CIDADANIA NA EDUCAÇÃO PÓS CF/1988 78

HUMOR E CIDADANIA EM JULGAMENTO 87

FORMAÇÃO PARA A CIDADANIA E PARA O TRABALHO 90

HUMOR NOS MONASTÉRIOS 99

HUMOR NA ESCOLA 104

HUMOR, EMOÇÃO E APRENDIZAGEM 108

HUMOR E SEUS BENEFÍCIOS NO AMBIENTE ESCOLAR 117

HUMOR: COGNIÇÃO E EMOÇÃO 119

ANÁLISE TEXTUAL 124

CONSIDERAÇÕES INDICATIVAS 137

REFERÊNCIAS 151

ANEXO A — JORNAL LEGAL, 1991 162

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1 INTRODUÇÃO

O humor é algo de elevada importância na vida, mas o tema não costuma ser levado a sério no sisudo meio escolar construído por uma multiplicidade de fatores, dentre eles as políticas públicas que trazem em seu bojo um discurso de cidadania e uma prática voltada para os interesses da racionalidade, a serviço do mundo do trabalho. A formação de cidadãos se apresenta de modo mais decorativo do que efetivo em projetos políticos pedagógicos de diversas instituições de ensino.Estas, na prática, contribuem para a manutenção de um sistema de distribuição injusta de vantagens numa inversão perversa de valores que delineia, cada vez com contornos mais evidentes, a promessa do compromisso com a cidadania e a prática voltada aos interesses do mundo do trabalho.

O humor e a cidadania se relacionam pela perspectiva da liberdade de expressão, que é o primeiro dos direitos a serem suprimidos em regimes de governo autoritários. Considerada a formação para a cidadania um dos objetivos da educação, − e o humor enquanto uma forma de expressão cidadã −, tem-se o fortalecimento da democracia quando o saber escolar representa tais valores.

O saber escolar, nesta tese, é compreendido como um conjunto de conhecimentos que faz parte da cultura geral da sociedade e que são escolhidos para compor os currículos escolares. Tanto a seleção desses conhecimentos, quanto a organização desses no formato de disciplinas, ocorrem de acordo com os objetivos educacionais que são dados pelas políticas públicas educacionais. Ainda que se empenhem esforços para que a organização curricular expresse o que está no contexto social, isso se dá de modo bastante complexo, num contexto de lutas de classes cujo resultado pode reproduzir uma lógica subjacente da classe dominante, como propõe Bourdieu (2001). Além disso, no contexto analisado, como ressalta Boneti (2018), tal organização cumpre os propósitos da racionalidade moderna. Chervel (1990, p.222) considera, com um tom satírico, que as disciplinas escolares “são o preço que a sociedade deve pagar à sua cultura para poder transmiti-la no contexto da escola ou do colégio."

Neste cenário, é verificada a supressão gradativa da responsabilidade da escola em se comprometer com a formação para a cidadania e de empenhar seus esforços para promover uma crescente qualificação profissional. Na escola, o mundo do trabalho parece preponderar sobre o mundo da vida. A qualidade humana de vivenciar e de expressar emoções perde importância nos indicadores de desempenho escolar. Tudo o que prejudica a imposição da ordem desejada pela escola tem sua importância relativizada.

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não é pacificada. A educadora Ana Rita Silva Almeida (1999), em sua obra "A emoção em sala de aula", considera que as emoções reduzem os processos cognitivos, dentre as quais está a alegria. A passagem a seguir mostra um olhar sobre a alegria, emoção típica do humor:

Das três emoções - medo, alegria, cólera -, parece que a alegria é a que menos traz danos para a atividade intelectual. Não negamos com isso a capacidade dessa emoção de reduzir a atividade intelectual; estamos apenas lembrando as ações que as emoções exercem sobre o indivíduo. (ALMEIDA, 1999, p.96)

A repressão emocional no ambiente escolar se dá em nome de uma manutenção da ordem, o que coaduna com os fundamentos da racionalidade. Sérgio Antônio da Silva Leite, considera o seguinte:

É possível reconhecer que, até o século XX, predominou a interpretação de que a razão deve predominar e controlar a emoção, o que seria possível pelo processo de desenvolvimento, no qual os mecanismos institucionais educacionais, com destaque para a família e para a escola, teriam um papel fundamental. (LEITE, 2008, p.17)

O humor, admitido enquanto uma ferramenta de comunicação, é uma das possibilidades de exercer o direito à liberdade de expressão no ambiente educacional. No entanto, dado o seu caráter muitas vezes questionador, contestatório e por vezes inconveniente e indesejável, acaba por cumprir também um papel perturbador, não sendo incomum o seu autor receber sanções disciplinares, pois a sala de aula é, em muitos lugares, ambiente de seriedade e de respeito. O humor também pode ter seriedade e ser respeitoso, e o seu uso pode ser benéfico na escola, ainda que este se dê meramente como contributo na construção do clima escolar.

O clima escolar saudável favorece a aprendizagem, e o humor tem um importante papel nessa relação. Por clima escolar, entende-se como algo “[...] favorável à aprendizagem, em que os professores e gestores são líderes animadores e em que a violência é substituída pela cultura da paz e pelo gosto de os alunos irem a uma instituição que atenda às suas necessidades.” (DOURADO, 2007, p. 10).

Dentre as suas possibilidades de aplicação no ambiente escolar, o humor traz uma ampla gama de perspectivas para interferir na construção de um clima escolar mais saudável, o que favorece a aprendizagem. Contudo, seu papel relativo à aprendizagem, antes de ofuscado coadjuvante, vem sendo investigado como protagonista em diversos estudos, entre os quais estão os realizados por SAMBRANI et al. (2014) e BAINS (2015).

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Alguns estudos que relacionam humor e educação serão abordados ao longo desse trabalho. Alguns deles, na área da educação e das ciências sociais e humanas, contribuíram para ampliar e para restringir os objetivos dessa tese de modo a verificar a originalidade necessária. Fazem parte dessa pesquisa a tese "Humor na sociedade contemporânea" defendida por Jerónimo (2015) e a de Lulkin (2007), que escreveu "O riso nas brechas do siso". Nesta última, o autor esclarece as duas perspectivas da sua tese, uma delas relativa à história e filosofia conforme a tradição ocidental, e a outra: "o bufão, valendo-se dos dispositivos do riso e da máscara, é o arquétipo que vem dialogar com o professor e acompanhar o processo pedagógico." (LULKIN, 2007, p.3)

Quem cresce com humor o leva para a vida. Na escola, alunos, funcionários e professores usam o humor em diversas situações e contextos. No entanto, a inexistência de uma formação docente voltada ao proveito dos benefícios do humor saudável em sala de aula se constitui num desafio que compreende as políticas públicas, o projeto da modernidade, a racionalidade cognitivo-instrumental, o saber escolar e a importância de uma compreensão mais profunda desse fenômeno no ambiente educacional. Boaventura de Souza Santos (1994, p.77) considera que a racionalidade cognitivo-instrumental possui "uma correspondência específica com o princípio do mercado", destacando a importância da individualidade e da concorrência no desenvolvimento da ciência e da técnica. É esse o conceito de racionalidade que será trabalhado ao longo da tese.

O presente estudo investiga o ambiente escolar, naquilo que ele é favorável e desfavorável à presença do humor e essa temática também se amplia para outros ambientes educacionais que vão além do escolar. O ambiente escolar é compreendido como a própria escola, e a sua institucionalidade, regras e normas, escritas ou não, influenciam os comportamentos que nela acontecem. O ambiente educacional é compreendido numa perspectiva mais ampla, que contempla também um espaço de atuação das políticas públicas que influenciam o ambiente escolar.

Nessa investigação nota-se que o aluno é afastado de seu preparo para o exercício da cidadania e é colocado diante de responsabilidades, cada vez mais precoces, de se alinhar ao mundo do trabalho. Para tanto, é feita uma uma análise das principais políticas públicas educacionais após a promulgação da Constituição Federal de 1988 com vistas a comparar a incidência das formações para a cidadania e para o trabalho no tempo.

A cidadania é um elo que conecta o aluno ao universo de sua autonomia e criticidade, características defendidas por Paulo Freire (1996). Esse elo, porém, parece sofrer de uma lenta e contínua corrosão na história da democracia brasileira. A escola muitas vezes se imbui de sua responsabilidade de preparar seus alunos

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para o mundo do trabalho de tal forma que acaba sendo um lugar em que se promove um gradativo distanciamento do mundo da vida. Nesse contexto, o humor enquanto possibilidade didática é subaproveitado, e a ausência de meios para operacionalizar as suas aplicações saudáveis, construtivas e desejáveis no ambiente escolar contribui para a manutenção da repressão institucional.

Com essas considerações iniciais, compartilho alguns dos eventos mais marcantes da minha trajetória de vida que contribuíram para despertar o interesse por pesquisar esse fascinante e instigante tema. As minhas primeiras experiências com o humor e sua repressão no ambiente escolar se deram na terceira série primária. De um lado, o mundo da vida, que minhas mais tenras lembranças remontam às alegres e divertidas brincadeiras do tio Gumercindo e as piadas de duplo sentido da vó Olinda, carinhosamente conhecida por “Lindoca”. A vó Lindoca inspirou, por sua irreverência e personalidade forte, um verbo absolutamente “apócrifo” na língua portuguesa: "Lindoquear". O verbo, não reconhecido pela norma padrão, era comentado secretamente em alguns meios restritos familiares. Ele tem a seguinte anotação no Dicionário Informal extraído da internet:

Lindoquear: Ato de desistir de adentrar num recinto por mero contato visual de algo ou de alguém que se lá se encontra.

[1] Dona Olinda decide visitar uma amiga, mas ao ver que naquela casa estava uma antiga desafeta, lindoqueou, ou seja, deu meia-volta sem dizer uma palavra sequer e foi embora.

[2] O estudante chegou na escola, mas ao notar que haveria uma prova para a qual não havia estudado, ainda na porta da sala, lindoqueou.

[3] O namorado deixou a namorada cedo em casa e foi para um baile para se divertir com os amigos. Ao chegar na entrada do clube, viu de relance a cunhada. Lindoqueou. (DICIONÁRIO INFORMAL, 2014)

A inserção desse excerto curiosamente foi feita por mim, em 2014, como forma de manter vivo um legado da vovó. Minha mãe escreveu um livro de receitas que a vó Lindoca fazia, e eu consignei esse fato pitoresco que era transmitido pela tradição oral. Mas quando cheguei no terceiro ano primário da escola, o mundo da vida não entrava no colégio: era barrado no portão. As brincadeiras que eu fazia passaram a ser penalizadas pelas autoridades e notei que a escola não era exatamente um lugar para ser divertido.

No segundo ano do ensino médio, no ano de 1991, junto de três colegas, um dos quais ilustrador, outro que usava um incipiente editor de textos para ser impresso numa barulhenta impressora matricial, e outro de criação, fizemos o Jornal Legal (Anexo 1), com a referência Lamóglia, Omune e Serafim (1991). O periódico datilografado por Bárbara Kirchner, de quatro edições, satirizava a tudo e a todos. O "jornalzinho" era vendido para os colegas da turma e nele havia piadas preconceituosas feitas com colegas de turma, caricaturas diversas e textos engraçados. Um dos professores, o Marcos, da disciplina de História, se ofereceu

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gentilmente para publicar um texto, o qual levou o nome “Impeachment já!”, pois vivíamos o período da era Collor. Outro professor, Alexandre, de Biologia, publicou um "cruza-palavras", cuja palavra central formada era nada menos do que "impeachment".

Naquele ano, empolgado com a possibilidade de estar mais próximo do humor, de modo ousado finalizei uma redação com uma anedota. Habitualmente, eu recebia boas notas em redação. Naquele dia, porém, o professor atribuiu um horroroso quatro ao meu texto e ainda completou, com caneta vermelha: “Piada de salão!!!”. Aquilo me desapontou. Talvez aquela fosse uma oportunidade para me apresentar alguns autores que escreveram humor: Machado de Assis, Veríssimo, Rubem Fonseca e tantos outros, mas não: apenas uma punição seca por usar o humor em algo sério, que era a redação produzida no ambiente escolar.

O fato é que nunca deixei o humor de lado. Em Botto (2003, 2010), publiquei os livro de contos de humor Alho Cebola e Beijo na Boca e Fungos da Mongólia. Na educação, além de capítulos de livros, como o da obra Da universalidade à singularidade na ação educativa, organizada por Boneti, Pereira e Belli (2017), produção do grupo de estudos de Sociologia da Educação da PUCPR, publiquei as obras Ícones & Mapeamento Psicológico em Ferreira e Lamóglia (2017) e Recursos Humanos em Projetos (LAMÓGLIA & CASTRO NETO, 2015).

Mesmo no período de cinco anos que residi em Angola, onde atuei como educador, fiz diversas publicações em jornais e revistas de circulação, no Brasil e em Angola, que constituíram uma trajetória no humor na qual sempre me mantive produtivo. No campo científico tive o privilégio de publicar dois artigos científicos em revistas. Um dos artigos científicos escritos em coautoria com o meu orientador de doutorado, professor doutor Lindomar Wessler Boneti, foi publicado na revista Psicologia Argumento, com o título "O humor na escola", Boneti e Lamóglia (2018,a), e outro aceito na revista Perspectivas em Diálogo: Revista de educação e sociedade, sob título "O preceito da cidadania nas políticas públicas no Brasil" (BONETI; LAMÓGLIA, 2018, b). Dentro das criações de humor, também se inserem nas minhas contribuições profissionais a criação de roteiros de comédia para comediantes de expressão nacional, que contam as piadas em teatros, internet e televisão.

Enquanto educador, sempre busquei utilizar o humor nas aulas, tanto como descontração quanto recurso técnico didático. Tive a primeira experiência enquanto professor em 1995, lecionando a disciplina de Química em cursos pré-vestibular, ambiente propício para aliviar a tensão e empregar técnicas de memorização possibilitadas pelo humor. Até mesmo na clínica da Psicologia, minha segunda graduação, procuro empregar o humor, e ele proporciona um ambiente agradável

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para se lidar com situações da vida. Considero a psicoterapia uma forma de educação, voltada à arte e à ciência do autoconhecimento. Como diretor de ensino de uma escola informal voltada à educação emocional de crianças, jovens e adultos, presenciei o encantamento que a gestão das emoções é capaz de promover, ao invocar Rubem Alves, transformando a sala de aula num caldeirão de feitiçaria.

Recentemente, passei a aplicar o humor enquanto método num curso que ensina oratória, com o nome de "Humoratória". Mas, em meio a tantos caminhos e descaminhos, aquelas repressões escolares sempre me acompanharam, e hoje tenho a oportunidade de estudar modos de contribuir para que o humor seja melhor aproveitado em sala de aula e que as “piadas de salão” sejam encaradas como desafiadoras possibilidades de desenvolvimento das potencialidades dos alunos.

Em tempo, as pesquisas efetuadas no mestrado em Educação proporcionaram uma oportunidade que tive de amadurecer não apenas como aluno, mas enquanto pessoa, por meio dos consistentes e agradáveis ensinamentos oriundos da minha orientadora à época, professora doutora Maria de Lourdes Gisi. No mestrado, busquei compreender a concepção de cidadania presente em docentes e discentes do ensino superior num estudo de caso, o que sempre me trouxe inquietação referente à construção da cidadania. Esse interesse de pesquisa também contou com experiências junto à Comissão de Recursos Humanos e Cidadania da OAB-PR, da qual fiz parte. Humor, cidadania e educação se mostraram temas sempre presentes na minha trajetória.

O humor é considerado nesta tese como uma legítima forma de exercer a liberdade de expressão, direito relativo à cidadania, e de desenvolver a autonomia, a criticidade e a sociabilidade, fundamentais para a vida e de elevado interesse para a escola. O convívio social mencionado é favorecido por vínculos afetivos, que também são desenvolvidos no ambiente escolar. Ao se negar o acesso a uma educação que estimula a autonomia, reforçam-se os preconceitos e as intolerâncias. Freire (1996, p.12), defende que “A prática preconceituosa de raça, de classe, de gênero, ofende a substantividade do ser humano e nega radicalmente a democracia.”

A manifestação do humor fortalece a democracia, pois a sua expressão somente é possível em ambientes em que se admite a pluralidade. A seriedade é típica dos regimes autoritários, que não medem esforços na tentativa de controlar a expressão do humor, assim como da arte. Um Estado que garante o exercício do humor, garante a sua democracia. O riso livre somente é possível quando este é garantido numa construção que o considere como parte importante do ambiente escolar, lugar onde se ensina o exercício da cidadania.

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parece ser a mais aguardada manifestação interativa comunicacional quando as pessoas estão diante de um bebê. “Dá uma risadinha?” – imploram os pais, vizinhos e desconhecidos no supermercado quando diante de um recém-nascido. O riso e o sorriso também fazem parte do humor, tema abordado na obra da psicóloga e educadora Emma Otta (1994). No entanto, o mesmo riso que é ensinado, praticado e incentivado na infância, ganha contornos de repressão ao longo da vida, principalmente por parte da escola, como é abordado nessa tese.

Diante das inesgotáveis definições de humor, neste trabalho entende-se que ele contempla não apenas o riso, mas a sua expressão objetiva e subjetiva. Isso traz em si razão e emoção, e se dá por meio da comunicação verbal e/ou não-verbal (seja oral, escrita ou por sinais) de situações consideradas cômicas do mundo da vida − criadas, recriadas e narradas no âmbito das relações sociais, em contextos socioculturais distintos.

O humor se situa confortavelmente no mundo da vida, pois humor é emoção, e a vida é feita de emoções. O jargão que remete a um lugar comum traz em si a provocação de que a escola deveria educar para se viver com mais alegria, mas o que é preconizado pelas políticas públicas educacionais parece reforçar um distanciamento dos educandos do mundo da vida, para imprimir um compressor modelo de competição predatória que interessa a um modo de produção capitalista o qual se beneficia de uma formação educacional de pessoas que se tornem úteis ao mundo do trabalho.

Esse movimento é observado quando se analisam as principais legislações educacionais posteriores à Constituição Federal de 1988, que fixou como objetivos da educação o pleno desenvolvimento da pessoa, a formação para o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. Discute-se o fato de que essa ordem impõe uma lógica a ser observada, como defende o jurista Ruy Barbosa (1955). Para ele, deve ser considerada nas políticas públicas educacionais a prevalência de uma formação cidadã propiciada no ambiente escolar que também qualifica para o trabalho, em vez de uma formação de trabalhadores que tenham algum traço de cidadania em seu período de passagem escolar.

Por mais que a ciência avance em suas empreitadas de desvendar o mistério da vida e tudo aquilo que lhe diz respeito, existem certos questionamentos que, paradoxalmente, ao invés de serem convertidos em sentenças afirmativas, instigam exponencialmente novas maneiras de olhar para o mesmo objeto, muitas vezes envoltas de certo desapontamento por descobrir que a verdade antiga sucumbiu e cedeu a sua posição a uma inquietante incerteza presente. É relativamente recente o interesse pelo humor no campo da ciência, embora o tema já seja tratado de alguma maneira desde os tempos de Platão e Aristóteles, como aponta Provine

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(2000). Pesquisas sobre a influência do humor na saúde e na aprendizagem têm atraído pesquisadores de diversos ramos do saber, dada a complexidade do tema não ser passível de ser analisada a partir de um único prisma. É preciso um olhar multi, inter e transdisciplinar sobre o tema.

A importância de se considerar o humor de modo mais estruturado e sistemático também se dá pelo fato de considerá-lo como importante componente emocional das relações que ocorrem no âmbito escolar:

Porque as emoções têm um efeito significativo na aprendizagem e porque a escolaridade é um processo emocional, há momentos em que alunos e professores precisam implementar a emoção estratégias de regulação em sala de aula (FRIED, 2011, p.7)1

Henao-Arias, Vanegas-Garcia e Marín-Rodríguez (2017) consideram a sala de aula um lugar das emoções, considerando-as fundamentais para a relação ensino-aprendizagem. Segundo eles, as emoções interferem na disposição do educador para ensinar e do aluno para aprender. Na sala de aula acontecem interações emocionais em que se recriam o amor, a amizade, o ódio e o ressentimento, entre outros. A dificuldade docente relativa às manifestações de humor no ambiente escolar é apontada por Almeida (1999, p.91): "Em geral, os professores demonstram ter dificuldades de lidar com as situações emotivas em sala de aula."

Torna-se essencial delimitar o foco desse estudo, que se refere ao ensino fundamental e médio. Porém, entende-se que esse fenômeno também pode ser levado em consideração em qualquer nível escolar, como o superior. Um dos critérios de escolha dos docentes entrevistados foi o de terem vivenciado a educação como educadores do ensino fundamental, médio e superior, além de possuírem experiência em pesquisa em suas áreas de atuação. Diante das considerações iniciais até aqui expostas, tem-se o seguinte problema de pesquisa: a partir de uma visão docente, como o humor é percebido no ambiente escolar, tendo em vista as políticas públicas educacionais, a cidadania e os estudos que relacionam o humor e a aprendizagem?

A figura adiante traz as considerações de que o humor faz parte do ambiente da escola, que tem o dever de preparar os estudantes para o mundo da vida. Há estudos que apontam para os usos benéficos do humor na educação, o que leva à provocação de se lançar outros olhares sobre o desafio do humor no ambiente educacional:

1 No original: "Because emotions have a significant effect on learning and because schooling is an emotional process, there are times when students and teachers need to implement emotion regulation strategies in the classroom." (FRIED, 2011, p.7)

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Figura 1 - Por que o humor não é levado a sério?

Fonte: Figura construída para embasar o problema de pesquisa (Lamóglia e Boneti, 2019)

O objetivo geral dessa tese é de analisar como o humor é percebido a partir de uma visão docente no ambiente escolar, levando-se em conta a formação para a cidadania, as práticas escolares e estudos que relacionam humor e aprendizagem. Assim, os objetivos específicos consistem em:

Verificar de que modo a cidadania vem sendo considerada nas políticas públicas educacionais quando comparada à formação educacional que visa o preparo para o mundo do trabalho;

Verificar se os docentes utilizam o humor em sala de aula com confiança e espontaneidade, tendo em vista os benefícios mencionados em estudos da neurociência e da aprendizagem.

A tese aqui defendida é a seguinte: o humor representa uma manifestação cidadã, concepção que emerge das contribuições teóricas sobre a cidadania estudadas. Entende-se que o humor expressa a cidadania na medida em que ele permite a autonomia do ser e manifesta a liberdade no convívio social, promovendo assim distintas identificações de individualidades, construídas no âmbito das relações sociais. No entanto, no ambiente escolar, frequentemente a manifestação do humor é reprimida e penalizada. Talvez por exceção, seja ele considerado como mera potencialidade da prática escolar. De modo geral, o professorado não sabe lidar de modo confiante e seguro com situações de humor em sala de aula. Carece de métodos adequados para manejá-lo como recurso. A dificuldade do emprego do humor em sala de aula decorre não apenas de situações individuais e/ou qualificação profissional do professorado. Antes de tudo, isso ocorre pela institucionalidade da escola, pelas suas normas e regras para as quais o saber racional, do qual a escola é comprometida a repassar, não costuma ser associado à

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expressão de emoções e sentimentos, como é o caso do humor.

A concepção de cidadania adotada nessa tese parte da definição clássica elaborada por Marshall (1967), que contempla os elementos: civil, ao considerar a liberdade de expressão; social, onde se insere o direito à educação, e político. No entanto, a cidadania vai além da concepção clássica proposta por Marshall. Ela também é valorizada ao se considerar o que Gadotti (2000) chamou de "cidadania planetária", dados os desafios de caráter global que a humanidade encontra em seu caminho na contemporaneidade. Completa a visão a importância de se construir uma cidadania que se volte para o mundo da vida, como propõem Boneti (2018) e Boaventura de Souza Santos (1989).

A repressão da expressão do humor no ambiente escolar aparenta possuir estreita relação com pressupostos da racionalidade moderna. Não é de hoje que o humor é visto como suspeito. Já na Idade Média, no ambiente religioso, como sinaliza Diel (2017), o humor e o riso eram reprimidos, como ocorria nos monastérios. Na Regra de São Bento, que orientou as atividades monásticas, o riso era severamente penalizado (BENTO, 2006).

Estudar o humor no ambiente educacional pelo prisma da sociologia da educação permite estabelecer relações dialéticas que aproximam diferentes áreas do saber, notadamente a Sociologia, a Educação, o Direito e a Psicologia. O fenômeno social estudado a partir de uma compreensão dos efeitos da modernidade e da racionalidade na educação é apresentado por Boneti (2018):

A sociologia da educação é marcada por um debate clássico o qual nasceu com a própria sociologia como ciência, dando conta dos fundamentos teóricos sociológicos da educação, mas tendo uma característica muito peculiar, aquela de se reportar aos fenômenos da modernidade e suas consequências como parâmetro. Isto é compreensível, a sociologia é uma ciência que tem origem na modernidade (BONETI, 2018, p.119).

Por modernidade, Bley (2017, p.30) destaca a dificuldade de se precisar temporal e conceitualmente o termo: "Se as inúmeras leituras desenvolvidas nos fazem pensar que não há consenso com relação aos períodos que marcam o início da modernidade, o mesmo ocorre com relação ao conceito."

Nesse estudo, a modernidade é compreendida no sentido proposto por Bley (2017) e Boneti (2018): como um projeto societário ocidental que objetiva um novo modelo civilizatório, que possui seu fundamento na razão em substituição ao pensamento estruturante teológico típico da sociedade feudal. Com esse projeto, a razão é apontada como meio para a libertação da humanidade de seus medos, da magia, do que era mitificado e das sombras.

O diálogo combate a intolerância. Não a soluciona, mas a gerencia. Os direitos de cidadania são direitos humanos por excelência, e a democracia é

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construída na liberdade de expressão. O humor, como ferramenta de comunicação e poderoso instrumento de crítica, é uma preciosa possibilidade de aproximar pessoas, de combater as distâncias culturais e de promover a cidadania. Aprender a lidar com as diferenças deve ser um papel desempenhado pela educação, com reconhecimento, empatia e diálogo:

Aceitar e respeitar a diferença é uma dessas virtudes sem o que a escuta não se pode dar. Se discrimino menino ou menina pobre, a menina ou o menino negro, o menino índio, a menina rica; se discrimino a mulher, a camponesa, a operária, não posso evidentemente escutá-las e se não as escuto, não posso falar com eles, mas a eles, de cima para baixo. Sobretudo, me proíbo entendê-los. Se me sinto superior ao diferente, não importa quem seja, recuso-me escutá-lo ou escutá-la. O diferente não é o outro a merecer respeito é um isto ou aquilo, destratável ou desprezível. (FREIRE, 1996, p.45)

Humor e riso não se confundem; no entanto, o riso é um indicativo de humor muitas vezes penalizado. A intolerância ao humor no ambiente escolar acaba por ser incondicional: se algo provoca o riso, costumeiramente o deflagrador é punido. Não se avalia com profundidade o humor, o seu propósito e os seus benefícios, pois parte-se da verdade dogmática de que o riso é desnecessário e seus efeitos são negativos. Por isso ele é combatido como efeito indesejável e incompactuável com a educação. No entanto, poucas alternativas parecem ser mais construtivas de relações do que rir junto. Bergson (1983, p.8) afirma: “Não desfrutaríamos o cômico se nos sentíssemos isolados. O riso parece precisar de eco.”

O riso socializa. A melhor parte do riso é rir junto. Ao se observar o humor por esse prisma, é inquietante a pergunta: mas será que todo o riso que socializa é um riso saudável? Eis um questionamento a ser enfrentado ao longo da tese, mas o senso comum nos conduz a avaliar que existem humores saudáveis e humores que não são saudáveis. E desde já se refere ao humor enquanto ferramenta de comunicação que possibilita a aprendizagem, o questionamento, a crítica e aumenta o interesse pela participação, capaz de contribuir produtivamente para o clima escolar.

O humor não expressa seriedade porque ele provoca o riso e este acaba sendo interpretado, muitas vezes, como antagônico da construção racional. O humor enquanto manifestação emocional é percebido em muitos ambientes como apenas um aliviador de tensões, embora possa também encerrar em si uma reflexão crítica, e até mesmo uma agressiva desqualificação de ideias e de pessoas.

Os indicativos de humor muitas vezes são visíveis, como ocorrem em conversas via aplicativos de mensagens, em que um discurso escrito vem acompanhado de um “kkkkk”. Essa mera indicação é capaz de “mudar uma chave” no cérebro do leitor e ditar a ele uma informação interpretativa que indica: “Não leve

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essa mensagem a sério”. No discurso oral, essa menção precisa ser feita de outras maneiras, como pela entonação ou expressão facial, o que, da mesma forma, nem sempre resulta positivamente.

Tentar provocar o riso ou simplesmente rir de algo que não ganha aderência nos interlocutores pode resultar desde uma indiferença, passando ao constrangimento, vergonha alheia e até mesmo à fúria de quem se sente ofendido. O humor consegue ser deliciosamente arriscado por possibilitar um deleite, em especial quando encontra eco nas relações sociais, e perigoso, principalmente quando adentra em campos em que o riso não é bem acolhido. O humor que questiona as verdades reproduzidas pela escola serve de exemplo.

Numa hipotética situação de discussão sobre eleições, uma educadora poderia ouvir uma anedota de um aluno: Pinóquio informa seu pai, Gepeto, que está pensando em entrar na política, o qual coça a cabeça e concorda: “Você tem perfil”. Esta piada parte do pressuposto de que os políticos são mentirosos, característica que leva o Pinóquio a ter seu nariz aumentado. A generalização feita pelo humor nesse caso contribui para a descrença no sistema político e pode trazer implicitamente uma "aceitação" de uma condição de que a corrupção é algo comum, que todo o mundo faz. Por meio do humor, há saberes que podem ser transmitidos, crenças questionadas, mas também preconceitos reforçados.

A graça da anedota contrapõe-se ao verniz da honestidade e da seriedade de grande parte dos discursos da classe política brasileira e expõe as camadas mais profundas de intenções ocultas e de obscuridade que muitas vezes é tida como presente em todos os mandatários. O humor raspa o verniz e expõe a madeira podre que não era para ser vista. E isso incomoda no humor. Ele, em algumas situações, diz o que não é para ser revelado, e por isso é combatido. Vale fazer um aparte de que, em sala de aula, é papel do educador dar um sentido, uma interpretação do humor e refletir a respeito deste fenômeno, para que ele não cumpra apenas o propósito de entretenimento por si só. Na anedota citada, o professor poderia intervir e fazer os contrapontos ao senso comum, ressaltar a importância do voto, enfim, da cidadania.

A educação brasileira vem se orientando de modo a valorizar a meritocracia. Isso decorre do fato de os indicadores buscados pela educação se pautarem em desempenho acadêmico, sem levar em conta critérios que considerem a cidadania como objetivo da escola. A modernidade e a razão científica têm seus domínios confirmados quando a escola se posiciona como um instrumento de perpetuação da classe dominante no poder.

O emprego da razão científica revolucionou o paradigma teocêntrico e representou um novo marco na produção do conhecimento, o que impactou também

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a educação. A organização da sociedade pela razão atendeu ao propósito da racionalidade moderna, assim como da supervalorização do individualismo, da massificação e do domínio do corpo. Até mesmo a organização física das carteiras tem um sentido racional, como traz Foucault (1987, p.173): "Determinando lugares individuais tornou possível o controle de cada um e o trabalho simultâneo de todos. [...] Fez funcionar o espaço escolar como uma máquina de ensinar, mas também de vigiar, de hierarquizar, de recompensar". Na mesma esteira, o uso de uniformes escolares e a repressão ao movimento físico dos alunos se coadunam com o senso de ordem que disciplina, rege e dita o modo pelo qual o mundo deve se desenvolver. Almeida (1999, p.90) diz que "o movimento é sinônimo de desatenção, e como a atenção é necessária, passa-se a eliminar o máximo os movimentos".

A escola deve ser construída num ambiente democrático e com regras. Em vez de reprimir o humor, carece de compreendê-lo enquanto ferramenta de comunicação, de socialização, de desenvolvimento humano, de construção da cidadania pela via da liberdade de expressão, de seus contornos que reforça o fundamento constitucional da democracia.

Um dos autores clássicos que estudou a cidadania, Marshall (1967), propôs três faces dela ao se estudar o seu desenvolvimento na Inglaterra. No século XVIII, constituiu-se o elemento civil; no século seguinte, o político; e, no século XX, houve um avanço maior no social. O surgimento desses elementos da cidadania se deu num processo social e histórico inglês. Embora não seja possível estabelecer rígidas divisões temporais no surgimento desses direitos, as suas caraterizações são suficientemente constatadas ao longo dos séculos.

Considerado um elemento social da cidadania para Marshall (1967), a educação popular se torna essencial como meio de assegurar, dentro de suas limitações, o acesso das pessoas ao conhecimento sobre as quais que elas possuem direitos, e também o exercício dessa condição:

Nos países em que a cidadania se desenvolveu com mais rapidez, inclusive na Inglaterra, por uma razão ou outra a educação popular foi introduzida. Foi ela que permitiu às pessoas tomarem conhecimento de seus direitos e se organizarem para lutar por eles. A ausência de uma população educada tem sido sempre um dos principais obstáculos à construção da cidadania civil e política. (CARVALHO, 2002a, p.11)

Boneti (2018) contribui para a compreensão do conceito de cidadania ao lançar um olhar de que os moldes da cidadania podem servir a propósitos neoliberais, que isentam a responsabilidade do Estado de assegurar o efetivo alcance dos direitos e deveres dos cidadãos. Nesse caso, a cidadania é utilizada "mais como discurso do que como noção, como sinônimo de participação dos indivíduos no contrato social" (Boneti, 2018, p.112). Entende-se que é

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responsabilidade do Estado promover e assegurar o exercício da cidadania, sendo a educação uma das estratégias que devem ser preconizadas nas políticas públicas voltadas para essa finalidade.

Para estudar o desafio do humor no ambiente educacional, esta tese foi elaborada com a seguinte estrutura de capítulos:

Os meandros da pesquisa: método e metodologia Teorias do humor

Humor, legislação educacional e cidadania Humor na escola

Considerações indicativas

No capítulo destinado ao método, apresenta-se o percurso epistemológico e o método empregado. A pesquisa se orientou numa abordagem qualitativa que possui uma vertente epistemológica designada por Gamboa (2012) como crítico-dialética. A revisão bibliográfica e as entrevistas semi-estruturadas de docentes permitiram, com o uso do software estatístico IRAMUTEQ, analisar os objetivos propostos por meio da Análise Textual (AT). Segundo Nascimento-Schulze e Camargo (2000), a AT constitui um tipo de análise de dados feita a partir de um material verbal transcrito, que, no caso, é oriundo das entrevistas com os docentes. O uso do software serve para que se atenuem os riscos de se agrupar dados de modo distorcido, com intencionalidade consciente ou não, capaz de macular a pesquisa. Armelim (2017) refere ainda a desejabilidade social, em que o entrevistado pode ser levado a responder às perguntas de modo falseado, atribuindo a si próprios comportamentos ou atitudes socialmente desejáveis. Embora o software estatístico não atue na causa de desejabilidade social, pode ser útil para controlar parte de seus efeitos.

A abordagem crítico-dialética é adequada ao objeto de pesquisa pois considera a interdependência entre sujeito e objeto, e valoriza a condição dos sujeitos em contexto, que possuem relações sociais e interpessoais que servem de base para a construção da realidade. Gamboa (2012) refere que essa abordagem considera a ciência como produto social histórico, em permanente evolução, e que é determinada tanto pelos interesses quanto pelos conflitos da sociedade.

As teorias do humor são abordadas em capítulo próprio, em que é feito um retrospecto de alguns dos principais autores e seus enquadramentos teóricos que compuseram o olhar sobre o humor e sua caracterização. Morreall (1987; 2009; 2016) faz parte do rol dos autores contemporâneos do humor, com quem se dialoga mais diretamente, ainda que as concepções abordadas pelas teorias clássicas também sejam observadas nas entrevistas docentes. A partir da revisão bibliográfica do humor, é possível perceber como ele pode ser concebido de diferentes maneiras e as consequências de percebê-lo enquanto apenas ferramenta de afirmar a própria

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superioridade em relação ao outro ou na condição de proporcionar socialização e alívio de tensões, dentre outros. O humor na educação é discutido também enquanto possibilidade de prática social de resistência, denúncia e crítica, sem deixar de considerar que esse uso pode estar relacionado às possibilidades que ele traz de ridicularizar, de inibir comportamentos, de subverter valores e de interpretar de modo distorcido a expressão de outros sujeitos.

O capítulo seguinte, de nome "Humor, legislação educacional e cidadania", estuda como a cidadania vem se desenvolvendo nas principais políticas públicas educacionais pós Constituição Federal de 1988. Para se compreender como a redação técnica legislativa é construída, recorreu-se ao jurista Rui Barbosa. Partindo-se do entendimento de que a cidadania vem sofrendo uma depreciação gradativa nas políticas públicas educacionais, verifica-se que o propósito de ampliar o papel da escola enquanto qualificadora de mão-de-obra se acentua.

A figura adiante traz uma constatação que será abordada ao longo da tese, de que a cidadania se relaciona mais intimamente ao mundo da vida, e que a escola está mais alinhada com os interesses relativos à formação para o mundo do trabalho:

Figura 2 - Humor, mundo da vida e mundo do trabalho

Fonte: Figura organizada por Lamóglia & Boneti (2019) para expressar a proximidade da escola com o mundo do trabalho e o distanciamento da cidadania.

A ciência moderna, que inspirou as bases da escola contemporânea, apresenta fundamentos epistemológicos que representaram um rompimento com o pensamento teocêntrico até então dominante, para que surgisse uma nova compreensão do ser humano a partir da ciência.

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enaltecendo o teocentrismo, cede lugar a uma nova maneira de conceber tais fenômenos: eis que se apresenta a razão. O emprego de um método seria capaz de compreender o raio e o trovão a partir de um outro prisma, que os considerava, ao invés de um castigo divino ou de uma demonstração de fúria misteriosa, como uma mera diferença de potenciais elétricos em que as emissões de fótons e a mecânica da ondulatória decretaram uma verdade agora dita científica. Nesse capítulo também é abordada a perspectiva da rejeição do humor por ser ele perturbador de uma lógica e de uma racionalidade que não incentiva a individuação e a autonomia, mas a homogeneização de pessoas pela via educacional.

No capítulo "Humor na escola" são apresentados alguns estudos e pesquisas que justificam a importância de se conhecer melhor o humor e de se utilizar no ambiente escolar, de modo intencional, os recursos que ele proporciona. Quando o afeto está presente, a aprendizagem é maximizada. Isso é o que algumas pesquisas indicam, mas os benefícios do humor não se resumem à aprendizagem. A concepção dos docentes a respeito de como é concebido o humor por eles em sala de aula também é referida nesse capítulo.

Nas "Considerações indicativas" é apresentada uma compreensão dialética entre humor, exercício da cidadania, racionalidade e uso do humor no ambiente escolar na perspectiva docente.

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2 OS MEANDROS DA PESQUISA: MÉTODO E METODOLOGIA

O caminho tortuoso do curso da água caracteriza os meandros. Para o pesquisador, a característica tortuosa é dada pelo seu olhar que assim caracteriza o que é, para o rio, simplesmente o percurso natural em que a água escoa em busca de seus menores níveis de energia potencial gravitacional. O caminho pelo qual a água faz seu movimento pode ser explicado por um conjunto de fatores que apuram os porquês de a água descer e não subir o leito, de ela fazer um desvio para a esquerda e não para a direita diante de um obstáculo e de ela ter mais profundidade ou ser mais superficial em alguns pontos.

Este capítulo se destina a apresentar o método e a metodologia empregada para se responder ao problema de pesquisa e atingir os objetivos propostos. São esses os meandros da pesquisa empírica. O objetivo geral, de se analisar como o humor é percebido numa visão docente no ambiente escolar − levando-se em conta a cidadania, a racionalidade e os estudos da neurociência −, para ser atingido, conta com uma revisão bibliográfica de diversos autores, representados principalmente por Lindomar Boneti, Pierre Bourdieu, Boaventura de Souza Santos, Paulo Freire, José Murilo de Carvalho e John Morreall.

André e Gatti (2010) defendem a importância dos métodos de pesquisa qualitativa no Brasil, o que se opõe a uma onda de valorização das pesquisas quantitativas e isso compreende a impossibilidade da neutralidade do pesquisador que adota uma postura de descoberta e de interpretação.

Boneti (2015) apresenta uma alternativa à visão positivista ao compreender o método como um procedimento técnico de coleta de dados no meio social:

[...] método, independente de nomeá-lo, é, antes de tudo, o olhar teórico que o pesquisador tem do real que está sendo investigado e que a partir desse olhar teórico decide-se pelos procedimentos técnicos de coleta de dados (BONETI, 2015, p.17).

Soma-se ao olhar de Boneti a contribuição de Gamboa (2012), que destaca a importância de prevalecer a intenção epistemológica do pesquisador, quando comparada à busca de uma técnica que leve a uma complexa e exaustiva técnica de coleta de dados.

O estudo do qual resultou esta tese enveredou pelos caminhos do método dialético de compreensão do real. Por isso se entende que a realidade ora estudada se apresenta essencialmente contraditória, e que a partir de um olhar funcional e objetivo não seria possível chegar à verdadeira compreensão do universo estudado. Dentre as leis da dialética, levou-se em consideração neste estudo, como caminho percorrido, especialmente a Lei da Unidade e Luta dos Contrários, na medida em

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que se considera a contradição como inerente à realidade. Contradição esta que pode aparecer desde a fala das pessoas entrevistadas, e até mesmo no referencial teórico considerado.

A coleta de dados realizada compreendeu entrevistas semi-estruturadas de docentes, que foram escolhidos pelo pesquisador, cuja pesquisa constitui parte do Projeto de Pesquisa aprovado pelo Comitê de Ética da PUCPR, conforme os seguintes dados: Título da Pesquisa: "Sociologia da Educação: da prática de ensino ao estudo das ações educativas não formais no âmbito das desigualdades sociais"; CAAE: 24845213.8.0000.0020; Instituição Proponente: Associação Paranaense de Cultura; Pesquisador Responsável: Professor Doutor Lindomar Wessler Boneti.

A realidade nem sempre é passível de mensuração e a opção pela abordagem qualitativa se refere ao olhar holístico que ela proporciona. André e Gatti (2010, p.30) esclarecem que esta abordagem "busca a interpretação em lugar da mensuração, a descoberta em lugar da constatação, e assume que fatos e valores estão intimamente relacionados, tornando-se inaceitável uma postura neutra do pesquisador."

Nesta pesquisa, a abordagem crítico-dialética foi adotada por permitir uma articulação entre teoria e prática para interpretar a realidade social, tendo em conta a realidade objetiva e subjetiva dos participantes investigados. Partes dos relatos dos docentes são apresentados de modo articulado com os referencias teóricos apresentados e foi aplicada uma combinação de métodos que permitisse embasar com mais propriedade os resultados alcançados.

Bley (2017) considera que o procedimento metodológico perpassa as perspectivas exploratória, descritiva, interpretativa e crítica. Esta pesquisa é exploratória, pois, ao se considerar a existência do humor no ambiente escolar, bem como fatores que reprimem a sua expressão, somados à inexistência de uma formação de educadores capazes de utilizar esse recurso com mais propriedade e confiança, é preciso aprofundar o conhecimento da realidade social desses sujeitos, extraindo assim os elementos necessários para se delimitar o objeto de pesquisa.

A experiência que acumulei enquanto educador e as produções literárias como autor, bem como os estudos de mestrado cuja dissertação analisou a concepção de cidadania presente em docentes e discentes do ensino superior em Lamóglia (2006), contribuíram para despertar a curiosidade científica de pesquisar os motivos do humor ser, ao mesmo tempo, tão importante no mundo da vida e ora permitido, ora reprimido no ambiente escolar. A relação entre a liberdade de expressão, a cidadania e o humor, bem como a caracterização do humor na perspectiva docente, que leva em conta a influência da racionalidade e um apanhado de pesquisas que mostram algumas possibilidades do humor saudável na

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educação, mostraram-se fundamentais para se analisar o humor no ambiente educacional.

Contribuiu para viabilizar a pesquisa a minha formação acadêmica em Direito, o que me permitiu discorrer sobre as políticas públicas com mais afinco, e em Psicologia, que ampliou o foco da importância de a educação proporcionar um desenvolvimento pleno ao educando. No campo do humor, além das publicações de livros e de diversos artigos em jornais e revistas (que em muitos momentos contaram com esse recurso), escrevi diversos roteiros de piadas que foram apresentados em televisão, teatros e escolas, dentre outros. O fato de ter morado por cinco anos no exterior, principalmente em Angola (África), tendo atuado como educador e convivido com pessoas de variadas nacionalidades, sobretudo africanas, europeias e americanas, me fez descobrir que o humor é capaz de unir e de interligar culturas e pessoas.

Quando participei da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Paraná, tive a oportunidade de defender os direitos humanos, em especial o direito à liberdade de expressão, onde se insere o humor. A trajetória do mestrado em Educação despertou o desejo de seguir com o projeto de vida associado ao ensino e à pesquisa.

Esta perspectiva exploratória, portanto, conta com uma história de vida na qual a educação, o humor, o direito, a psicologia e a sociologia da educação se encontram. E, diante da compreensão de que não existe neutralidade na ciência e da importância de se contribuir para a construção de uma educação mais comprometida com a cidadania por meio do humor, decidi trilhar esse caminho.

Por descritiva, considera-se que a pesquisa conta com a coleta de dados descritivos de uma realidade social a partir dos olhares dos participantes entrevistados. Aparência e essência do fenômeno são estudados para se compreender o seu funcionamento e decorrências.

O percurso metodológico passa também, pela crítica, pois pretende-se lançar um olhar sobre o fenômeno pesquisado, sem a pretensão de se produzir um conhecimento definitivo, mas de despertar o interesse de se aprofundar as contribuições trazidas nas considerações indicativas. As contribuições dessa tese podem apontar caminhos para novas pesquisas e teorias acerca do desafio do humor na escola e o desenvolvimento de ações formativas que contribuam para que os educadores se apropriem dele e de suas possibilidades construtivas, levando-se em conta a perspectiva da importância da liberdade de expressão como fundamento da cidadania e da democracia.

E no que tange à interpretação, compreende-se que as entrevistas fornecem conteúdos passíveis de serem interpretados segundo os referenciais teóricos estudados com o apoio do software estatístico IRAMUTEQ.

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2.1 MÉTODO DE PESQUISA

O método teórico, para Boneti (2015), corresponde a um procedimento técnico de coleta de informações relativas a um meio social. Trata-se de um olhar teórico do pesquisador referente ao real investigado a partir do qual são escolhidos os procedimentos técnicos relativos à coleta de dados.

Gamboa (2012, p.165) destaca que existem diversas abordagens de investigação, assim como variadas e até mesmo contraditórias concepções de homem. Isso reflete o questionamento de modelos tradicionais em que a visão de mundo do investigador fornece elementos peculiares que lhe permitem integrar "a lógica da pesquisa e relacionar os processos do conhecimento e os interesses que o orientam."

A questão do método envolve algo que transpassa a parte instrumental da pesquisa. Esta visão permite compreender os métodos num contexto menos técnico e mais epistemológico. A esse respeito:

Para entender os métodos utilizados na investigação científica, é necessário reconstruir os elementos que a determinam e as relações que estes têm com outras dimensões implícitas nos processos de produção do conhecimento, tais como as técnicas, os instrumentos de aquisição, organização e análise de dados e informações e as concepções epistemológicas e filosóficas nas quais se fundamentam os processos de investigação; dimensões estas que supõem uma articulação entre si, uma coerência interna e uma lógica própria, que, por estarem implícitas no processo da elaboração da pesquisa, precisam ser reveladas ou reconstituídas. (GAMBOA, 2012, p.70)

Os meandros da pesquisa foram se formando a cada nova aproximação do objeto cognoscível. O sujeito cognoscente se vê cada vez mais cercado de questionamentos que conduzem para onde seguir, de que maneira e como se certificar de que aquele caminho chegará a seu destino com maior probabilidade do que outros. Gamboa (2012, p.94) considera que "o método é considerado como a maneira de se relacionar o sujeito e o objeto". É o caminho que o sujeito percorre diante do objeto de pesquisa.

A probabilidade contribui para se notar a humildade epistemológica, uma compreensão de que a verdade absoluta está para a ciência assim como a certeza de quem somos é dada pelo autoconceito que formamos a cada momento de vida. Nenhuma verdade deve ser estabelecida definitivamente na epistemologia.

Ainda que se compreenda a dificuldade de se distanciar do objeto da pesquisa em muitas situações, o pesquisador deve manter suficiente distanciamento de modo a garantir níveis desejados e satisfatórios do rigor científico, dada a situação de que não existe neutralidade na pesquisa.

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O universo de educadores é amplo e complexo. Para tanto, foram considerados docentes com experiência nos ensinos fundamental, médio e superior, por representarem uma continuidade dos estudos de mestrado referente ao público pesquisado. Além disso, justifica-se este estudo ter como participantes entrevistados educadores de cursos de graduação e pós-graduação por estarem em contato com os educadores em formação. Reconhece-se que muitas outras possibilidades de pesquisas junto de docentes e discentes de outros níveis de ensino poderiam ter sido feitas, mas para se proporcionar uma maior fidedignidade da pesquisa optou-se por essa delimitação dos participantes investigados.

Em diversos momentos desta pesquisa emergiram os desafios de se distanciar do apreço natural que tenho pela defesa do humor no ambiente escolar. Quiçá como resposta ao mundo de uma educação por mim experimentada enquanto aluno, que contou com diversos momentos de hostilidade pedagógica representada por algumas punições fundamentadas em atitudes irreverentes, cujos risos efêmeros se converteram em duradouras sanções disciplinares.

Estas memórias de uma expressão de humor no ambiente escolar que tenho precisam, a todo tempo, ser enquadradas para que não tornem o pesquisador um defensor de interesses travestido de uma pretensa e natimorta intenção neutra. O exame de qualificação foi suficientemente impactante para checar se em alguns momentos o desejo de defender o humor em sala de aula não contaminou o modo pelo qual me aproximei dos dados para interpretá-los.

Diante dessas considerações, a nível técnico-instrumental definiu-se uma entrevista semi-estruturada de seis participantes de pesquisa. A análise textual (AT) contou com o apoio do software estatístico R e do IRAMUTEQ. Camargo e Justo (2013) esclarecem que a análise textual se constitui num tipo específico de análise de dados que pode ser utilizada em entrevistas e análise de material verbal transcrito. Para tanto, emprega-se a análise textual.

A análise textual, também conhecida como mineração de texto, abrange um amplo campo de abordagens teóricas e métodos tendo o texto como informação de entrada. A AT utiliza grandes coleções em linha de texto que permitem a descoberta de novos fatos e de tendências a respeito do mundo em si.

Nascimento-Schulze e Camargo (2000) consideram que a AT é um tipo específico de análise de dados na qual tem-se um material verbal transcrito, que são os textos. Esta análise se mostra adequada para entrevistas, pois a partir dela é possível descrever um material de modo a possibilitar o estabelecimento de relações em função de variáveis específicas. Cada uma das respostas de cada participante das entrevistas é um texto e o conjunto dos textos é designado corpus de análise. As entrevistas estão compiladas no Anexo B e as suas transcrições foram feitas de

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modo a possibilitar o processamento do software estatístico, com linhas de comando ou "linhas com asteriscos", que designam o número de cada participante e de cada pergunta correspondente. A partir do corpus, que é formado pelos textos, o software efetua um processamento desses dados para constituir os segmentos de texto. Estes dados textuais podem ser analisados de diversas maneiras, dentre elas, pela análise textual discursiva (ATD).

A ATD é utilizada para examinar processos de análise textual qualitativa, em que se verifica o ciclo unitarização, categorização e comunicação. Estes ciclos permitem uma reorganização que enseja novas compreensões dos dados (MORAES, 2003). Enquanto procedimento de pesquisa, Moraes e Galiazzi (2006) consideram que a análise textual discursiva permite reconstruir o entendimento de ciência, seus caminhos de produção, bem como o objeto de pesquisa e sua correspondente compreensão, além da competência de produção escrita e do pesquisador.

Para se proceder a análise textual, utiliza-se um software específico, o IRAMUTEQ, que considera os corpus textuais para produzir resultados, tais como: estatísticas textuais, análise de similitude de palavras no texto, nuvem de palavras, pesquisa de especificidades feitas por segmentação de texto, Classificação Hierárquica Descendente (CHD). Vale ressaltar que o uso desse recurso tecnológico não tem o condão de captar a subjetividade dos participantes da pesquisa.

Nas análises promovidas considera-se corpus como o conjunto de textos ou de segmentos analisados. Nesta pesquisa, o corpus corresponde às perguntas e respostas dos docentes entrevistados. Na verificação feita pelo autor, não foram encontrados estudos que envolvessem humor, educação e cidadania no Brasil com o enfoque da Análise Textual e da organização dos dados pela Classificação Hierárquica Descendente.

2.2 PESQUISA EMPÍRICA E COLETA DE DADOS

A coleta de dados, para Quivy e Campenhoudt (2005, p. 155), é uma etapa que considera "o conjunto das operações através das quais os conceitos e as hipóteses são submetidas aos testes dos fatos e confrontados com dados observáveis" (apud Bley, 2017). Com isso, tem-se a construção dos dados e das hipóteses e a análise dos dados para ser procedida.

Aqui resta definido o campo de análise e a seleção do universo de pesquisa, o instrumento técnico utilizado na coleta de dados e o uso do software IRAMUTEQ para se gerar os gráficos e dendográficos analisados. As entrevistas tiveram os seguintes eixos:

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Caracterização da escolaridade e atuação profissional acadêmica dos docentes

Atitudes dos docentes diante de manifestações de humor em sala de aula Uso do humor enquanto recurso técnico-didático

Concepção de humor e de cidadania Objetivos ao educar

A coleta de dados se constituiu, portanto, das entrevistas realizadas com os docentes. Em seguida, foi feita a interpretação dos dados por meio da Análise Textual utilizando-se o software de plataforma livre desenvolvido por Pierre Ratinaud chamado IRAMUTEQ (MARCHAND & RATINAUD, 2012). O IRAMUTEQ tem seu funcionamento ancorado a outro software chamado R-Project, também de plataforma livre. A busca de validação quantitativa por meio do software estatístico designa a análise quantitativa do corpus.

2.2.1 Campo de análise e seleção do universo de pesquisa

O número de textos analisados pelo IRAMUTEQ no corpus foi 47, o que confere fidedignidade para o número de 6 docentes entrevistados, por se constituírem um grupo homogêneo para fins da pesquisa. Ghiglione e Matalon (1993) consideram que, em entrevistas, situação em que as falas constituem textos mais extensos, num grupo homogêneo, entre 20 e 30 textos são suficientes.

Como já se fez referência nesta tese, ao se falar de humor na escola, não se trata apenas do ensino superior, mas particularmente do ensino fundamental e médio. Porém, na perspectiva da busca de informações empíricas de como o humor é percebido na escola, optou-se por entrevistar seis pessoas, professoras e professores, também com experiências no ensino superior. Esta opção se deu em decorrência de três aspectos interconectados:

1. Entende-se que a prática do ensinar contém equivalências independentemente do nível do ensino. Assim, mesmo que neste estudo o foco primordial foi o do ensino fundamental e médio, busca-se simultaneamente um diálogo com profissionais do ensino superior;

2. Optou-se por escolher professores e professores para a entrevistas com experiências no ensino fundamental e médio, e também no ensino superior, na perspectiva de se abordar a questão de uma forma mais vasta possível;

3. Todos os educadores foram alunos de todos os níveis de ensino no Brasil. O relatório emitido no processamento de dados feito pelo software IRAMUTEQ considerou 47 textos constituídos pelas oito peguntas feitas para cada um dos seis entrevistados, dado o volume de material produzido nas gravações

Referências

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