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4 HUMOR, LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL E CIDADANIA

4.4 FORMAÇÃO PARA A CIDADANIA E PARA O TRABALHO

Antes atribuído à divindade como desígnio dos deuses, fenômenos da natureza tinham essa explicação para a plausibilidade de acontecimentos não esclarecidos pelo conhecimento humano. As tentativas de explicação de algo antes considerado de causa divina que não respeitassem o viés da divindade eram penalizadas como uma afronta ao poder dos deuses e, em nome dessa causa, era permitido cometer atrocidades para eliminar o pensamento desafiador da uniformidade defendida.

Um período de marcantes e significativas transformações socioculturais mundiais caracterizou a Modernidade. De acordo com Boaventura Souza Santos (1994), o projeto sociocultural da Modernidade se assentou em dois pilares, o da regulação e o da emancipação, cada qual deles relacionados a três princípios:

O pilar da regulação é constituído pelo princípio do Estado, cuja articulação se deve principalmente a Hobbes; pelo princípio do mercado, dominante sobretudo na obra de Locke; e pelo princípio da comunidade, cuja formulação domina toda a filosofia política de Rousseau. Por sua vez, o pilar da emancipação é constituído por três lógicas de racionalidade: a racionalidade estético-expressiva da arte e da literatura; a racionalidade moral-prática da ética e do direito; e a racionalidade cognitivo-instrumental da ciência e da técnica. (SANTOS, 1994, p.77)

Há correspondências específicas de cada um dos princípios que embasam os pilares da modernidade, sendo possível perceber a correlação entre racionalidades e princípios:

Finalmente, a racionalidade cognitivo-instrumental tem uma correspondência específica com o princípio do mercado, não só porque nele se condensam as ideias da individualidade e da concorrência, centrais ao desenvolvimento da ciência e da técnica, como também porque já no século XVIII são visíveis os sinais da conversão da ciência numa força produtiva. (SANTOS, 1994, p.77)

Esta lógica da racionalidade acabou adentrando em muitos espaços, consolidando um projeto sociocultural da modernidade entre os séculos XVI e XVIII. O capitalismo se fortaleceu diante dessas condições favoráveis, sobretudo a partir

do século XIX, em que a modernidade e o capitalismo passam a caminhar de mãos dadas. Embora nem todos os países tenham se desenvolvido na mesma velocidade, é possível caracterizar esse crescimento em três grandes períodos. O primeiro deles, que abrangeu o século XIX, foi o do capitalismo liberal; o segundo, o capitalismo organizado, teve início no final do século XIX e se estendeu até algumas décadas após a Segunda Guerra Mundial; o terceiro, a partir da década de 70, constitui o terceiro período, designado capitalismo desorganizado (SANTOS, 1994).

Nesses três períodos, houve um processo da modernidade ocorrendo concomitantemente ao fortalecimento do capitalismo. Santos (1994, p.78) sustenta que no primeiro período, a modernidade se apresentou como uma ambiciosa promessa de soluções que pareciam ser deficitárias. No segundo período, a tentativa de cumprimento das esperanças depositadas foi dedicada, mas o déficit não foi satisfatoriamente reduzido. Mas no terceiro período, dito atual à época da publicação da obra de Boaventura de Sousa Santos, constatou-se que o projeto da modernidade não apenas não cumpriu o seu propósito, como o déficit era maior do que se supôs anteriormente, irreparável, diga-se.

O paradigma da modernidade associado ao capitalismo permanece vigente no século XXI. Embora o modelo venha se demonstrando consistentemente deficitário, há poderosos interesses que lutam pela sua manutenção. As derivações desse imbróglio resultam numa lógica de estender os efeitos da racionalidade aos mais elementares atos e fatos da vida humana. É o Estado dominado de interesses que buscam identificar, mapear e invadir os mais insignificantes dos comportamentos humanos, por meio de um controle disfarçado de câmeras de vigilância, de identificações biométricas aparentemente inofensivas às declarações voluntárias ou não de inserir o número do cadastro de pessoas físicas (CPF) na nota fiscal.

A capilaridade é interminável. A lógica da modernidade como fermento da massa do capitalismo faz o bolo crescer e os espaços da humanidade do ser humano cada vez se veem mais reduzidos, achatados pelos interesses daqueles que lutam pela sustentação de um sistema o qual se apodera das pessoas e as trata como recursos de um capital, ditando-lhes uma ordem social baseada no que se convencionou chamar de "ordenada em busca do progresso". Ordem e progresso, assim ficou a inscrição na bandeira que foi "reducionista" ao que preconizou o pai do positivismo Augusto Comte, ao propor seu lema originário "O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por fim".

A modernidade permeou as ciências, a literatura, a política e, é claro, a educação. Os tentáculos dos interesses de manutenção desse estado ditam uma ampliação do projeto da racionalidade global, de modo sub-reptício, forçosamente natural:

Mas a dimensão mais profunda do déficit parece residir precisamente na possibilidade de estes princípios e lógicas virem humildemente a dissolver- se num projeto global de racionalização da vida social prática e quotidiana. (SANTOS, 1994, p.78)

A ideia do homem científico na modernidade catapultou a explicação divinas de fenômenos antes não desvendadas pela racionalidade, até mesmo pelo fato de que esta abordagem dita racional era considerada um sacrilégio passível de rigorosas punições. Houve a substituição da ideia de deus na ciência moderna, que cedeu seu lugar para se engrandecer essa noção do homem científico. O dogma sucumbiu diante da razão.

A modernidade exigiu um afastamento do ser humano do mundo da vida, pois tanto o sentimento quanto as emoções prejudicavam a razão. A submissão de determinadas categorias sociais passou a se tornar uma condição de manutenção de poder de uma elite capitalista, que se aproveita da racionalidade:

Não existe modernidade a não ser pela interação crescente entre o sujeito e a razão, entre a consciência e a ciência, por isso quiseram nos impor a ideia de que era preciso renunciar à ideia de sujeito para que a ciência triunfasse, que era preciso sufocar o sentimento e a imaginação para libertar a razão, e que era necessário esmagar as categorias sociais identificadas com as paixões, mulheres, crianças, trabalhadores e colonizados, sob o jugo da elite capitalista identificada com a racionalidade. (TOURAINE, 2002, p. 219).

Boneti (2018, p.13) considera que os séculos XV, XVI e XVII consolidaram "a construção da base da ciência dominante dos dias de hoje". Nesse período, a razão apresentava dois enfoques: o método científico e a organização do Estado. A busca se dava por uma sociedade que sucedesse com êxito a superada sociedade feudal. A explicação do real deixaria de ser pela via teológica para ser feita pela ciência, pela racionalidade científica.

A ciência prometeu felicidade, mas não a entregou. Exigiu sacrifícios de desumanização da humanidade, privilegiou o individualismo predatório e afastou, pouco a pouco, o mundo das pessoas do mundo da vida. Tudo em nome dos propósitos de uma elite capitalista que subjugou categorias tidas como inferiores numa ação de dominação em nome de um pretenso progresso e avanço científico.

A redução do sujeito ao indivíduo é o que se constatou nesse período da modernidade. A noção de desenvolvimento passou a ser central e o papel da ciência nesse processo, basilar. Dotar os indivíduos de direitos coletivos passou a ser uma questão central nesse período, para que os próprios mecanismos de controle social disciplinassem a lógica capitalista imprimida por um modelo econômico que sustentasse a racionalidade científica. A solução poderia estar na promoção da

cidadania.

Empoderar coletivamente os indivíduos de direitos assegurados por um Estado daria aos cidadãos uma garantia mínima capaz de satisfazer necessidades primárias de modo a apaziguar as inquietações humanas que pudessem levar ao questionamento das bases de poder que sustentam essa condição. Em outras palavras: garantir direitos mínimos aos cidadãos em nada se relaciona ao inspirado pensamento de Montesquieu, de que “todo poder emana do povo, pelo povo e para o povo”, pois essa atribuição de poder verificada historicamente representa uma arquitetada e bem estruturada política de manutenção de poder de grupos dominantes.

A cidadania se torna uma possibilidade de ruptura, de uma proposição legítima de pluralidade quando ela é, efetivamente, traduzida em políticas públicas que preparam educandos para o exercício da cidadania. Esse preparo não pode se limitar, de modo simplista, a induzir estudantes a repetir conteúdos de direitos e deveres sem saberem como transformar aquilo em ações capazes de transformar a própria vida. Quando a educação se propõe a formar cidadãos, convém questionar: que cidadão é esse?

O cidadão crítico incomoda, porque ele indaga, exige, fiscaliza, quer participar de modo ativo das decisões coletivas que o afetam. Como ferramenta de exercício da cidadania, o cidadão faz uso de recursos que envolvem a arte, a dança, a música, a literatura, entre tantas outras manifestações em que o humor também se faz presente para se expressar. Mas o humor parece não ser reconhecido como uma ferramenta de construção da cidadania, especialmente no ambiente escolar.

A questão recai no sentido de que apenas a seriedade é capaz de construir um pensamento, preceito que é vigorosamente defendido num pensamento racional que rechaça o senso comum e persegue manifestações de humor. Antes mesmo de os monastérios reprimirem o humor e o riso, as suas manifestações já eram penalizadas, como se nota na visão da filosofia tratada em capítulo próprio. O poder desqualificatório que há em algumas manifestações de humor é muitas vezes penalizado com rigor. Na racionalidade moderna o riso não pode prosperar.

Leite (2008) traz a seguinte passagem:

O domínio histórico da razão sempre foi objeto de contestações esporádicas, mas, com o surgimento de novas concepções teóricas centradas nos determinantes culturais, históricos e sociais da condição humana, em especial durante o século XX, criaram-se as condições para uma nova compreensão sobre o papel das dimensões afetivas no desenvolvimento humano, bem como das relações entre razão e emoção. (LEITE, 2008, p.17)

referente ao número de pessoas, seja quanto à sua intensidade (a gargalhada numa piada que desqualifica alguém provoca mais fúria do que um mero sorriso de canto de boca), maior estrago fará no interlocutor que se sentir diminuído, quer por experimentar a sua própria inferiorização, quer por ver suas crenças e valores ridicularizados.

Portanto, quando o riso é punido, em realidade pune-se, querendo ou não, duas coisas: o conteúdo desaprovado que ensejou o riso e o ato de rir ou provocar o riso. Essa separação é um tanto confusa e, em ambientes onde há necessidade maior de controle, o riso passa a ser combatido, quiçá por ser impossível de experienciar a realidade psíquica alheia. Cada sujeito tem a privacidade absoluta e impenetrável de seus pensamentos e recordações. É claro que, como dito por Dostoievski, nem todo pensamento é comunicável para os outros e, por vezes, nem para nós mesmos:

Entre as recordações de cada pessoa, há coisas que ela não conta para qualquer um, somente para os amigos. Há também aquelas que ela não conta nem para os amigos, somente para si mesma, e isso secretamente. Mas, finalmente, há também aquelas que o indivíduo tem medo de revelar até para si mesmo, e um homem respeitável tem tais coisas acumuladas em grande quantidade. E pode ser até mesmo assim: quanto mais respeitável ele é, mais coisas desse tipo ele tem acumuladas. (DOSTOIEVSKI, 2015, p.29)

O pensamento que acompanha o riso é um evento privado, impenetrável e sua expressão pode se dar por uma linguagem tanto verbal quanto não-verbal. No fragmento citado, são descritas as situações em que os motivos que levam as pessoas a rir não são reveláveis, em algumas situações, inclusive nem do sujeito para si mesmo, especialmente quando este se esforça em aparentar respeito, honestidade ou, em outras palavras,quando se preocupa em transmitir uma imagem de algo que seja mais agradável aos olhos do outro.

O olhar do outro tem um elevado poder relativo ao modo como as pessoas se posicionam em suas relações. O riso de um pode trazer uma permissão implícita para o outro a rir também, criando uma condição de socialização. Esta sintonia, que expressa empatia afetiva, permite perceber o quanto a importância do outro muitas vezes é subestimada. Alves (1994, p.22) traz a passagem de Fernando Pessoa, poeta português, que certa vez disse: “Sou o intervalo entre o meu desejo e aquilo que os desejos dos outros fizeram de mim”.

A mudança das explicações teocêntricas para as científicas não trouxe uma efetiva transformação no que se refere ao distanciamento do ser humano da expressão da vida e da própria natureza. Essas características foram conservadas. Até mesmo a sexualidade libertina, antes pecado, ou seja, proibida pela divindade, passa a ser contraindicada - uma espécie de proibição - pela ciência, pois o sexo

imoderado, incontido, desprovido de precauções, pode trazer doenças ou mesmo uma gravidez indesejável.

A mesma ciência que produziu mensagens de desincentivo ao uso do tabaco, colocando imagens e frases de impacto em embalagens de cigarro, é aquela que aprimorou geneticamente o fumo, a mesma que desenvolveu tratamentos longos e dispendiosos de câncer de pulmão. As frases e imagens nas embalagens de preservativo ainda não foram implantadas. O que faz supor que nenhum grupo econômico poderoso ainda não se mobilizou para tal finalidade.

A construção da ciência com as bases na razão moderna traz como consequência o distanciamento do mundo da vida:

Constata-se que a epistemologia da ciência, hoje, com base na razão moderna, na medida em que se distancia do mundo da vida, da cultura, da tradição, distancia-se também da expressão real da vida e dos seus saberes produzidos como estratégias de sobrevivência, como é o caso do senso comum. Isto ocorre não apenas no que se refere aos parâmetros de verdade, mas especialmente ao método associando à ciência, à verdade técnica com peso na mensuração. (BONETI, 2017, p.139).

A epistemologia defendida por Boneti (2017, p.135) é aquela comprometida com a prática da justiça social e que “contemplasse a expressão do mundo da vida, com reconhecimento de racionalidade ao conhecimento produzido na prática do mundo da vida”. Negar o conhecimento oriundo do mundo da vida equivale a um ato que desqualifica os saberes tipicamente culturais, o senso comum, a subjetividade e a humanidade de cada um. No entanto, o que não pode ser mensurado com a precisão inexorável da racionalidade moderna reafirmada pelas heranças cartesianas é rechaçado do mundo da ciência, colocado em descrédito e abominado.

As mensurações brilham como diamantes numa perspectiva da racionalidade científica, o que leva a um silencioso estado de dominação da humanidade pela racionalidade, numa luta entre a espontaneidade do ser e a pressão pela homogeneidade e pela conformidade. É a dicotomia entre o mundo da vida e o mundo da modernidade financiada pela racionalidade.

A mensuração é essencial e de grande importância em alguns contextos e em outros, tende a ser desastrosa. A educação formal absorveu diversas heranças do pensamento cartesiano e os discursos escolares cada vez mais se distanciam de suas práticas. Na aparência, as escolas querem transmitir uma imagem de humanização, de valores, de desenvolvimento socioemocional, quando que na realidade, na essência ou naquilo que acontece intramuros, é uma prática que estimula o individualismo, a competição e os moldes de uma estrutura que leva a uma autofagia social. O mérito pelo sucesso pessoal é premiado. Elogios, medalhas

e honrarias para o melhor da turma. Melhor. Uma palavra reducionista que leva em conta um indicador: desempenho acadêmico cujo referencial são notas do boletim. Nada mais.

A finalidade da educação padece de uma crise obsessiva por desempenho escolar e por uma acirrada disputa predatória para que estabelecimentos de ensino figurem entre as do topo de listas classificatórias. Tudo em nome do desempenho acadêmico.

O educador Perrenoud (2003, p.10) destaca que a noção de sucesso escolar decorre principalmente de dois fatores: um deles é o de que seus alunos exitosos são os que progridem nos cursos com elevado desempenho que correspondam às normas de excelência escolar, e o outro refere-se às publicações de listas de classificações de escolas. Tais fatores induzem as escolas a mobilizar seus esforços para promover e incentivar os êxitos individuais dos educandos, pois o dito sucesso escolar resultaria da somatória do desempenho dos indivíduos.

A perniciosa lógica estimula um senso de competição predatória, na qual o investimento educacional recai sobre indicadores de desempenho que consideram como valoroso o progresso que conduz a escola a figurar numa melhor classificação na lista de escolas. O objetivo da escola recai sobre instigar a individualidade e a promover uma discriminação velada dos estudantes com baixo desempenho escolar. Velada porque é oculta e contraditória: ao mesmo tempo que a escola promove aos pais uma formação voltada ao desenvolvimento humano, suas práticas reforçam um sentimento predatório que, por vezes, culmina numa autofagia institucional. Ensinar solidariedade enquanto se atribui medalhas de honra ao mérito e aplaudir o educando com melhores notas no dia da comemoração de final de ano reflete uma lógica de que o mérito está num resultado final, não no processo.

Que mérito há numa escola que discrimina o acolhimento de educandos em dificuldade para selecionar apenas aqueles já apresentam rendimento acadêmico elevado?

Políticas públicas educacionais voltadas ao preparo de profissionais para o trabalho não constituem um fenômeno recente. Para efeitos de um recorte temporal, optei por estudar as principais legislações educacionais pós-Constituição Federal de 1988, sem que isso signifique que a tendência de se priorizar uma educação voltada a formar trabalhadores não fosse recorrente no passado:

No que diz respeito à formação da força de trabalho diretamente ligada à produção, especialmente a do setor industrial, as políticas educacionais da Era de Vargas foram herdeiras de antigas ideologias. A novidade, particularmente no Estado Novo, diante dos períodos anteriores, é que houve condições objetivas para a industrialização do país, de modo que essas ideologias puderam efetivar-se em medidas concretas, para além das declarações de intenção. (CUNHA, 2012, p.379)

A ideologia meritocrática deturpa os objetivos de muitas instituições de ensino, que promovem uma seleção sectarizada de alunos, preferindo a exclusão dos de menor rendimento acadêmico, pois isso pode representar menos pontos nos testes classificatórios institucionais:

1. A reputação de um estabelecimento se deve muitas vezes ao rigor da seleção que ele promove, no ingresso e no decurso da escolaridade. Não se pode desconsiderar as “racionalidades desiguais” (Grisay, 1988) dos sistemas escolares, que levam certos estabelecimentos a defender sua reputação rejeitando os alunos com dificuldade, em vez de instruí-los. 2. Não podemos nos ater aos desempenhos de alto nível, nem mesmo aos de nível médio, e desconsiderar a dispersão. Um estabelecimento deveria levar todos seus alunos a um nível aceitável e não deveria se contentar em compensar graves fracassos individuais com êxitos brilhantes. 3. Não se pode comparar estabelecimentos sem considerar o conjunto dos fatores que determinam o sucesso escolar de seus alunos: alguns desses fatores fogem ao controle dos estabelecimentos menos poderosos, como o nível inicial dos alunos ou seu contexto familiar e urbano.” (PERRENOUD, 2003, p.10)

Ao se premiar o desempenho predatório, atribui-se um poderoso reconhecimento meritório a aquele considerado mais esforçado, mais capaz, mais hábil e mais inteligente. Aquele que não atingiu o patamar digno da condecoração é porque não dispõe desses atributos, é o que se supõe de modo simplista. A esse respeito:

Atribuir a culpa pelo insucesso escolar às limitações pessoais e familiares dos alunos e negligenciar as demais variáveis que compõem o processo educacional (características da escola e do professor, condições sociais, políticas, econômicas e culturais, relação professor-aluno, formação docente, estrutura escolar entre outras) caracterizam, no mínimo, uma análise simplista e superficial do processo de ensino-aprendizagem e de seus produtos, que precisa ser urgentemente superada. (MARTINI & DEL PRETTE, 2005, p.358)

A tradição oral está se perdendo e o sucesso escolar se atrela fortemente à habilidade de memorização e de repetição de conceitos, numa relação que caracteriza a educação depositária:

O professor ainda é um ser superior que ensina a ignorantes. Isto forma uma consciência bancária. O educando recebe passivamente os conhecimentos, tornando-se um depósito do educador. Educa-se para arquivar o que se deposita. Mas o curioso é que o arquivado é o próprio homem, que perde assim seu poder de criar, se faz menos homem, é uma peça. O destino do homem deve ser criar e transformar o mundo, sendo o