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4 HUMOR, LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL E CIDADANIA

4.1 LEGISLAÇÕES EDUCACIONAIS E CIDADANIA

A aridez das legislações educacionais, não apenas pelas terminologias técnicas típicas do direito, mas também pela extensão de algumas delas tornam esta classificação seletiva igualmente extensa e, por vezes, prejudicada em sua construção de raciocínio. Por estes motivos se desmembrou a ocorrência da cidadania nas principais legislações em três quadros: o quadro 4 apresenta a ocorrência da cidadania na Constituição Federal de 1988 (CF/1988); o quadro 5 contempla a ocorrência na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996; (LDBEN/1996) e o quadro 6 reúne as ocorrências nos Parâmetros Curriculares Nacionais de 1997 (PCN/1997), do Plano Nacional de Educação de 2014 (PNE/2014) e da Base Nacional Comum Curricular de 2017 (BNCC/2017).

Na Constituição Federal de 1988, o direito à cidadania embasa e orienta de maneira soberana a relação entre educação e cidadania. O quadro a seguir traz as

(continua)

principais ocorrências da cidadania na Magna Carta:

Quadro 4 - Principais ocorrências da cidadania na Constituição Federal de 1988

Artigo Transcrição Comentários

1 Fundamentos da República: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. (BRASIL, 1988)

Surge como fundamento da Pátria

CF/1988

205 A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1988)

O preparo para o exercício da cidadania é objetivo da educação CF/1988

Fonte: Quadro elaborado por Lamóglia e Boneti (2019)

A LDBEN/1996 se constitui uma das principais políticas públicas educacionais do Brasil. No quadro seguinte, constam as partes da lei que consideram a cidadania, bem como um trecho da exposição de motivos da Medida Provisória 746/2016, que foi convertida na Lei 13.415/2017:

Quadro 5 - Principais ocorrências de cidadania na LDBEN/1996

Artigo Transcrição Comentários Legislação

2 A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1996)

Cidadania conforme consta na CF/1988

22 Art. 22. A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores. (BRASIL, 1996)

Educação básica prevê cidadania na formação

35, II II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; (BRASIL, 1996) No ensino médio, o preparo para o trabalho antecede a cidadania Legislação LDBEN/1996 LDBEN/1996 LDBEN/1996

(conclusão)

(continua)

Quadro 5 - Principais ocorrências de cidadania na LDBEN/1996

Artigo Transcrição Comentários Legislação

13 13. Isso é reflexo de um modelo prejudicial que não favorece a aprendizagem e induz os estudantes a não desenvolverem suas habilidades e competências, pois são forçados a cursar, no mínimo, treze disciplinas obrigatórias que não são alinhadas ao mundo do trabalho, situação esta que, aliada a diversas outras medidas, esta proposta visa corrigir, sendo notória, portanto, a relevância da alteração legislativa. (BRASIL, 2016) Exposição de motivos da MP que foi convertida em lei MP 746/2016 que foi convertida na Lei 13.415/2017 35, § 7º

Alteração da LDBEN/1996: Os currículos do ensino médio deverão considerar a formação integral do aluno, de maneira a adotar um trabalho voltado para a construção de seu projeto de vida e para sua formação nos aspectos físicos, cognitivos e socioemocionais.” (BRASIL, 2017a). Há uma passagem discreta que leva ao desenvolvimento humano Lei 13.415/2017 que alterou a

Fonte: Quadro elaborado por Lamóglia e Boneti (2019)

Outras legislações educacionais também aludem à cidadania. No quadro a seguir, constam os PCN/1997, a PNE/2014 e a BNCC/2017:

Quadro 6 - Cidadania no PCN/1997, PNE/2014 e BNCC/2017

Artigo Transcrição Comentários

p.13 O conjunto das proposições aqui expressas responde à necessidade de referenciais a partir dos quais o sistema educacional do País se organize, a fim de garantir que, respeitadas as diversidades culturais, regionais, étnicas, religiosas e políticas que atravessam uma sociedade múltipla, estratificada e complexa, a educação possa atuar, decisivamente, no processo de construção da cidadania, tendo como meta o ideal de uma crescente igualdade de direitos entre os cidadãos, baseado nos princípios democráticos. Essa igualdade implica necessariamente o acesso à totalidade dos bens públicos, entre os quais o conjunto dos conhecimentos socialmente relevantes. (BRASIL, PCN/97, p.13) Os parâmetros curriculares nacionais apresentam um compromisso com a construção da cidadania PCN/1997

2, V Art.2º. V - formação para o trabalho e para a cidadania, com ênfase nos valores morais e éticos em que se fundamenta a sociedade.” (BRASIL, PNE, 2014).

A valorização do trabalho em prevalência à cidadania é notada PNE/2014 LDBEN/1996 Legislação

(conclusão)

Quadro 6 - Cidadania no PCN/1997, PNE/2014 e BNCC/2017

Artigo Transcrição Comentários

10.6 Estratégia 10.6: “estimular a diversificação curricular da educação de jovens e adultos, articulando a formação básica e a preparação para o mundo do trabalho [...]” (BRASIL, PNE, 2014). Uso da expressão "mundo do trabalho" PNE/2014

- Base Nacional Comum Curricular Previstas no

documento mais menções ao trabalho (9 vezes) do que à cidadania (8 vezes) Resolução 2 CNE/2017

Fonte: Quadro elaborado por Lamóglia e Boneti (2019)

Com essa apresentação dos três quadros anteriores, procede-se uma análise das ocorrências da cidadania nas legislações citadas. Compreende-se a existência consistente de legislações que embasam a possibilidade de se proporcionar aos educadores uma formação que considere o humor no ambiente escolar como uma legítima ferramenta construtiva, de possibilidades saudáveis e as bases dessa pretensão têm origem na CF/1988, no conceito de cidadania.

A Constituição Federal de 1988 enuncia princípios para inspirar legislações futuras e para orientar os atos administrativos que serão praticados nos interesses do povo. Nela estão as urdiduras da democracia e da cidadania. A escolha dos princípios constitucionais que orientam toda a sistematização da própria Constituição se refere a uma elaboração histórica, que importa num rompimento com o período anterior de uma Ditadura Militar, mas não só: representa uma construção que também é influenciada pela história dos povos e da própria humanidade:

Se percorremos a história dos povos antigos e modernos, erguem-se diante de nós o espetáculo das lutas inúteis e tremendas. Vemos quanto custou e quanto custa a adaptação humana a princípio que a gerações posteriores parecem evidentes. Compensa-nos a triste contemplação desse painel imenso a verificação de que tal adaptação descreve as linhas mesmas da evolução social, no sentido de três dados: liberdade, maior igualdade, democracia. A cada momento posterior de sociedade em evolução, maior a simetria, menor a violência, maior eficiência do trabalho, da convivência e da inteligência humanas. (MIRANDA, 1953, p.169)

A liberdade, maior igualdade e democracia citadas guardam uma relação umbilical com a cidadania. A Constituição Federal de 1988 levou a alcunha de Constituição Cidadã também por enaltecer a garantia à liberdade de expressão, por promover a igualdade e por valorizar a democracia. Carvalho (2002a, p.7) traz a

seguinte passagem: “No auge do entusiasmo cívico, chamamos a Constituição de 1988 de Constituição Cidadã”. A cidadania se aperfeiçoa na prática educativa, pois o seu exercício depende de um processo complexo que se dá no tempo, em ações sucessivas que proporcionam ao estudante uma compreensão de que ele possui tanto direitos quanto obrigações.

A cidadania não se encerra na compreensão de direitos e deveres. Ela ganha vida quando é colocada em uso, o que a efetiva enquanto pilar da democracia:

[...] cidadão significa indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um Estado e que cidadania tem que ver com a condição de cidadão, quer dizer, com o uso dos direitos e o direito de ter deveres de cidadão. (FREIRE, 2001, p.25)

A CF/1988 marcou uma transição de um período de ditaduras civil e militar. A subversão da classe artística brasileira, nela insertos os humoristas, também apresentou a sua contribuição na tentativa de romper com o regime autoritário:

Embora a crítica direta fosse proibida, para bom entendedor as letras eram suficientemente claras. Com menor alcance, atores, humoristas, intelectuais em geral deram sua contribuição a luta pela redemocratização, pagando as vezes o preço da prisão ou do exílio. (CARVALHO, 2002a, p.188)

O termo empregado por Carvalho (2002a), “redemocratização”, permite observar que oprimir a liberdade de expressão é atentar contra a democracia. Humoristas integraram também o grupo de pessoas que emitia suas críticas como forma de expor as fragilidades, as incoerências e as injustiças de um sistema sustentado pela classe dominante. A opressão ao pensamento divergente era geral e indistinta. Ceifou vidas, prendeu pessoas e obrigou outras ao exílio. Tudo em nome da não perturbação da ordem e da manutenção do poder.

A cidadania não se constrói aleatoriamente. É preciso cumprir a Constituição e elaborar políticas públicas que contemplem metas, estratégias e objetivos para que ela se concretize. Como resultado de um estímulo a uma educação comprometida com a construção da cidadania, tem-se uma formação que conduz à autonomia e à compreensão de como participar da vida em sociedade de modo efetivo. Sem a cidadania, a educação é reduzida a uma ferramenta de qualificação profissional, de desumanização e de alienação.

A educação que promove a cidadania proporciona dignidade. A humanização não se dá pelo simples nascimento com vida do bebê. É um processo de uma vida que envolve família e Estado, dependente de uma série de estímulos e de repressões que conduzem as pessoas a um movimento que proporciona o convívio harmônico em sociedade. A dignidade decorre de um Estado que expresse em sua legislação uma visão de ser humano comprometida com o pleno desenvolvimento do

cidadão. Essa discussão é pouco frequente nos ambientes legislativos brasileiros, ainda que a sua previsão constitucional a reconheça como de incontestável valor jurídico e social.

A dignidade da pessoa humana enquanto fundamento da Pátria não reflete letra fria consignada logo no artigo inaugural da Constituição Federal de 1988. Esta menção expressa tem raízes históricas e a sua caracterização merece um olhar atendo porque nela se fundamentam direitos relativos à democracia, à liberdade e à igualdade:

A afirmação e o reconhecimento da dignidade humana, o que se operou por lentas e dolorosas conquistas na história da humanidade, foi o resultado de avanços, ora contínuos, hora esporádicos, nas três dimensões: democracia, liberdade, igualdade. Erraria quem pensasse que se chegou perto da completa realização. A evolução apenas se iniciou para alguns povos; e aqueles mesmos que alcançaram, até hoje, os mais altos graus ainda se acham a meio caminho. A essa caminhada corresponde a aparição de direitos, essenciais à personalidade ou à sua expansão plena ou à subjetivação e precisão de direitos já existentes. (MIRANDA, 1953, p.6)

A dignidade da pessoa humana se assenta na efetiva garantia de direitos estabelecidos constitucionalmente, entre eles a liberdade de expressão. Todo e qualquer ato que restrinja a liberdade de expressão atenta contra a democracia e, nesse tocante, observa-se tanto a possibilidade de restrição prévia da expressão, num resgate à usual censura típica da ditadura, quanto à punição exagerada quando se expressa algo que questione, desqualifique ou simplesmente desfavoreça um pensamento que se pretenda ver como uniforme. O humor, por também ter esse papel de expor, de desqualificar e de apresentar as contradições capazes de provocar o riso e de dizer o que não pode ser dito, muitas vezes é censurado e penalizado.

A perturbação da ordem, da homogeneidade e o respeito ao que está posto sem questionamento muitas vezes são características de ambientes de opressão à liberdade de opinião, de crenças e de vida. Em nome do que é considerado ": "politicamente correto", penaliza-se indistintamente o que é passível de sanção, do mesmo modo que penaliza aquilo que interessa penalizar por ser perturbador e por ameaçar interesses e estados de poder que não se pretendem ver discutidos. Há violações atentatórias de um sentido de coletividade e outras que são assim consideradas por serem inconvenientes. Daí a importância de se existirem instituições sólidas que garantam à coletividade a elaboração de leis, bem como sua aplicação de modo a proporcionar o bem-estar social que permita ao sujeito o seu desenvolvimento pleno, o acesso a direitos e a garantias individuais.

Cumpre salientar que as violações a dispositivos constitucionais não ocorrem apenas por meio de atos legislativos, mas também por meio de decisões do poder

executivo e de julgamentos emanados do poder judiciário. Não importa a origem do ato nem do ato em si: tudo o que contraria a Magna Carta carece de uma ação protetiva dos direitos assegurados. Quando o Estado movimenta a sua estrutura para salvaguardar os direitos dos cidadãos, está, em realidade, protegendo a democracia. No âmbito das políticas públicas educacionais, ao se verificar a depreciação da cidadania nos textos legais posteriores à Constituição Federal de 1988, tem-se configurada uma situação jurídica passível de ser revista por violar princípios que deixaram, gradativamente, de serem atendidos. A constatação recai sobre a prevalência de ações voltadas ao preparo dos estudantes para o mercado de trabalho e uma formação empobrecida voltada a preparar cidadãos para o exercício da cidadania.

A inconstitucionalidade, frise-se, não se refere apenas a atos praticados que importem em violações da Lei Fundamental, mas também se estende às políticas públicas e a atos emanados do poder executivo:

Quaisquer que sejam os programas e projetos governamentais, ou eles se ajustam aos princípios e diretrizes constitucionais ou, inexoravelmente, haverão de ser tidos como inválidos, juridicamente insubsistentes e, portanto, sujeitos ao mesmo controle jurisdicional de constitucionalidade a que se submetem as leis. Como igualmente ponderado é observar que a abstinência do governo em tornar concretos, reais, os fins e objetivos inseridos em tais princípios e diretrizes constituirá, inelutavelmente, uma forma clara de ofensa à Constituição e, consequentemente, de violação de direitos subjetivos dos cidadãos. (PONTES FILHO, 2003, p. 244).

A caracterização de uma violação à norma constitucional nem sempre é algo simples de se demonstrar, especialmente quando depende de uma análise histórica de uma depreciação de direitos que passam a ser “flexibilizados” num primeiro momento. A flexibilização, quando seguida de sucessivas ações que reafirmam essa tendência, acaba por resultar numa subversão da ordem constitucional, como se verifica no papel da educação na formação para a cidadania e no preparo para o trabalho. A formação de trabalhadores vem sendo priorizada na educação formal, em detrimento do preparo para o exercício da cidadania.

O papel da educação na construção da cidadania não se funda num modo impositivo de ensinar a ser cidadão, mas de contribuir para que seja dado um sentido à cidadania que deve ser compreendida e vivida pelo sujeito. Isso pressupõe instituições que respaldem a garantia efetiva do exercício dos direitos e deveres civis, políticos e sociais. Essa noção não se constrói apenas na educação superior, mas desde os primeiros anos escolares. Aprender a ler e a escrever trazem em si a semente da cidadania, como se lê nos ensinamentos de Paulo Freire (2001, p.25): “a alfabetização como formadora da cidadania.”

promover a conscientização de direitos tem raízes no período colonial:

Outro aspecto da administração colonial portuguesa que dificultava o desenvolvimento de uma consciência de direitos era o descaso pela educação primária. De início, ela estava nas mãos dos jesuítas. Após a expulsão desses religiosos em 1759, o governo dela se encarregou, mas de maneira completamente inadequada. (CARVALHO, 2002a, p.22)

Este cenário, pós-Constituição Federal de 1988, se agravou pelo fato de que as políticas públicas educacionais estreitaram os seus laços com os interesses capitalistas dominantes de preparar trabalhadores para o mercado, minguando as ações voltadas à construção da cidadania. A formação para a repetição de conceitos e para o desenvolvimento de habilidades profissionais tem sido mais valorizada do que o incentivo à criticidade e à autonomia.

A cidadania é construída historicamente e o seu conceito acompanha essa evolução. Marshall (1967) estudou como se deu a evolução da cidadania inglesa, o que serve de base comparativa para se compreender de que modo se deu esse processo na realidade brasileira. De acordo com esse autor, o conceito de cidadania pode ser dividido em três elementos fundamentais, ditados mais pela História do que pela lógica, a saber: o civil, o político e o social, sendo que cada um deles teve um período histórico em que seus avanços foram mais significativos.

No século XVIII, o elemento civil da cidadania na Inglaterra foi o primeiro a se constituir. Nele se fundem os direitos e garantias individuais relativos à liberdade e à igualdade:

O elemento civil da cidadania é composto dos direitos necessários à liberdade individual – liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à propriedade e de concluir contratos válidos e o direito à justiça. (MARSHALL, 1967, p.63)

No século seguinte, XIX, notou-se um aprimoramento dos direitos políticos de cidadania. Nele estão inseridos os direitos de participação política, tanto na condição de eleitor, como na de quem pretende participar enquanto político e de fazer parte do parlamento e dos conselhos de governo locais:

Por elemento político se deve entender o direito de participar no exercício do poder político, como um membro de um organismo investido da autoridade política ou como um eleitor dos membros de tal organismo. (MARSHALL, 1967, p.63)

O último dos elementos, o social, teve avanços mais significativos no século XX, e seu aprimoramento consolida a cidadania, proporcionando a ela uma harmonização de uma sinfonia junto aos elementos civil e político:

O elemento social se refere a tudo o que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar, por completo, na herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade. (MARSHALL, 1967, p.63)

Ainda que se perceba períodos correspondentes aos elementos civil, social e político da cidadania estudada por Marshall (1967), há uma consideração a ser feita no que tange à sequência dos direitos mencionada que se refere à educação popular:

Há, no entanto, uma exceção na sequência de direitos, anotada pelo próprio Marshall. Trata-se da educação popular. Ela é definida como direito social mas tem sido historicamente um pré-requisito para a expansão dos outros direitos. (CARVALHO, 2002a, p.11)

Os direitos relativos à cidadania não se consolidam sem que haja instituições sólidas garantidoras de seus exercícios pelos cidadãos. Dessa afirmação resulta a consideração de Marshall (1967) de que os direitos civis tem como instituições mais relacionadas os tribunais de justiça; em relação aos direitos políticos, o parlamento e o governo; e, em relação aos direitos sociais, o autor destaca o sistema educacional e os serviços sociais. A democracia na lógica inglesa foi reforçada pelas liberdades civis que vieram antes. Com o seu fortalecimento, vieram os direitos políticos e em seguida, os sociais. O exercício político, em grande parte, era configurado de modo a garantir as liberdades civis. O próprio direito de votar passou a ser reivindicado por conta do exercício da liberdade.

No Brasil essa ordem foi invertida. A consolidação dos direitos sociais precedeu a dos direitos políticos. Assim, as atribuições de direitos sociais de cidadania parecem ter sido mais relacionadas a uma estratégia de manutenção de poder político da classe dominante do que a uma conquista popular de uma condição de participar ativamente das decisões governamentais. A opressão ao direito de greve exemplifica a repressão dos direitos civis e sociais, o que é notado na história do Brasil como um ato voltado a preservar os interesses políticos da classe dominante da época:

O governo invertera a ordem do surgimento dos direitos descrita por Marshall, introduzira o direito social antes da expansão dos direitos políticos. Os trabalhadores foram incorporados à sociedade por virtude das leis sociais e não de sua ação sindical e política independente. Não por acaso, a leis de 1939 e 1943 proibiam as greves. (CARVALHO, 2002a, p.124)

As distinções comparativas entre as construções da cidadania inglesa, trazida por Marshall (1967), e a brasileira se referem a dois pontos essenciais, como preceitua Carvalho (2002a): a ênfase aos direitos sociais e a inversão da ordem de aquisição de direitos. Para este autor, ao se verificar os direitos civis como os

primeiros a serem constituídos na Inglaterra, tem-se um processo de construção de cidadania que se correlaciona diretamente a uma lógica democrática. E as próprias instituições que foram fortalecidas nesse período, tinham por base a separação de poderes, notadamente o Executivo e o Judiciário.

A classe dominante brasileira, com o escopo de manutenção do poder político em suas mãos, desenvolveu uma estratégia de gradativas concessões de direitos sociais como meio de se perpetuar nessa condição. Carvalho (2002a, p.124) destacou que “O governo invertera a ordem do surgimento dos direitos descrita por