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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUCSP Carlos Augusto Alcântara Machado

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

Carlos Augusto Alcântara Machado

A garantia constitucional da fraternidade:

constitucionalismo fraternal

DOUTORADO EM DIREITO

(2)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

Carlos Augusto Alcântara Machado

A garantia constitucional da fraternidade:

constitucionalismo fraternal

DOUTORADO EM DIREITO

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito Econômico, sob a orientação do Prof. Dr. Ricardo Hasson Sayeg

(3)

BANCA EXAMINADORA

________________________________________

________________________________________

________________________________________

________________________________________

(4)

AGRADECIMENTOS

A Deus, razão da minha existência, pelo dom da vida e por me ter

proporcionado perseguir a fraternidade universal também como um dever profissional e

acadêmico. De fato, colocou-me em missão. Esta tese é resultado da Sua Providência.

À minha amadíssima esposa Alejandra, doce pétala na flor dos meus

pensamentos, companheira de todas as horas, a quem o Eterno Pai, nos últimos anos,

pediu a incondicional fidelidade à Sua vontade, materializada em situações, aos olhos

humanos, nem sempre explicáveis; e aos meus filhos de sangue e à filha de coração,

Thiago, Carla, Rodrigo e Isaura; a todos pelos momentos subtraídos e pelo incentivo de

sempre. Sem a compreensão e a paciência, não teria chegado ao porto seguro e

vencido as adversidades de uma jornada extremamente empenhativa. Obrigado.

Aos meus pais, Paulo e Alice, aos meus sogros, Skadi e Santos, aos irmãos,

cunhados e sobrinhos, que jamais deixaram de acreditar que esse sonho seria possível

e, por vezes, mais do que eu próprio, efusivamente vibraram, com cada passo

alcançado na perseguição da meta acadêmica. Particularmente a irmã caçula Célia,

também pela paciência na revisão do texto. Obrigado.

Aos parentes de sangue e de afeto, que contribuíram, compartilhando

alegrias e tristezas, com orações, sorrisos e com o abraço sempre carinhoso. A todos,

agradeço na pessoa do afilhado-primo Ariston, que fez da sua casa, a minha, nos

primeiros meses/ano dessa caminhada. Obrigado.

(5)

(RUEF), com destaque para Antonio Maria Baggio. Todos e cada um são, por certo,

responsáveis por este trabalho. Obrigado.

Ao Professor Livre-Docente Doutor Ricardo Hasson Sayeg, meu Orientador,

pelos sábios ensinamentos e, por desde o primeiro momento do nosso encontro

acadêmico, ter feito do seu orientando um irmão e da busca fraternidade universal,

muito mais do que uma tese acadêmica, uma razão de viver. A todos os que fazem o

Hasson Sayeg Advogados, na pessoa da sempre diligente Ana Maria Campagnole, o

meu obrigado.

Ao amigo de décadas e mestre de sempre, Carlos Augusto Ayres de Freitas

Britto, em cuja doutrina encontrei o desejado conforto acadêmico e, a partir dela, pude

desenvolver, com mais segurança, a tese que agora veio a lume. Obrigado.

Aos caríssimos amigos e professores da PUC/SP, Willis Santiago Guerra

Filho, Thiago Lopes Matsushita, Lauro Ishikawa, Camila Castanhato, Antônio Carlos

Matteis de Arruda Junior, Roberto Senise Lisboa e Márcia Conceição Alves Dinamarco,

e a todos os membros do Grupo de Pesquisa e Estudos do Capitalismo Humanista.

Aos colegas Belmiro Jorge Patto, Mário Barros Filho, Tae Young Cho, nas

pessoas de quem agradeço aos colegas doutorandos que comigo participaram das

disciplinas

Ordenamento Jurídico e Sistema

, sob a regência do Doutor Tércio Sampaio

Ferraz Junior, e

Capitalismo Humanista

, ministrada pelo Doutor Ricardo Hasson Sayeg.

(6)

À Universidade Tiradentes e à Universidade Federal de Sergipe por terem

contribuído, cada uma na sua medida, para a realização do Doutorado, bem como à

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, nas pessoas de seus dirigentes,

professores e funcionários.

(7)

Os obstáculos para a harmonia da convivência

humana não são apenas de ordem jurídica, ou

seja, devidos à falta de leis que regulem esse

convívio; dependem de atitudes, mais

profundas, morais, espirituais, do valor que

damos à pessoa humana, de como

consideramos o outro

.

(8)

Carlos Augusto Alcântara Machado

A garantia constitucional da fraternidade: constitucionalismo fraternal

RESUMO

O mundo, hoje, busca encontrar um novo marco civilizatório. A liberdade e a igualdade,

como conquistas do Estado Liberal e do Estado Social, respectivamente, não mais

atendem aos anseios do Estado contemporâneo. Apresentar-se-á a Fraternidade, como

fundamento de um novo humanismo, o humanismo integral, que tem a sua raiz na

doutrina cristã, mas se constitui em elemento cultural que influencia a elaboração do

Direito e o transforma, trazendo novos paradigmas. Estudar-se-á a fraternidade partindo

do reconhecimento da igualdade de dignidade de todos os seres humanos, conforme

preceito consubstanciado particularmente na Declaração Universal dos Direitos do

Homem, mas também em documentos constitucionais contemporâneos. Analisar-se-á,

em especial, a Constituição brasileira de 1988, a partir do preâmbulo, para,

considerando a sua força hermenêutica, mas também normativa, concluir-se que a

fraternidade não é um valor de natureza puramente religiosa, filosófica ou política, mas

é uma categoria jurídica e tem garantia constitucional. Assim, apresentar-se-á a

fraternidade como ponto de equilíbrio entre princípios tradicionalmente assegurados

como a liberdade e a igualdade. Nessa linha de abordagem o desenvolvimento do

constitucionalismo possibilitará, no estágio atual da humanidade, com o

reconhecimento da categoria jurídica da fraternidade, fazer florescer o

Constitucionalismo Fraternal, elemento indispensável para garantir a todos a busca da

felicidade.

(9)

Carlos Augusto Alcântara Machado

A garantia constitucional da fraternidade: constitucionalismo fraternal

ABSTRACT

The world, nowadays, searches a new civilizing mark. Freedom and equality, as

achievements, respectively, of the Liberal State and of the Social State, no more fulfill

the wishes of the contemporary state. We will present Fraternity, as the fundament of a

new humanism, the unabridged humanism, which has its roots in Christian doctrine, but

it also is a cultural element. That influences the elaboration of Law and changes it,

bringing new paradigms. We will study Fraternity from the recognition of the equality of

dignity of all human beings, in accordance to precepts particularly written in the

Universal Declaration of Human Rights, but also in contemporary constitutional

documents. We will analyze, specially, Brazilian Constitution of 1988, starting from the

preamble, to, considering its hermeneutical force, but also normative force, conclude

that Fraternity is not only a purely religious, philosophical or political value, but it is a

legal category and has constitutional guarantees. Thus, we will present Fraternity as a

point of equilibrium between traditionally assured principles as freedom and equality. In

this line of approach the development of constitutionalism will permit, in humanity current

stage, with the recognizing of the juridic category of fraternity, the flourishment of

Fraternal Constitutionalism, indispensable element to assure to everyone the pursuit of

happiness.

(10)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO

...

2 O MARCO CIVILIZATÓRIO DA FRATERNIDADE

...

2.1 Considerações iniciais

...

2.2 Dois discursos revolucionários: Robespierre e Girardin

...

2.3 A referência ao constitucionalismo francês

...

2.4Origens e fundamento do ideal de fraternidade

...

2.5 A

philía

aristotélica

...

2.6 A categoria cristã da fraternidade

...

3 HUMANISMO INTEGRAL E FRATERNIDADE

...

3.1 O Humanismo: da Antiguidade à Modernidade

...

3.2 Jacques Maritain: filósofo do Humanismo Integral

...

3.3 A doutrina do Humanismo Integral

...

3.4 A influência do Humanismo Integral na Doutrina Social do Ocidente

...

4 FRATERNIDADE SECULAR

...

4.1Premissas básicas e culturalismo jurídico

...

4.2 O Jus-Humanismo Normativo

...

4.3 Direito e Fraternidade

...

5 A GARANTIA CONSTITUCIONAL DA FRATERNIDADE

...

5.1 Abordagem preliminar e contexto de investigação

...

5.2 Liberdade, Igualdade e Fraternidade: evolução e consagração dos direitos

humanos fundamentais

...

5.2.1

Direitos de Liberdade

...

5.2.2

Direitos de Igualdade ...

5.2.3

Direitos de Fraternidade: advento do constitucionalismo fraternal

...

5.3 A dignidade da pessoa humana como fundamento do constitucionalismo

fraternal

...

5.4 Do Estado Liberal ao Estado Fraternal

...

5.5 O preâmbulo da Constituição do Brasil de 1988: compromisso com o

constitucionalismo fraternal

...

5.6 A evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

...

5.7 A consolidação de uma nova proposta

...

6 CONCLUSÃO

...

REFERÊNCIAS

...

ANEXO A

...

(11)

1 INTRODUÇÃO

Unus homo nullus homo

. Ninguém contesta que o ser humano é gregário por

natureza e para realizar-se necessita do semelhante para com ele interagir e dar

sentido a sua vida. Isto porque, como ensina a filosofia aristotélica, confirmada pela

tomista, o homem só ou é um bruto ou é um Deus. É, portanto, indivíduo e pessoa;

unidade, mas também comunidade. Ser único, singular, irrepetível, mas ser social.

Ensina Goffredo Telles Júnior

1

, que nenhum homem seria o que é se não

fosse a ação que ele exerce sobre os outros homens e a ação dos outros homens

sobre ele. O homem, em geral, jamais será ―solidão dentro do mundo‖, pois,

essencialmente, coexistência

2

. Como também lembra Fábio Konder Comparato

3

, ―para

os seres humanos, viver não é um simples existir biológico. O verdadeiro sentido de

nossas vidas reside na convivência harmoniosa entre todos, se

m exceções‖.

Exatamente na raiz dessa relação emerge o Direito, disciplinando condutas,

comportamentos, assegurando o gozo de bens da vida, impondo deveres, mas

particularmente patrimonializando direitos, incorporando-os a cada um e a todos para o

consequente exercício e fruição, com a regulamentação normativa das relações

intersubjetivas entre pessoas naturais/particulares e entre tais pessoas e o próprio

Estado. Daí o clássico reconhecimento dos antigos:

ubi societas, ibi jus

. Todavia, para

que houvesse o necessário equilíbrio social, os seres humanos teriam que receber a

garantia da liberdade. Esse, o grandioso projeto original da modernidade, com

fundamento virginalmente plasmado a partir da concepção de sistemas jurídicos

gestados no seio do movimento constitucionalista que institucionalizava o Estado de

Direito, resultado e conseqüência das chamadas revoluções liberais (inglesa,

americana e francesa).

1 TELLES JÚNIOR, Goffredo. Direito Quântico – Ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica. 5. ed. São

Paulo: Max Limonad, 1980, p. 342. 2

DINIZ, Maria Helena. Conceito de Norma Jurídica como problema de essência. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 1978, pp. 18-19.

(12)

Garante-se a liberdade. Exige-se que o Estado-Leviatã saia de cena; adote

um comportamento absenteísta. Estado Liberal. Tal postura negativa, no entanto, gerou

um vácuo, depois cenário de profundas distorções, com o patrocínio omissivo estatal de

alarmantes desigualdades sociais. Mesmo que a principal revolução liberal tivesse

dentre os seus princípios-vetores a abolição de privilégios e da sociedade estamental, a

sociedade burguesa implantada tornou-se responsável, num primeiro momento, pela

desigualdade econômica e discriminação social, instalando uma sociedade depois

identificada e representada com a dicotomia exploradores/explorados, fonte de

perversas exclusões.

Reconheceu-se, assim, num segundo momento histórico deste processo

evolutivo, que o exercício da liberdade pressupunha a condição de igualdade, com

garantia factual mínima, efetiva e não somente nominal. Iguais para serem livres; livres

entre iguais. O binômio

liberdade-igualdade

passou a ser a palavra de ordem.

Alcançou-se um novo estágio da humanidade e o Estado, liberal na origem, evoluía

para atingir outro patamar: o Estado Social, intervencionista, garantidor de

necessidades mínimas. Mesmo consciente das diferenças existentes, naturais a própria

humanidade, na base dos direitos, imprescindível a garantia do mínimo existencial.

Apesar de a humanidade ter atingido algum êxito na consagração de direitos,

inicialmente com o Estado Liberal (civis e políticos), depois evoluindo para o Estado

Social (sociais, econômicos e culturais), os modelos adotados não foram capazes,

diante da complexidade de mundo globalizado, considerando em particular os novos

direitos, caracterizados como transindividuais ou metaindividuais, de natureza

indivisível, com destinatários cada vez indeterminados, que transcendem a relação

clássica dos sujeitos processuais identificados, não foram capazes de trazer soluções

satisfatórias de pacificação social e preservação do Planeta. Exauriram-se.

(13)

estampada no lema da revolução de 1789:

liberté, egalité, fraternité

e ainda presente no

espírito objetivo dos Povos, Nações e Estados.

Como registra Pablo Ramírez Rivas

4

, a Revolução Francesa ―é o mito

e a

utopia de nossa época; é mais, esta utopia mítica é a mãe de todas as demais, de toda

a Modernidade‖. Nela,

estão, de fato, as promessas da modernidade.

No entanto, a humanidade já alcançou a pós-modernidade e o tríptico

revolucionário manteve-se sempre invocado, mas, sem realização integral, pois

incompleta. Parte da promessa não se concretizou. Dos três valores, princípios ou

categorias, um, a fraternidade, restou esquecida pelo antropocentrismo ou, no mínimo,

oculta.

Pretende-se com a presente tese reconhecer a fraternidade como categoria

jurídica garantida constitucionalmente e, assim, apresentar a vigente leitura do lema

revolucionário

desta feita a partir da fraternidade e numa perspectiva jurídica

,

resgatando sua importância histórica e civilizatória, natureza e alcance, mas também os

reflexos nos contornos dos outros princípios/valores da tríade (igualdade e liberdade),

tradicionalmente concebidos em meio a uma cultura individualista, hedonista e

excludente.

A fraternidade, assim, no capítulo temático inicial, o segundo na enumeração

do sumário, será analisada na história, como marco civilizatório, suas origens,

fundamento e, particularmente, na respectiva gênese, investigada enquanto categoria

originalmente cristã.

O terceiro capítulo relacionará fraternidade e humanismo e, a partir da

doutrina do humanismo integral, concebida pelo filósofo francês Jacques Maritain,

buscar-se-á a compreensão da fraternidade enquanto categoria filosófica.

4 RIVAS, Pablo Ramírez. De la utopia hacia la eutopia. Apuntes críticos para pensar y atuar la fraternidad

hoy. In: BARRENECHE, Osvaldo. Estudios recientes sobre fraternidad: dela enunciación como princípio

(14)

Presente na história e na filosofia, mas considerando a carga naturalmente

religiosa, que o humanismo maritainiamo encerra, o que poderia levar a ser

reconhecido como metafísico ou mesmo teocêntrico, evolui-se para uma fraternidade

secular, sem a adoção de uma postura absolutamente anti-religiosa e, logo, também

fundamentalista.

Para tanto, é objeto do quarto capítulo o aprofundamento da fraternidade

numa visão pós-secular, relacionando-a com o Direito. Nesse diapasão, partindo do

culturalismo jurídico (Tobias Barreto e Miguel Reale), o trabalho percorrerá, em

especial, a doutrina do jus-humanismo normativo (Ricardo Sayeg e Wagner Balera) e

se valerá de premissas concebidas em movimento internacional, jus-filosófico,

denominado

Comunione e Diritto

, mas também da Rede Universitária de Estudos para

a Fraternidade

RUEF, ambos constituídos a partir da doutrina humanista-cristã da

pensadora italiana Chiara Lubich.

Ao final, no bojo do capitulo temático final, tendo em vista todo o fundamento

apresentado nos capítulos precedentes, abordar-se-á a fraternidade como categoria

jurídica, e a sua garantia constitucional, a partir da Constituição da República

Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988, particularmente de seu preâmbulo,

além de apresentação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que já contempla

a fraternidade como elemento fundante de alguns de seus julgados.

(15)

2 O MARCO CIVILIZATÓRIO DA FRATERNIDADE

2.1 Considerações iniciais

Quando se pensa no movimento revolucionário burguês de 1789, ou em uma

expressão mais usual, na Revolução Francesa

que cronologicamente não pode ser

identificada como um evento e sim um período (1789-1799)

, com a importância de um

processo histórico que, além de suas naturais conseqüências políticas, sociais,

econômicas e mesmo jurídicas, constituiu-se em marco de época, nos termos da

convenção secular de periodização da história (fim da Idade Moderna

1453/1789 e

início da Idade Contemporânea), imediatamente e quase como uma associação natural,

todos voltam suas mentes para a divisa consubstanciada na anunciada tríade

Liberté,

Égalité, Fraternité.

O lema revolucionário incorporou valores que, como destaca Osvaldo

Barreneche

5

, em estudo específico sobre o tema, ainda nos dias atuais encontram-se

estampados nas fachadas ou umbrais de muitos dos prédios públicos franceses,

demonstrando inequivocamente a importância que o tríptico alcançou, com todos os

seus três princípios: liberdade, igualdade e fraternidade.

É sabido que muitos movimentos sociais, lutas políticas de diversos matizes,

até mesmo aqueles com repercussão revolucionária sangrenta, desde e a partir da

Revolução Burguesa de 1789, desenvolveram a sua pauta de luta e fundamento em

prol da garantia e em nome da Liberdade ou da Igualdade. Mas o que aconteceu com a

Fraternidade? Por que restou relegada ao esquecimento ou tão somente foi

incorporado mediante referências marginais? Responde Osvaldo Barreneche

6

: ―

parece

5

BARRENECHE, Osvaldo. Los estúdios sobre fraternidad en America Latina – Introducción. In:

BARRENECHE, Osvaldo (comp). Estudios recientes sobre fraternidad: de la enunciación como principio a

la consolidación como perspectiva. Buenos Aires: Editorial Ciudad Nueva, 2010, p. 9. 6

(16)

haberse quedado em el caminho, perdido em los últimos doscientos años de la

modernidad

‖.

De fato, como averba o autor

7

, sempre se reconheceu que a

liberdade,

igualdade e fraternidade

, enquanto lema teve sua história vinculada, em regra, à cultura

européia. Mas, parece não ser rigorosamente correta tal conclusão. Em outras culturas,

os princípios, individualmente ou de forma agrupada, foram destacados. A novidade de

1789, na França, é terem aparecido todos juntos, ―destacando

-se sua dimensão e

significado político‖.

Muito embora a tríade, na sua integralidade, não tenha se transformado

imediatamente em

praxis

política, não se contesta que é de lá a sua origem, mesmo

que somente capturada como registro inaugural de referência.

Assim, é comum se atribuir à Revolução Francesa de 1789 a origem e início

do lançamento do lema que hoje figura na vigente Constituição Francesa de 1958:

liberdade, igualdade e fraternidade.

No entanto, em absoluto rigor, o

slogan

e a

proposta revolucionária

com a participação, integral e conjuntamente, das três

idéias-força, valores ou princípios, ou categorias

não se apresentaram imediatamente como

sentimento incorporado no corpo sócio-político francês da época. O lema que passou, a

partir daquele ano, a se constituir em fundamento de quase todas as reações sociais

contra o arbítrio e a opressão, do sentido mais restrito ao mais abrangente, no

continente europeu e fora dele, apareceu, de fato, na França, como palavras de ordem

expressas em estandartes (bandeiras) agitados em manifestações públicas, comuns à

época, já em e a partir do ano de 1790, espontaneamente e não como uma linha

doutrinária defina pelo movimento iluminista. Mesmo assim, como registra pioneiro

estudo de Alphonse Aulard

8

, constatou o historiador, que em um pouco mais de

7 BARRENECHE, Osvaldo. Los estúdios sobre fraternidad en America Latina – Introducción. In:

BARRENECHE, Osvaldo (comp). Estudios recientes sobre fraternidad: de la enunciación como principio a

la consolidación como perspectiva. Buenos Aires: Editorial Ciudad Nueva, 2010, p. 10.

8 ApudBAGGIO, Antônio Maria. A idéia de fraternidade em duas Revoluções: Paris 1789 e Haiti 1791 –

Pistas de pesquisa para uma compreensão da fraternidade como categoria política. In: BAGGIO, Antônio

(17)

cinqüenta bandeiras examinadas nesse período, apenas uma tratava da idéia de

fraternidade

sem, pois, se referir diretamente ao vocábulo de forma expressa (

―Viver

como irmãos, sob o império das leis‖)

. Por outro lado, nenhuma fazia menção à

igualdade

, destacando-se, no entanto, outras, a grande maioria, com as palavras

liberdade

,

união

e

lei

, por exemplo.

É de se evidenciar que o discurso revolucionário, como aduna Antonio Maria

Baggio

9

, circunscrevia-se, num primeiro momento, com especial ênfase

o que se

revela natural

em apregoar o desejo de liberdade. Nos anos subseqüentes, quando

privilégios de segmentos da sociedade ainda eram praticados (Período Monárquico), o

desejo e luta pela igualdade passou a ser a razão da permanência do processo de

reformas sociais radicais.

Mas já mesmo no ano de 1790, acrescenta Antonio Maria Baggio

10

,

observa-se uma referência à fraternidade, desta feita de forma oficial, procedimento que passou

a ser adotado, muito mais como costume do que como obrigação legal, porquanto não

havia nenhum ato normativo que determinasse a prática da fraternidade enquanto

dever. Assim, a fraternidade apareceu oficialmente, por assim dizer,

na fórmula de

juramento dos deputados eleitos para a Federação

. Assim, em 4 de julho de 1790, a

Constituição de

creta que eles devem jurar que ―

permanecerão unidos a todos os

franceses pelos laços

indissolúveis da fraternidade‖

.

Depois, também oficialmente, surgiram a

liberdade

e

igualdade

, agora juntas,

desta feita sem a referência à fraternidade. No particular, as lições ainda do antes

filósofo referenciado

11

:

9 BAGGIO, Antonio Maria. A idéia de fraternidade em duas Revoluções: Paris 1789 e Haiti 1791 – Pistas

de pesquisa para uma compreensão da fraternidade como categoria política. In: BAGGIO, Antônio Maria

(Organizador). O Princípio Esquecido/1. São Paulo: Cidade Nova, 2008, p. 25.

(18)

Somente com o juramento cívico decretado em agosto de 1792 é que a igualdade é oficialmente posta ao lado da liberdade: ―Juro que serei fiel à Nação e manterei a Liberdade e a Igualdade, ou morrerei em sua defesa‖. Essa foi, de fato, a expressão oficial e mais duradoura da Revolução, impressa inclusive nas moedas, parecendo expressar a essência da França revolucionária; uma ―divisa‖ mantida durante toda a época do Consulado e nos primeiros anos do Império, impressa no cabeçalho da correspondência de várias administrações e nos documentos oficiais.

2.2 Dois discursos revolucionários: Robespierre e Girardin

Eis que, no final do ano de 1790, a divisa restou reclamada na sua

integralidade. A original referência à fraternidade atribui-se a um famoso discurso,

dentre as dezenas de inflamadas alocuções apresentadas por Maximilien de

Robespierre

12

na Assembléia Nacional. De fato, deveria ser proferido em 05 de

dezembro de 1790, especificamente sobre a organização da Força Pública, mas, de

fato, não foi. Deveria

é de se afirmar

pois, a bem da verdade o discurso não foi

pronunciado. O seu texto, isto sim, foi amplamente difundido

impresso, distribuído e

divulgado no meio político onde transitava

como averba Antonio Maria Baggio

13

em

nota explicativa no seu profundo e detalhado trabalho de pesquisa sobre a evolução

histórica da idéia de fraternidade.

A proposta do líder jacobino cingia-se, conforme previa o projeto de texto

normativo sobre a organização ds Guardas Naionais

explicita Antonio Maria Baggio

no trabalho acadêmico muitas vezes referido

, à confecção de emblema nos uniformes

dos integrantes da Força Pública, bordado no peito, destacando-

se a referência ―

O

12 Maximilien François Marie Isidore de Robespierre (1758-1794), Advogado e político, um dos

personagens mais influentes de toda da Revolução Francesa, nasceu na cidade de Arras e morreu, executado na guilhotina, em Paris, antes de completar quarenta anos de idade.

13

BAGGIO, Antônio Maria. A idéia de fraternidade em duas Revoluções: Paris 1789 e Haiti 1791 – Pistas de pesquisa para uma compreensão da fraternidade como categoria política. In: BAGGIO, Antônio Maria

(Organizador). O Princípio Esquecido/1. São Paulo: Cidade Nova, 2008, p. 28. Reconhecendo o

momento inicial de difusão da tríade, de forma completa, também no discurso de Robespierre de 1790, à Assembléia Nacional Revolucionária, quando defendeu a legitimidade de todos os franceses de

pertencerem à Guarda Nacional, ver o texto de AGGIO, Alberto. Livres, desiguais, porém fraternos, de

(19)

Povo francês

‖, além de inscrição, logo acima, ―

Liberdade, Igualdade e Fraternidade

‖.

Idêntica inscrição da divisa, nos termos da propositura, deveria ser gravada nos

estandartes oficiais da Guarda Nacional.

O discurso de Robespierre denunciava e teve como núcleo a discriminação

praticada entre cidadãos ativos e passivos

14

, o que a seu juízo revelava-se odiosa,

merecendo ser veementemente rechaçada. Praticava-se, à época, o voto censitário

contra o qual se insurgia o revolucionário. Daí a existência de categorias ou castas, por

assim dizer, de cidadãos.

Nesse sentido, acrescenta Atahualpa Fernandez

15

,

o deputado Robespierre, que vinha lutando sozinho desde há alguns meses contra a distinção, aprovada em câmara, entre ―cidadãos ativos‖ (capazes de pagar um censo) e ―cidadãos passivos‖ (pobres), voltava agora à carga, e nada menos que em um ponto politicamente tão sensível como o caráter de classe da futura Guarda Nacional. Com isso, nada mais fez do que reclamar que todos os que eram reduzidos a ―cidadãos passivos‖ (para os quais a revolução não tinha muito que oferecer - salvo alguns incompletos e passivos direitos civis - e que não podiam aspirar a um regime de igualdade e liberdade) pudessem emergir à sociedade, a uma sociedade civil de tipo republicano.

Em outro trabalho também da lavra de Atahualpa Fernandez, elaborado em

parceria com Marly Fernandez, afirmam os autores

16

(sem o destaque no original):

14 Tal distinção foi incorporada à Constituição Francesa de 1791 que destacou a cidadania qualificada com ativa em doze oportunidades (citoyen actif ou citoyes actifs). Ver, particularmente no Título III, capítulo I, seção II, o art. 2, verbis: ―Pour être citoyen actif, il faut : - Etre né ou devenu Français; - Etre âgé de vingt-cinq ans accomplis; - Etre domicilié dans la ville ou dans le canton depuis le temps déterminé par la loi ; - Payer, dans un lieu quelconque du Royaume, une contribution directe au moins égale à la valeur de trois journées de travail, et en représenter la quittance; - N'être pas dans un état de domesticité, c'est-à-dire de serviteur à gages; - Etre inscrit dans la municipalité de son domicile au rôle des gardes nationales; - Avoir prêté le serment civique‖. Disponível em: <http://www.conseil- constitutionnel.fr/conseil-constitutionnel/francais/la-constitution/les-constitutions-de-la-france/constitution-de-1791.5082.html>. Acesso em: 29 out. 2013.

15

FERNANDEZ, Atahualpa. Fraternidade: a "Terceira" Virtude Ilustrada. Universo Jurídico, Juiz de Fora,

ano XI, 11 ago. 2008. Disponível em:

<http://uj.novaprolink.com.br/doutrina/5657/Fraternidade_A_Terceira_Virtude_Ilustrada>. Acesso em: 12 ago. 2013.

16

FERNANDEZ, Atahualpa e FERNANDEZ, Marly. Fraternidade e Política Municipal. Disponível em:

(20)

<http://www.ambito-A reação de Robespierre ante essa tentativa constitui o marco em que se situa a origem política da idéia de fraternidade: quando Robespierre se opôs na Assembléia Nacional, sozinho, à divisão entre cidadãos ativos e passivos, nada mais fez do que reclamar que todos os que eram reduzidos a cidadãos passivos (para os quais a revolução não tinha muito que oferecer - salvo alguns incompletos e passivos direitos civis - e que não podiam aspirar a um regime de igualdade e liberdade) pudessem emergir à sociedade, a uma sociedade civil de tipo republicano. A fraternidade significou um ideal de emancipação que foi parte do programa político de Robespierre.

Ensina Antonio Maria Baggio

17

, que um importante segundo discurso

contemplando o tema da fraternidade foi proferido, poucos meses depois da célebre

manifestação de Robespierre, desta feita pelo Marquês de Girardin (1735-1808), René

Louis de Girardin

18

(ou Marquês de Vauvray), em 29 de maio de 1791. Dirigido ao

Clube dos Cordeliers

(

Société des Amis des Droits de l‘Homme et du Citoyen

),

menciona Girardin as aspirações do povo francês, dentre as quais a fraternidade

universal. No entanto, a referência à divisa integral (

Liberdade, Igualdade e

Fraternidade

) não aparece no texto original do discurso e sim em acréscimos

incorporados como opinião do Clube antes referido, quando da respectiva publicação.

O

Clube dos Cordeliers

, pois, foi o real responsável pela elaboração política da idéia da

juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7310>. Acesso em: 25 out. 2013), agregam os autores a seguinte explicação: ―Note-se que a fraternidade significou um ideal de emancipação que foi parte do programa político de Robespierre, autor da divisa "liberdade, igualdade, fraternidade" que, em seu famoso discurso de 5 de dezembro de 1790, defendendo os direitos do homem e do cidadão contra o sistema censitário que pretendia aplicar-se à Guarda Nacional, apareceu por vez primeira na história universal da humanidade. No projeto de lei alternativo com que Robespierre concluía seu discurso, se determinava que ―todos‖ os cidadãos maiores de 18 anos – e não somente os ricos – seriam, de direito, inscritos na Guarda Nacional de sua comuna; que esses guardas nacionais seriam as únicas forças armadas empregadas no interior, e não o exército herdado do velho regime; que, em caso de agressão exterior, competiria aos cidadãos em armas, e somente a eles, o defender-se. E que, finalmente, levariam sobre o peito e em seus estandartes estas palavras: ―Liberdade, Igualdade e Fraternidade‖. O deputado Robespierre, que vinha lutando sozinho desde há alguns meses contra a distinção, aprovada em câmara, entre ―cidadãos ativos‖ (capazes de pagar um censo) e ―cidadãos passivos‖ (pobres), voltava agora à carga, e nada menos que em um ponto politicamente tão sensível como o caráter de classe da futura Guarda Nacional‖.

17 BAGGIO, Antônio Maria. A idéia de fraternidade em duas Revoluções: Paris 1789 e Haiti 1791 – Pistas

de pesquisa para uma compreensão da fraternidade como categoria política. In: BAGGIO, Antônio Maria

(Org.). O Princípio Esquecido/1, São Paulo: Cidade Nova, 2008, p. 29.

18 Na condição de importante figura política da Revolução Francesa, Girardin foi também membro da

(21)

fraternidade, como aduna Antonio Maria Baggio

19

, porquanto acolhia em seus quadros

também os cidadãos passivos e mulheres e os trabalhos pelo clube desenvolvidos

tinham caráter mais público, diversamente do que ocorria no Clube dos Jacobinos

Club des Amis de la Constitution

que somente admitia filiados, cidadãos ativos.

É de se evidenciar que tais discursos refletiram, num certo sentido, o

sentimento que paulatinamente se formava o seio das sociedades populares (

Sociétés

Populaires

), mas sempre voltado para a cidadania, de caráter cada vez mais

abrangente, com a ampliação da idéia de povo e a abolição de restrições eleitorais.

Apesar dos dois importantes e pontuais registros, somente no ano de 1793 a

trilogia será objeto de reconhecimento público, em razão de proposta de conduta e

procedimento, desta feita com padrão de compulsoriedade. Nesse sentio refere Antonio

Maria Baggio

20

[...] uma decisão do diretório do Departamento de Paris tornando popular a divisa, ao impor aos cidadãos o seu uso em determinada circunstância. De

acordo com uma proposta de Momoro (cordelier que provavelmente conhecia o

discurso de Girardin), o diretório convidava todos os proprietários ou principais locatários de casas em Paris a ―pendurarem nas fachadas de suas casas, em grandes caracteres, as seguintes palavras: ‗Unidade, Indivisibilidade da República, Liberdade, Igualdade, Fraternidade, ou a Morte‘‖. A ordem foi cumprida; não só em Paris, mas provavelmente também em outros distritos da província.

Como antes destacado e ainda como reforço de informação, no ano da

queda da Bastilha, a divisa revolucionária também convivia com outros

slogans

ou

idéias-força muito comuns nas manifestações públicas. Por outro lado, a tríade, a partir

de 1789

ou mais especificamente de 1793

nem sempre foi mantida como lema ou

divisa oficial da França, visto que por vezes esquecido ou mesmo substituído. Exemplo

disso, somente para buscar registro na história francesa contemporânea, foi a

19 BAGGIO, Antonio Maria. A idéia de fraternidade em duas Revoluções: Paris 1789 e Haiti 1791 – Pistas

de pesquisa para uma compreensão da fraternidade como categoria política. In: BAGGIO, Antônio Maria

(Organizador). O Princípio Esquecido/1, São Paulo: Cidade Nova, 2008, p.30.

20 BAGGIO, Antonio Maria. A idéia de fraternidade em duas Revoluções: Paris 1789 e Haiti 1791 – Pistas

de pesquisa para uma compreensão da fraternidade como categoria política. In: BAGGIO, Antônio Maria

(22)

substituição do slogan, durante o conhecido

Regime de Vichy,

para ―

Travail, famille,

patrie

‖ –

1940/1944, instaurado e vivido no Estado Francês após a ocupação nazista,

marcando o fim da Terceira República Francesa (1870-1940).

Acrescenta Osvaldo Barreneche

21

, que o princípio da fraternidade, ao lado

dos dois outros mais conhecidos e, de uma forma ou de outra, mais praticados

(liberdade e igualdade), somente foi retomado

na França

na República

Revolucionária de 1848 (início da Segunda República), agora se apresentando, os três

juntos, oficialmente, como lema oficial da República.

Não se pode esquecer que, como expõe Osvaldo Barreneche

22

, em nome da

igualdade e da liberdade anunciadas em 1789, paradoxalmente, cjustificou-se o

conhecido período da Revolução Francesa denominado

Terror

; manteve-se a guerra

em muitas oportunidades, além de se confirmar o colonialismo.

Em sintonia com o pensamento do historiador argentino

23

, é de se

reconhecer que, enquanto a palavra

liberdade

era a mais escutada e pronunciada nas

ruas de Paris, a

igualdade

e a

fraternidade

foram também compreendidas e logo

exigidas pelos escravos do Haiti, colônia francesa nas Antilhas, a partir de 1791, no

movimento revolucionário conhecido como

Revolta de São Domingos

. Apesar de na

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789

24

, o princípio de que todos

os homens nascem livres e iguais, ter sido expressamente reconhecido (

art. 1er. Les

hommes naissent et demeurent libres et égaux en droits

), não era a prática nas colônias

francesas, uma vez que fundada em economia escravagista.

21

BARRENECHE, Osvaldo. Los estúdios sobre fraternidad en America Latina – Introducción. In:

BARRENECHE, Osvaldo (comp). Estudios recientes sobre fraternidad – Dela enunciación como principio

a la consolidación como perspectiva. Buenos Aires: Editorial Ciudad Nueva, 2010, p. 11. 22 Ibidem, p.11.

23

Ibidem, p. 11-12.

(23)

Os haitianos transformaram os três princípios em ação política, muito antes e

diversamente do que ocorria no continente europeu, obtendo o país a emancipação

política em 1804, e passando a se constituir como a primeira república liderada por

pessoas da raça negra, além de primeira nação independente da América Latina

25

.

2.3 A referência ao constitucionalismo francês

Antes de prosseguir na evolução histórica do princípio e na busca de suas

origens e fundamentos alguns registros complementares se impõem nesse processo,

relativamente ao constitucionalismo no país-berço do princípio da fraternidade, que

depois será retomando em capítulo específico desta tese.

Primeiro: a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de

agosto de 1789, trata da igualdade e da liberdade, mas não da fraternidade.

Segundo: no Constitucionalismo Francês, que já conheceu 15 (quinze)

constituições

26

, a Constituição de 03 e 04 de setembro 1791, incluindo a declaração

introdutória, referiu-se dez vezes à

liberdade

e uma vez à

igualdade

. Relativamente à

fraternidade

fa

z menção ao princípio tão somente como ―fraternité entre les citoyens‖,

nas disposições fundamentais garantidas pela Constituição (Título I)

27

. A Constituição

25

Somente em 04 de fevereiro de 1794 a Convenção francesa aprovou, sob a condução de Maximilien

Robespierre, a abolição da escravatura. Centre for Research on Globalization. Disponível em:

<http://www.globalresearch.ca/france-and-the-history-of-haiti/17130>. Acesso em: 25 out. 2013. A vigente

Constituição do Haiti de 29 de março de 1987 mantém, no seu art. 4, o seguinte texto: The national motto

is: Liberty; Equality, Fraternity. Disponível em:

<http://pdba.georgetown.edu/constitutions/haiti/haiti1987.html>. Acesso em: 25 out. 2013. Em língua francesa, ver o registro na página web do Conselho Constitucional Francês, disponível em: <http://www.accpuf.org/images/pdf/cm/haiti/031-tf-txt_const.pdf>. Acesso em: 25 out. 2013.

26

Todas as Constituições Francesas, a partir deste parágrafo citadas, tiveram seus textos extraídos da

página web oficial (site) do Conselho Constitucional Francês. Disponível em:

<http://www.conseil- constitutionnel.fr/conseil-constitutionnel/francais/la-constitution/les-constitutions-de-la-france/les-constitutions-de-la-france.5080.html>. Acesso em: 25 out. 2013.

(24)

de 24 de junho de 1793 (Primeira República

Ano I), não menciona o termo. Na Carta

Constitucional de 22 de agosto de 1795, a do Ano III, a mesma referência da de 1791,

no art. 301; na de 13 de dezembro de 1799, na de 04 de agosto de 1802, na de 18 de

maio de 1804; na de 04 de junho de 1814, no Ato Adicional de 22 de abril de 1815, na

de 14 de agosto de 1830, em todas elas não se observa qualquer menção ao princípio

da fraternidade.

Terceiro: somente na Constituição de 04 de novembro de 1848

28

(Segunda

República), especificamente no item IV do respectivo

Preâmbulo

, existe referência

expressa à Fraternidade, como Princípio da República, nos termos seguintes

: ―Elle a

pour principe la Liberté, l'Egalité et la Fraternité. Elle a pour base la Famille, le Travail,

la Propriété, l'Ordre public‖.

Em outros dois momentos, encontram-se referências

indiretas à fraternidade, relativamente ao relacionamento entre os cidadãos e em

especial os necessitados (itens VII e VII do preâmbulo

fraternalmente; assistência

fraternal)

.

Na Carta Magna de 14 de janeiro de 1852; na Constituição de 1875 (Leis

Constitucionais) e na Lei Constitucional do Governo Provisório de 1945, todos os textos

são omissos quanto à menção à fraternidade, enquanto valor ou particularmente

princípio.

Quarto: finalmente, na Constituição de 27 de outubro de 1946

29

(Quarta

República), ao tratar das instituições da República, especifica quanto se refere à

soberania, no Título I, registra

no art. 2

a divisa oficial da República francesa:

la

devise de la République est: ―Liberté, Egalité, Fraternité"

.

fraternité entre les citoyens, et les attacher à la Constitution, à la Patrie et aux lois‖. Disponível em: <http://www.conseil-constitutionnel.fr/conseil-constitutionnel/francais/la-constitution/les-constitutions-de-la-france/constitution-de-1791.5082.html>. Acesso em: 26 out. 2013.

28

(25)

Quinto e último: na Constituição de 04 de 0utubro de 1958

30

(Quinta

República), revisada em 23 de julho de 2008, em vigor, assim como na Constituição de

1946, também no art. 2, trata da Fraternidade (

La devise de la République est ―Liberté,

Égalité, Fraternité‖

), com um acréscimo no preâmbulo e no art. 72-3, sob o destaque de

ideal comum (juntamente com a liberdade e igualdade).

2.4 Origens e fundamento do ideal de fraternidade

Voltando à evolução e as busca dos fundamentos do princípio e após a

apresentação da origem do uso do termo

fraternidade

, em meio à sociedade da época

e mesmo de forma oficial após a eclosão do movimento revolucionário, como destacado

nos dois famosos discursos (Robespierre e Girardin), uma indagação se impõe: seria

possível concluir que foi, de fato, na doutrina revolucionária, é dizer, na teoria iluminista,

que se observa o nascimento e a elaboração original da divisa tão invocada,

particularmente do valor/princípio fraternidade?

Não se contesta que a tríade

Liberdade, Igualdade e Fraternidade

possui

inequívoca expressão política e deve mesmo ser considerada como resultado de

criação coletiva de uma época, como averba Antonio Maria Baggio

31

. A sua utilização

conjunta, no entanto, poderia ser atribuída a algum pensador, especificamente, antes

mesmo da difusão da doutrina que deu fundamento à Revolução de 1789?

Antonio Maria Baggio atribui ao filósofo francês e humanista cristão Étienne

de La Boétie, na segunda metade do século XVI (1550), a autoria da primeira referência

aos três princípios, a partir da identificação de características diferentes entre todos os

homens, mas com o objetivo de que fosse cultivada entre eles a

afeição fraterna

, para

30 Disponível em: < http://www.conseil-constitutionnel.fr/conseil-constitutionnel/francais/la-constitution/la-constitution-du-4-octobre-1958/texte-integral-de-la-constitution-du-4-octobre-1958-en-vigueur.5074.html >. Acesso em: 05 nov. 2013.

31 BAGGIO, Antônio Maria. A idéia de fraternidade em duas Revoluções: Paris 1789 e Haiti 1791 – Pistas

de pesquisa para uma compreensão da fraternidade como categoria política. In: BAGGIO, Antônio Maria

(26)

considerá-los iguais (companheiros e irmãos). A igualdade permitiria, nessa linha de

compreensão, a liberdade.

Apresentou o La Boétie, como anuncia o pesquisador do Instituto

Universitário Sophia (Florença), Antonio Maria Baggio

32

, uma relação dinâmica entre os

três princípios, ―baseada no papel fundamental da fraternidade, entendida não como

simples sentimento, mas como racionalidade fraterna, ou seja, como interpretação

correta da igualdade e da diversidade humanas‖.

Depois, no séc. XVII, ainda na esteira das investigações de Antonio Maria

Baggio, a fraternidade aparece na obra de outros pensadores católicos, destacando-se

François Fénelon (

Aventuras de Telêmaco

). Influenciado, por certo, pela obra dos

chamados Padres da Igreja, a idéia de igualdade, liberdade e fraternidade ganha força,

sempre com fundamento na vida das primeiras comunidades cristãs.

Logo, como conclui Antonio Maria Baggio

33

, em que pese ter obtido

inquestionável impulso nos anos iniciais revolucionários, a idéia original é cristã. Não há

como contestar.

Da tríade, como avalia Giuseppe Savagnone

34

em perfeita sintonia com as

investigações de Antonio Maria Baggio, particularmente a fraternidade foi valorizada a

partir do advento do cristianismo.

O professor de história e filosofia em Palermo (Itália), Giuseppe Savagnone,

justifica a sua afirmação, resgatando considerações referentes ao pensamento

32 Ibidem, p. 38.

33

BAGGIO, Antônio Maria. A idéia de fraternidade em duas Revoluções: Paris 1789 e Haiti 1791 – Pistas

de pesquisa para uma compreensão da fraternidade como categoria política. In: BAGGIO, Antônio Maria

(Org.). O Princípio Esquecido/1, São Paulo: Cidade Nova, 2008, p. 39.

34

SAVAGNONE, Giuseppe. Fraternidade e comunicação, com especial referência à comunicação

jornalística.In: BAGGIO, Antonio Maria (Org.). O Princípio Esquecido/2: Exigências, recursos e definições da fraternidade na política. São Paulo: Cidade Nova, 2009, p. 196-205. Em língua espanhola ver, do mesmo autor, Fraternidad y comunicación. En particular, fraternidade y comunicação periodística. In:

BAGGIO, Antonio Maria [comp.]. El princípio olvidado: la fraternidade: en la Política y el Derecho. Buenos

(27)

aristotélico, para distinguir a fraternidade da discutida e conhecida

philía

grega. É o que

se apresentará a seguir.

2.5 A

philía

aristotélica

Aristóteles, na clássica obra

Ética a Nicômaco

, especificamente nos Livros

VIII e IX

35

, dedica-se ao estudo da natureza da amizade, afirmando que é uma virtude

ou implica virtude, além de extremamente necessária à própria vida.

Justifica Aristóteles que a amizade

36

ajuda os jovens a evitar o erro; ajuda os mais velhos, amparando-os em suas necessidades e suprindo as atividades que declinam com o passar dos anos; e os que estão no vigor da idade ela estimula a prática de nobres ações, pois com amigos – ―dois que andam juntos‖ – as pessoas são mais capazes de agir e de pensar.

O valor conferido pelo filósofo à amizade é tal, que chega ao ponto de

reconhecer que entre amigos até mesmo a

justiça

será desnecessária

37

.

Para Aristóteles há três espécies de amizade

38

: a fundamentada no

interesse

, a que se baseia no

prazer

e, a verdadeiramente

virtuosa

, que existe em

razão do caráter. E explica, partindo dos qualificativos

útil

,

agradável

e

bom

(sem os

destaques):

35

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2003, p. 172-215.

36 Ibidem, p. 172

37 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2003, p. 173: ―Quando os homens são

amigos não necessitam de justiça, ao passo que mesmo os justos necessitam também da amizade; e considera-se que a mais autêntica forma de justiça é uma espécie de amizade‖.

38

(28)

Aqueles que fundamentam sua amizade no interesse, amam-se por causa de sua utilidade, por causa de algum bem que recebem um do outro, mas não amam um ao outro por si mesmos. O mesmo se pode dizer a respeito dos que

se amam por causa do prazer; não é por causa do caráter que os homens

amam as pessoas espirituosas, mas porque as consideram agradáveis. Desse

modo, os que amam as outras por interesse, amam pelo que é bom para eles

mesmos, e os que amam em razão do prazer, amam em virtude do que é

agradável a eles, e não porque o outro é a pessoa amada, mas porque ela é útil ou agradável.

Asseverando que a amizade desenvolvida em razão do que é

útil

ou do

agradável

revela-se apenas acidental e temporária (efêmera) e que pode ser desfeita

facilmente, uma vez que a pessoa é amada enquanto proporciona algum bem ou

prazer

39

, Aristóteles apresenta a espécie de amizade que reputa perfeita

40

(

teleia

philía

): ―amizade perfeita é aquela que existe

entre os homens que são bons e

semelhantes em virtude, pois tais pessoas desejam o bem um ao outro de modo

idêntico, e são bons em si mesmos‖.

Nesse passo, acrescenta

41

:

Aqueles que desejam o bem aos seus amigos por eles mesmos são amigos no sentido mais próprio, porque o fazem em razão da sua própria natureza e não por acidente. Por essa razão, sua amizade durará enquanto essas pessoas forem boas, e a bondade é uma coisa muito duradoura. E cada uma dessas pessoas é boa em si mesma e para o seu amigo, pois os bons são bons em absoluto e reciprocamente úteis, Dessa forma, essas pessoas são também agradáveis, pois os bons o são tanto em si mesmos como um para o outro uma vez a cada um suas próprias atividades são motivo de prazer, e as ações dos homens bons são as mesmas ou parecidas.

39 Ibidem, p. 175.

40

Ibidem, p. 176. Retomando a idéia de amizade perfeita, Aristóteles, em outro trecho da Ética a Nicômaco, destaca que a perfeição desta espécie de amizade qualifica-se ―tanto no que se refere à duração quanto a todos os outros aspectos, e nela cada um recebe do outro, em todos os sentidos, o mesmo que dá, ou algo semelhante; e é isto o que deve ocorrer entre os amigos‖ (Ibidem, p. 177). Em seguida conclui: ―Quando a amizade é por prazer ou interesse até os maus podem ser amigos uns dos outros, ou os bons podem ser amigos dos maus, ou aquele que não é bom nem mau poder amigo de qualquer tipo de pessoa; mas pelo que são por si mesmos, só os homens bons podem ser amigos. De fato, as pessoas más não se deleitam com o convívio uma das outras, salvo se essa relação lhe traz algum proveito‖ (Ibidem, p.177).

41

(29)

Contudo, é de se constar que, mesmo na

teleia philía

, qualificada pelo

Estagirita como permanente, é possível detectar certo grau de utilitarismo (vantagem)

ou hedonismo (prazer).

Distinguindo amor (

philésis

) de amizade (

philía

), o primeiro, identificado como

sentimento ou afeição e o segundo, apresentado como disposição de caráter

42

,

Aristóteles reconhece na

philía

muito mais do que um sentimento, pois, como destaca

João Silva Lima

43

, somente será vivida numa relação de reciprocidade, a partir de uma

mútua escolha e comunhão constante, fundamentada na igualdade e no desejo mútuo

do bem. Considerando tais atributos, a

philía

perfeita será extremamente seletiva. Para

Aristóteles, considerando os atributos da

teleia philía

, ninguém poderá vivê-la com

muitas pessoas ao mesmo tempo

44

.

No particular, incorpora--se resumo explicativo de Zeferino Rocha

45

:

O segredo da amizade perfeita consiste em ser ela a amizade dos homens que são ―bons em si mesmos‖, vale dizer cuja bondade vem de dentro e não está incidentalmente relacionada a uma outra coisa, como por exemplo, ao interesse ou ao prazer. Os verdadeiros amigos são semelhantes na virtude, e por isso desejam igualmente o bem uns dos outros enquanto são bons. E como a bondade que vem de dentro é duradoura, a amizade virtuosa é também aquela que mais dura.

Ora, das várias espécies de

philía

identificadas por Aristóteles, todas

demandam determinada igualdade material entre os que a vivem e, nesse passo, é de

42 Afirma o filósofo (Ibidem, p. 179): ―Parece que o amor é sentimento e a amizade uma disposição de

caráter; com efeito, pode-se sentir amor até pelas coisas inanimadas, mas o amor mútuo envolve escolha, e a escolha origina-se de uma disposição de caráter. Ademais, os homens desejam bem àqueles a quem amam por eles mesmos, e não em razão de um sentimento, mas de uma disposição de caráter‖.

43 LIMA, João Silva. O Problema da Philía em Aristóteles (um estudo dos livros VIII e IX da Ética a

Nicômaco). 1997. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1997. Disponível em: <http://cutter.unicamp.br/document/?code=vtls000121446>. Acesso em: 28 out. 2013.

44 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2003, p. 180.

45

ROCHA, Zeferino. O amigo, um outro si mesmo: a Philia na metafísica de Platão e na ética de

(30)

se reconhecer, entre elas, certa hierarquia como sugere João Silva Lima ou mesmo

patamares: ―primeiro e no sentido próprio a

philía virtuosa

; segundo, por maior

semelhança àquela, a

philía por prazer

e, terceiro, a

philía por utilidade

, que é própria

dos espíritos mercantis‖.

O filósofo grego, no curso de suas investigações

46

, no entanto, faz referência

à amizade entre desiguais, numa relação de superioridade ou hierarquia entre as

partes. Revela-se possível, segundo sua doutrina, viver a

philía

não somente numa

relação de igualdade, mas também entre desiguais (quem manda e quem obedece;

entre pai e filho; entre marido e mulher; entre uma pessoa mais velha e a mais jovem).

Nesse quadro, uma admoestação procede e vem do próprio Filósofo:

Em todas as amizades que envolvem desigualdade, o amor também deve ser proporcional, isto é, a parte melhor deve receber mais amor do que dá, assim como deve ser mais útil, e de modo análogo em cada um dos outros casos, pois quando o amor é proporcional ao merecimento das partes estabelece-se, de certa forma a igualdade, que é considerada uma característica essencial da amizade.

Destaca Giuseppe Savagnone

47

, contudo, que apesar da possibilidade

evidenciada nos parágrafo anteriores, ―é evidente que sem uma certa igualdade que

garanta a reciprocidade

, não pode haver amizade‖. Essa é razã

o pela qual Aristóteles

ressalta e Giuseppe Savagnone reconhece

48

que ―quando a disparidade de condição

entre os amigos se torna excessiva, até a amizade entre esses desiguais torna-se

impossível‖.

46 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2003, pp. 181-182.

47 SAVAGNONE, Giuseppe. Fraternidade e comunicação, com especial referência à comunicação

jornalística. In: BAGGIO, Antonio Maria (organizador), O Princípio Esquecido/2 – Exigências, recursos e definições da fraternidade na política. São Paulo: Cidade Nova, 2009, p. 198.

48

(31)

Daí a importante conclusão de Gauthier-Jolif

49

, quando, em síntese feliz

afirmou:

Aristóteles nem suspeitou da existência do amor-ágape [...]. A philía não é um

dom gratuito [...], ela retribui aquilo que recebe; e é por isso que não existe nem (como o Eros) o amor do inferior pelo superior, nem (como o ágape) o amor do superior pelo inferior. Falando com propriedade, só existe o amor do igual pelo igual.

Conclui-se, no pensamento do filósofo grego que: a) não é possível amar

todas as coisas e sim apenas o que é bom; b) não há nada de estranho em romper uma

amizade quando baseada na utilidade ou no prazer, se os amigos já não mais possuem

tais atributos; c) o amigo, no entanto, é sempre

outro ―eu‖

50

, mas isso somente em

relação ao homem bom.

Um dado importante a agregar e que distancia de eventual relação que se

vislumbre entre a

philía

grega e a fraternidade, como já evidenciado por toda a narrativa

apresentada

considerando as diversas espécies de

philía

e a dicotomia homem

bom/mau

, é que o pensamento do mundo grego, ou mesmo greco-latino, mas

particularmente o grego, associava

fraternidade

com

laços de família

, incompatível às

relações praticadas com lastro na liberdade ou mesmo na igualdade.

Como assevera Giuseppe Savagnone

51

, ―para os gregos, a plena

explicitação da subjetividade só é possível na vida política, que nasce precisamente da

superação dos laços familiares‖.

49 Apud SAVAGNONE, Giuseppe, Fraternidade e comunicação, com especial referência à comunicação

jornalística. In: BAGGIO, Antonio Maria (Org.). O Princípio Esquecido/2 – Exigências, recursos e definições da fraternidade na política. São Paulo: Cidade Nova, 2009, p. 199.

50

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2003, p. 201. Observa-se aqui o que

poderia ser identificado na teoria aristotélica como uma tendência para a alteridade.

51 SAVAGNONE, Giuseppe. Fraternidade e comunicação, com especial referência à comunicação

jornalística. In:BAGGIO, Antonio Maria (Org.), O Princípio Esquecido/2: Exigências, recursos e definições da fraternidade na política. São Paulo: Cidade Nova, 2009, p. 196. A afirmação tem como base as lições

de Hannah Arendt, quando afirma ―a fundação da pólis foi precedida pela destruição de todas as

(32)

Para justificar a sua afirmação, invoca o autor as lições de Hannah Arendt

52

quando, de forma precisa, no seu sempre citado

A condição humana

, averba:

Ser político, viver em uma pólis, significava que tudo era decidido mediante palavras e persuasão, e não pela força e violência. Para os gregos, forçar pessoas mediante violência, ordenar ao invés de persuadir, eram modos

pré-políticos de lidar com as pessoas, típicos da vida fora da pólis, característicos

do lar e da vida em família, em que o chefe da casa imperava com poderes incontestes e despóticos, ou da vida nos impérios bárbaros da Ásia, cujo despotismo era freqüentemente comparado à organização doméstica.

Especificamente no ponto parece necessário acrescentar o que ainda ensina

Hannah Arendt

53

, quando explica que ―a

pólis

diferenciava-se do lar pelo fato de

somente conhecer iguais, ao passo que o lar era o centro da mais severa

desigualdade‖. E mais: ―dentro do domínio do lar, a liberdade não existia, pois o chefe

do lar, seu governante, só era considerado livre na medida em que tinha o poder de

deixar o lar e ingressar no domínio político, no qual todos eram iguais‖.

Ora, como na visão aristotélica o homem é um animal político (

zoon

politikon

), é de se concluir com João Silva Lima

54

, que o ser humano ―somente realiza

sua essência na

pólis

, comunidade política por excelência que reúne efetivamente as

condições necessárias à felicidade‖. Felicidade ou

mais precisamente a sua conquista

Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012, p. 29). Na nota 6, na mesma página, trazendo o pensamento de Fustel de Coulanges (A cidade antiga), a autora corrobora o seu entendimento afirmando que o ―o

regime da gens, baseado na religião da família, e o regime da cidade ‗eram , na verdade, duas formas

antagônicas de governo (...). Ou a cidade desagregava a família, com o tempo, ou não poderia perdurar‘‖.

52 ARENDT, Hannah. A condição humana. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012, p. 31-32.

53

ARENDT, Hannah. A condição humana. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012, p. 38-39.

54

LIMA, João Silva. O Problema da Philía em Aristóteles (um estudo dos livros VIII e IX da Ética a Nicômaco), dissertação de Mestrado, aprovada em 17 de dezembro de 1997, Campinas: UNICAMP. Disponível em: <http://cutter.unicamp.br/document/?code=vtls000121446>. Acesso em: 28 de outubro de

2013. A conclusão do autor encontra eco em ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, São Paulo: Martin

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