5 A GARANTIA CONSTITUCIONAL DA FRATERNIDADE
5.3 A dignidade da pessoa humana como fundamento do constitucionalismo
Apresentada, mesmo que em apertada síntese, a evolução do processo de
consagração dos direitos humanos fundamentais
357e a dominante compreensão
doutrinária sobre a matéria, até ser alcaçando o estágio do constitucionalismo fraternal,
propõe-se avançar a partir da análise do alcance e da exigibilidade de tais direitos.
Questiona-se: são os direitos humanos fundamentais absolutos? Como tratar
o ser humano, como titular de direitos humanos fundamentais, numa sociedade
pluralista, que tende para a fraternidade, como é o desejo contemporâneo, expresso,
por exemplo, em determinadas Constituições vigentes, como antes declinado? Há,
ainda, espaço para individualismos sem limites?
Diante de um mundo e da humanidade que busca encontrar novos
paradigmas, como enfrentar conflitos sociais numa perspectiva de garantia dos direitos
humanos fundamentais?
Registra Vera Araújo
358, a partir das lições de Coser, que ―a existência de
conflitos no interior de um grupo e entre eles é uma característica perene da vida social,
um componente essencial da interação em cada sociedade conhecida‖.
Assim, na linha do indigitado posicionamento, com a citada socióloga é de se
reconhecer que a proposta não é eliminar os conflitos – até pelo fato de não ser
faticamente possível
–, mas compreendê-los, particularmente quando se tornam
prejudiciais ou disfuncionais ao bem-comum. Os conflitos são decorrências naturais dos
relacionamentos. Existem e sempre existirão. E a existência do conflito não é fato em si
357 Como já antes explicitado, adotou-se, nesta tese, a nomenclatura direitos humanos fundamentais,
pelas razões aduzidas na nota 273.
negativo. Revela-se, contudo, necessário adentrar no âmago do conflito, tendo sempre
em conta o princípio da dignidade da pessoa humana.
A positivação do princípio da dignidade da pessoa humana, gravado hoje na
Constituição brasileira, no seu art. 1º, III, mas também em outras Cartas Constitucionais
(Portugal
359, Alemanha
360, Grécia, Espanha, Cuba, Venezuela, Peru, Chile, Guatemala
e Bolívia, somente para citar algumas
361), portanto com inequívoca formulação jurídica,
é resultado da doutrina social da igreja católica.
As raízes evangélicas do princípio são inegáveis. A exortação apostólica de
João Paulo II, intitulada Christifideles Laici
362, registra que de todas as criaturas
terrenas, só o homem é ―pessoa, sujeito consciente e livre e, precisamente por isso,
centro e vértice de tudo o que existe sobre a terra‖. Nela, João Paulo II
363afirma que ―a
dignidade pessoal é o bem mais precioso que o homem tem, graças ao qual ele
transcende em valor a todo o mundo material‖.
Nessa linha de explicitação, o destacado documento pontifício
364conclui que,
―em virtude da sua dignidade pessoal, o ser humano é sempre um valor em si e por si, e
359 ―Artigo 1.º (República Portuguesa) Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da
pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária‖. Constituição da República Portuguesa, de 02 de abril de 1976 (Revisão Constitucional de 2005). Disponível em: <http://www.igfse.pt/upload/docs/2013/constpt2005.pdf>. Acesso em: 19 nov. 2013.
360
“Art. 1º. 1. A dignidade da pessoa humana é intangível. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todo o poder público‖. Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, de 23 de maio de 1949. Disponível em: <http://www.brasil.diplo.de/contentblob/3254212/Daten/1330556/ConstituicaoPortugues_PDF.pdf>. Acesso em: 19 nov. 2013.
361 Cf. JACINTHO, Jussara Maria Moreno. Dignidade Humana: Princípio Constitucional. Curitiba: Juruá
Editora, 2006, p. 83-88, onde os dispositivos específicos das respectivas Constituições, pertinentes aos oito últimos países, encontram-se transcritos.
362 IGREJA CATÓLICA. Papa (1978-2005: João Paulo II). . Exortação Apostólica Pós-Sinodal
Christifidelis Laici sobre a vocação e missão dos leigos na igreja e no mundo (30.12.88). Item 37.
Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/apost_exhortations/documents/hf_jp- ii_exh_30121988_christifideles-laici_po.html>. Acesso em: 19 nov.2013.
363 IGREJA CATÓLICA. Papa (1978-2005: João Paulo II). . Exortação Apostólica Pós-Sinodal
Christifidelis Laici sobre a vocação e missão dos leigos na igreja e no mundo (30.12.88). Item 37.
Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/apost_exhortations/documents/hf_jp- ii_exh_30121988_christifideles-laici_po.html>. Acesso em: 19 nov.2013.
364
exige ser consdierado e tratado como tal, e nunca ser considerado e tratado como um
objecto que se usa, um instrumento, uma coisa‖.
Não sem razão as pessoas são destacadas, cada uma em si, com os
caracteres de unicidade e de irrepetibilidade. Por isso, o expresso reconhecimento,
ainda na multicitada exortação, de que ―a dignidade pessoal constitui o fundamento de
igualdade de todos os homens entre si‖
365.
Carlos Ayres Britto
366, sobre o tema, mas em perspectiva jurídica,
acrescenta que
o princípio jurídico da dignidade da pessoa humana decola do pressuposto de que todo ser humano é um microcosmo. Um universo em si mesmo. Um ser absolutametne único, na medida em que, se é parte de um todo, é também um todo à parte; isto é, se toda pessoa naturaal é parte de algo (o corpo social), é ao mesmo tempo um algo a parte. A exibir na lapela da própria alma o bóton de uma originalidade que ao Direito só compete reconhecer até para se impor como expressão, da vida comum civilizada.
Ora, postas as premissas, associadas ao reconhecimento de que ―a pessoa
humana não existe para viver isoladamente, mas com os outros em comunidade‖
367, de
suma importância a correta compreensão do valor dignidade, particularmente como
fundamento do constitucionalismo fraternal.
A dignidade da pessoa humana está na raiz desta nova etapa de
consagração dos direitos humanos fundamentais. Assim entendida, como um valor
365
IGREJA CATÓLICA. Papa (1978-2005: João Paulo II). . Exortação Apostólica Pós-Sinodal
Christifidelis Laici sobre a vocação e missão dos leigos na igreja e no mundo (30.12.88). Item 37.
Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/apost_exhortations/documents/hf_jp- ii_exh_30121988_christifideles-laici_po.html>. Acesso em: 19 nov.2013.
366
BRITTO, Carlos Ayres. O humanismo como categoria constitucional. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2007, p. 27.
367 Conclusão inserida no item 74 das recomendações e propostas apresentadas pelos Bispos católicos
brasileiros, reunidos na XXVII Assembléia Geral da CNBB, em 1989. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Exigências éticas da ordem democrática. In: ASSEMBLEIA GERAL DA CNBB, 27, 1989, Itaici. Disponível em: <http://www.cnbb.org.br/publicacoes-2/documentos-cnbb/doc_view/104-42- exigencias-eticas-da-ordem-democratica>. Acesso em: 10 mar. 2014.
inerente a todo e qualquer ser humano, integrando a sua própria natureza, estará
sempre vinculada ao conceito de pessoa.
Nesse sentido, as lições Fernando Ferreira dos Santos
368, em uma das
primeiras monografias sobre o tema, após a promulgação da Constituição do Brasil de
1988. Destaca
o conceito de pessoa, como categoria espiritual, como subjetividade, que possui valor em si mesmo, como ser de fins absolutos, e que, em conseqüência, é possuidor de direitos subjetivos ou direitos fundamentais e possui dignidade, surge com o Cristianismo, com a chamada filosofia patrística, sendo depois desenvolvida pelos escolásticos.
Tomás de Aquino, a seu turno, encontrando fundamento teológico, destaca a
dignidade a partir da criação do homem à imagem e semelhança de Deus. Reconhece,
também, nas suas magnas lições, que a dignidade deriva da racionalidade
369.
Giovanni Pico Della Mirandola, com o seu clássico Discurso sobre a
dignidade do homem
370, apresenta no séc. XV, o que passou a ser reconhecido como o
manifesto renascentista do homem, descrito como o centro do mundo, e procura
demonstrar como o homem é um ser livre, capaz de decidir o seu destino e cumprir a
sua natureza. Confere, assim, uma visão antropocêntrica e individualista do mundo. É
uma obra de transição entre o mundo medieval e o mundo moderno.
Ora, a partir de lições com tal fundamento e com o desenvolvimento da
doutrina jusnaturalista não mais fundamentada em razões teológicas ou puramente
368
SANTOS, Fernando Ferreira. Princípio Constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1999, p. 19.
369 AQUINO, Tomás de. Suma Teológica, Vol. I. São Paulo: Loyola, 2001. Ver o estudo de Bruno
Leonardo Lacerda, A dignidade humana em Giovanni Pico Della Mirandola. Revista Legis Augustus (Revista Jurídica). v. 3, n.1, set. 2010, p. 18.
370
MIRANDOLA, Giovanni Pico Della. Discurso sobre a dignidade do homem. Edição bilíngüe, Lisboa: Edições 70. LDA, 2008.
metafísicas e passando o direito por um processo de racionalização, é com Immanuel
Kant que se completa o processo de secularização da dignidade
371.
Afirma Kant
372:
O Homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe como um fim em si mesmo, não simplesmente como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas ações, tanto nas que se dirigem a ele mesmo como nas que se dirigem a outros seres racionais, ele tem sempre de ser considerado simultaneamente como um fim.
Legou, portanto, ao mundo a constatação de que o homem será sempre fim,
nunca meio. Um fim em si mesmo. Logo, dignidade como valor interno absoluto. Assim
concebido, o homem, o ser humano, jamais poderá ser instrumentalizado ou
―coisificado‖.
Examinando o pensamento de Kant, Béatrice Maurer
373, especificamente no
aspecto relacionado ao respeito à dignidade da pessoa humana, com o filósofo alemão
reconhece que ―a exigência do respeito em Kant é dupla: traduz o direito de que sua
dignidade seja respeitada por outro e o dever de respeitar sua própria dignidade e a do
outro‖. Dessa forma, a partir das lições kantianas, conclui a autora
374, que ―a dignidade
não é algo relativo‖ e ―a pessoa não tem mais dignidade em relação a outra pessoa‖.
Exatamente em razão de tais atributos a dignidade do homem, na sua visão, é um
absoluto, total e indestrutível
375.
371
Ver, nesse sentido, as lições de Ingo Wolfgang Sarlet, Dignidade da Pessoa Humana e Direitos
Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004, p. 32.
372 KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Trad. Paulo Quintela. São Paulo:
Abril Cultural, 1980, p. 134. (Os Pensadores)
373
MAURER, Béatrice. Notas sobre o respeito da dignidade da pessoa humana... ou pequena fuga incompleta em torno do tema central. In: Dimensões da Dignidade: ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2005, p. 80.
374
MAURER, Béatrice. Notas sobre o respeito da dignidade da pessoa humana... ou pequena fuga incompleta em torno do tema central. In: Dimensões da Dignidade: ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2005, p. 81.
375
Como visto, independentemente de possuir raiz teocêntrica ou fundamento
antropocêntrico, secular e racional, a dignidade será sempre e inexoravelmente
compreendida como uma ―qualidade intrínseca da pessoa humana‖
376.
A dignidade da pessoa humana cumprirá um papel de vital importância na
delimitação do alcance dos direitos humanos fundamentais no ordenamento jurídico
brasileiro. Em face da sua apresentação pelo legislador constituinte como fundamento
do Estado Democrático de Direito (art. 1º, III
– CF), todos os direitos humanos
fundamentais, necessariamente, possuirão um conteúdo mínimo de dignidade, em
razão da natureza especial por meio da qual foram concebidos.
É o que passou a ser denominado de conteúdo mínimo da dignidade,
identificado por segmentos variados da doutrina, com um destaque especial: núcleo
essencial
377; mínimo existencial
378; minimum invulnerável
379ou mesmo coração do
patrimônio jurídico-moral da pessoa
380. Essa reserva incondicional gravada como
essência ou âmago das Cartas Constitucionais terá caráter absoluto.
Como elemento intrínseco ao ser humano não poderá ser objeto de
concessões, mitigações, ponderações ou relativizações. É o núcleo, o cerne, a
essência; é o mínimo e, em nenhuma hipótese cederá espaço a outro princípio, direito
ou valor, eventualmente em conflito.
No texto da Carta da República de 1988, o minimum invulnerável pode ser
destacado em regramentos de conteúdo diverso. Pode se pinçado, por exemplo, da
cláusula constitucional de que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento
desumano ou degradante (art. 5º, III); ou
naquel‘outra que garante aos presos o
376 Sarlet, Ingo Wolfgan. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 2004, p. 41.
377
Ibidem, p. 135.
378
BRITTO, Carlos Ayres. O Humanismo como categoria constitucional. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2007, p. 98.
379 SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. São
Paulo: Celso Bastos Editor, 1999, p. 94.
380 ROCHA, Carmem Lúcia Antunes da. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e a exclusão
respeito à integridade física e moral (art. 5º, XLIX); ou em disposições que asseguram
acessibilidade às pessoas com deficiência (art. 227, § 2º e art. 244); na regra que
contempla a garantia do salário mínimo capaz de satisfazer as necessidades básicas
da pessoa e da família (art. 7º, IV) e na que estabelece proibição de discriminação por
motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (art. 7º. XXX); somente para identificar
alguns
381.
O direito pretoriano, especificamente e no ponto, construído a partir de
arestos originários do Excelso Pretório nacional
382, expressa a necessidade de
incondicional garantia do mínimo existencial, tendo em vista os direitos constitucionais
concebidos como essenciais, que deverão ser assegurados. É de se evidenciar,
inclusive, que o mínimo existencial não poderá ser mitigado pela conhecida teoria da
reserva do possível, pois, como registra o Ministro Celso de Mello, em vários de seus
substanciosos votos e especialmente na condição de relator no ARE 639337 AgR
383,se
possível fosse, funcionaria como nefasto artifício apto a fraudar, frustar ou mesmo
inviabilizar, por exemplo, políticas públicas definidas na própria Constituição que têm o
seu fundamento na dignidade da pessoa humana. Como acrescenta o citado Ministro
381 Nagib Slaib Filho, no seu Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004, p. 155,
também enxerga a manifestação do princípio da dignidade da pessoa humana em muitos dos dispositivos constitucionais colacionados.
382
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI 708667 AgR, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 28/02/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-069 DIVULG 09-04-2012 PUBLIC 10-04-2012. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1888652>. RE 634643 AgR, Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 26/06/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-158 DIVULG 10-08-2012 PUBLIC 13-08-2012. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=2533792>. RE 628159 AgR, Relatora: Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 25/06/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-
159 DIVULG 14-08-2013 PUBLIC 15-08-2013. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=4323920>. AI 835956 AgR, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 07/05/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-
125 DIVULG 28-06-2013 PUBLIC 01-07-2013. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=4105563>. Acesso, todos, em: 16 dez. 2013.
383
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ARE 639337 AgR, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 23/08/2011, DJe-177 DIVULG 14-09-2011 PUBLIC 15-09-2011 EMENT VOL-02587-
01 PP-00125. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=627428>. Acesso em: 16 dez. 2013. Cf., ainda, o julgamento do RE 581352 AgR, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 29/10/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-230 DIVULG 21-11-2013 PUBLIC 22-11-2013. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=4904100>.. Acesso em: 17 mar. 2014.
da mais alta Corte brasileira, a garantia do mínimo existencial representa, no contexto
do nosso ordenamento jurídico-positivo, emanação direta do postulado da essencial
dignidade da pessoa humana e
compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança.
Todas as indigitadas decisões (referidas no corpo do texto ou na nota de
rodapé de nºs 382 e 383) têm como paradigma – e sempre com manifestação expressa
nos motivos determinantes dos respectivos votos condutores dos acórdãos
– a
Dignidade da Pessoa Humana, destacada como fundamento da República Federativa
do Brasil, mas também encontram-se diretamente relacionadas com a busca de uma
sociedade justa e solidária, apresentada como objetivo primeiro do Estado
384.
No campo dos direitos sociais, o mínimo existencial se evidencia com maior
veemência, não somente na Constituição do Brasil, mas em muitas Cartas
Constitucionais. Não sem razão, José Joaquim Gomes Canotilho, comentando a
vigente Constituição Portuguesa, destacou que a Carta lusitana garante e protege um
núcleo essencial de direitos. Explicou
385:
Das várias normas sociais, econômicas e culturais é possível deduzir-se um princípio jurídico estruturante de toda a ordem econômica-social portuguesa: todos (princípio da universalidade) têm um direito fundamental a um núcleo básico de direitos sociais (minimum core of economic and social rights), na
384 Ver, ainda, o acórdão proferido nos autos do RE 440028, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Primeira
Turma, julgado em 29/10/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-232 DIVULG 25-11-2013 PUBLIC 26-11- 2013). Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=4919884>. Acesso em: 16 dez. 2013.
385
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999, p. 482.
ausência do qual o estado português se deve considerar infractor das obrigações jurídico-sociais constituiconal e internacionalmente impostas. Nesta perspectiva, ―o rendimento mínimo garantido‖, as ―prestações de assistência social básica‖, o ―subsídio de desemprego‖ são verdadeiros direitos sociais
originariamente derivados da constituição sempre que eles constituam o standart mínimo de existência indipensável à fruição de qualquer direito.
Tal núcleo essencial que garante o mínimo existencial – insista-se – não
poderá ser objeto de concessões. E no particular, é de se socorrer, ainda, da doutrina
do filósofo do Humanismo Integral, Jacques Maritain
386, quando, em observações
sempre precisas, sobre o fundamento da dignidade da pessoa humana, corroborando a
argumentação antes destacada, reconheceu o seu caráter absoluto..
Como o homem é anterior ao Direito e ao Estado, como registra Gianni
Caso
387, acima e antes de qualquer dever a ele imposto, as ordens jurídicas deverão
necessariamente expressar o reconhecimento de direitos em face da sua exclusiva
condição de pessoa. E não existe pessoa destituída de dignidade. Assim, a primeira e
fundamental função do direito é a garantia da dignidade da pessoa humana
388.
Com esse novo paradigma, o caráter relacional e intersubjetivo dos direitos
receberá tratamento jurídico diferenciado, exatamente pelo fato de não se conceber
uma intersubjetividade excludente. O Direito precisa ser compreendido como um
instrumento de pacificação social e deve ser utilizado como uma importante ferramenta
que auxilia os seres humanos a viver harmonicamente com o outro. Não, apesar do
outro.
Partindo desta concepção holística do mundo, em perfeita sintonia com a
exposição ora apresentada, não se pode deixar de reconhecer que em cada ser
386
MARITAIN, Jacques. Os direitos do homem e a lei natural. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967, p. 17
387
CASO, Gianni. La Parola e la giustizia, Roma: Città Nuova, 2005, p. 128 e seguintes.
388 Discorrendo sobre o tema, o Prof. Augusto César Leite de Carvalho reconhece que a dignidade da
pessoa humana precede e limita qualquer ação humana. Diz mais: ―se a dignidade é uma qualificação comum a todos os seres humanos, a sua realização normativa terá sempre a igualdade como pressuposto‖. A Dignidade (da pessoa) humana. EVOCATI Revista.n. 32, 02 ago. 2008. Disponível em: <http://evocati.com.br/evocati/artigos.wsp?tmp_codartigo=271>. Acesso em: 29 set. 2008.
humano habita toda a humanidade ou, dito de outra forma, com a licença poética de
Ana Carolina e Tom Zé, na canção Unimulticiplidade: ―cada homem é sozinho a casa da
humanidade‖. O outro, num certo sentido, também sou eu. É um reflexo da minha
dignidade. Numa perspectiva relacional a dignidade constitui-se, assim, em uma
―categoria da co-humanidade de cada indivíduo‖, como destaca Hasso Hofmann
389.
Tudo se reduz à unidade. Tudo é um
390.
Acrescente-se, ainda, a doutrina de Ingo Wolfgang Sarlet
391, quando, com
absoluta lucidez, conceituou a dignidade da pessoa humana como sendo
a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contro todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além d epropiciar e promover sua participação ativa e co-responsavél nos destinos da prórpia existência e da