4 FRATERNIDADE SECULAR
4.3 Direito e Fraternidade
Associar Direito e Fraternidade, malgrado não se constituir em operação
simples e fácil, tem sido o grande desafio de um segmento de juristas neste terceiro
milênio.
No continente europeu
241, a partir do início deste século, conceituados
professores da Università degli Studi di Milano-Bicocca, da Università Cattolica de
Milano, da Università de Catania, da Scuola Superiore Sant'Anna di Pisa, como Angelo
Mattioni, Emanuele Rossi, Andrea Bonomi, Felice Giuffrè, Anna Marzati, Lidianna
Defrassi, Vincezo Satta e Salvatore La Porta, investigadores na área de Direito Público,
somente para citar alguns, anunciam trabalhos jurídicos voltados ao estudo da
Fraternidade como princípio jurídico. Os juristas citados colacionaram preciosos ensaios
à obra coletiva intitulada La fraternità come principio del diritto pubblico (Roma: Città
Nuova Editrice, 2007). Merece especial destaque a pesquisa desenvolvida,
especificamente no campo do Direito Constitucional, por Filippo Pizzolato, professor de
Instituições de Direito Público e de Doutrina de Estado, também em Milão. Mais
recentemente, em 2012, a mesma editora veiculou relevante estudo do Professor
Pizzolato, docente, em Milão, de Instituições de Direito Público e de Doutrina de
Estado, com o seguinte título: Il principio costituzionale di fraternità – itinerario di ricerca
a partire dalla Costituzione italiana.
Outros importantes ensaios foram objeto de publicação nos Anais do
Congresso Internacional realizado em Castelgandolfo (Roma), no final do ano de 2005,
sob o título Relazionalità nel diritto: quale spazio per la fraternità, promovido pelo
241
Sobre tal pesquisa bibliográfica relativamente ao Movimento Direto e Fraternidade a referência pode ser parcialmente encontrada no trabalho publicado em obra coletiva: MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. A Fraternidade e o Direito Constitucional Brasileiro: Anotações sobre a incidência e aplicabilidade do princípio/valor fraternidade no Direito Constitucional brasileiro a partir da sua referência no preâmbulo da Constituição federal de 1988. In: PIERRE, Luiz A. A. et al. A fraternidade como
Movimento Comunhão e Direito
242. É possível evidenciar, no pioneiro evento sobre o
estudo jurídico da fraternidade, exposições específicas no campo do Direito
Administrativo (Nino Gentile – Itália), do Direito Internacional (Vincenzo Buonomo –
Itália e Esther Salamanca – Espanha), do Direito Empresarial (Amy Uelmen – EUA e
Salvador Morillas Gomes – Espanha), do Direito Penal (Adriana Cosseddu e Elena
Massuco – Itália e Pedro Vaz Patto – Portugal), do Direito de Família (Marftha Uelmen –
EUA e Adeline De Lataulade – França), do Direito da Criança e do Adolescente (Munir
Cury – Brasil) e muitos outros
243.
Especificamente sobre a Fraternidade no campo do Direito Constitucional, o
estudo Elementi del concepto di fraternità e diritto costituzionale, por Agnes Bernhard
(Áustria), apresentado também no citado Congresso Internacional
244.
Conhecida, ainda, a já tradicional contribuição do também italiano Eligio
Resta, materializada no livro Il diritto fraterno, obra publicada originariamente na década
de 90
245. O importante texto acadêmico do professor da Università Roma Tre veio a
lume em português nos primeiros anos do século XXI, em 2004, sob o patrocínio da
EDUNISC – Editora da Universidade de Santa Cruz do Sul, com prefácio do ex-Ministro
242―O Movimento Comunhão e Direito (no original italiano Comunione e Diritto) é uma rede internacional
que reúne estudiosos e operadores jurídicos. Seu título tem um duplo significado: de um lado salienta o compromisso de colocar em comunhão conhecimentos e experiências das diversas atividades profissionais na área do Dreito. De outro, evidencia o desejo de olhar ao direito como meio necessário e eficaz para contribuir na transformação da vida de cada coletividade em autêntica comunhão. Comunhão e Direito nasceu em 2001, resultado de uma intuição de Chiara Lubich, que promoveu a enunciação e o desenvolvimento da ‗cultura da unidade‘, nos diferentes âmbitos do conhecimento. Seu objetivo é difundir valores positivos e colocar no centro dos interesses culturais a pessoa humana na sua plena dignidade, na sua capacidade relacional e abertura à transcendência, como sujeito idôneo a doar ao nosso mundo uma fisionomia e uma dinâmica mais de acordo com as aspirações dos indivíduos e dos povos‖. Disponível em: <http://www.focolare.org/pt/in-dialogo/cultura/diritto/>. Acesso em: 28 de novembro de 2013. Para outras informações sobre as atividades do Movimento referido no mundo, ver as informações veiculadas no endereço eletrônico http://comunionediritto.org/it/.
243CASO, Giovanni (Ed.). Relazionalità nel Diriritto: quale spazio per la fraternità? Roma: Città Nuova,
2006.
244
Idem, p. 49-60. No Brasil, alguns dos textos deste Congresso, inclusive o de Agnes Bernhard integraram a obra Direito & Fraternidade, sob a organização de CASO, Giovanni et al, São Paulo, edição conjunta de Comunhão e Direito, LTr e Cidade Nova, 2008, p. 61-67.
245
Desenvolvendo interessante estudo com lastro na doutrina de Eligio Resta, o artigo da professora Sandra Regina Martini Vial, O Direito Fraterno na Sociedade Cosmopolita, veiculado em Contribuciones
desde Coatepec, n. 12, p.123-138, enero-jun. 2007. Disponível em: <http://revistacoatepec.uaemex.mx/index.php/contribuciones/article/viewFile/141/136>. Acesso em: 10 mar. 2014.
do STF, Eros Roberto Grau. É de se evidenciar, também na Itália, o trabalho de
Michelle Carducci, Professor de Direito Constitucional na Universidade de Lecce,
intitulado Por um Direito Constitucional Altruísta (2003), com tradução em território
nacional de Sandra Regina Martini Vial, Patrick Lucca da Ros e Crisitna Lazzarotto
Fortes (Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora).
Digno de nota, particularmente pela excelência e notabilidade inconteste do
seu autor, opúsculo de Peter Häberle, originariamente escrito em alemão, mas também
divulgado em língua espanhola, com o título Liberdad, Igualdad, fraternidad. 1789 como
historia, actualidad y futuro Del Estado constitucional. Madrid: Editorial Trotta, 1998.
Em língua portuguesa, mais especificamente no campo da Filosofia do
Direito, a profunda obra de Maria Inês Chaves de Andrade, A fraternidade como direito
fundamental entre o ser e o dever ser na dialética dos opostos de Hegel (Coimbra:
Almedina, 2010). A autora apresenta, como registra o prefaciador do livro
246, Doutor
Fausto de Quadros, professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de
Lisboa, uma abordagem da teoria geral da fraternidade, explicando a relação entre a
fraternidade e a razão, além de convencer da importância da relação entre a
Fraternidade e a Liberdade e Igualdade.
Observam-se, também em Portugal, na Faculdade de Direito do Porto,
importantes estudos capitaneados pelo Catedrático e Diretor do Instituto Jurídico
Interdisciplinar da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Professor Paulo
Ferreira da Cunha.
Sugere o autor, em ensaio intitulado Do Direito Natural ao Direito Fraterno
247,
destacando a necessidade de novos paradigmas para o Direito, que talvez deva surgir
(sem o destaque no original),
246 ANDRADE, Maria Inês Chaves de. A fraternidade como direito fundamental entre o ser e o dever ser
na dialética dos opostos de Hegel. Coimbra: Almedina, 2010, pp. 13-14.
247
CUNHA, Paulo Ferreira da. Do Direito Natural ao Direito Fraterno. Revista de Estudos Constitucionais,
no chão de um novo direito fraterno, solidário, ou altruísta (Carducci, 2003) um neojusnaturalismo crítico que não olvide a formação realista clássica, nem a jusracionalista, que possua abertura à superação da dicotomia jusnatural com a tópica, a hermenêutica, os estudos de Direito e Socieade. Direito e Arte, Direito e Literatura, Retórica e Direito, e que se conjugue a muitas correntes filosóficas e/ou metodológicas não positivistas, revelando uma particular sensibilidade (de compreensão) das angústias dos pluralistas que se não revêem no jusnaturalismo.
No Brasil, é de se destacar o pioneirismo da doutrina do Ministro Ayres Britto
(Teoria da Constituição, Editora Forense, 2003 e O Humanismo como categoria
constitucional, Editora Fórum, 2007).
Obras coletivas de Direito também já enfrentam o tema de forma específica
como, verbi gratia, Princípios Humanistas Constitucionais (Coordenadores: Carlos
Aurélio Mota de Souza e Thaís Novaes Cavalcanti), Direito Natural um visão humanista
(Carlos Aurélio Mota de Souza – org.) e a Fraternidade como categoria jurídica (Luiz A.
A. Pierre et all – orgs.), além de outras de fundo interdisciplinar (Filosofia, Ciência
Política, Teologia, Direito, História) como O princípio esquecido (Vols. 1 e 2
–
organizado por Antonio Maria Baggio), com versões em língua italiana (Il principio
dimenticato) e espanhola (El principio olvidado) e publicações outras organizadas pelo
Núcleo de Pesquisa Direito e Fraternidade do Centro de Ciências Jurídicas da
Universidade Federal de Santa Catarina (CCJ/UFSC), como Direitos na pós
modernidade: a fraternidade em questão (Josiane Rose Petry Veronese e Olga Maria
Aguiar Boschi – 0rganização), todos registrados nas referências bibliográficas desta
tese.
Grupos de Pesquisa sobre o tema em exame também podem ser
encontrados em Universidades brasileiras, em linhas de investigação especificamente
no campo do Direito (Direito e Fraternidade; Principiologia Constitucional da
Fraternidade; Efetividade de Direitos
– Fraternidade; Escola Humanista de Direito
Econômico, v.g.), como o desenvolvido na Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo – PUC/SP (Graduação, Mestrado e Doutorado) sob a liderança dos Professores
Livre-Docentes Ricardo Hasson Sayeg e Wagner Balera (Núcleo de Pesquisa
Capitalismo Humanista); na Universidade Federal de Santa Catarina
– UFSC
(Graduação, Mestrado e Doutorado), sob a condução das Professoras Doutoras Olga
Maria Aguiar Boschi Oliveira e Josiane Rose Petry Veronese (Núcleo de Pesquisa
Direito e Fraternidade); e no UNIVEM
– Centro Universitário Eurípedes de Marília
(Graduação e Mestrado), coordenado pelo Professor Doutor Lafayette Pozzoli (Direito e
Fraternidade), todos com importantes atividades acadêmicas (congressos, simpósios,
publicações, trabalhos de conclusão de curso - TCC, dissertações de mestrado e teses
de doutorado
248).
Como visto a fraternidade já se encontra deslocada da original e antes
exclusiva visão teocêntrica ou mesmo metafísica – sem embargo das concepções e
crenças pessoais dos investigadores, particularmente cristãs – e já transita, com certa
desenvoltura
– mas ainda timidamente – no campo jurídico, numa perspectiva por
assim dizer científica (Ciência do Direito), apesar da natural dificuldade.
A fraternidade, todavia, vem sendo estudada como valor (por quase todos)
ou mesmo princípio (alguns poucos) e, nesse sentido, reconhecida com maior ou menor
densidade normativa (por vezes enquadrada apenas na categoria de soft law). No
entanto, não se encontram referências mais consistentes da fraternidade na qualidade
ou condição de Direito, assim como ocorre com a igualdade (direito à igualdade) ou
mesmo a liberdade (direito à liberdade), categorias tradicionalmente classificadas, sem
antagonismos dignos de nota, ora como direitos naturais, direitos fundamentais ou
direitos humanos. É o que se extrai do caput do art. 5º da Constituição da República
Federativa do Brasil e de muitas outras Cartas Constitucionais do mundo
contemporâneo. No entanto, não há registros consistentes de direitos à fraternidade.
248 Considerando o marco teórico do Capitalismo Humanista que tem como paradigma a fraternidade, por
meio da Escola Humanista de Direito Econômico, importantes trabalhos acadêmicos, tanto ao nível de mestrado e doutorado, já foram apresentadas na PUC-SP, como destaca a Professora Camila Castanhato na sua tese de Doutorado ―Liberdade‖, apresentada e aprovada também na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Professor Livre-Docente Ricardo Hasson Sayeg, no ano de 2013. A Escola Humanista de Direito Econômico conta com a importante participação e contribuição de professores do quilate de Nelson Nazar, Wagner Balera, Willis Santiago Guerra Filho, Marcia Conceição Alves Dinamarco, Antônio Carlos Matteis de Arruda Júnior e Marcelo Benacchio, conforme também indica a Profa. Castanhato no trabalho científico antes referido.
Esse, o desafio.
A empreitada não é das mais singelas. Parafraseando Tobias
249, na
conclusão de seu discurso em cerimônia de colação de grau já referida neste capítulo,
com ele é também de se afirmar que qualquer empreitada no sentido de construção de
cultura nova exigir-se-á uma mudança individual, mas também de paradigmas. Como
apregoa o filósofo da Escola de Recife, é de se adotar uma postura, cada um
individualmente, de reforma interior. Mas de que forma? Em precisas palavras e
assumindo a linha de frente, todos nós como
os primeiros que devemos munir-nos de abnegação e coragem, tanto quanto havemos mister de coragem e abnegação, para despirmo-nos das nossas becas, mofadas de teorias caducas, e tomarmos trajo novo. Releva dizer à ciência velha: retira-te: e à ciência nova: entra, moça.
Sem desconhecer que o tema abordado encontra forte resistência no meio
acadêmico, a argumentação será pautada e integramente apresentada, como não
poderia deixar de ser, parafraseando Paulo de Barros Carvalho
250, com estratégia de
respeito. Pretende-se, com o presente estudo, ir além da doutrina praticada, sem,
evidemente, desconsiderá-la. Utilizar-se-á, via de regra, o vocábulo superação,
considerando os limites de sua significação. Espera-se, no entanto, a tolerância dos
interlocutores para apresentação de nova reflexão sobre a matéria.
249
BARRETO, Tobias. Idéia do Direito. In: Obras Completas de Tobias Barreto: Edição Comemorativa. Estudos de Direito I. Rio de Janeiro: Editora Record; Governo de Sergipe – Secretaria de Estado da Cultura e Meio Ambiente, 1991, p. 50.
250
Prefácio em: CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito. São Paulo: Noeses, 2010, p. XXX (―acatar sempre as opiniões adversas, seja porque, com tal atitude, teremos boas possibilidades de, em seguida, ser ouvidos e poder transmitir-lhes nossas posições‖).