A idéia de fraternidade encontra suas raízes mais profundas no cristianismo
e com ele, como anuncia Giuseppe Savagnone
64, invocando o magistério de
Abbagnano, ―a importância da amizade como fenômeno humano primário decai na
literatura filosófica‖. Isto porque, como explica o autor destacado, ―o conceito de amor,
de amor ao próximo, torna-se o mais amplo e o mais importante, pois é desprovido dos
caracteres seletivos e específicos que Aristóteles havia reconhecido na amizade‖.
63 CÍCERO. Lélio de Amicitia. São Paulo: Editora Cultrix, 1964, apud ORTEGA, Francisco, Genealogias
da Amizade. São Paulo: Iluminuras, 2002, p. 52.
64 SAVAGNONE, Giuseppe. Fraternidade e comunicação, com especial referência à comunicação
jornalística. In: BAGGIO, Antonio Maria (Org.), O Princípio Esquecido/2: Exigências, recursos e definições da fraternidade na política. São Paulo: Cidade Nova, 2009, p. 199.
Para a época em que aparece e se desenvolve a doutrina – e ainda nos dias
atuais – o sentido e o alcance do amor fraterno apresentam-se como uma profunda
novidade, destacando-se como dom, absolutamente gratuito, sem resquício de
vinculação à utilidade ou prazer. Logo, vai muito além da philía ou do eros grego.
Outra importante característica do amor fraterno cristão é a universalidade. É
um amor dirigido a todos, sem exclusões de qualquer natureza e absolutamente
gratuito.
O ponto de partida para a exposição da fraternidade é exatamente a comum
filiação dos todos os seres humanos, uma vez que reconhecidos como filhos do mesmo
Pai. Nesse sentido o trecho do Evangelho de Mateus, do Novo Testamento (Mt 23, 8-
9)
65: ―Mas vós não vos façais chamar rabi, porque um só é o vosso preceptor, e vós
sois todos irmãos. E a ninguém chameis de pai sobre a terra, porque um só é vosso
Pai, aquele que está nos céus‖.
Aqui está a raiz da fraternidade: a paternidade universal que gera a
fraternidade. Todavia, explica-se: não se trata de uma fraternidade com vínculo de
consangüinidade, porquanto, no cristianismo, há uma clara desvinculação daqueles que
são considerados irmãos, com os laços de sangue, como demonstra a passagem
evangélica, também narrada por Mateus, no capítulo 12, versículos 46-50 (sem o
negrito)
66:
46 Jesus falava ainda à multidão, quando veio sua mãe e seus irmãos e esperavam do lado de fora a ocasião de lhe falar. 47 Disse-lhe alguém: Tua mãe e teus irmãos estão aí fora, e querem falar-te. 48 Jesus respondeu-lhe: Quem é minha mãe e quem são meus irmãos? 49 E, apontando com a mão para os seus discípulos, acrescentou: Eis aqui minha mãe e meus irmãos. 50 Todo aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe.
65
BÍBLIA Sagrada Ave Maria. Editora Ave-Maria. Disponível em: <http://www.claret.com.br/biblia/47/SAO- MATEUS/23>. Acesso em: 13 de novembro de 2013.
66
Nesse sentido a precisa observação de Giuseppe Tosi
67ao destacar que a
fraternidade cristã comporta ―laços mais amplos e tendencialmente universais‖, não
restrita a vínculos consangüíneos, de parentesco. Para tanto, exemplifica com o excerto
bíblico ainda mesmo do Antigo Testamento, constante do Livro do Gênesis (Gn 4, 8-
9)
68, relativamente ao episódio em que Caim é questionado por Deus, logo após ter
praticado o crime de homicídio contra seu irmão Abel:
8 Caim disse então a Abel, seu irmão: ―Vamos ao campo‖ Logo que chegaram ao campo, Caim atirou-se sobre seu irmão e matou-o. 9 O senhor disse a Caim: ―Onde está seu irmão Abel?" Caim respondeu: ―Não sei! Sou porventura eu o guarda do meu irmão?‖
Como explicita Giuseppe Tosi
69, Caim era irmão de Abel no sentido carnal,
mas não se sentia responsável por ele. O irmão é o próximo – com o qual tenho
deveres/responsabilidade
– que até pode ser aquele com quem partilho o mesmo
código genético, mas não será necessariamente ele, visto que, como antes destacado,
o amor fraterno é universal.
Eis a razão, repita-se, pela qual o amor cristão não se identifica com eros,
nem com o amor de amizade (philía). Destaca-se, isto sim, como ágape (grego), amor
puro, o nome de Deus
70ou mesmo charitas (latim), o amor de Deus pelos homens, mas
também o amor entre os homens ou pelos irmãos (a prática do amor).
67 TOSI, Giuseppe. A Fraternidade é uma categoria política? In: BAGGIO, Antonio Maria (Org.). O
Princípio Esquecido/2: Exigências, recursos e definições da fraternidade na política. São Paulo: Cidade
Nova, 2009, pp. 60-61.
68 Bíblia Católica Ave Maria. Disponível em: <http://www.claret.com.br/biblia/1/GENESIS/4>. Acesso em:
13 nov. 2013.
69 TOSI, Giuseppe. A Fraternidade é uma categoria política? In: BAGGIO, Antonio Maria (Org.). O
Princípio Esquecido/2: Exigências, recursos e definições da fraternidade na política. São Paulo: Cidade
Nova, 2009, p. 198.
70 Primeira Carta de João, Capítulo 4: ―8 Aquele que não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor‖
(1Jo 4,8). Na mesma linha SAVAGNONE, Giuseppe. Fraternidade e comunicação, com especial
referência à comunicação jornalística. In: BAGGIO, Antonio Maria (organizador), O Princípio Esquecido/2 – Exigências, recursos e definições da fraternidade na política. São Paulo: Cidade Nova, 2009, pp. 199-
Sobre a novidade do amor cristão, Bento XVI, na sua primeira Carta
Encíclica, Deus Caritas est
71, aduna um relevante comentário explicativo:
3. Ao amor entre homem e mulher, que não nasce da inteligência e da vontade mas de certa forma impõe-se ao ser humano, a Grécia antiga deu o nome de
eros. Diga-se desde já que o Antigo Testamento grego usa só duas vezes a
palavra eros, enquanto o Novo Testamento nunca a usa: das três palavras gregas relacionadas com o amor — eros, philia (amor de amizade) e agape — os escritos neo-testamentários privilegiam a última, que, na linguagem grega, era quase posta de lado. Quanto ao amor de amizade (philia), este é retomado com um significado mais profundo no Evangelho de João para exprimir a relação entre Jesus e os seus discípulos. A marginalização da palavra eros, juntamente com a nova visão do amor que se exprime através da palavra
agape, denota sem dúvida, na novidade do cristianismo, algo de essencial e
próprio relativamente à compreensão do amor.
Em que pese destacar a distinção entre eros e ágape, privilegiando o último,
o amor cristão, de fato, sublima o eros, sem descartá-lo, considerado a realidade
integral do homem: corpo e alma, matéria e espírito.
Pela importância da explicitação, é mister transcrever-se determinados
trechos do documento pontifício antes , exatamente por colocarem em evidência o
sentido real do amor cristão (ágape – amor descendente), mas sem descartar o amor
ascendente (eros), agora purificado:
5. (...). O homem torna-se realmente ele mesmo, quando corpo e alma se encontram em íntima unidade; o desafio do eros pode considerar-se verdadeiramente superado, quando se consegue esta unificação. Se o homem aspira a ser somente espírito e quer rejeitar a carne como uma herança apenas animalesca, então espírito e corpo perdem a sua dignidade. E se ele, por outro lado, renega o espírito e consequentemente considera a matéria, o corpo, como realidade exclusiva, perde igualmente a sua grandeza. O epicurista Gassendi, gracejando, cumprimentava Descartes com a saudação: « Ó Alma! ». E Descartes replicava dizendo: « Ó Carne! ». [3] Mas, nem o espírito ama sozinho, nem o corpo: é o homem, a pessoa, que ama como criatura unitária, de que fazem parte o corpo e a alma. Somente quando ambos se fundem verdadeiramente numa unidade, é que o homem se torna plenamente ele
71 Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-
próprio. Só deste modo é que o amor — o eros — pode amadurecer até à sua verdadeira grandeza.
(...)
7. (...). No debate filosófico e teológico, estas distinções foram muitas vezes radicalizadas até ao ponto de as colocar em contraposição: tipicamente cristão seria o amor descendente, oblativo, ou seja, a agape; ao invés, a cultura não cristã, especialmente a grega, caracterizar-se-ia pelo amor ascendente, ambicioso e possessivo, ou seja, pelo eros. Se se quisesse levar ao extremo esta antítese, a essência do cristianismo terminaria desarticulada das relações básicas e vitais da existência humana e constituiria um mundo independente, considerado talvez admirável, mas decididamente separado do conjunto da existência humana. Na realidade, eros e agape — amor ascendente e amor descendente — nunca se deixam separar completamente um do outro. Quanto mais os dois encontrarem a justa unidade, embora em distintas dimensões, na única realidade do amor, tanto mais se realiza a verdadeira natureza do amor em geral. Embora o eros seja inicialmente sobretudo ambicioso, ascendente — fascinação pela grande promessa de felicidade — depois, à medida que se aproxima do outro, far-se-á cada vez menos perguntas sobre si próprio, procurará sempre mais a felicidade do outro, preocupar-se-á cada vez mais dele, doar-se-á e desejará « existir para » o outro. Assim se insere nele o momento da agape; caso contrário, o eros decai e perde mesmo a sua própria natureza. Por outro lado, o homem também não pode viver exclusivamente no amor oblativo, descendente. Não pode limitar-se sempre a dar, deve também receber. Quem quer dar amor, deve ele mesmo recebê-lo em dom. Certamente, o homem pode — como nos diz o Senhor — tornar-se uma fonte donde correm rios de água viva (cf. Jo 7, 37-38); mas, para se tornar semelhante fonte, deve ele mesmo beber incessantemente da fonte primeira e originária que é Jesus Cristo, de cujo coração trespassado brota o amor de Deus (cf. Jo 19, 34). (...)
8. (...) no fundo, o « amor » é uma única realidade, embora com distintas dimensões; caso a caso, pode uma ou outra dimensão sobressair mais. Mas, quando as duas dimensões se separam completamente uma da outra, surge uma caricatura ou, de qualquer modo, uma forma redutiva do amor. E vimos sinteticamente também que a fé bíblica não constrói um mundo paralelo ou um mundo contraposto àquele fenómeno humano originário que é o amor, mas aceita o homem por inteiro intervindo na sua busca de amor para purificá-la, desvendando-lhe ao mesmo tempo novas dimensões.
O conceito de amor fraterno cristão encontra aplicabilidade em diversas
passagens do livro sagrado, a Bíblia, particularmente em textos que se caracterizam por
destacar o universalismo das relações mantidas entre as pessoas, sem qualquer sorte
de exclusão, discriminação ou barreiras sociais, políticas ou econômicas.
No milenar texto é possível encontrar narrativas, de inequívoco valor para o
conhecimento e difusão da doutrina cristã, episódios que funcionam como importantes
rompimentos de paradigmas:
O primeiro revela-se no contato de Jesus com a Samaritana no poço de
Jacó, quando a ela pede água (Jo 4,9)
72. Os judeus eram inimigos dos samaritanos
(não se comunicavam), além do fato de o interlocutor de Jesus ser mulher.
Há, no entanto, um episódio muito mais importante que o anterior. É o
narrado pelo evangelista Lucas e expresso em parábola apresentada por Jesus (sem
os destaques em negrito), como argumento pedagógico da sua doutrina (Lc 10, 25-37)
para identificar quem seria o próximo, ou o outro, imprescindível na construção de
relações de fraternidade praticadas como dom, gratuito e universal:
25 Levantou-se um doutor da lei e, para pô-lo à prova, perguntou: Mestre, que devo fazer para possuir a vida eterna? 26 Disse-lhe Jesus: Que está escrito na lei? Como é que lês? 27 Respondeu ele: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu pensamento (Dt 6,5)73; e a teu próximo como a ti mesmo (Lv 19,18)74. 28 Falou-
lhe Jesus: Respondeste bem; faze isto e viverás. 29 Mas ele, querendo justificar-se, perguntou a Jesus: E quem é o meu próximo? 30 Jesus então contou: Um homem descia de Jerusalém a Jericó, e caiu nas mãos de ladrões, que o despojaram; e depois de o terem maltratado com muitos ferimentos, retiraram-se, deixando-o meio morto. 31 Por acaso desceu pelo mesmo caminho um sacerdote, viu-o e passou adiante. 32 Igualmente um levita, chegando àquele lugar, viu-o e passou também adiante. 33 Mas um samaritano que viajava, chegando àquele lugar, viu-o e moveu-se de compaixão. 34 Aproximando-se, atou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho; colocou-o sobre a sua própria montaria e levou-o a uma hospedaria e tratou dele. 35 No dia seguinte, tirou dois denários e deu-os ao hospedeiro, dizendo-lhe: Trata dele e, quanto gastares a mais, na volta to pagarei. 36 Qual destes três parece ter sido o próximo daquele que caiu nas mãos dos ladrões? 37 Respondeu o
72
Para maiores esclarecimentos sobre o texto bíblico, ver todo o capitulo 4 do Evangelho de João. Disponível em: <http://www.claret.com.br/biblia/50/SAO-JOAO/4:9>. Acesso em: 14 de novembro de 2013.
73
5 Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todas as tuas forças. Disponível em: <http://www.claret.com.br/biblia/5/DEUTERONOMIO/6>. Acesso em: 14 de novembro de 2013.
74
18 Não te vingarás; não guardarás rancor contra os filhos de teu povo. Amarás o teu próximo como a ti
mesmo. Disponível em: <http://www.claret.com.br/biblia/3/LEVITICO/19>. Acesso em: 14 de novembro de
doutor: Aquele que usou de misericórdia para com ele. Então Jesus lhe disse: Vai, e faze tu o mesmo.
É de se observar, pela leitura do texto bíblico, que a conversação entre
Jesus e o seu interlocutor tem como lastro, ponto de partida, a lei, expressa nos livros
do Deuteronônio e do Levítico. A parábola contempla personagens que conhecem a lei
(sacerdote e levita
75). A sociedade da época, no entanto, era excludente, com reservas
ou restrições, relativamente aos inimigos políticos e entre os que professavam fé
diversa (judeus/samaritanos; essênios/não-crentes; etc.), com a difundida e praticada
idéia de que o inimigo não era o próximo, muito menos irmão, no sentido do outro. Foi
exatamente o samaritano – o que teve compaixão; o que usou de misericórdia –, sem
questionar as origens ou raça do que se encontrava agonizando, que agiu
fraternalmente.
O cristianismo inaugura uma nova ética de responsabilidade para com o
outro, o outro universal, uma nova ética de fraternidade.
Como visto, a doutrina cristã supera, no ponto, não somente a prática grega,
mas também a concepção de mundo judaica, como atesta Giuseppe Savagnone
76:
O conceito neotestamentário de fraternidade é, de fato, revolucionário não só em relação à tradição grega e helenística, mas também à judaica. O amor ao próximo, em Israel, não era desconhecido, mas abraçava fundamentalmente os membros do próprio povo. Nesse sentido, embora tenha vivido a experiência do amor de predileção com que Deus os amara, os israelitas tendiam a encerrá-lo nos estreitos confins daquela lógica do clã tribal e familiar que caracterizou todas as culturas arcaicas.
75
Membro ou descendente da Tribo de Levi, ministro de Deus, ajudante dos sacerdotes.
76 SAVAGNONE, Giuseppe. Fraternidade e comunicação, com especial referência à comunicação
jornalística. In: BAGGIO, Antonio Maria (Org.). O Princípio Esquecido/2: Exigências, recursos e definições da fraternidade na política. São Paulo: Cidade Nova, 2009, p. 201.
Mas há, ainda, outras passagens bíblicas, também inseridas no Novo
Testamento, que caracterizam o universalismo da fraternidade cristã: ―não haverá mais
grego nem judeu, nem bárbaro nem cita, nem escravo nem livre, mas somente Cristo,
que será tudo em todos‖ (Carta de São Paulo aos Colossenses – Cap. 3, versículo 11).
De igual forma, na Carta de São Paulo aos Gálatas (Gl 3, 28): ―Já não há judeu nem
grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, pois todos vós sois um em
Cristo Jesus‖.
A propósito do tema, esclarecedores são os ensinamentos de Piero Coda
77,
ao assim se manifestar sobre as perspectivas sociopolíticas, mas também religiosas e
particularmente antropológicas, da fraternidade universal, em razão do cristianismo:
A percepção da eficácia da fraternidade cristã é expressa com veemência em relação a três separações que marcavam a realidade da época: a religiosa, entre judeus e gregos [...]; a social, entre escravos e livres; a antropológica, entre homens e mulheres.
Atestando que a fraternidade é uma categoria essencialmente cristã,
reconhece o teólogo italiano
78a marcada presença nos textos do Novo Testamento da
Bíblia de termos como adelphós (irmão), adelphótes (fraternidade), philadelphia (amor
fraterno) e mesmo adelphói, designando este último o vocábulo indicativo de como os
discípulos de Cristo se tratavam. Depois, afirma que a fraternidade dos cristãos (dos
primeiros tempos) era uma realidade já vivida e não um ideal a ser alcançado.
O novo conceito de fraternidade, forjado a partir da difusão da doutrina cristã,
difunde em toda a humanidade um novo sentido de amor – o amor fraterno – que como
77
CODA, Piero. Por uma fundamentação teológica da categoria política da fraternidade. In: BAGGIO, Antônio Maria (Org.). O Princípio Esquecido/1, São Paulo: Cidade Nova, 2008, p. 81.
78 CODA, Piero. Por uma fundamentação teológica da categoria política da fraternidade. In: BAGGIO,
averba Giuseppe Savagnone
79, ―não conhece barreiras, une os desiguais e dá-se
mesmo onde não encontra reciprocidade, o que não ocorria com a amizade/philía
grega, particularmente a evidenciada pela Ética e Política aristotélicas.
Esta difusão da fraternidade agrega um elemento que possibilita à categoria
transcender da esfera privada para atingir patamares públicos, rompendo barreiras
sociais importantes, em especial relativamente aos estrangeiros, às mulheres e aos
escravos, como antes destacado.
Vivendo o cristianismo, todos – todos mesmos – se tornaram concidadãos e,
assim, a dicotomia nacional/estrangeiro perdeu todo o sentido. Assim, sentenciou
Giuseppe Savagnone
80: ―num mundo onde a cidadania era a fonte de inumeráveis
privilégios, dos quais os não-cidadãos eram rigorosamente excluídos, isso significa algo
muito relevante no âmbito público‖. Disse mais: ―a tradição cristã interpretou a
fraternidade não mais como um laço meramente privado, mas fez dela o fundamento de
uma nova face das relações humanas, inclusive na esfera social‖.
79 SAVAGNONE, Giuseppe. Fraternidade e comunicação, com especial referência à comunicação
jornalística. In: BAGGIO, Antonio Maria (Org.), O Princípio Esquecido/2: Exigências, recursos e definições da fraternidade na política. São Paulo: Cidade Nova, 2009, p. 203
80
Ibidem. A conclusão obtida tem como fundamento o texto extraído da Carta de Paulo aos Efésios, capítulo 2, versículos 11 a 20 (Ef 2, 11-20), sem os destaques no original: ―11 Lembrai-vos, pois, de que outrora vós, gentios por nascimento - que sois chamados incircuncisos por aqueles que se dizem circuncida dos, os que levam na carne a circuncisão feita por mãos humanas -, 12 lembrai-vos de que naquele tempo estáveis sem Cristo, sem direito da cidadania em Israel, alheios às alianças, sem esperança da promessa e sem Deus, neste mundo. 13 Agora, porém, graças a Jesus Cristo, vós que antes estáveis longe, vos tornastes presentes, pelo sangue de Cristo. 14 Porque é ele a nossa paz, ele que de dois povos fez um só, destruindo o muro de inimizade que os separava, 15 abolindo na própria carne a lei, os preceitos e as prescrições. Desse modo, ele queria fazer em si mesmo dos dois povos uma única humanidade nova pelo restabelecimento da paz, 16 e reconciliá-los ambos com Deus, reunidos num só corpo pela virtude da cruz, aniquilando nela a inimizade. 17 Veio para anunciar a paz a vós que estáveis longe, e a paz também àqueles que estavam perto; 18 porquanto é por ele que ambos temos acesso junto ao Pai num mesmo espírito. 19 Conseqüentemente, já não sois hóspedes nem peregrinos, mas sois concidadãos dos santos e membros da família de Deus, 20 edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, tendo por pedra angular o próprio Cristo Jesus‖. Disponível em: <http://www.claret.com.br/biblia/56/EFESIOS/2>. Acesso em: 15 nov. 2013. A discussão sobre o tema ainda é atual, como destacado no trabalho de Paul Ricoeur, intitulado ―Estrangeiro, quem
és?‖, veiculado na edição semanal em português, do L‘Osservatore Romano, número 47, de 21 de