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A influência do Humanismo Integral na Doutrina Social do Ocidente

3 HUMANISMO INTEGRAL E FRATERNIDADE

3.4 A influência do Humanismo Integral na Doutrina Social do Ocidente

A corrente filosófica ora explicitada – Humanismo Integral –, idealizada,

como destacado, com forte influência da filosofia aristotélica e especialmente da

tomista, forjada com base na cultura nascente do e por meio do cristianismo

particularmente do catolicismo

–, encontrou solo fértil para desenvolvimento na

Doutrina Social da Igreja Católica, sistematizada sob a forma de Compêndio em

meados do ano de 2004, resultado de intenso trabalho desenvolvido pelo Pontifício

Conselho ―Justiça e Paz‖, constituído a partir do lançamento da Encíclica Populorum

Progressio (1967), de Paulo VI. A indigitada Carta Encíclica notabilizou-se por destacar,

com particular ênfase, a necessidade de se perseguir o desenvolvimento integral do

homem todo e de todos os homens. Nessa senda, coube ao Conselho empenhar-se

para empreender uma ação organizada objetivando o desenvolvimento integral do

homem e o desenvolvimento solidário da humanidade. Deste esforço e missão surgiu o

Compêndio

183

.

Como registra, com absoluta propriedade, Francisco Borba Ribeiro Neto

184

,

De certo modo, humanismo integral e desenvolvimento humano integral podem ser compreendidos como um desenvolvimento laico, não confessional, da doutrina social católica – na medida em que retoma seus princípios e os apresenta sem um vínculo obrigatório com o magistério da Igreja. Isto não quer dizer uma estratégia para enganar os incautos, ou a apresentação de velhos conteúdos com novas roupagens, mas sim que os princípios da doutrina social católica, refletidos e experimentados pelos cristãos no mundo político e cultural, geraram um pensamento com características próprias e com uma proposta original para o mundo de hoje.

183

Sobre o surgimento, evolução e consolidação da Doutrina Social da Igreja Católica, esclarecedoras as observações do Papa Bento XVI (em latim Benedictus XVI, nascido Joseph Aloisius Ratzinger, 265º Sumo Pontífice, líder mundial da Igreja Católica no período compreendido entre 19 de abril de 2005 a 28 de fevereiro de 2013, quando apresentou a sua renúncia, passando a ser Papa Emérito), expressas na sua primeira Encíclica, Deus Caritas est: ―Em 1891, entrou em cena o magistério pontifício com a Encíclica Rerum novarum de Leão XIII. Seguiu-se-lhe a Encíclica de Pio XI Quadragesimo anno, em 1931. O Beato Papa João XXIII publicou, em 1961, a Encíclica Mater et Magistra, enquanto Paulo VI, na Encíclica Populorum progressio (1967) e na Carta Apostólica Octogesima adveniens (1971), analisou com afinco a problemática social, que entretanto se tinha agravado sobretudo na América Latina. O meu grande predecessor João Paulo II deixou-nos uma trilogia de Encíclicas sociais: Laborem exercens (1981), Sollicitudo rei socialis (1987) e, por último, Centesimus annus (1991). Deste modo, ao enfrentar situações e problemas sempre novos, foi-se desenvolvendo uma doutrina social católica, que, em 2004 foi apresentada de modo orgânico no Compêndio da doutrina social da Igreja, redigido pelo Pontifício Conselho ‗Justiça e Paz‘. O marxismo tinha indicado, na revolução mundial e na sua preparação, a panaceia para a problemática social: através da revolução e consequente colectivização dos meios de produção — asseverava-se em tal doutrina — devia dum momento para o outro caminhar tudo de modo diverso e melhor. Este sonho desvaneceu-se. Na difícil situação em que hoje nos encontramos por causa também da globalização da economia, a doutrina social da Igreja tornou-se uma indicação fundamental, que propõe válidas orientações muito para além das fronteiras eclesiais: tais orientações — face ao progresso em acto — devem ser analisadas em diálogo com todos aqueles que se preocupam

seriamente do homem e do seu mundo‖. Disponível em:

<http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20051225_deus- caritas-est_po.html>. Acesso em: 14 nov. 2013. Apesar de diversos textos do Compêndio ter assimilado a doutrina do Humanismo Integral, inclusive como será adiante destacado, com a abertura de tópicos, partes ou capítulos, como registra a Professora Maria Luiz Marcílio no prefácio da obra organizada por Lafayette Pozzoli e Jorge da Cunha Lima, Presença de Maritain: Testemunhos. 2. ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 11, o autor não é expressamente citado no livro. Adverte a Professora Titular do Departamento de História da USP, no entanto, que ―ao longo de todo o texto, repete o pensamento de Maritain da promoção ao Bem Comum, da dignidade da pessoa humana, da justiça social ...‖.

184 RIBEIRO NETO, Francisco Borba. Humanismo integral, pensamento católico e os desafios da

sociedade brasileira. Texto apresentado no 1º Seminário sobre Humanismo Integral e Desenvolvimento,

realizado na PUC-SP, campus Perdizes, em 01 de dezembro de 2012. Disponível em: <http://www.pucsp.br/fecultura/downloads/humanismo_integral.pdf>. Acesso em: 07 out. de 2013.

Especificamente em relação ao tema Humanismo Integral, adiante serão

destacados trechos de documentos oficiais da Igreja Católica Apostólica Romana

(Cartas Encíclicas, Constituições Pastorais, Exortações Apostólicas ou mesmos

discursos pontifícios) que evidenciam, com referência expressa ou implícita, a filosofia

humanista desenvolvida por Jacques Maritain.

A doutrina de Maritain é ainda particularmente atual, conforme já destacado,

ao ponto de ser invocada – expressamente – em um dos mais relevantes documentos

pontifícios de João Paulo II que trata exatamente da relação entre a fé e a filosofia,

Fides et Ratio, proclamada em Roma, no dia 14 de setembro de 1998, especificamente

no item 74 (adiante destacado de forma expressa).

A propósito da relação intrínseca entre FÉ e RAZÃO, afirmou João Paulo

II

185

:

O filósofo deve proceder segundo as próprias regras e basear-se sobre os próprios princípios; todavia, a verdade é uma só. A Revelação, com os seus conteúdos, não poderá nunca humilhar a razão nas suas descobertas e na sua legítima autonomia; a razão, por sua vez, não deverá perder nunca a sua capacidade de interrogar-se e de interrogar, consciente de não poder arvorar-se em valor absoluto e exclusivo.

Eis os trechos de documentos que compõem a doutrina social da Igreja

Católica que consubstanciam o Humanismo Integral de Jacques Maritain (sem os

destaques apostos):

a. Constituição Pastoral Gaudium et Spes, sobre a Igreja no mundo atual

(Papa Paulo VI, Roma - Itália, 07.12.1965)

186

:

185

Carta Encíclica Fides et Ratio do Sumo Pontífice João Paulo II aos Bispos da Igreja Católica sobre as

relações entre fé e razão (Roma, 14.09.1998). Disponível em:

<http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_15101998_fides-et- ratio_po.html>. Acesso em: 26 set. 2013 (trecho extraído do item 79).

186 Disponível em: <http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-

O homem, autor da cultura

55. Cresce cada vez mais o número dos homens e mulheres, de qualquer grupo ou nação, que têm consciência de serem os artífices e autores da cultura da própria comunidade. Aumenta também cada dia mais no mundo inteiro o sentido da autonomia e responsabilidade, o qual é de máxima importância para a maturidade espiritual e moral do género humano. O que aparece ainda mais claramente, se tivermos diante dos olhos a unificação do mundo e o encargo que nos incumbe de construirmos, na verdade e na justiça, um mundo melhor. Somos assim testemunhas do nascer de um novo humanismo, no qual o homem se define antes de mais pela sua responsabilidade com relação aos seus irmãos e à história.

b. Carta Encíclica Populorum Progressio do Papa Paulo VI sobre o

desenvolvimento dos povos (Roma - Itália, 26.03.1967)

187

:

Justiça e paz

5. E, ultimamente, no desejo de responder ao voto do Concílio e de concretizar a contribuição da Santa Sé para esta grande causa dos povos em via de desenvolvimento, julgamos ser nosso dever criar entre os organismos centrais da Igreja, uma Comissão pontifícia encarregada de "suscitar em todo o povo de Deus o pleno conhecimento da missão que os tempos atuais reclamam dele, de maneira a promover o progresso dos povos mais pobres, a favorecer a justiça social entre as nações, a oferecer às que estão menos desenvolvidas um auxílio, de maneira que possam prover, por si próprias e para si próprias, ao seu progresso"; [8] Justiça e paz é o seu nome e o seu programa. Pensamos que este mesmo programa pode e deve unir, com os nossos filhos católicos e irmãos cristãos, os homens de boa vontade. Por isso é a todos que hoje dirigimos este apelo solene a uma ação organizada para o desenvolvimento integral do homem e para o desenvolvimento solidário da humanidade.

PRIMEIRA PARTE

PARA O DESENVOLVIMENTO INTEGRAL DO HOMEM 1. DADOS DO PROBLEMA

Aspirações dos homens

6. Ser libertos da miséria, encontrar com mais segurança a subsistência, a saúde, um emprego estável; ter maior participação nas responsabilidades, excluindo qualquer opressão e situação que ofendam a sua dignidade de homens; ter maior instrução; numa palavra, realizar, conhecer e possuir mais, para ser mais: tal é a aspiração dos homens de hoje, quando um grande número dentre eles está condenado a viver em condições que tornam ilusório este legítimo desejo. Por outro lado, os povos que ainda há pouco tempo conseguiram a independência nacional, sentem a necessidade de acrescentar a esta liberdade política um crescimento autônomo e digno, tanto social como

187 Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-

econômico, a fim de garantirem aos cidadãos o seu pleno desenvolvimento humano e de ocuparem o lugar que lhes pertence no concerto das nações. (...).

Visão cristã do desenvolvimento

14. O desenvolvimento não se reduz a um simples crescimento econômico. Para ser autêntico, deve ser integral, quer dizer, promover todos os homens e o homem todo, como justa e vincadamente sublinhou um eminente especialista: "não aceitamos que o econômico se separe do humano; nem o desenvolvimento, das civilizações em que ele se incluiu. O que conta para nós, é o homem, cada homem, cada grupo de homens, até se chegar à humanidade inteira".[15]

(...).

PARA UM HUMANISMO TOTAL

Conclusão

42. É necessário promover um humanismo total.[44] Que vem ele a ser senão o desenvolvimento integral do homem todo e de todos os homens? Poderia aparentemente triunfar um humanismo limitado, fechado aos valores do espírito e a Deus, fonte do verdadeiro humanismo. O homem pode organizar a terra sem Deus, mas "sem Deus só a pode organizar contra o homem. Humanismo exclusivo é humanismo desumano".[45] Não há, portanto, verdadeiro humanismo, senão o aberto ao Absoluto, reconhecendo uma vocação que exprime a idéia exata do que é a vida humana. O homem, longe de ser a norma última dos valores, só se pode realizar a si mesmo, ultrapassando-se. Segundo a frase, tão exata de Pascal: "O homem ultrapassa infinitamente o homem".[46]

SEGUNDA PARTE

PARA UM DESENVOLVIMENTO SOLIDÁRIO DA HUMANIDADE

Introdução

43. O desenvolvimento integral do homem não pode realizar-se sem o desenvolvimento solidário da humanidade. Dizíamos em Bombaim: "O homem deve encontrar o homem, as nações devem encontrar-se como irmãos e irmãs, como alhos de Deus. Nesta compreensão e amizade mútuas, nesta comunhão sagrada, devemos começar também a trabalhar juntos para construir o futuro comum da humanidade".[47] Por isso, sugeríamos a busca de meios de organização e de cooperação, concretos e práticos, para pôr em comum os recursos disponíveis e realizar, assim, uma verdadeira comunhão entre todas as nações.

[44] Cf., por exemplo, J. Maritain, L'humanisme intégral, Paris, Aubier,1936. [45] H. de Lubac S. J., Le Brame de l'humanisme athée, 3ª ed., Paris, Spes, 1945, p.10.

c. Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, do Papa Paulo VI sobre a

evangelização do mundo contemporâneo, em Roma (Itália), no dia

08.12.1975

188

:

188 Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/apost_exhortations/documents/hf_p-

Não crentes

55. Significativa é também aquela preocupação, que e teve presente no Sínodo e diz respeito a duas esferas muito diferentes uma da outra e, no entanto, muito aproximadas por aquele desafio que, cada uma a seu modo lança à evangelização.

A primeira dessas esferas é aquilo que se pode chamar, o crescer da incredulidade no mundo moderno. O mesmo Sínodo aplicou-se a descrever este mundo moderno: sob tal nome genérico, quantas correntes de pensamento, quantos valores e contravalores, quantas aspirações latentes, quantos gérmens de destruição, quantas convicções antigas que desaparecem e quantas outras convicções novas que se impõem! Sob o ponto de vista espiritual, este mundo moderno parece que continua a debater-se sempre com aquilo que um autor dos nossos dias chamava "o drama do humanismo ateu".(77) [Henri de Lubac, Le drame de l'humanisme athée, Ed. Spes, Paris 1945].

Por um lado, é-se obrigado a verificar no âmago deste mesmo mundo contemporâneo o fenômeno que se torna quase a sua nota mais surpreendente: o secularismo. Nós não falamos da secularização, que é o esforço, em si mesmo justo e legítimo, e não absolutamente incompatível com a fé ou com a religião, para descobrir na criação, em cada coisa ou em cada acontecimento do universo, as leis que os regem com uma certa autonomia, com a convicção interior de que o Criador aí pôs tais leis. Quanto a este ponto, o recente Concílio reafirmou a autonomia legítima da cultura e particularmente das ciências.(78) Aqui, temos em vista um verdadeiro secularismo: uma concepção do mundo, segundo a qual esse mundo se explicaria por si mesmo, sem ser necessário recorrer a Deus; de tal sorte que Deus se tornou supérfluo e embaraçante. Um secularismo deste gênero, para reconhecer o poder do homem, acaba por privar-se de Deus e mesmo por renegá-lo.

Daqui parecem derivar novas formas de ateísmo: um ateísmo antropocêntrico, que já não é abstrato e metafísico, mas sim pragmático, programático e militante. Em conexão com este secularismo ateu, propõem- se-nos todos os dias, sob as formas mais diversas, uma civilização de consumo, o hedonismo erigido em valor supremo, uma ambição de poder e de predomínio, discriminações de todo o gênero, enfim, uma série de coisas que são outras tantas tendências inumanas desse "humanismo".

d. Discurso do Papa João Paulo II na Assembléia Geral das Nações Unidas,

Nova Iorque (EUA), em 02.10.1979

189

:

7. (...).

Seja-me permitido formular votos por que a Organização das Nações Unidas, dado o seu carácter universal, nunca deixe de ser aquele "forum", aquela elevada tribuna, do alto da qual se ajuíza, com verdade e com justiça, sobre todos os problemas do homem. Em nome desta inspiração e por este impulso histórico é que foi assinada a 26 de Junho de 1945, já a caminhar-se para o fim da terrível segunda guerra mundial, a Carta das Nações Unidas e começou a

189

Disponível em:

<http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/speeches/1979/october/documents/hf_jp- ii_spe_19791002_general-assembly-onu_po.html>. Acesso em: 24 set. 2013.

ter vida, a 24 de Outubro seguinte, a vossa Organização. Pouco depois, aparece o seu fundamental documento que foi a Declaração Universal dos

Direitos do Homem (10 de Dezembro de 1948), do homem como indivíduo

concreto e do homem com o seu valor universal. Este documento constitui uma pedra miliária, posta na longa e difícil caminhada do género humano. É necessário medir o progresso da humanidade não somente pelo progresso da ciência e da técnica — do qual se evidencia toda a singularidade do homem em confronto com a natureza — mas simultaneamente pelo primado dos valores espirituais e pelo progresso da vida moral, precisamente neste campo que se manifesta o pleno domínio da razão, através da verdade nos comportamentos da pessoa e da sociedade, e também o domínio sobre a natureza; e triunfa silenciosamente a consciência humana, conforme diz o antigo ditado: Genus

humanum arte et ratione vivit (o género humano vive pela arte e pela razão).

Foi precisamente num momento em que a técnica, no seu unilateral progresso, era endereçada para fins bélicos, de hegemonia e de conquistas, para que o homem matasse o homem e uma nação destruísse outra nação privando-a da liberdade e do direito de existir — e aqui, tenho sempre diante da minha mente a imagem da segunda guerra mundial na Europa, iniciada há quarenta anos, no primeiro dia de Setembro de 1939, com a invasão da Polónia, e terminada a nove de Maio de 1945 — precisamente então, dizia, surgiu a Organização das Nações Unidas. E três anos mais tarde nasceu o documento que — como já disse — se há-de considerar como uma pedra miliária no caminho do progresso moral da humanidade: a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Governos e Estados do mundo perceberam que, se não querem agredir-se e destruir-se reciprocamente, têm de se unir. A via real, a via fundamental que leva a isso, passa através de cada um dos homens, através da definição, do reconhecimento e do respeito dos inalienáveis direitos das pessoas e das comunidades dos povos.

(...)

13. A Declaração Universal dos Direitos do Homem e os outros instrumentos jurídicos, tanto a nível internacional como a nível nacional, num movimento que não se pode deixar de desejar seja progressivo e continuo, procuram criar uma consciência geral da dignidade do homem e definir ao menos alguns dos direitos inalienáveis do homem. Seja-me permitido enumerar aqui alguns deles, dentre os mais importantes, que são universalmente reconhecidos: o direito à vida, à liberdade e à segurança da pessoa; o direito à alimentação, ao vestuário, à habitação, à saúde, ao descanso e à recreação; o direito à liberdade de expressão, à educação e à cultura; o direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião, individualmente ou em comum, tanto em privado como em público; o direito a escolher o próprio estado de vida, a constituir uma família e a dispor de todas as condições necessárias para a vida familiar; o direito à propriedade e ao trabalho, a condições equitativas de trabalho e a um salário justo; o direito à liberdade de movimento e à migração interna e externa; o direito à nacionalidade e à residência; o direito à participação política e o direito a participar na livre escolha do sistema político do povo de que faz parte. O conjunto dos direitos do homem corresponde à substância da dignidade do ser humano, entendido integralmente, e não reduzido a uma só dimensão; tais direitos referem-se à satisfação das necessidades essenciais do homem, ao exercício das suas liberdades e às suas relações com as outras pessoas; mas eles referem-se sempre e em toda a parte ao homem, à sua plena dimensão humana.

e. Discurso do Papa João Paulo II na sede da Organização das Nações Unidas

para a Educação, Ciência e Cultura

– UNESCO em Paris (França),

02.06.1980

190

:

4. Há apesar de tudo — e sublinhei-o no meu discurso à ONU referindo-me à Declaração Universal dos direitos do homem — uma dimensão fundamental, que é capaz de perturbar até aos fundamentos os sistemas que estruturam o conjunto da humanidade e de libertar a existência humana, individual e colectiva, das ameaças que pesam sobre ela. Esta dimensão fundamental é o homem, o homem na sua integralidade, o homem que vive ao mesmo tempo na esfera dos valores materiais e na dos valores espirituais. O respeito dos direitos inalienáveis da pessoa humana está na base de tudo (cfr. Discurso à ONU, nn. 7 e 13).

(...) 8. (...).

E isto, o homem é-o sempre na sua totalidade: no conjunto integral da sua subjectividade espiritual e material. Se a distinção entre cultura espiritual e cultura material é justa em função do carácter e do conteúdo dos produtos em que se manifesta a cultura, é preciso verificar ao mesmo tempo que, por um lado, as obras da cultura material fazem aparecer sempre uma "espiritualização" da matéria, uma submissão do elemento material às forças espirituais do homem, isto é, à sua inteligência è à sua vontade — e que, por outro lado, as obras da cultura espiritual manifestam, de maneira especifica, uma "materialização" do espírito, uma encarnação do que é espiritual. Nas obras culturais, esta dupla característica parece ser igualmente primordial e igualmente permanente.

Eis pois, à maneira de conclusão teórica, uma base suficiente para compreender a cultura através do homem integral, através de toda a realidade da sua subjectividade. Eis também — no campo do actuar — a base suficiente para procurar sempre na cultura o homem integral, o homem completo, em toda a verdade da sua subjectividade espiritual e corporal; a base que é suficiente para não sobrepor à cultura — sistema autenticamente humano, síntese esplêndida do espírito e do corpo — divisões e oposições preconcebidas. Com efeito, quer se trate de uma absolutização da matéria na estrutura do sujeito humano, ou, inversamente, de uma absolutização do espírito nesta mesma estrutura, nem uma nem outra exprimem a