5 A GARANTIA CONSTITUCIONAL DA FRATERNIDADE
5.1 Abordagem preliminar e contexto de investigação
Como destacado nos capítulos precedentes, o tema fraternidade tem sido
estudado, tradicionalmente, como objeto da filosofia política ou social. Mais
recentemente passou a ser enfrentado como categoria política, mas não há – ou não
havia (e o referencial é até o século XX, consoante referido no Capítulo 4 desta tese) –
importantes registros de estudo da fraternidade enquanto princípio jurídico. O que não
se constata, de forma mais bem elaborada, é investigação ou reconhecimento da
fraternidade como direito: o direito à fraternidade.
É de sabença geral que a fraternidade, associada ao conhecido lema
revolucionário – liberdade, igualdade e fraternidade –, guardava uma estreita vinculação
tão somente com a cultura européia e o seu estudo, enquanto princípio ou mesmo
doutrina, como explica Osvaldo Barreneche
252, se circunscrevia ao velho mundo.
A partir do ano de 2007, com a publicação, na Itália do livro organizado e
compilado por Antonio Maria Baggio
253, com o título Il principio dimenticado: la fraternità
251 O presente capítulo incorpora e tem como ponto de partida tanto o projeto de pesquisa objeto da
seleção no programa de Doutorado em Direito Econômico da PUC-SP, desenvolvido, em seguida, sob a orientação do Professor Livre-Docente Ricardo Hasson Sayeg, como também uma série de artigos, ensaios e capítulos de livros do autor desta tese, publicados (impressos ou em meio digital) antes e durante a execução dos créditos do curso, fruto da pesquisa realizada no período, todos registrados nas referências bibliográficas, particularmente três deles, aqui revistos e ampliados: A Fraternidade como categoria constitucional. In: SOUZA, Carlos Aurélio Mota de e CAVALCANTI, Thais Novaes. Princípios
Humanistas Constitucionais: Reflexões sobre o humanismo do Século XXI. São Paulo: Letras Jurídicas,
Cidade Nova, 2010, pp. 83-110; A Fraternidade como categoria jurídico-constitucional. In: Revista
Brasileira de Direito Público - RBDP. Belo Horizonte. Ano 7. n. 26. Jul/set. 2009, pp. 33-54; e O
Preâmbulo da Constituição do Brasil de 1988: fonte do compromisso estatal para a edificação de uma sociedade fraterna. Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte: Editora Fórum, ano 10, n. 36, jan./mar. 2012, p. 127-152.
252 BARRENECHE, Osvaldo [Comp.]. Estudios recientes sobre fraternidad: de la enunciación como
principio a la consolidación como perpectiva, Buenos Aires: Ciudad Nueva/RUEF, 2010, p. 10.
253 Ex-professor de Ética Social e Filosofia Política da Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma e
nella riflessione politologica contemporanea e, parte dele, posteriormente divulgado em
língua espanhola (Argentina e Chile – El principio olvidado: la fraternidade em la Politica
y el Derecho) e também portuguesa (Brasil – O Princípio Esquecido/1), o tema passou a
ser objeto de estudos acadêmicos na América Latina, inicialmente nos três países
mencionados, depois também levado a efeito por meio de pesquisadores da Colômbia
e Uruguai, além dos italianos integrantes do projeto inicial. Juntos, tais professores
formaram a RUEF (Rede Universitária para o Estudo da Fraternidade)
254, hoje presente
na Europa (Itália e Espanha) e America Latina (Argentina Bolívia, Brasil, Chile,
Colômbia, El Salvador e Uruguai).
Sem embargo de na Rede existirem professores/pesquisadores também da
área jurídica, alguns inclusive do Brasil
255, o estudo sobre a fraternidade encontra-se
muito mais avançado como princípio (do ideário político), categoria (política, com
dimensão relacional), perspectiva (do ponto de observação da própria disciplina) e até
como experiência (maior desafio), numa vertente quase sempre política (Ciência
Política, Filosofia ou História)
256. Nesse sentido, as investigações empreendidas tendem
a colocar luz, como destaca Osvaldo Barreneche
257, sobre a liberdade, ambas
qualificadas como fraternas, mas não só. Deseja-se recuperar, também, os próprios
conceitos seculares de igualdade e de liberdade que na modernidade têm se diluído e
até substituídos por outras, numa incessante busca para se alcançar a felicidade.
No passado, como reconhece Zygmund Bauman
258, partindo do pressuposto
de que a felicidade é um direito humano – e a busca da felicidade uma propensão
254 Para maiores informações sobre as atividades acadêmicos desenvolvidas pela RUEF (constituída em
agosto/2009), e pesquisadores a ela vinculados, ver a página web http://www.ruef.net.br/indexpt.php.
255
REDE UNIVERSITÁRIA PARA O ESTUDO DA FRATERNIDADE. Disponível em: <http://www.ruef.net.br/quemsomospt.php>. Acesso em: 07 mar. 2014.
256 Sobre o percurso de investigação da Fraternidade no meio acadêmico, ver a Introducción realizada
por Osvaldo Barreneche à obra Estudios recientes sobre fraternidad: de la enunciación como principio a la consolidación como perpectiva, Buenos Aires: Ciudad Nueva/RUEF, 2010, p. 09-31.
257
BARRENECHE, Osvaldo [Comp.]. Estudios recientes sobre fraternidad: de la enunciación como principio a la consolidación como perpectiva, Buenos Aires: Ciudad Nueva/RUEF, 2010, p. 12.
258 Zygmund Bauman defende que hoje estamos na era de uma modernidade líquida (Modernidade
Líquida. Rio de Janeiro, Zahar: 2001), em tempos líquidos (Tempos Líquido. Rio de Janeiro: Zahar,
2007), no exercício de uma vida líquida (Vida Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2009) e experimentando um amor líquido (Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar, 2009). Evidenciando o pensamento do autor, ainda, de sua autoria, todos também em língua portuguesa:
humana fundamental –, para alcançar a felicidade os seres humanos deveriam ser
livres, iguais e fraternos. Hoje, explica o sociólogo polonês
259, considerando a
Comunidade: a busca por segurança no mundo atual, Rio de Janeiro, Zahar: 2001; Identidade. Rio de
Janeiro: Zahar, 2005; Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria, Rio de Janeiro: Zahar, 2008 e Capitalismo Parasitário. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
259 BAUMAN, Zygmund. Le parole chiave del XXI secolo. Corriere della Sera. Milano, 22 mar. 2007, p. 53.
Disponível em:
<http://archiviostorico.corriere.it/2007/marzo/22/PAROLE_CHIAVE_DEL_XXI_SECOLO_co_9_07032205 0.shtml>. Acesso em: 03 dez. 2013: ―Quando, al primo erompere dei tumulti rivoluzionari in Francia,
venne proclamato lo slogan Liberté, égalité, fraternité esso racchiudeva la dichiarazione essenziale di una filosofia di vita: in un' unica espressione si fondeva la direttiva ideologica al grido di battaglia. La felicità è un diritto umano e la ricerca della felicità è una propensione umana universale, questo diceva il tacito e pratico presupposto della filosofia della vita. E per raggiungere la felicità, gli esseri umani dovevano essere liberi, uguali e fraterni. (...) Due taciti presupposti assiomatici sottendevano questo progetto tripartitico. Nel programma di «libertà, eguaglianza e fratellanza» era implicito che era dovere della società instaurare e agevolare le condizioni più propizie alla ricerca della felicità così compresa... L' altro presupposto, tacito eppure accettato come assioma, era la necessità di condurre la battaglia per la felicità su due fronti. Mentre gli individui dovevano acquisire e sviluppare l' arte della vita felice, i poteri che plasmavano le condizioni, grazie alle quali quell' arte poteva praticarsi efficacemente, dovevano essere essi stessi rimodellati per diventare più «favorevoli ai praticanti». (...) Tuttavia, sono proprio questi presupposti del legame intimo e inscindibile tra la qualità della società e le possibilità dell' individuo di raggiungere la felicità, ad aver perso, o logorato, il loro appiglio assiomatico sul pensiero popolare, come pure sui prodotti di questo riciclaggio sublimato dall' intelletto. Ed è forse per questa ragione che le condizioni presunte di felicità individuale sono state trasferite dalla sfera della Politica (con la P maiuscola) sopra-individuale verso il territorio della politica dell' esistenza, di pertinenza individuale, ipotizzato come il campo delle azioni primariamente individuali nel quale si esercitano principalmente, anche se non esclusivamente, le risorse appartenenti a ciascun individuo e da esso gestite in autonomia. Questo spostamento riflette i cambiamenti nelle condizioni di vita, che risultano dai processi fluidi della modernità nel campo della liberalizzazione e della privatizzazione, ovvero «sussidiarietà», «terziarizzazione», «outsourcing» o, in qualche altro modo, rinunciando agli elementi successivi delle funzioni fino a quel punto esercitate dalle istituzioni sociali. La formula che attualmente emerge per lo scopo (immutato) della ricerca della felicità, si potrebbe esprimere con i termini di «sicurezza», «parità», «rete». «Sicurezza» è il nuovo valore che sta estromettendo quello di libertà... I rischi che comportano l' individualizzazione e la privatizzazione della ricerca della felicità - abbinati al graduale scompaginamento delle misure di sicurezza concepite, attuate e gestite dalla società, e dalla scomparsa progressiva dell' assicurazione sociale contro i possibili tracolli della vita - si sono dimostrati enormi, e la conseguente incertezza, assillata da mille paure, addirittura sconfortante. Una vita intessuta di qualche certezza e sicurezza in più, anche se pagata in cambio da una minore libertà personale, di colpo è apparsa più interessante e seducente. Nell' attuale costellazione di condizioni di una vita decente e gradevole, la stella della «parità» brilla sempre più fulgida, mentre sbiadisce quella dell' uguaglianza. La «parità» non è affatto, e ci tengo a dirlo, «uguaglianza»... L' idea di innalzare il livello generale di ricchezza, benessere, agi e aspettativa di vita, e ancora di più l' idea di una uguale condivisione tanto della vita comune, quanto dei benefici che quella vita ha da offrire, sta scomparendo dall' agenda dei principi basilari e degli obiettivi realistici della politica. Sempre di più, tutte le forme della società moderna fluida si adattano ad accettare la permanenza della disuguaglianza economica e sociale. La visione di condizioni di vita uniformi e condivise universalmente viene sostituita da quella della diversificazione illimitata per principio, e il diritto all' uguaglianza dal diritto di essere e di restare diversi, senza per questo vedersi negare dignità e rispetto. (...) Infine, la «rete». Se la «fratellanza» comportava una struttura preesistente che predeterminava e predefiniva le regole sulle quali era impostata la condotta, gli atteggiamenti e i principi dell' interazione, la «rete» non ha una storia pregressa: nasce nel corso dell' azione e si mantiene in vita (o piuttosto viene ricreata/risuscitata continuamente e a ripetizione) soltanto grazie ad azioni comunicative successive. A differenza di un gruppo o qualsiasi altro genere di «entità sociale», la rete è attribuita all' individuo e focalizzata sull' individuo, poiché l' individuo focale, il suo fulcro, ne è la sua parte precipua, permanente e
sociedade e a modernidade líquida em que se vive na atualidade, a fórmula que
emerge visando à busca da felicidade, não parece ser mais a igualdade, a liberdade e a
fraternidade e, sim, a paridade, a segurança e a rede, respectivamente.
Como interpreta, com invulgar agudeza, Antonio Maria Baggio
260, a
pretendida substituição, em que pese perceptível no mundo atual, esconde uma
realidade que precisa ser urgentemente repensada. Resumidamente, constata o filósofo
italiano que no lugar de liberdade, renuncia-se a parte dela para (particularmente os
que vivem em países mais devolvidos) obter-se segurança. Quanto à paridade (na
proposta, substituta da igualdade), como lucidamente averba Baggio, revela-se,
lamentavelmente, como um simulacro superficial de imitação, vinculado ao consumismo
desenfreado e ao desejo de status social. Logo, ―a paridade no supérfluo esconde a
desigualdade no
necessário‖. Por derradeiro, relativamente à rede (ligações,
relacionamentos construídos no mundo virtual), de fato consubstancia relações fluidas
(líquidas na linguagem de Bauman), destituídas de alteridade real, uma vez que,
quando o indivíduo se aborrece, com um clic, simplesmente se desliga do aparelho;
desconecta-se do mundo virtual, com o automático e cômodo retorno ao eu. Como
averbou sabiamente Baggio, ―a rede, entendida nesse sentido, é uma expansão do eu,
que substitui o relacionamento humano real‖.
inamovibile. Ciascun individuo porta la sua rete unica e individuale sul suo stesso corpo, come le chiocciole si portano dietro il guscio... L' aspetto più importante delle reti resta tuttavia la straordinaria flessibilità del loro campo d' azione e l' eccezionale facilità di modifica della loro composizione: gli individui vengono aggiunti o eliminati a piacimento, con il semplice gesto con cui si aggiunge o si elimina un numero di telefono dall' elenco del cellulare... In netta opposizione ai «gruppi di appartenenza», ai quali si è assegnati o ci si associa per scelta personale, le reti offrono ai loro proprietari/gestori la sensazione consolatoria (anche se alla fin fine irreale) di controllo totale e incontestato sui propri obblighi e responsabilità‖.
260
Fraternidade e Reflexão Politológica Contemporânea In: BAGGIO, Antonio Maria, O Princípio
Esquecido/2: exigências, recursos e definições da fraternidade na política. São Paulo: Cidade Nova,
2009, pp. 14-15. Similar referência ao pensamento de Bauman, de forma mais sintética, é possível encontrar em BARRENECHE, Osvaldo [Comp.]. Estudios recientes sobre fraternidad: de la enunciación como principio a la consolidación como perpectiva, Buenos Aires: Ciudad Nueva/RUEF, 2010, p. 13. A análise de Antonio Maria Baggio foi também incorporada em MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. A
Fraternidade e o Direito Constitucional Brasileiro: Anotações sobre a incidência e aplicabilidade do
princípio/valor fraternidade no Direito Constitucional brasileiro a partir da sua referência no preâmbulo da Constituição federal de 1988. In: PIERRE, Luiz A. A et al. A fraternidade como categoria jurídica. São Paulo: Cidade Nova, 2013, p. 78.
Pretende-se ir além, sem perder a essência dos princípios/valores da tríade
revolucionária, apresentando os reais contornos da fraternidade – desta feita como
ponto de equilíbrio ou elemento calibrador – com fins à redefinição da igualdade, além
de avançar na liberdade. Ultrapassar fronteiras – é a meta –, mas sempre atento à
genuinidade dos conceitos originários, desta feita numa perspectiva jurídica.
Compreende-se a natural dificuldade para a análise da fraternidade numa
perspectiva jurídica, porquanto, como adverte Fausto Goria
261, em geral é
compreendida como algo que se desenvolve espontaneamente, incompatível, a priori,
com o Direito, uma vez que caracterizado pelo uso da coatividade.
Numa perspectiva eminentente política, a análise, o estudo ou mesmo a
investigação do tema no plano científico poderia ser, como já é, assimilável. Mas como
enfretá-lo juridicamente? A fraternidade, como questiona também Filippo Pizzolato
262,
não seria um ideal de natureza exclusivamente ético-moral ou religioso? É possível
assumir um relevo no âmbito jurídico? Esse, o grande desafio.
Sabe-se – e no capítulo 2 desta tese foi objeto de ampla exposição – que
fraternidade remete, imediata e originariamente, à idéia de consangüinidade, laços
entre parentes, designando a qualidade que identifica pessoas integrantes de
determinada e particular família (irmãos de sangue, ancestralidade, filhos de um mesmo
tronco familiar).
Noutro viés, utilizando-se como referencial histórico os documentos bíblicos –
no Antigo Testamento, verbi gratia – observa-se que o substantivo irmãos era utilizado
também para indicar os membros de uma mesma tribo, como oposição aos
261 GORIA, Fausto. raternitá e diritto: alcune reflessioni. In: CONGRESSO DO MOVIMENTO
COMUNHÃO E DIREITO, Castelgandolfo: Movimento dos Focolares: 18 nov. 2005. Mimeografado. O texto, já traduzido (Fraternidade e Direito: Algumas reflexões), pode ser encontrado na obra Direito e
Fraternidade, uma edição conjunta (2008) de Comunhão e Direito, LTr e Editora Cidade Nova, sob a
organização de Giovanni Caso, Afife Cury, Munir Cury e Carlos Aurélio Mota de Souza, pp. 25/31.
262 PIZZOLATO, Filippo. La fraternità come trama delle istituzioni. In: Aggiornamenti Social, marzo 2013,
p. 200. Disponível em:
<http://www.aggiornamentisociali.it/easyne2/LYT.aspx?Code=agso&IDLYT=769&ST=SQL&SQL=ID_Doc umento%3D6768>. Acesso em: 10 mar. 2014.
estrangeiros e especificar os originários de um específico segmento familiar ou até de
um determinado povo. Constata-se, até, a sua utilização para designar pessoas ligadas
pela mesma fé; por aliança ou, ainda, para identificar os que desempenhavam
semelhantes papéis ou funções.
No Novo Testamento, com o advento e difusão da doutrina cristã alargou-se
sobremaneira o sentido e alcance de irmãos e, consequentemente, de fraternidade, em
face do reconhecimento e a proclamação de que todos são irmãos, pois filhos do
mesmo Pai. Todos – e já assentado em capítulo precedente – indistintamente, sem
limitações, com destaque aos caracteres de inclusão e universalidade.
Abstraindo a análise de qualquer convicção de fundo religioso, sem, no
entanto, negar a fé católica professada pelo autor desta tese, buscar-se-á apresentar a
fraternidade como uma categoria relacional da humanidade, secular e cultural,
superando, inclusive o clássico conceito aristotélico
263de amizade, por vezes associado
ao tema, como referido nos capítulos 2 e 3.
A idéia de fraternidade que ora se pretende difundir exprime igualdade de
dignidade entre todos os homens, independente de organização em comunidades
politicamente institucionalizadas ou vinculadas aos segmentos sociais ou comunitários
unidos por características ou objetivos comuns.
Uma referência inicial encontra abrigo na doutrina de Chiara Lubich
264,
quando afirma que a fraternidade é a ―categoria de pensamento capaz de conjugar seja
a unidade, seja a distinção a que anseia a humanidade contemporânea‖.
263
Para o expoente da filosofia grega os cidadãos se unem, em consenso, com a finalidade de instituir uma determinada comunidade política.
264 Fundadora do Movimento dos Focolares, com sede na Itália, mas difundido em todo o mundo. Trecho
extraído, do discurso intitulado ―A fraternidade e a paz em vista da unidade entre os povos‖, e proferido em 22 de junho de 2002, por ocasião de um Congresso ―Pela unidade dos Povos‖ promovido pela Prefeitura e pela Província de Rimini, Itália, com milhares de participantes. Informação disponível em: <https://www.focolare.org/articolo.php?codard=4103>. Acesso em: 25 fev. 2010.
Por tudo que foi abordado nos capítulos precedentes, agora é possível
vencer a admoestação no início do presente capítulo retomada e reconhecer que
fraternidade e direito não são necessariamente excludentes. A fraternidade – enquanto
valor/categoria ou mesmo princípio
– vem sendo já proclamada (direta ou
indiretamente) em algumas Constituições modernas, ao lado de outras histórica e
tradicionalmente consagradas, como a igualdade e a liberdade, amplamente
reconhecidas como princípios jurídicos e até direito (direito à igualdade; direito à
liberdade).
No entanto, para enfrentar tão singular tema, considerado ainda por muitos –
e particularmente pelos juristas em geral (é de se insistir) – como extrajurídico ou meta
jurídico, impõe-se a fixação de premissa, sem a qual a fraternidade não poderá ser
perseguida: o reconhecimento da igualdade jurídica entre todos os seres humanos.
Evidentemente que tal igualdade é antes de tudo uma igualdade em dignidade. Mas
dignidade compreendida numa perspectiva dinâmica e não estática. Ou, por outra,
entender a pessoa – e as pessoas em geral (considerando a conduta humana em
interferência intersubjetiva) em comunidade, numa dimensão comunitária, em um
contexto relacional
265.
Mas de logo, parece necessário, também, outro relevante registro: são
conhecidos os exemplos de fraternidades vinculadas a grupos, com exclusão dos que
não comungam da mesma ideologia; de sociedades fechadas, associações de iguais
mais iguais, agrupamentos de ativistas de repúdio ou de combate aos diferentes; até
irmandades constituídas por pessoas congregadas com idêntico objetivo filosófico,
político, cultural ou, ainda, para a denúncia de situações de opressão vividas.
Evidenciam-se, portanto, fraternidades limitadas que não atendem ao que se busca
com a nova teoria.
265 Ver, nesse sentido, os apontamentos (mimeo) com o título El fundamento de la solidariedad: la
persona humana de autoria de Gabriel Mora Restrepo, Professor Titular de Teoria Del Derecho da
Faculdade de Direito da Universidade de La Sabana (Colômbia). Intervenção oral no Congresso patrocinado pelo Movimento Comunhão e Direito, vinculado ao Movimento dos Focolares, em Castelgandolfo – Itália, 18 de novembro de 2005.
Pretende-se, com o presente estudo – como vem sendo explicitado ao longo
dos capítulos precedentes
– partir da concepção da fraternidade universal que
contempla toda humanidade, seja em razão da crença na comum filiação de Deus
(fundamento judaico-cristão), seja em decorrência da visão originariamente iluminista,
racionalista e secularizada de igualdade entre todos os homens, porquanto detentores
de idêntica natureza (dignidade)
266.
A linha a ser desenvolvida na exposição ora corrente
– destaque-se –
encontra raiz e inspiração na doutrina paulatinamente construída por profissionais do
Direito vinculados, direta ou indiretamente, à espiritualidade da unidade do Movimento
dos Focolares
267. Objetivam tais operadores, como registra Maria Voce em
apresentação introdutória ao opúsculo Comunione e Diritto
268, encontrar uma visão do
Direito e da Justiça a partir de uma estreita relação com os pontos que advêm da
mensagem evangélica sintetizada no amor, atuado segundo as peculiares
características da doutrina humanista concebida pelo Movimento dos Focolares. Em
rigor, da prática concreta da assim denominada Regra de Ouro, presente em todas as
grandes religiões (não fazer ao outro o que não gostaria que fosse feito a mim mesmo),
enuncia-se um princípio geral de convivência
269que o Direito não pode ser a ele
indiferente, considerando seu caráter eminentemente relacional. Ademais, das relações
construídas entre advogados, Serventuários da Justiça, Magistrados, Membros do
Ministério Público, Notários, etc., especialmente a preciosa troca de experiências,
acadêmicos e técnicos em geral, crentes ou não, colaboram para a edificação de um
fecundo espaço de diálogo: Comunhão e Direito.
266
Para uma importante análise da fraternidade particularmente como condição, remete-se o leitor para o já citado Il principio costituzionale di fraternità: itinerario di ricerca a partire dalla Costituzione italiana, Roma: Città Nuova Editrice, 2012, p. 9 e seguintes.
267
O Movimento dos Focolares, também denominado ―Obra de Maria‖, foi fundado por Chiara Lubich, no ano de 1943, na cidade de Trento (Itália). É uma organização constituída, originalmente, sob inspiração