5 A GARANTIA CONSTITUCIONAL DA FRATERNIDADE
5.2 Liberdade, Igualdade e Fraternidade: evolução e consagração dos direitos
5.2.3 Direitos de Fraternidade: advento do constitucionalismo fraternal
Vencidas as etapas iniciais de afirmação e desenvolvimento dos direitos
humanos fundamentais, alcança-se a terceira. Desta feita, o direito encontra espaço
propício para a consagração dos direitos de fraternidade (ou de solidariedade) que,
como lembra Ingo Wolfgang Sarlet
291,
trazem como nota distintiva o fato de se desprenderem, em princípio, da figura do homem-indivíduo como seu titular, destinando-se à proteção de grupos humanos (família, povo, nação), e caracterizando-se, conseqüentemente, como direitos de titularidade coletiva ou difusa.
289 LUÑO, Antonio E. Pérez. Los Derechos Fundamentales: Temas Clave de la Constitución Española,
11. ed. Madrid: Editorial Tecnos, 2013, p. 36. Como acrescenta o autor, a orientação foi adotada na Constituição Espanhola de 1931, na Constituição Francesa de 1947, na própria Lei Fundamental da República Federal da Alemanha de 1949 e, posteriormente, ainda na Constituição de Grécia de 1975, na de Portugal de 1976 e na da Espanha de 1978.
290 Ibidem, p. 35. 291
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004, p. 56 e 57.
Nessa categoria, como direitos de terceira dimensão, por exemplo, inserem-
se os direitos à paz, ao meio ambiente, à autodeterminação dos povos. Singularizam-
se pela nota de universalidade, ou, quando menos, pela transindividualidade ou
metaindividualidade.
Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior
292incorporam ao
tema importante contribuição acadêmica ao assim se pronunciarem:
Depois de preocupações em torno da liberdade e das necessidades humanas, surge uma nova convergência de direitos, volvida à essência do ser humano, sua razão de existir, ao destino da humanidade, pensando o ser humano enquanto gênero e não adstrito ao indivíduo ou mesmo a uma coletividade determinada. A essência desses direitos se encontra em sentimentos como a solidariedade e a fraternidade, constituindo mais uma conquista da humanidade no sentido de ampliar horizontes de proteção e emancipação dos cidadãos.
Enfoca-se o ser humano relacional, em conjugação com o próximo sem fronteiras físicas ou econômicas. O direito à paz no mundo, ao desenvolvimento econômico dos países, à preservação do ambiente, do patrimônio comum da humanidade e à comunicação integram o rol desses novos direitos. Se a tecnologia e as novas formas de relacionamento social e econômico criaram outras formas de submissão do ser humano, cabe ao direito constituir meios para sua alforria.
Discorrendo sobre os grandes princípios éticos, Fábio Konder Comparato
293,
a seu turno, após ter realizado uma profunda análise e escorço histórico sobre a
liberdade, igualdade e segurança, alcança, a solidariedade, para concluir que:
[...] é o fecho da abóbada do sistema de princípios éticos, pois complementa e aperfeiçoa a liberdade, igualdade e a segurança. Enquanto a liberdade e a igualdade põem as pessoas umas diante das outras, a solidariedade as reúne, todas no seio de uma mesma comunidade. Na perspectiva da igualdade e da liberdade, cada qual reivindica o que lhe é próprio. No plano da solidariedade, todos são convocados a defender o que lhes é comum. Quanto à segurança,
292
ARAÚJO, Luiz Alberto David Araújo e NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito
Constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 116-117.
ela só pode realizar-se em sua plenitude quando cada qual zela pelo bem de todos e da sociedade pelo bem de cada um dos seus membros.
Agregue-se, na esteira do entedimento apresentado, a doutrina de Dirley da
Cunha Júnior
294, quando, tratando do tema e destacando os direitos de fraternidade ou
de solidariedade, justificou a denominação,
em razão do interesse comum que liga e une as pessoas e, de modo especial, em face de sua implicação universal, e por exigirem esforços e responsabilidades em escala, até mesmo mundial, para sua efetivação. Não têm por fim a liberdade ou a igualdade, e sim preservar a própria existência do grupo.
Há, ainda, quem advogue a existência de uma quarta dimensão, resultado
da globalização dos direitos. Paulo Bonavides
295insere na quarta dimensão os direitos
à democracia direta, à informação e ao pluralismo.
Afirma que ―deles depende a
concretização da sociedade aberta ao futuro, em sua dimensão de máxima
universalidade, para ao qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações
de convivência‖. Dirley da Cunha Júnior
296indica, nessa mesma dimensão de direitos,
aqueles contra manipulações genéticas, relacionados à biotecnologia.
Defende-se, mais recentemente, a existência de direitos de quinta dimensão
(ou geração), enquandrando-se nessa categoria, o direito à paz
297.
De terceira, quarta ou de quinta dimensão, os sistemas jurídicos, com essa
nova etapa – ou etapas – dos direitos humanos fundamentais, acolheram o nascimento
de uma importante fase na evolução do constitucionalismo: do clássico liberal para o
294 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Editora Podium, 2008, p. 571. 295 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 570 a
572.
296
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Editora Podium, 2008, p. 573.
conquistado social e agora, do social para o fraternal, como, pioneiramente, registra, na
doutrina pátria, Carlos Ayres Britto
298.
Nesse passo, Carlos Ayres Britto destaca que o constitucionalismo atingiu,
na atual quadra da história, a etapa fraternal de sua existência. Conclui, ainda, que o
constitucionalismo fraternal alcançou ―a dimensão da luta pela afirmação do valor do
Desenvolvimento, do Meio Ambiente ecologicamente equilibrado, da Democracia e até
de certos aspectos do urbanismo como direitos fundamentais‖
299.
A Constituição do Brasil de 1998, já no seu preâmbulo, assume tal
compromisso, ao referir-se, de forma expressa, que perseguirá, com a garantia de
determinados valores, a sociedade fraterna. Adiante, indica como objetivo fundamental,
além dos tradicionais e clássicos misteres estatais com a liberdade e a igualdade, a
construção de uma sociedade solidária (art. 3º, I – CF).
Ademais, o sistema jurídico constitucional brasileiro, além de garantir direitos
de status diferenciado, como destacado, busca assegurar o bem-estar de todos os que
se submetem à ordem jurídica pelo constituinte plasmada por meio e a partir da
Constituição de 1988. Assim, em oito oportunidades, considerando a dimensão fraternal
do constitucionalismo, refere-se ao bem-estar, inicialmente como valor supremo de uma
sociedade fraterna, no preâmbulo da Constituição Federal, e depois em campos
específicos do seu disciplinamento normativo: no art. 23, parágrafo único (bem-estar
nacional); no art. 182, caput (bem-estar dos habitantes da cidade); art. 186, IV (bem-
estar dos proprietários e trabalhadores – requisito para aferição da função social da
propriedade rural); art. 193, caput (bem-estar social); art. 219, caput (bem-estar da
população); art. 230, caput (bem-estar dos idosos) e art. 231, § 1º (bem-estar dos
índios).
298 Conferir a obra: BRITTO, Carlos Ayres. O Humanismo como categoria constitucional, Belo Horizonte:
Editora Fórum, 2007, e ainda, a editada há alguns anos, intitulada Teoria da Constituição, Rio de Janeiro: Forense, 2003.
Os direitos de fraternidade foram, desta forma, reconhecidos, possibilitando o
advento do constitucionalismo fraternal. Mas tal etapa não foi alcançada
exclusivamente na evolução constitucional brasileira.
Na Constituição Portuguesa de 1976, na Constituição Italiana, de 1947, na
Constituição da República do Tchad, de 1993, mas também na Constituição Francesa,
de 1958, por exemplo, há referências expressas (ou implícitas) à fraternidade ou à
solidariedade. Brevemente, as disposições constantes dos respectivos preâmbulos e
do próprio corpo normativo das Constituições, serão adiante apresentadas, com
suscintos comentários explicativos, relativamente a cada um das Cartas
Cosntitucionais referidas.
Na vigente Constituição lusitana
300, logo a partir do preâmbulo, o constituinte
português registrou o excelso compromisso: fazer de Portugal um país mais fraterno
301.
No art. 1º, a meta a ser alcançada: a construção de uma sociedade livre, justa e
solidária
302.
No decorrer do texto da Constituição de Portugal, em sucessivas
oportunidades, o vocábulo solidariedade foi invocado como referencial e parâmetro
normativo para o enfrentamento de temas candentes como deficientes, meio ambiente,
educação e economia (arts. 63º
303, 66º
304, 71º
305, 73º
306, 82º
307, 225º
308e 227º
309).
300 Constituição da República Portuguesa, de 02 de abril de 1976 (Revisão Constitucional de 2005).
Disponível em: <http://www.igfse.pt/upload/docs/2013/constpt2005.pdf>. Acesso em: 19 nov. 2013.
301
“A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno‖. (Sem o destaque no original).
302 “Princípios fundamentais. Artigo 1.º (República Portuguesa) Portugal é uma República soberana,
baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária‖. (Sem o destaque no original).
303
―Artigo 63.º (Segurança social e solidariedade). 1. Todos têm direito à segurança social. 2.Incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado, com a participação das associações sindicais, de outras organizações representativas dos trabalhadores e de associações representativas dos demais Beneficiários. 3. O sistema de segurança social protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez,viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho. 4. Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez,
independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado. 5. O Estado apoia e fiscaliza, nos termos da lei,a actividade e o funcionamento das instituições particulares de solidariedade social e de outras de reconhecido interesse público sem carácter lucrativo, com vista à prossecução de objectivos de solidariedade social consignados, nomeadamente, neste artigo, na alínea b) do n.º 2 do artigo 67.º, no artigo 69.º, na alínea e) do n.º 1 do artigo 70.º e nos artigos 71.º e 72.º‖. (Sem o destaque no original).
304
―Artigo 66.º (Ambiente e qualidade de vida). 1. Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender. 2.Para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos: a) Prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão; b) Ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correcta localização das actividades, um equilibrado desenvolvimento sócio-económico e a valorização da paisagem; c) Criar e desenvolver reservas e parques naturais e de recreio, bem como classificar e proteger paisagens e sítios, de modo a garantir a conservação da natureza e a preservação de valores culturais de interesse histórico ou artístico; d) Promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações; [...]‖. (Sem o destaque no original).
305
―Artigo 71.º (Cidadãos portadores de deficiência). 1.Os cidadãos portadores de deficiência física ou mental gozam plenamente dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição, com ressalva do exercício ou do cumprimento daqueles para os quais se encontrem incapacitados. 2.O Estado obriga-se a realizar uma política nacional de prevenção e de tratamento, reabilitação e integração dos cidadãos portadores de deficiência e de apoio às suas famílias, a desenvolver uma pedagogia que sensibilize a sociedade quanto aos deveres de respeito e solidariedade para com eles e a assumir o encargo da efectiva realização dos seus direitos, sem prejuízo dos direitos e deveres dos pais ou tutores. 3. O Estado apoia as organizações de cidadãos portadores de deficiência‖. (Sem o destaque no original).
306 “CAPÍTULO III. Direitos e deveres culturais, Artigo 73.º (Educação, cultura e ciência), 1. Todos têm
direito à educação e à cultura. 2.O Estado promove a democratização da educação e as demais condições para que a educação, realizada através da escola e de outros meios formativos, contribua para a igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida colectiva. [...]‖. (Sem o destaque no original).
307
“Artigo 82.º (Sectores de propriedade dos meios de produção). 1. É garantida a coexistência de três sectores de propriedade dos meios de produção. 2. O sector público é constituído pelos meios de produção cujas propriedade e gestão pertencem ao Estado ou a outras entidades públicas. 3.O sector privado é constituído pelos meios de produção cuja propriedade ou gestão pertence a pessoas singulares ou colectivas privadas, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 4. O sector cooperativo e social compreende especificamente: a) Os meios de produção possuídos e geridos por cooperativas, em obediência aos princípios cooperativos, sem prejuízo das especificidades estabelecidas na lei para as cooperativas com participação pública, justificadas pela sua especial natureza; b) Os meios de produção comunitários, possuídos e geridos por comunidades locais; c) Os meios de produção objecto de exploração colectiva por trabalhadores; d) Os meios de produção possuídos e geridos por pessoas colectivas, sem carácter lucrativo, que tenham como principal objectivo a solidariedade social, designadamente entidades de natureza mutualista‖ (Sem o destaque no original).
308
“TÍTULO VII. Regiões Autónomas. Artigo 225.º (Regime político-administrativo dos Açores e da Madeira). 1. O regime político-administrativo próprio dos arquipélagos dos Açores e da Madeira fundamenta-se nas suas características geográficas, económicas, sociais e culturais e nas históricas aspirações autonomistas das populações insulares. 2. A autonomia das regiões visa a participação democrática dos cidadãos, o desenvolvimento económico-social e a promoção e defesa dos interesses regionais, bem como o reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses [...]‖. (Sem o destaque no original).
309
“Artigo 227.º (Poderes das regiões autónomas). 1. As regiões autónomas são pessoas colectivas territoriais e têm os seguintes poderes, a definir nos respectivos estatutos: a) [...]; j)Dispor, nos termos dos estatutos e da lei de finanças das regiões autónomas, das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas, bem como de uma participação nas receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com
Preocupou-se o texto magno português em delimitar o espaço de disciplinamento
normativo por meio de expressões com forte valor também simbólico como
solidariedade entre gerações; solidariedade social, solidariedade nacional,
responsabilidade, espírito de tolerância e compreensão mútua.
Na Carta Constitucional Italiana a situação é semelhante.
Eis alguns dispositivos que indicam o compromisso da Lei Fundamental da
República italiana
310(sem os destaques no original e em tradução livre) com o
valor/princípio/direito de fraternidade (ou solidariedade), expressa ou implicitamente
reconhecido, particularmente considerando a responsabilidade social dos submetidos à
ordem jurídica constitucional da península itálica:
Art. 2. A República reconhece e garante os direitos invioláveis do homem, quer como ser individual quer nas formações sociais onde se desenvolve a sua personalidade, e requer o cumprimento dos deveres inderrogáveis de solidariedade política, econômica e social.
[...]
Art. 4. A República reconhece a todos os cidadãos o direito ao trabalho e promove as condições que tornem efetivo esse direito. Todo cidadão tem o dever de exercer, segundo as próprias possibilidades e a própria opção, uma atividade ou uma função que contribua para o progresso material ou espiritual da sociedade.
[...]
Art. 41. A iniciativa econômica privada é livre. A mesma não pode se desenvolver em contraste com a utilidade social ou de uma forma que possa trazer dano à segurança, à liberdade, à dignidade humana. A lei determina os programas e os adequados controles, afim de que a atividade econômica pública e privada possa ser dirigida e coordenada para fins sociais. Art. 42. A propriedade é pública ou privada. Os bens econômicos pertencem ao Estado, ou a entidades, ou a particulares. A propriedade privada é reconhecida e garantida pela lei, que determina as suas formas de aquisição, de posse e os limites, no intento de assegurar sua função social e de torná-la acessível a todos. A propridade privada pode ser, nos casos previstos pela lei e salvo indenização, expropriada por motivos de interesse geral. A lei estabelece as normas e os direitos da sucessão legítima e testamentária, e os direitos do Estado sobre as heranças.
um princípio que assegure a efectiva solidariedade nacional, e de outras receitas que lhes sejam atribuídas e afectá-las às suas despesas; [...]‖. (Sem o destaque no original).
310
Texto original da Costituzione della Repubblica Italiana, de 27 de dezembro de 1947. Disponível em: <http://wwwext.comune.fi.it/costituzione/italiano.pdf>. Acesso em: 03 mar. 2014.
Analisando os dispositivos da Constituição da República da Itália destacados
e sob o viés hermenêutico do reconhecimento, pela Lex Maxima, do princípio da
fraternidade, não sem antes destacar que o termo não figura expressamente na Carta
Constitucional comentada, Filippo Pizzolato
311explica:
Na esfera constitucional, já não se impõe à liberdade apenas a obrigação de não causar prejuízo à liberdade alheia, mas o dever (in primis mediante o trabalho) de concorrer ―para o progresso material ou espiritual da sociedade‖ (Artigo 4º); já não se exige apenas da liberdade econômica que não seja exercida ―de modo a causar dano à segurança, à liberdade, à dignidade humana‖, mas também que ―possa ser orientada e coordenada para fins sociais‖ (Artigo 41 da Constituição); já não se reconhece a propriedade apenaso título de direito inviolável (jus utendi et abutendi), mas é preciso garantir-lhe sua ―função social‖, e isso não somente mediante a expropriação, mas também por meio da regulamentação do que é facultado ao direito de propriedade (Artigo 42 da Constituição).
A referência no direito positivo não se reduz, como muitos acusam, a meras,
pontuais ou imprecisas referências no direito positivo.
Como destacado em capítulo anterior (item 4.3), hoje, já existe doutrina
específica que reconhece o princípio jurídico da fraternidade a partir da Constituição
Italiana, como a desenvolvida por Filippo Pizzolato
312, e outros em diversos segmentos
do Direito.
Na Constituição da República do Tchad
313, adotada após referendo de 31 de
março de 1996, especificamente no seu preâmbulo, há referência expressa à
solidariedade e à fraternidade.
311
PIZZOLATO, Filippo. A fraternidade no ordenamento jurídico italiano. In: BAGGIO, Antonio Maria (Org.). O Princípio Esquecido/1. São Paulo: Cidade Nova, 2008, p. 120-121.
312
PIZZOLATO, Filippo. Il principio costituzionale di fraternità: itinerário de ricerca a partire dalla Costituzione italiana. Roma: Città Nuova Editrice, 2012. Ver especificamente a segunda parte da citada obra, com o título Appunti sul principio di fraternità nell‘ordinamento giuridico italiano, p. 102-185
313
TCHAD. Constituição (1993). Constituição da República do Tchad. Adotada pelo referendo de 31 de março de 1996. Disponível em: < http://www.ethnonet-africa.org/data/tchad/const.htm>. Acesso em: 20 mar. 2014.
No constitucionalismo francês, especificamente na Carta Constitucional de
1848, como desenvolvido no capítulo 2 (item 2.3), a fraternidade é consagrada como
princípio da República (Preâmbulo), retomado, enquanto divisa, nas Constituições de
1946 (art. 2) e na vigente de 1958 (art. 2), ao lado da igualdade e da liberdade. Nesta
ultima, a fraternidade também é apresentada no art. 72-3, como ideal comum
(liberdade, igualdade e fraternidade).
A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de
outubro de 1988, seguiu na mesma estrada. Consagrou, no seu pórtico,
princípios/valores preliminares em sede de PREÂMBULO, introduzindo o articulado
normativo com relevantes compromissos. O texto integral, materializado em eloquente
invocação, obteve a seguinte redação (sem os grifos e destaques em maiúsculo)
314:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma SOCIEDADE FRATERNA, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
Observa-se, como singelamente antes destacado, que o legislador
constituinte objetivou, com o magno documento normativo por meio do preâmbulo
apresentado, viabilizar a construção de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, fundada na harmonia social.
Assim concebendo, contemplou o supremo legislador brasileiro a moldura
jurídico-constitucional de um Estado não mais comprometido com uma ideologia
puramente liberal (Estado Liberal) ou social (Estado Social), ou até liberal-social, mas
314
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988..Brasília, DF, 05 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 07 mar. 2014.