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A Verdadeira Sabedoria e a Falsa

1 Coríntios 1:18-2:

3. A Verdadeira Sabedoria e a Falsa

Ao longo de toda esta seção, Paulo contrasta a sabedoria do mundo com a sabedoria de Deus. Muitas das características de ambas vão se tornar claras à medida que examinarmos o texto, mas é útil contemplarmos o tema como um todo. A palavra chave (sophos ou

sophia) ocorre mais de vinte vezes e "é possível, embora não se tenha

certeza, que Paulo esteja usando um slogan de Corinto".1

Barrett explica que Paulo usa a palavra "sabedoria" em quatro sentidos, dois negativos e dois positivos.2 Um exemplo negativo de sabedoria é o mencionado em 1:17 ("sabedoria de palavra"), que se refere a um modo particular de falar, isto é, à habilidade de organizar argumentos humanos. Em 1:19, Paulo está descrevendo, não tanto um modo de falar, mas um modo de pensar, isto é, uma atitude para com a vida que se baseia no que eu desejo crer e fazer.

Em contraste com esses exemplos de sabedoria humana, Paulo fala da sabedoria de Deus, também em dois sentidos (de acordo com Barrett). Ele descreve (1:21 e 2:7) o plano da salvação determinado pela sabedoria de Deus; mas também vê Jesus Cristo como a própria sabedoria divina e, desse modo, a verdadeira substância da salvação (1:24 e 30). Para Paulo, portanto, qualquer tentativa de estabelecer a salvação fora do fundamento de Jesus Cristo crucificado é loucura completa.

Paulo via duas maneiras fundamentais pelas quais o mundo incrédulo tentava abrir tal caminho para Deus: os judeus queriam que Deus preenchesse todos os seus requisitos, fornecendo provas irrefutáveis e tangíveis em que pudessem basear suas convicções. "Eles exigiam provas, e o seu interesse estava no que é prático... E por isso exigiam um sinal do Senhor (por exemplo, Jo 6:30). Pensavam no Messias como alguém credenciado por manifestações extraordinárias de poder e majestade. Um Messias crucificado era uma contradição de termos."3

Os gregos, por sua vez, preferiam especular sobre o caminho para Deus através do raciocínio e do debate. Usando o intelecto para criar

um deus à sua própria imagem, julgavam impossível conceber um Deus em termos pessoais: "no pensamento grego, a primeira característica de Deus era apatheia... a total incapacidade de sentir. Os gregos alegavam que Deus não podia sentir... Um Deus sofredor era uma contradição de termos... Deus devia ser totalmente neutro e rem oto."4 Inevitavelm ente, a mentalidade grega julgava incompreensível e ridícula a pregação da cruz, ou seja, que Deus estivesse reconciliando o mundo consigo em Cristo.

Na visão de Paulo, a sabedoria do mundo (judaica e grega) brotava claramente da rebeldia do homem contra Deus, de sua recusa em dobrar os joelhos e de sua determinação em fazer Deus se encaixar em suas próprias idéias e desejos. Uma vez que Deus está determinado a arrancar todo esse orgulho humano, deve-se rejeitar qualquer sabedoria que não se baseie no "Cristo crucificado" (e nas verdades derivadas desse evangelho, a saber, a natureza essencialmente pecadora do homem e a provisão graciosa de salvação através de um Deus Criador, santo e amoroso).

Parece evidente que tal sabedoria do mundo andava solta nas ruas e nos auditórios de Corinto. Conzelmann, de fato, cita alguns ditados da filosofia popular da época: "o homem sábio é rei" e "ao sábio pertencem todas as coisas".5 Paulo rejeitava esta sabedoria do mundo. Ele também rejeitava a forma como ela era fornecida, isto é, com eloqüência persuasiva. "Os gregos estavam intoxicados com palavras bonitas."6 Como muitas personalidades acadêmicas de hoje, eles não se preocupavam tanto com a verdade ou com o que era dito, mas com a eloqüência e a perspicácia com que se falava.

Seríamos, contudo, ingênuos se pensássemos que Paulo escreveu esta carta simplesmente para contrastar a pregação e a verdade cristãs com a sabedoria grega e judaica contemporânea. O clima intelectual (acadêmico ou popular) da época sempre contamina a igreja cristã de maneira muito sutil. Como Barrett escreve: "não foi a falsa presunção da sabedoria e da capacidade do mundo que levou Paulo a escrever 1 Coríntios, mas essa mesma falsa presunção na igreja... onde os cristãos estavam se gloriando nos homens e avaliando erroneamente os seus dons. Só podiam fazer isso porque haviam esquecido que a sua existência como cristãos dependia, não de seus méritos, mas da vocação de Deus, e do fato de que o Evangelho é a mensagem da Cruz."7

É necessário muito tempo, um estudo profundo das Escrituras e uma iluminação constante do Espírito Santo para reproduzir "a mente de Cristo" numa comunidade cristã. Tal processo envolve a 42

"desaprendizagem" da sabedoria do mundo, bem como a absorção da sabedoria de Deus. Portanto é importante que os cristãos de hoje saibam reconhecer a maneira como o seu pensamento é influenciado pelo secularismo de nossa época, assim como Paulo considerou necessário desvendar para a igreja de Corinto a vacuidade e a loucura do pensamento de então.

Ao denunciar a loucura da sabedoria do mundo, Paulo não subestima, de maneira alguma, o significado ou o impacto dela sobre nós. A característica essencial da sabedoria do mundo é que ela pode esvaziar a palavra da cruz, tirando-lhe o poder (1:17). Por isso, ela é uma séria ameaça para o evangelho e a igreja. Não estamos lidando, portanto, com algo periférico ou superficial, mas com um inimigo sutil que golpeia o coração da nossa mensagem. Se não pudermos identificá-lo e afastá-lo, nosso evangelho será insignificante e yazio.

Paulo também admite claramente a eficácia dessa sabedoria. Nos versículos 17-21 ele usa quatro frases que indicam o seu ponto de vista: tal sabedoria é "eloqüente" (v. 17), até "inteligente" (v. 19); mas não passa de palavras (v. 20), sendo, portanto, com pletam ente insatisfatória em relação às necessidades e desejos básicos do homem (v. 21).

A palavra inteligência (v. 19) é uma citação de Isaías 29:14. O contexto dessa passagem descreve um momento na vida do reino de Judá no século oitavo a.C. Quando o povo pensava, planejava e agia, praticamente ignorava a realidade e, mais ainda, a relevância de um Deus transcendente, capaz de afetar significativamente qualquer situação aqui e agora. Em sua astúcia, apoiavam-se na engenhosidade e nos recursos puramente humanos. Hoje, tanto os cristãos como os incrédulos muitas vezes se incham de tal sabedoria.

Um dos sinais da sabedoria puramente humana é o fato de se apoiar em uma apresentação eloqüente e persuasiva, acompanhada de uma profusão de palavras. Ingmar Bergman, o diretor de cinema sueco, observou certa vez: "Quando Deus está morto, os cristãos tagarelam." O próprio Jesus nos advertiu explicitamente contra uma religião que se expressa em linguagem ortodoxa, mas não resulta em mudança de estilo de vida.8 Paulo sabia dar o devido valor ao argumento persuasivo na proclamação de Cristo; em Corinto ele "discorria" na sinagoga todas as semanas, "persuadindo judeus e gregos".1' Mas ele mesmo não acreditava que a palavra persuasiva, por si mesma, pudesse levar alguém à fé em Jesus e a um conhecimento de Deus capaz de transformar vidas.

a futilidade e o perigo dos debates verbais sem fim. Os detalhes exatos das práticas condenadas nas Epístolas Pastorais não estão explícitos; mas o destaque principal é óbvio: Paulo estava buscando vidas transformadas, cheias de fé, de amor e de santidade. Ele combatia qualquer tipo de verbosidade que parece estar cheia de conteúdo religioso, mas que não passa de "fábulas", "discussões", "loquacidade frívola", "contendas de palavras", "falatórios inúteis e profanos", "debates". O seu conselho é simples: "Evite-os".10

Porém, tanto no conteúdo como no método de apresentação, a sabedoria do mundo põe em perigo "a palavra da cruz". Presume-se que Paulo não rejeitava todo o conhecimento, a sabedoria e a filosofia do mundo não-cristão (embora ele não tenha expressado tais sentimentos em 1 Coríntios). Provavelmente ele reconhecia os seus méritos, apesar das suas muitas e inevitáveis limitações. Tal sabedoria pode realizar muitas coisas, bem como impressionar muitas pessoas, produzir um grande impacto e gerar muita fama, mas nunca satisfaz a alma faminta com o perdão e a paz de Deus. T. S. Eliot escreveu:

Todo o nosso conhecimento nos aproxima mais da nossa ignorância,

Toda a nossa ignorância nos aproxima mais da morte, Proximidade da morte, não de Deus.

Onde está a vida que perdemos vivendo?11

Vejamos então algumas características e limitações da sabedoria do mundo. Nesta passagem (1:18-2:16) Paulo desvenda a sabedoria de Deus a partir de três perspectivas: a palavra da cruz (1:18-25), os caminhos de Deus (1:26-31) e o ministério do Espírito (2:1-16). Talvez essa aparência trinitária não seja mera coincidência: no capítulo 2, os ensinamentos de Paulo sugerem um conteúdo explicitamente trinitário.