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DA PROPORCIONALIDADE À RAZOABILIDADE: ENTRE A TÉCNICA E O PRINCÍPIO

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RENATO BRAZ MEHANNA KHAMIS

DA PROPORCIONALIDADE À RAZOABILIDADE: ENTRE A TÉCNICA E O PRINCÍPIO

DOUTORADO EM DIREITO

PUC-SP

SÃO PAULO

(2)

RENATO BRAZ MEHANNA KHAMIS

DA PROPORCIONALIDADE À RAZOABILIDADE: ENTRE A TÉCNICA E O PRINCÍPIO

Tese apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Doutor em Direito do Estado – Direito Constitucional sob a orientação do Prof. Dr. Roberto Baptista Dias da Silva.

PUC-SP

SÃO PAULO

(3)

Banca Examinadora

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

(4)

RESUMO

(5)

ABSTRACT

(6)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 09

1. A PROPORCIONALIDADE NA DOUTRINA ... 11

1.1. Luís Roberto Barroso ... 11

1.2. Gilmar Ferreira Mendes ... 16

1.3. Paulo Bonavides ... 18

1.4. Jorge Miranda ... 19

1.5. José Joaquim Gomes Canotilho ... 22

1.6. Willis Santiago Guerra Filho ... 26

1.7. Robert Alexy ... 30

1.8. Virgílio Afonso da Silva ... 34

1.9. Humberto Ávila ... 39

1.10. Eros Roberto Grau ... 52

1.11. Marcelo Neves ... 58

2. CIÊNCIA E TÉCNICA JURÍDICA ...65

2.1. O paradigma dominante da ciência ... 65

2.2. O paradigma emergente da ciência ... 69

2.3. A ciência e a técnica ... 75

2.4. A ciência e a técnica jurídica ... 76

3. A TÉCNICA DA PROPORCIONALIDADE ...90

3.1. O problema da proporcionalidade como princípio ... 90

3.1.1. A aplicação dos princípios enquanto normas jurídicas ... 90

3.1.2.A natureza não-normativa dos princípios ... 94

3.2. O problema da proporcionalidade como regra ... 101

3.3. O problema da proporcionalidade como “norma diversa” ... 106

3.3.1. A proporcionalidade como postulado normativo aplicativo ... 106

3.3.2. A proporcionalidade como híbrido ... 116

3.4. A técnica da proporcionalidade ... 123

3.4.1. A proporcionalidade como técnica de aplicação do direito ... 123

3.4.2. A proporcionalidade como técnica de argumentação racional .. 129

3.4.3. O uso equivocado da proporcionalidade como topos ... 136

(7)

3.5. Adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito ... 141

4. O PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE ... 143

4.1. A razoabilidade como imperativo de razão prática ... 143

4.2. A natureza principiológica da razoabilidade ... 148

4.3. Razoabilidade não é sinônimo de equidade ... 151

4.4. A idéia de justiça transcende a noção de proporção ... 154

CONCLUSÃO ...160

(8)

INTRODUÇÃO

Um dos temas mais discutidos atualmente no direito constitucional contemporâneo diz respeito ao chamado princípio da proporcionalidade. O problema se inicia já na discussão sobre a relação eventualmente existente entre ele e o princípio da razoabilidade. Isto porque para uns ambos são a mesma coisa, apenas com nome e origem diferente, mas para outros se trata de duas coisas distintas.

Ainda mais polêmica é a discussão a respeito da sua natureza jurídica. Enquanto para a maioria a proporcionalidade é um princípio, existem aqueles que entendem se tratar de uma regra, enquanto outros acreditam ser um postulado normativo aplicativo, ou mesmo um híbrido. Em todos estes casos é atribuído status normativo à proporcionalidade.

No que toca à forma de aplicação da proporcionalidade, encontramos decisões judiciais que a utilizam como fundamento para a declaração de inconstitucionalidade, bem como decisões que a utilizam como topos, e ainda julgados aonde ela é aplicada em três etapas – adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Também a natureza jurídicas destas etapas se mostra problemática.

O fato é que a natureza jurídica da proporcionalidade acarreta uma série de decorrências de ordem metodológica, as quais precisam adequar-se e desenvolver-se no âmbito de cada teoria do direito adotada. Portanto, a fim de manter a coerência da atividade científica do direito, urge solucionar esta questão.

Para atingir esta finalidade, começaremos nossa investigação pelo estudo da proporcionalidade dentro das teorias dos autores mais influentes no Brasil quando o assunto é este tema.

(9)

foco principal o enquadramento da ciência do direito. Neste ponto, estudaremos a relação entre a ciência do direito e a técnica jurídica.

As etapas até aqui apresentadas têm o condão de estruturar as bases, isto é, de estabelecer as premissas a partir das quais começaremos a construir nossa análise sobre o tema proposto. Por isto, depois de feitas estas considerações, passaremos à analise crítica da proporcionalidade e da razoabilidade.

Primeiramente vamos adentrar as teorias dos autores apresentados no primeiro capítulo para, com base nas premissas metodológicas deles próprios, analisar o enquadramento da proporcionalidade. Neste ponto vamos ver se se sustentam os argumentos para enquadrar a proporcionalidade como princípio, regra, postulado normativo aplicativo e híbrido.

Em seguida, caso constatemos sua impossibilidade, vamos investigar a natureza jurídica da proporcionalidade, de forma a estabelecer o seu enquadramento, bem como seu âmbito de atuação. Neste ponto, estudaremos as três etapas da proporcionalidade, quais sejam, adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito

Feito isso, passaremos à apreciação da razoabilidade, verificando sua natureza jurídica para, então, definirmos se proporcionalidade e razoabilidade são a mesma coisa.

(10)

1. A PROPORCIONALIDADE NA DOUTRINA

Neste capítulo inicial iremos analisar o que dizem os principais autores nacionais e os doutrinadores mais difundidos no Brasil a respeito da proporcionalidade.1 Buscaremos identificar, segundo a opinião de cada um deles, qual sua natureza jurídica, se possui força normativa, qual a sua forma de aplicação, dentre outros pontos de extrema relevância para melhor compreendermos o instituto.

Ressaltamos, contudo, que a proposta deste primeiro capítulo se restringe à apresentação das posições de cada autor, sendo que a análise crítica sobre os respectivos posicionamentos será realizada no terceiro capítulo, a partir das bases estabelecidas nos capítulos 1 e 2.

1.1. Luís Roberto Barroso

No que toca à posição de Luís Roberto Barroso a respeito da proporcionalidade, cumpre atentar que o autor parte de uma premissa teórica específica, qual seja, o pós-positivismo, a partir da qual constrói o instituto jurídico mencionado.

Sinteticamente,2 Luís Roberto Barroso afirma que o pós-positivismo é o marco filosófico do novo direito constitucional.3 Segundo o autor, o

pós-positivismo seria o meio termo entre o jusnaturalismo e o pós-positivismo jurídico. Conforme afirma, o primeiro mostrou-se insuficiente por ser considerado metafísico e anti-científico, em que pese se pautasse em princípios de justiça universais. De outro lado, o último primou por atender o paradigma científico

1 É importante ressaltar que a escolha dos autores utilizou como critério a amplitude da difusão

de suas idéias no meio jurídico brasileiro – daí o porquê da escolha destes autores, e não outros –, assim como a diferença entre as posições por eles adotadas – a fim de evitar posicionamentos repetidos.

2 Mais a frente, no capítulo III, teremos a oportunidade de analisar mais detidamente o

pós-positivismo, nos bastando, por ora, esta abordagem mais sintética.

3 Acreditamos que o autor comete uma impropriedade técnica nesta afirmação. Não se trata de

(11)

dominante, mas como consequência se ateve exclusivamente à forma legal e absteve-se de discussões como legitimidade e justiça.4

De acordo com Luís Roberto Barroso, o pós-positivismo encontra suas raízes no pós-guerra. Isto porque ao final da segunda guerra mundial constatou-se que a separação entre ética e direito levou à institucionalização da barbárie legalmente amparada pelo aparelhamento do Estado de Direito.

Contudo, nesse contexto de revaloração do direito, dois princípios surgem como os pilares modernos do pós-positivismo. São eles a dignidade da pessoa humana e a razoabilidade5:

O novo direito constitucional ou neoconstitucionalismo é, em parte, produto desse reencontro entre a ciência jurídica e a filosofia do Direito. Para poderem beneficiar-se do amplo instrumental do Direito, migrando do plano ético para o mundo jurídico, os valores morais compartilhados por toda a comunidade, em dado momento e lugar, materializam-se em princípios, que passam a estar abrigados na Constituição, explícita ou implicitamente. Alguns nela já se inscreviam de longa data, como a liberdade e a igualdade, sem embargo da evolução constante dos seus significados. Outros, conquanto clássicos, sofrearam releituras e revelaram novas sutilezas, como a democracia, a República e a separação de Poderes. Houve, ainda, princípios cujas potencialidades só foram desenvolvidas mais recentemente, como o da dignidade da pessoa humana e o da razoabilidade.6

Como se percebe, Luís Roberto Barroso atribui à razoabilidade a natureza jurídica de princípio. Para ele a “distinção qualitativa entre regra e princípio é um dos pilares da moderna dogmática constitucional, indispensável para a superação do positivismo legalista (...)”.7

4 A afirmação de que o positivismo jurídico absteve-se da discussão da justiça nos parece

equivocada. Hans Kelsen, maior expoente desta corrente teórica, discutiu a questão da justiça em suas obras (KELSEN, Hans. O problema da justiça. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes,

2003). Seria mais correto dizer que o positivismo priorizou a forma legal para atender ao paradigma científico dominante deixando, consequentemente, a questão da justiça em um plano secundário.

5 Como se verá logo abaixo, para o autor os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade

são fungíveis, possuindo o mesmo conteúdo jurídico e forma de aplicação.

6 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos

fundamentais e a construção do novo modelo. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 250.

7 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma

(12)

Conforme pontua, “regras são proposições normativas aplicáveis sob a forma de tudo ou nada (all or nothing). Se os fatos nela previstos ocorrerem, a regra deve incidir, de modo direto e automático, produzindo seus efeitos”.8

Já com relação aos princípios, afirma o seguinte:

Princípios contêm, normalmente, uma maior carga valorativa, um fundamento ético, uma decisão política relevante, e indicam determinada direção a seguir. (...) A colisão de princípios, portanto, não só é possível, como faz parte da lógica do sistema, que é dialético. Por isso, a sua incidência não pode ser posta em termos de tudo ou nada, de validade ou invalidade. Deve-se reconhecer aos princípios uma dimensão de peso ou importância.9

É dentro dessa concepção de que normas jurídicas se dividem em duas espécies, regras e princípios10, que o autor atribui à proporcionalidade a

natureza jurídica de princípio, impingindo-lhe, por consequência, a mesma forma de aplicação das normas desta espécie.

Todavia, há que se notar que em sua obra Luís Roberto Barroso se refere à razoabilidade e à proporcionalidade como sinônimos. Isto se deve, segundo o autor, ao fato de tratar-se do mesmo princípio, mas com origem e nomenclatura diferentes.

8 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma

dogmática constitucional transformadora. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003., p. 328.

9 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma

dogmática constitucional transformadora. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003., p. 329.

10 Importante anotar que a classificação das normas jurídicas em regras e princípios adotada

(13)

Conforme pontua, o princípio da razoabilidade tem sua matriz no direito anglo-saxão, remontando à cláusula law of the land inscrita na Magna Charta Libertatum. Contudo, é nos Estados Unidos da América que a razoabilidade surge como um princípio constitucional que serve como parâmetro para o controle de constitucionalidade.

Modernamente, segundo a tradição jurídica norte-americana, o princípio da razoabilidade encontra seu fundamento jurídico no próprio texto constitucional, mais especificamente no princípio do devido processo legal. Entretanto, para chegar neste ponto, o referido princípio passou por duas fazes distintas, como explica Luís Roberto Barroso:

Na primeira fase, a cláusula teve caráter puramente processual (procedural due process), abrigando garantias voltadas, de início, para o processo penal e que incluíam os direitos a citação, ampla defesa, contraditório e recursos. Na segunda fase, o devido processo legal passou a ter um alcance substantivo (substantive due process), por via do qual o Judiciário passou a desempenhar determinados controles de mérito sobre o exercício da discricionariedade pelo legislador, tornando-se importante instrumento de defesa dos direitos fundamentais – especialmente da liberdade e da propriedade – em face do poder político. O fundamento de tais controles assentava-se na verificação da compatibilidade entre o meio empregado pelo legislador e os fins visados, bem como na aferição da legitimidade dos fins. Por intermédio da cláusula do devido processo legal passou-se a proceder ao exame de razoabilidade (reasonableness) e de racionalidade (rationality) das leis e dos atos normativos em geral no direito norte-americano.11

Já o princípio da proporcionalidade, conforme a lição de Luís Roberto Barroso, surge na Europa continental, mais especificamente na Alemanha, aonde encontra seu fundamento jurídico-constitucional no princípio do Estado de direito. Inicialmente o referido princípio desenvolveu-se no âmbito do direito administrativo como limitador da discricionariedade administrativa. Apenas após o advento da Lei Fundamental de 1949 é que este quadro se

11 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos

(14)

alterou e que, consequentemente, o princípio em tela passou a fundamentar o controle judicial da atuação do parlamento.

Como se vê, segundo Luís Roberto Barroso os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade possuem o mesmo conteúdo jurídico. Daí o porquê do autor afirmar o que segue:

(...) a doutrina e a jurisprudência, assim na Europa continental como no Brasil, costumam fazer referência, igualmente, ao princípio da proporcionalidade, conceito que em linhas gerais mantém uma relação de fungibilidade com o princípio da razoabilidade.12

Na esteira da fungibilidade entre razoabilidade e proporcionalidade apontada por Luís Roberto Barroso, ele incorpora ao princípio da razoabilidade os três subprincípios desenvolvidos pela doutrina alemã para dar mais substância à proporcionalidade, quais sejam, adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.13

O primeiro subprincípio (adequação) visa aferir a adequação entre o meio empregado e o fim perseguido, isto é, busca verificar a idoneidade da medida para produzir o resultado almejado.

Já o segundo subprincípio (necessidade ou exigibilidade da medida) tem como escopo a verificação da existência de meios menos gravosos para a consecução dos fins visados. Neste caso, conforme leciona o autor, “a razoabilidade se expressa através do princípio da proibição do excesso”.14

12 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de

uma dogmática constitucional transformadora. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 224.

13 Em obras mais antigas o autor afirmava que a aferição da razoabilidade deveria ocorrer em

dois planos: razoabilidade interna e razoabilidade externa. A primeira seria a aferição realizada dentro da própria lei, isto é, a análise da existência de uma relação racional e proporcional entre seus motivos, meios e fins. Já a segunda buscaria aferir se a lei é adequada aos meios e fins admitidos e preconizados pelo Texto Constitucional (BARROSO, Luís Roberto.

Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 226).

14 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos

(15)

Finamente, o terceiro subprincípio (proporcionalidade em sentido estrito) consiste na ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido pela medida, com o intuito de constatar se a medida é legítima.

1.2. Gilmar Ferreira Mendes

Uma das vozes mais ativas no Supremo Tribunal Federal no tocante ao princípio da proporcionalidade é a do Ministro Gilmar Ferreira Mendes. É muito comum encontrarmos em seus votos menções ao referido princípio15,

tendo ele chegado, inclusive, a debater de forma mais profunda com outros ministros a respeito do seu cabimento e da sua forma de aplicação.16

Antes de mais nada é preciso frisar que o autor em comento atribui à proporcionalidade a natureza jurídica de princípio, sendo que em momento nenhum cogita qualquer outro enquadramento. Isto porque adota a posição segundo a qual as normas constitucionais se dividem em regras e princípios, pois entende que ambas as espécies se valem de categorias deontológicas comuns à norma, isto é, o mandamento (determina-se algo), a permissão (faculta-se algo) e a proibição (veda-se algo).

Admite também o autor que as regras se aplicam de forma disjuntiva através da sistemática tudo ou nada, enquanto os princípios possuem dimensão de peso, podendo ser aplicados em maior ou menor grau.

Pois bem, no que tange ao fundamento legal do princípio da proporcionalidade, Gilmar Ferreira Mendes faz uma extensa pesquisa analisando os fundamentos que são os mais frequentemente utilizados pela

15 Vide nesse sentido: RE 414426, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado

em 01/08/2011, DJe-194 DIVULG 07-10-2011 PUBLIC 10-10-2011 EMENT VOL-02604-01 PP-00076; HC 76060, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 31/03/1998, DJ 15-05-1998 PP-00044 EMENT VOL-01910-01 PP-00130.

16 Vide: ADI 855-2, Relator(a): Min. OCTAVIO GALLOTTI, Tribunal Pleno, julgado em

(16)

doutrina.17 Todavia, apresenta também o posicionamento da jurisprudência da

Corte Constitucional alemã sobre o fundamento da proporcionalidade:

A jurisprudência da Corte Constitucional alemã parece aceitar que o fundamento do princípio da proporcionalidade reside tanto no âmbito dos direitos fundamentais quanto no contexto do Estado de Direito. Todavia, afigura-se inegável que, não raras vezes, a aplicação do princípio da proporcionalidade decorre de uma compreensão ampla e geral da ordem jurídica como um todo.18

Após fazer referência ao Direito alemão, o autor faz uma análise de diversos julgados realizados ao longo da história do Supremo Tribunal Federal19 e conclui que o princípio da proporcionalidade sempre esteve

presente no Direito brasileiro. Contudo, segundo pontua, entre nós ele se situava – até a Constituição de 1988 – no âmbito dos direitos fundamentais. Depois de 1988 o princípio da proporcionalidade passou a ser concebido como postulado constitucional autônomo, tendo sua sede material no enunciado do devido processo legal (artigo 5°, inciso LIV da Constituição da República).

Também Gilmar Ferreira Mendes decompõe o princípio da proporcionalidade em três outros subprincípios. O primeiro, adequação, “exige que as medidas internas adotadas se mostrem aptas a atingir os objetivos pretendidos”.20 Já o segundo, necessidade, “significa que nenhum meio menos

gravoso para o indivíduo revelar-se-ia igualmente eficaz na consecução dos objetivos pretendidos”.21 O terceiro, proporcionalidade em sentido estrito, apresenta-se como “um juízo definitivo sobre (se) a proporcionalidade da medida há de resultar da rigorosa ponderação e do possível equilíbrio entre o

17 Proporcionalidade enquanto fundada nos direitos fundamentais; proporcionalidade como

expressão do Estado de Direito; e proporcionalidade como postulado geral de direito.

18 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 250

19 Rp. 930, Rel. Min. Rodrigues Alckmin, DJ de 2-9-1977; HC 45.232, Rel. Min. Themístocles

Cavalcanti, RTJ, 44/322 (327-328); RE 18.331, Rel. Min. Orozimbo Nonato, RF, 145/164 e s., 1953.

20 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.. p. 259.

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significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador”.22

No tocante à posição de Gilmar Ferreira Mendes sobre o tema, urge ressaltar que o autor enxerga a proporcionalidade como um princípio multifacetário, isto é, ora ela se manifesta como proibição de excesso, ora como proibição da proteção insuficiente. Na primeira hipótese busca coibir o excesso de poder legislativo revelado pela contrariedade, incongruência e irrazoabilidade ou inadequação entre os meios escolhidos e os fins almejados. Já na segunda busca afastar a conduta estatal insuficiente para atingir um determinado objetivo, haja vista que este deveria prover uma proteção adequada e eficaz. Como afirma o autor – recorrendo às palavras de Schlink – a proibição da proteção insuficiente, assim como ocorre com a proibição, "nada mais é, do ponto de vista metodológico, do que considerar referida conduta como desproporcional em sentido estrito".23

1.3. Paulo Bonavides

No que se refere à proporcionalidade, torna-se imperioso apresentar a posição de Paulo Bonavides. Isto porque o autor em questão é um dos maiores entusiastas da proporcionalidade, chegando a afirmar que se trata “daquilo que há de mais novo, abrangente e relevante em toda a teoria do constitucionalismo contemporâneo”.24

É importante notar que o autor também adota a posição segundo a qual as normas jurídicas se dividem em regras e princípios, sendo que os últimos possuem dimensões distintas das primeiras. Isto porque, apoiado em Trabucchi e Norberto Bobbio, o autor defende que os princípios possuem as seguintes dimensões: fundamentadora, interpretativa, supletiva, integrativa,

22 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012., p. 259.

23 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 260.

24 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

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diretiva e supletiva, as quais atuam como critérios inderrogáveis para a interpretação e aplicação das normas jurídicas.

Nessa perspectiva, o autor atribui à proporcionalidade a natureza jurídica de princípio, o qual, amparando os direitos fundamentais, atua no problema da limitação do poder legítimo, devendo fornecer o critério para as limitações das liberdades individuais. Para tanto, ele afirma que a doutrina constatou a existência de três elementos ou subprincípios que compõem o princípio da proporcionalidade: o primeiro é o da pertinência ou aptidão, que deve dizer se determinada medida representa o meio adequado para se atingir determinada finalidade; o segundo é o da necessidade – também chamado de escolha do meio mais suave –, o qual verifica se a medida adotada não há de exceder os limites indispensáveis à conservação do fim almejado; o terceiro é o da proporcionalidade mesma, stricto sensu, aonde será feita a escolha do meio que, no caso específico, leve mais em conta o conjunto de interesses em jogo.

O princípio da proporcionalidade, como se vê, também para Paulo Bonavides é composto por três subprincípios. Ademais, ao princípio da proporcionalidade é por ele atribuído o status de princípio constitucional dotado de força normativa cogente:

Poder-se-á enfim dizer, a esta altura, que o princípio da proporcionalidade é hoje axioma do Direito Constitucional, corolário da constitucionalidade e cânone do Estado de direito, bem como regra que tolhe toda a ação ilimitada do poder do Estado no quadro de juridicidade de cada sistema legítimo de autoridade. Sendo, como é, princípio que embarga o próprio alargamento dos limites do Estado ao legislar sobre matéria que abrange direta ou indiretamente o exercício da liberdade e dos direitos fundamentais, mister se faz proclamar a força cogente de sua normatividade.25

Nisso consiste, pois, a posição de Paulo Bonavides a respeito da proporcionalidade.

1.4. Jorge Miranda

25 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

(19)

A doutrina portuguesa não passou ao largo da questão envolvendo a proporcionalidade. Até porque a Constituição da República Portuguesa de 1976 alçou expressamente a proporcionalidade ao patamar de princípio constitucional. Neste sentido, tome-se como exemplo o artigo 18, item 2, o qual estabelece que as restrições dos direitos, liberdades e garantias devem limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou intereslimitar-ses protegidos pela Constituição:

Art. 18. (...)

2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

Entretanto, segundo Jorge Miranda não haveria sequer necessidade da Constituição trazer expresso em vários dispositivos o dever de respeito à proporcionalidade. Segundo defende, a ideia de proporcionalidade é inerente às relações humanas e, consequentemente, é inerente ao Direito, na medida em que este regula as referidas relações:

A ideia de proporcionalidade é conatural às relações entre as pessoas: a reação deve ser proporcional à ação. E é, por conseguinte, conatural ao Direito: o Direito é proporção. Mas tem sido, no campo publicístico que se tem ancorado mais expansiva e proveitosamente.26

Trata-se, portanto, na opinião do autor, de um princípio jurídico inerente ao próprio Estado de Direito. Sobre os princípios jurídicos assim se manifesta o autor:

Os princípios não se colocam, pois, além ou acima do Direito (ou do próprio Direito positivo); também eles – numa visão ampla, superadora de concepções positivistas, literalistas e absolutizantes das fontes legais – fazem parte do complexo ordenamental. Não se contrapõem às normas, contrapõem-se

26 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional - tomo IV

. 4ª ed. Coimbra: Coimbra

(20)

tão-somente às regras; as normas jurídicas é que se dividem em normas-princípios e em normas-regras.27

Com relação às características dos princípios jurídicos, as quais os diferenciam das regras jurídicas, o autor sintetiza alguns aspectos que, segundo entende, lhes são peculiares:

A doutrina tem assinalado, de diferentes ângulos e com diversos acentos tônicos, as seguintes características dos princípios:

a) A maior aproximação da ideia de Direito ou dos valores do ordenamento;

b) A amplitude ou a maior generalidade frente às normas-regras;

c) A irradiação ou projeção para um número vasto de regras ou preceitos, correspondentes a hipóteses de sensível heterogeneidade;

d) A adstrição a fins, e não a meios ou à regulação de comportamentos;

e) A versatilidade, a suscetibilidade de conteúdos com densificações variáveis ao longo dos tempo e das circunstâncias;

f) A abertura, sem pretensão de regulamentação exaustiva ou em plenitude, de todos os casos;

g) A expansividade perante situações ou fatos novos, sem os absorver ou neles se esgotar;

h) A virtualidade de harmonização, sem revogação ou invalidação recíproca;

i) A virtualidade de oferecer critérios de solução a uma pluralidade de problemas”.28

Uma vez entendido que a proporcionalidade é um princípio e que, portanto, ela possui as características acima mencionadas, o autor passa à análise da sua forma de aplicação. Segundo seu entendimento o princípio da proporcionalidade se decompõe em três subprincípios, por ele chamados de

27 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional - tomo II

. 6ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. p. 263.

28 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional - tomo II

. 6ª ed. Coimbra: Coimbra

(21)

idoneidade (ou adequação), necessidade e racionalidade (ou proporcionalidade stricto sensu). O primeiro pressupõe a legitimidade do fim consignado na norma e, a partir desta presunção, analisase o meio escolhido é adequado à persecução do fim.29 Já o segundo busca verificar se o meio escolhido é o mais

adequado, dentre os que poderiam ser escolhidos in abstracto, para melhor satisfazer in concreto a realização do fim. O terceiro equivale à justa medida, isto é, implica que se proceda a uma avaliação da medida adotada em termos quantitativos – e não só qualitativos –, de modo que ela não fique além nem aquém do que importa para alcançar o resultado devido. A respeito do descumprimento de cada subprincípio assim pontua o autor:

Se não se respeitar o primeiro dos subprincípios – outro tanto é dizer o primeiro dos requisitos de atuação do poder público – haverá arbítrio. Se não se verificarem os outros dois excesso.

Em suma: o juízo de proporcionalidade não se reconduz a um juízo meramente cognoscitivo. Com ele cura-se de uma funcionalidade teleológica, e não de uma qualquer funcionalidade lógica ou semântica.30

Com base em tudo isso Jorge Miranda conclui que, nas hipóteses de descumprimento do princípio da proporcionalidade por excesso pode-se falar em desproporcionalidade positiva, enquanto que nos casos em que o descumprimento do princípio em questão decorre do déficit de proteção pode-se falar em desproporcionalidade negativa. Disto deflui que, para o autor, o próprio princípio da proporcionalidade é causa de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade da medida adotada.

1.5. José Joaquim Gomes Canotilho

Outro jurista português que trata do assunto em questão é José Joaquim Gomes Canotilho. Este autor também rompe com a metodologia jurídica tradicional que distinguia normas e princípios, e passa a adotar a

29 "Pressuposta legitimidade do fim consignado na norma, a idoneidade traduz-se na existência

de um meio adequado à sua prossecução" (MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional - tomo IV. 4ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2008. p. 284).

30MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional - tomo II

. 6ª ed. Coimbra: Coimbra

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classificação segundo a qual normas são o gênero do qual regras e princípios são espécies.

Segundo o autor a distinção entre regras e princípios é tarefa particularmente complexa, mas, para atingir este objetivo, ele sugere os critérios abaixo:

a) Grau de abstração: os princípios são normas com um grau de abstração relativamente elevado; de modo diverso, as regras possuem uma abstração relativamente reduzida.

b) Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: os princípios por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras (do legislador, do juiz), enquanto as regras são suscetíveis de aplicação direta.

c) Caráter de fundamentaliddade no sistema das fontes do direito: os princípios são normas de natureza estruturante ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex.: princípios constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex.: princípio do Estado de Direito).

d) <<Proximidade>> da idéia de direito: os princípios são <<standards>> juridicamente vinculantes radicados nas exigências de <<justiça>> (Dworkin) ou na <<idéia de direito>> (Larenz); as regras podem ser normas vinculativas com um conteúdo meramente funcional.

e) Natureza normogenética: os princípios são fundamento de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética fundante.31

Com vista aos critérios de diferenciação apresentados é possível sintetizar, como fez o autor, que as regras “são normas que, verificados determinados pressupostos, exigem, proíbem ou permitem algo em termos definitivos, sem qualquer exceção (direito definitivo)”.32 Por outro, no que toca

aos princípios, afirma o que segue:

31 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ª ed. Coimbra:

Almedina, 2003. p.1160-1161.

32 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ª ed. Coimbra:

(23)

Os princípios são normas que exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas. Os princípios não proíbem, permitem ou exigem algo em termos de <<tudo ou nada>>; impõem a otimização de um direito ou de um bem jurídico, tendo em conta a <<reserva do possível>>, fática ou jurídica.33

No que diz respeito à proporcionalidade, insta salientar que o autor faz uma diferenciação entre ela e a razoabilidade. Em se tratando da segunda, esta é abordada sob a roupagem da figura do desvio de poder legislativo, pois, segundo pontua, a referida figura não prima pela confrontação da lei com um parâmetro externo para deduzir a sua (in)constitucionalidade, mas pelo confronto com ela mesma, prestando especial atenção aos fins perseguidos.34

E prossegue o autor:

Contra uma concepção tão absoluta de lei como ato livre no fim, movem-se hoje poderosas críticas que tendem a assinalar dois momentos teleologicamente relevantes nos atos legislativos: (i) em primeiro lugar, a lei tem, por vezes, função de execução, desenvolvimento ou prossecução dos fins estabelecidos na constituição, pelo sempre se poderá dizer que, em última análise, a lei é vinculada ao fim constitucionalmente fixado; (ii) por outro lado, a lei, embora tendencialmente livre no fim, não pode ser contraditória, irrazoável, incongruente consigo mesma.

Nas duas hipóteses assinaladas, toparíamos com a vinculação do fim da lei: no primeiro caso, a vinculação do fim da lei decorre da constituição; no segundo caso, o fim imanente à legislação imporia os limites materiais da não

contraditoriedade, razoabilidade e congruência.35

Conforme o entendimento do autor, o excesso ou o desvio do poder legislativo constitui um vício de mérito que pode justificar a nulidade da lei. Para tanto é preciso demonstrar a existência de profunda incongruência entre o uso do poder legislativo e os fins estabelecidos pela Constituição. Este vício de mérito, por sua vez, pode ser de duas categorias:

33 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ª ed. Coimbra:

Almedina, 2003. p. 1255.

34 Trata-se da transferência da figura do desvio de poder dos atos administrativos para o

âmbito da atividade legislativa. (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1318)

35 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ª ed. Coimbra:

(24)

(1) vícios de mérito porque o uso do poder legislativo no sentido de impor determinadas soluções é objetivamente inadmissível perante determinadas circunstâncias, violando-se regras e princípios constitucionais (princípio da igualdade, princípio da proibição do excesso, direitos, liberdades e garantias); (2) vícios de mérito por irrazoabilidade da lei captadas através de um conjunto de manifestações (inconsequência, incoerência, ilogicidade, arbitrariedade, contraditoriedade, completo afastamento do senso comum e da consciência ético-jurídica comunitária).36

É na segunda categoria, pois, que repousa a razoabilidade, a qual, segundo José Joaquim Gomes Canotilho, é uma das facetas de um princípio multifacetário, qual seja, o “princípio da insindicabilidade da não contrariedade, razoabilidade e congruência do legislador”.37

Já a proporcionalidade, de acordo com os ensinamentos do autor, é um princípio que reforça a metódica de controle do princípio da igualdade em caso de colisão de direitos fundamentais. Entretanto, o autor atribui ao princípio da proporcionalidade o mesmo esquema de fundamentação e controle que conduzem, em termos gerais, aos resultados obtidos pelo princípio da proibição do excesso.38 O esquema em apreço consiste nas seguintes averiguações:39

36 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ª ed. Coimbra:

Almedina, 2003. p. 1320.

37 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ª ed. Coimbra:

Almedina, 2003. p. 1317.

38 Note-se que, em outra obra, o autor trata os princípios da proporcionalidade e da proibição

do excesso como sinônimos: “Posteriormente, o princípio da proporcionalidade em sentido amplo, também conhecido por princípio da proibição de excesso (Úbermassverbot), foi erigido à dignidade de princípio constitucional (cfr. arts. 18.72, 19.74, 265.° e 266.72)”. (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 1993. p. 382)

39 Em obra anterior autor se detém um pouco mais na explicação de cada um deles: “a)

(25)

(1) da legitimidade do fim do tratamento desigualitário; (2) a adequação e necessidade deste tratamento para a prossecução do fim; (3) a proporcionalidade do tratamento desigual relativamente aos fins obtidos (ou a obter).40

Com vistas ao exposto podemos concluir que José Joaquim Gomes Canotilho diferencia razoabilidade e proporcionalidade, atribuindo a ambos a natureza de norma jurídica da espécie princípio, sendo que, no caso da última, esta se decompõe em três outros princípios.

1.6. Willis Santiago Guerra Filho

Em se tratando de proporcionalidade, uma das vozes brasileiras mais significativas – e peculiares – é a de Willis Santiago Guerra Filho. Isto porque este autor atribui a ela uma posição bastante importante dentro da sua construção teórica acerca da ciência do direito.

Todavia, antes de chegarmos nesse ponto é preciso estabelecer que o autor em questão adota a classificação segundo a qual as normas jurídicas são um gênero do qual regras e princípios são espécies. Conforme leciona, regras e princípios diferenciam-se:

a) quanto a sua estrutura lógica e deontológica, pela circunstância de as primeiras vincularem-se a fatos hipotéticos (Tatbestande) específicos, um determinado funtor ou operador normativo (‘proibido’, ‘obrigatório’, ‘permitido’), enquanto aqueles outros – os princípios – não se reportam a qualquer

rigorosa delimitação no tempo da medida coativa do poder público; d) a exigibilidade pessoal significa que a medida se deve limitar à pessoa ou pessoas, cujos interesses devem ser sacrificados.Em geral, não se discute a adoção da medida (necessidade absoluta), mas sim a necessidade relativa, ou seja, como é que o legislador poderia ter adotado outro meio igualmente eficaz e menos desvantajoso para os cidadãos; c) O princípio da proporcionalidade em sentido restrito (Verhãltnis-màssigkeit): Quando se chegar à conclusão da necessidade e adequação do meio para alcançar determinado fim, mesmo neste caso deve perguntar-se se o resultado obtido com a intervenção é proporcional à «carga coativa» da mesma. Meios e fim são colocados em equação mediante um juízo de ponderação, a fim de se avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcionado em relação ao fim. Trata-se, pois, de uma questão de «medida» ou «desmedida» para se alcançar um fim: pesar as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim”. (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 1993. p. 382-384)

40 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ª ed. Coimbra:

(26)

fato particular, e transmitem uma prescrição programática genérica, para ser realizada na medida do jurídico e faticamente possível. (...) b) quanto à técnica de aplicação, já que princípios normalmente colidem entre si, diante de casos concretos, o que leva ao chamado ‘sopesamento’ (Abwägung), para aplicar o mais adequado, ao passo que regras, uma vez aceita a subsunção a elas de certos fatos, inevitavelmente decorrem as consequências jurídicas nelas previstas, a não ser que elas não sejam válidas por conflitarem com outras de um grau superior, quando, então, ao contrário do que se dá com os princípios, que apesar de contraditórios não deixam de integrar a ordem jurídica, a regra de grau inferior é derrogada.41

Verifica-se, pois, que no conflito de regras surge uma antinomia que será resolvida no plano da validade, com a derrogação total ou parcial de uma delas, enquanto as colisões de princípios são solucionadas no plano da eficácia, com o acatamento de um deles, sem que isto implique a derrogação do outro.

Não bastasse isso, o autor ainda enfrenta a questão da colisão entre regras e princípios. De acordo com sua posição, não há que se falar na existência de conflito direto entre regra e princípio, uma vez que “é intuitivo que esse [princípio] deva prevalecer, embora aí, na verdade, ele prevaleça, em determinada situação concreta, sobre o princípio em que a regra se baseia”.42 Assim, de fato será uma colisão de princípios, isto é, entre o princípio colidente e o princípio no qual se baseia a regra em colisão.

Esse último traço distintivo entre regras e princípios, qual seja, o modo de aplicação, nos mostra que não há princípio que seja absoluto, pois a obediência unilateral da pauta valorativa de um determinado princípio implicaria a infração à pauta valorativa de outro. A partir desta constatação o autor conclui que “há uma necessidade lógica e, até, axiológica, de se postular um ‘princípio de proporcionalidade’, para que se possam respeitar normas, como

41 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria da ciência do direito

. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,

2009. p. 149-150.

42 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria constitucional dos princípios jurídicos e garantismo

(27)

os princípios, tendentes a colidir”.43 É desta decorrência lógica e axiológica que

surge o princípio da proporcionalidade.

Há que ressaltar que Willis Santiago Guerra Filho não atribui um

status qualquer ao referido princípio. Isto porque o autor admite a existência de normas com valor maior que outras, dentro do sistema jurídico. Afinal, como preceitua, é necessário estabelecer qual o princípio de valor maior à luz do qual se poderá equacionar de forma adequada a colisão entre os demais princípios. Este é o princípio da proporcionalidade:

A conclusão a que se quer chegar, então, é que o princípio máximo procurado, que, por sua especialidade, tanto se diferencia dos demais, acha-se expresso na já mencionada ‘máxima de proporcionalidade’. A imposição nela contida é a de que se realiza através do Direito, concretamente e cada vez melhor, o que for jurídica e faticamente possível, para obter-se a otimização no adequamento da norma, com seu dever-ser de entidade ideal, à realidade existencial humana.

É esse equilíbrio a própria ideia do Direito, manifestado inclusive na simbologia da balança, e é a ele que se pretende chegar com Estado de Direito e Democracia. A proporcionalidade na aplicação é o que permite a coexistência de princípios divergentes, podendo-se mesmo dizer que entre eles e a proporcionalidade há uma relação de mútua implicação, já que os princípios fornecem os valores para serem sopesados, e sem isso eles não podem ser aplicados.44

Daí porque o autor atribui ao princípio da proporcionalidade mais do que a natureza jurídica de princípio, mas o alça ao patamar de princípio ordenador do Direito, não importando, portanto, se está expresso ou não na Constituição do país.

Ainda que se trate de princípio ordenador do Direito, o autor informa que, na concepção desenvolvida pela doutrina alemã, este princípio se

43 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria constitucional dos princípios jurídicos e garantismo

penal: por uma atualização teórica de conceitos fundamentais. In. BONAVIDES, Paulo; LIMA, Francisco Gérson Marques de; BEDÊ, Fayga Silveira. Constituição e democracia: estudos em homenagem ao professor J. J. Gomes Canotilho. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 159.

44 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria da ciência do direito

. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,

(28)

desdobra em três aspectos45 , quais sejam adequação, exigibilidade e

proporcionalidade em sentido estrito. O primeiro deve verificar se o meio escolhido é adequado para atingir o fim pretendido. Já o segundo deve comprovar que o meio escolhido é o mais suave dentre os meios disponíveis, isto é, que o menos agressivo aos bens e valores constitucionais. Finalmente, o terceiro analisa se o meio empregado é o mais vantajoso na promoção dos bens e valores almejados pelo fim, com o mínimo desrespeito aos que a ele se contraponham.

Temos que ressalvar, por fim, que para o autor o princípio da proporcionalidade e o princípio da razoabilidade são coisas diferentes, distinção esta tão importante que ele chega a fazer o seguinte alerta:

Que nossas palavras finais, então, se dirijam aos que, em nossa Dogmática Jurídica, especialmente no campo do direito público, vêm confundindo o princípio da proporcionalidade, de origem germânica, com um outro, de origem anglo-saxonia (sic), aqui denominado, ao que parece por influência argentina, ‘princípio da razoabilidade’, quando na própria tradição britânica se fala em ‘princípio da irrazoabilidade’. O emprego do princípio da proporcionalidade, como aqui se procurou evidenciar, não se destina a evitar que absurdos sejam perpetrados na elaboração do Direito, mas sim que este seja interpretado e aplicado atendendo a um princípio de racionalidade, apto a determinar qual a melhor dentre as diversas interpretações possíveis, do ponto de vista da promoção simultânea e equânime do Estado de Direito e da Democracia, com a gama de direitos fundamentais e valores que lhes são inerentes, sendo esse mesmo compromisso com a racionalidade o principal de toda a teoria, também no campo do Direito.46

Disso resulta que, para o autor, tanto razoabilidade quanto proporcionalidade são princípios jurídicos, mas enquanto o primeiro possui um

45 Note-se que o autor fala em “aspectos” e não em “princípios” ou “subprincípios”, o que não

nos permite concluir se para ele estamos diante de normas jurídicas – se sim, de qual espécie – ou se estamos diante de topos argumentativos, como ele chega a mencionar genericamente parágrafos antes, mas sem referência direta aos três “aspectos”: “Nesse ponto, tocamos o problema crucial de toda hermenêutica constitucional, que nos leva a introduzir o topos argumentativo da proporcionalidade”. (GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria da ciência do direito. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 179)

46 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Princípio da proporcionalidade e teoria do direito. In.

(29)

grau menor de importância, e se destina somente a evitar absurdos, o segundo tem o mais elevado grau de importância dentro do sistema, residindo nele toda a racionalidade do ordenamento composto por regras e princípios.

1.7. Robert Alexy

Um dos principais idealizadores do princípio da proporcionalidade no direito foi o alemão Robert Alexy. Trata-se de autor de suma importância para o desenvolvimento da proporcionalidade no Brasil, pois foi justamente a partir da leitura da sua obra que a grande maioria da doutrina pátria passou a adotar o princípio da proporcionalidade nos moldes por ele desenvolvido.

Em sua Teoria dos Direitos Fundamentais o autor em questão parte da premissa de que as normas jurídicas estão divididas em regras e princípios, as quais diferem umas das outras essencialmente pelo seu caráter prima facie distinto.47

Segundo Robert Alexy os princípios são normas jurídicas que exigem que algo seja realizado na maior medida possível, de acordo com as possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Isto posto, eles não contêm um mandamento definitivo, mas apenas prima facie:

Da relevância de um princípio em um determinado caso não decorre que o resultado seja aquilo que o princípio exige para esse caso. Princípios representam razões que podem ser afastadas por razões antagônicas. A forma pela qual deve ser determinada a relação entre razão e contra-razão não é algo determinado pelo próprio princípio. Os princípios, portanto, não

47 Note-se que Robert Alexy parte de características muito próximas das apresentadas por

Ronald Dworkin. Contudo, o primeiro não afasta o caráter prima facie apresentado na obra

deste último, mas reconhece que a formulação é bastante simplista e vai além: “Diante disso, alguém poderia imaginar que os princípios têm sempre um mesmo caráter prima facie, e as regras um mesmo caráter definitivo. Um tal modelo parece estar presente na obra de Dworkin, quando ele afirma que regras, se validas, devem ser aplicadas de forma tudo ou nada, enquanto os princípio apenas contém razões que indicam uma direção, mas não têm como consequência necessária uma determinada decisão. Esse modelo é, contudo, muito simples. Um modelo diferenciado é necessário. Mas também no âmbito desse modelo diferenciado o diferente caráter prima facie das regras e do princípio deve ser mantido”. (ALEXY, Robert.

(30)

dispõem da extensão de seu conteúdo em face dos princípios colidentes e das possibilidades fáticas.48

Já as regras estão em situação diversa. No caso delas, há a exigência de que seja feito exatamente aquilo que elas ordenam e, como diz o autor:

(...) elas têm uma determinação da extensão de seu conteúdo no âmbito das possibilidades jurídicas e fáticas. Essa determinação pode falhar diante de impossibilidades jurídicas e fáticas; mas, se isso não ocorrer, então, vale definitivamente aquilo que a regra prescreve.49

Tendo em vista que os princípios não dispõem da extensão de seu conteúdo quando diante de princípios colidentes e das possibilidades fáticas, Robert Alexy afirma existir uma diferença entre o conflito de princípios e o conflito de regras.

Segundo pontua o autor, o conflito de regras leva necessariamente à invalidade de uma delas, salvo se uma delas contiver uma cláusula de exceção. É o que vemos no brocardo “lex posteriori derogat priori”, reproduzido no artigo 2°, §§ 1° e 2° da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.50 Afinal, duas regras colidentes não podem coexistir, salvo quando forem excepcionadas, seja pelos limites de competência51 ou pela especialidade.

Já a colisão entre princípios deve ser solucionada de uma forma totalmente distinta, pois como apontado acima, em caso de colisão os princípios não dispõem da extensão de seu conteúdo. Isto se deve ao fato de que diante do caso concreto, e sob determinadas condições, um dos princípios tem precedência sobre o outro com ele colidente. Desta forma, um dos

48 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 104. 49 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 104. 50 Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou

revogue.

§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

§ 2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não

revoga nem modifica a lei anterior.

51 Duas leis municipais incompatíveis, mas de municípios diferentes, não se excluem porque

(31)

princípios terá que ceder, sem que esta cessão implique na sua invalidade, haja vista que em outro caso concreto, e sob outras condições, é possível esse mesmo princípio que hoje cede, amanhã prevaleça sobre o mesmo princípio que hoje é prevalente.

Sobre a colisão de princípios é interessante a lição de Robert Alexy:

As colisões entre princípios devem ser solucionadas de forma completamente diversa. Se dois princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com outro, permitido –, um dos princípios terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições. Sob outras condições a questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta. Isso é o que se quer dizer quando se afirma que, nos casos concretos, os princípios têm pesos diferentes e que os princípios com maior peso têm precedência. Conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto as colisões entre princípios – visto que só princípios válidos podem colidir – ocorrem, para além dessa dimensão, na dimensão de peso.52

Dessa forma, pode-se afirmar com base no autor supracitado que a colisão entre regras se soluciona no plano da validade, enquanto a colisão de princípios se resolve no plano do peso destas normas diante do caso concreto, respeitadas as particularidades do caso para a sua aplicação. Esta análise de peso diante do caso concreto chama-se sopesamento.

Tendo em vista a necessidade de sopesar os princípios diante do caso concreto, Robert Alexy afirma que o mecanismo oferecido pelo sistema jurídico para realizar o sopesamento dos princípios colidentes é justamente outro princípio, qual seja, o princípio53 da proporcionalidade. Para o autor, o

52 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 93-94. 53 Atente-se a existência de divergência quanto a tradução da natureza jurídica da

(32)

princípio da proporcionalidade é inerente à teoria dos princípios, já que a própria natureza dos princípios implica a existência do princípio da proporcionalidade, e vice versa:

Afirmar que a natureza dos princípios implica a máxima da proporcionalidade, com suas três máximas parciais da adequação, da necessidade (mandamento do meio menos gravoso) e da proporcionalidade em sentido estrito (mandamento de sopesamento propriamente dito), decorre logicamente da natureza dos princípios, ou seja, que a proporcionalidade é deduzível (sic) dessa natureza.54

O que o autor quer dizer é que, pelo fato de a colisão ser inerente aos princípios – já que estes não dispõem de seu conteúdo quando diante de princípios colidentes e das possibilidades fáticas – e, por consequência, por eles possuírem uma dimensão de peso quando em conflito com outros – e não de validade – o próprio sistema jurídico precisa oferecer um mecanismo para a solução destas colisões que envolvem tanto elementos de natureza fática quanto de natureza normativa. De acordo com Robert Alexy este mecanismo é o princípio da proporcionalidade.

Todavia, o princípio da proporcionalidade se decompõe em três subprincípios, quais sejam adequação, necessidade55 e proporcionalidade em sentido estrito. O primeiro analisa se a medida adotada (M1) com base num determinado princípio (P1) é adequada para atingir o seu objetivo (Z). Já o segundo verifica, dentre as medidas adequadas (M1 e M2), qual delas afeta menos o outro princípio (P2) que está em colisão com o princípio (P1), que fundamenta as medidas necessárias (M1 e M2). Finalmente, o terceiro é o mandato de sopesamento propriamente dito, isto é, a análise da possibilidade jurídica para a realização do princípio colidente (P1) com o princípio antagônico (P2).

decorrência da obra deste autor é o mais corrente, utilizaremos a referida expressão neste trabalho, respeitando, obviamente, a tradução quando diante de citações.

54 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. p.

116-117.

55 O subprincípio (ou máxima parcial) da necessidade foi traduzida por Luís Afonso Heck como

(33)

Nesse sentido complementa Robert Alexy:

A máxima da proporcionalidade em sentido estrito decorre do fato de princípios serem mandamentos de otimização em face das possibilidades jurídicas. Já as máximas da necessidade e da adequação decorrem da natureza dos princípios como mandamentos de otimização em face das possibilidades fáticas.56

Disso decorre que, enquanto os dois primeiros subprincípios têm seu plano de atuação direcionado para questões de ordem fática, o terceiro subprincípio tem como pano de fundo o plano jurídico.

1.8. Virgílio Afonso da Silva

De acordo com Virgílio Afonso da Silva, para que os direitos fundamentais possam ser teoricamente sistematizados, deve-se adotar como premissa a distinção necessária entre regras e princípios como sendo as espécies existentes de normas encontradas no ordenamento jurídico.

Para o autor, o principal traço distintivo entre elas é justamente a estrutura dos direitos garantidos por estas normas. Conforme aponta, as regras garantem direitos definitivos, enquanto os princípios garantem direitos prima facie e, portanto, há uma grande diferença entre aquilo que eles garantem ou impõe prima facie e o que será garantido ou imposto definitivamente:

O principal traço distintivo entre regras e princípios, segundo a teoria dos princípios, é a estrutura dos direitos que essas normas garantem. No caso das regras, garantem-se direitos (ou se impõe deveres) definitivos, ao passo que no caso dos princípios são garantidos direitos (ou são impostos deveres) prima facie.57

Note-se que a semelhança existente entre a posição de Virgílio Afonso da Silva e de Robert Alexy não é mera coincidência. Isto se deve ao

56 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 118. 57 SILVA, Virgílio. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo:

(34)

fato do primeiro adotar a teoria do segundo.58 Portanto, também para Virgílio

Afonso da Silva as regras se aplicam por subsunção, sendo que em caso de incompatibilidade entre regras ou uma exclui a outra (incompatibilidade total), ou é instituída uma regra de exceção (incompatibilidade parcial).59

Um ponto interessante é o fato de o autor tratar da colisão entre regras e princípios, hipótese pouco aventada e bastante polêmica, que deixou de ser devidamente explorada por Robert Alexy em sua obra60. Numa análise

inicial, a primeira possibilidade de solução seria a confrontação entre a regra e o princípio dentro do plano da validade, sendo que, ao final, um deles seria excluído do ordenamento jurídico61. A segunda possibilidade, ainda dentro de uma análise inicial, seria a ponderação da regra e do princípio em colisão, possibilidade esta que derrubaria o critério de distinção segundo o qual as regras são normas que garantem ou impõem deveres definitivos.

A solução sugerida por Robert Alexy aponta no sentido de que deveria ser feita uma ponderação não entre a regra (R) e o princípio (P) que estão em colisão, mas sim entre o princípio no qual se fundamenta a regra (PR) e o princípio (P) colidente. Contudo, Virgílio Afonso da Silva refuta esta solução, pois entende que referida posição confere ao aplicador uma situação de extrema liberdade diante de qualquer caso e em qualquer situação, o que acarretaria um alto grau de insegurança jurídica.

Segundo o autor a colisão entre regra e princípio não seria uma colisão propriamente dita. Isto porque se estaria diante do produto oriundo da

58 Tanto é assim que Virgílio Afonso da Silva é o tradutor para o português da Teoria dos

Direitos Fundamentais de Robert Alexy.

59 O autor apresenta como exemplo a regra que proíbe a retroação da lei penal e a outra, de

mesma natureza, que determina a retroação em benefício do réu: “Assim, a regra que proíbe a retroação da lei penal tem uma conhecida exceção: a lei deve retroagir quando beneficiar o réu (art. 5°, XL, da CF). A norma (regra) deve, nesse caso, ser compreendida como ‘é proibida a retroação de leis penais, a não ser que sejam mais benéficas para o réu que a lei anterior; nesses casos, deve haver retroação’”. (SILVA, Virgílio. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 45)

60 O autor se limita a mencionar a hipótese em nota de rodapé, sugerindo como solução, sem

maiores fundamentações, a ponderação entre o princípio que fundamenta a regra e o princípio com ela colidente. (ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 90)

(35)

ponderação entre dois princípios realizada pelo legislador, cujo produto é uma regra de direito ordinário. Desta forma, “a relação entre a regra e um dos princípios não é, portanto, uma relação de colisão, mas uma relação de restrição. A regra é a expressão dessa restrição”.62 Assim, a regra deve ser

aplicada por subsunção, conforme as demais normas da mesma espécie.

A situação se complica diante de casos em que a colisão entre uma regra e um princípio exige a inclusão de uma determinada conduta para a proteção de um direito fundamental, mas a referida inclusão esbarra no preceito contrário de uma regra. E o autor exemplifica:

Um caso muito frequente nesse sentido é o levantamento dos valores da conta do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço/FGTS para pagar o tratamento de saúde de um dependente do titular da conta. A Lei 7.670/1988, em seu art. 1°, II autorizava esse levantamento para os casos em que o titular da conta era portador do HIV. A partir de determinado momento os juízes passaram a se deparar com pedidos de levantamento dos valores para o pagamento do tratamento de seus dependentes. A regra prevista na lei não poderia ser aplicada ao caso, já que não previa o benefício para a regra que restringia o uso do dinheiro do FGTS. Com base nessa ideia, muitos juízes passaram a permitir o levantamento dos valores, mesmo contra a regra legal.

Como se percebe, essa estratégia pode ser considerada como um sopesamento entre o princípio que sustenta a regra e o princípio com ela colidente, mas quando muito em uma primeira decisão, que, ao menos inicialmente, é uma decisão contra legem. Não é, contudo, um sopesamento que se repete a cada decisão. Isso porque, uma vez consolidado o entendimento em determinado sentido, cria-se uma regra que institui exceção à regra proibitiva.63

Como se percebe, para Virgílio Afonso da Silva estamos diante de uma regra como qualquer outra da mesma natureza, aplicável como as demais mediante subsunção. A única diferença é que ela não decorre de um dispositivo legal, mas é produto de uma construção jurisprudencial decorrente do sopesamento (em uma primeira análise) entre dois princípios. Atente-se

62 SILVA, Virgílio. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo:

Malheiros, 2009. p. 52.

63 SILVA, Virgílio. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo:

(36)

que, para o autor, este sopesamento se restringe ao processo de surgimento da regra, mas não diz respeito a sua forma de aplicação.

Além da colisão entre regras e entre regras e princípios, o autor também aborda a colisão entre princípios, sendo que, neste caso, se aproxima bastante – ao menos até este ponto – da posição de Robert Alexy, admitindo, também, que os princípios são mandamentos de otimização, os quais exigem que algo seja realizado na maior medida possível, diante das condições fáticas e jurídicas. Por conta disto, as colisões devem ser solucionadas através de sopesamento.

Para essa finalidade, Virgílio Afonso da Silva também se vale da proporcionalidade. Contudo, segundo pontua, não se trata de um princípio, pois sua forma de aplicação não exige que algo seja aplicado na maior ou na menor medida. Pelo contrário, quando diante da colisão de princípios, deve-se necessariamente utilizar a proporcionalidade para solucionar a colisão. Esta forma de aplicação exprime um dever definitivo e, portanto, de acordo com a teoria apresentada assume a forma de regra.64

Dessa forma, para Virgílio Afonso da Silva não há que se falar em princípio da proporcionalidade, mas sim em regra da proporcionalidade, por conta de sua estrutura normativa e forma de aplicação. Esta regra da proporcionalidade é composta por três sub-regras, quais sejam adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

De acordo com o autor, a sub-regra da adequação é o primeiro passo na escala ascendente de aplicação da regra da proporcionalidade. Conforme o seu entendimento, a adequação consiste em uma primeira indagação: “a medida é adequada para fomentar a realização do objetivo

64 Não obstante sua estrutura seja a de uma regra – de acordo com a teoria por ele adotada –,

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