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A natureza principiológica da razoabilidade

4. O PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE

4.2. A natureza principiológica da razoabilidade

Uma vez demonstrado que a racionalidade sem a razoabilidade não alcança a aceitabilidade social e não acarreta o sentimento de justiça, e sabendo que a ciência do direito tem por finalidade a ordenação sistematizada do direito positivo com vistas à pacificação social, o que deve ser feito de forma racional para atribuir transparência e evitar arbitrariedade, fica claro que a

322 FINNIS, John. Direito natural em Tomás de Aquino: sua reinserção no contexto do

juspositivismo analítico. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2007. p. 41.

razoabilidade está inserida implicitamente no ordenamento jurídico como condição sine qua non para a aplicação eficaz do direito.

Dessa forma, pode-se concluir que se trata de um princípio jurídico implícito, pois, como afirma Eros Roberto Grau, já se encontra integrado ao sistema jurídico, e deve ser descoberto e revelado pelo interprete:

Os princípios explícitos, estes se manifestam de modo expresso. Os demais, implícitos, não são ‘positivados’, mas descobertos no interior do ordenamento; pois eles já eram, nele, princípios de direito positivo, embora latentes. EM outros termos: o interprete autêntico nada ‘positiva’. O princípio já estava positivado. Se não fosse assim, não poderia ser induzido.324

O ponto é que, conforme vimos no capítulo 1, inúmeros são os conceitos de princípio jurídico encontrados na doutrina. Analisaremos, aqui, a razoabilidade à luz dos três mais divergentes, quais sejam, Robert Alexy, Humberto Ávila e Marcelo Neves.

No item 1.7 mostramos que Robert Alexy conceitua os princípios jurídicos como mandamentos de otimização, os quais têm como características poderem ser satisfeitos em graus variados, assim como o fato da medida para sua satisfação não depender apenas das possibilidades fáticas, mas também das jurídicas.325

Quando comparamos a razoabilidade com o referido conceito, verificamos que ela se encaixa perfeitamente. Afinal, a razoabilidade se aplica em graus diferentes, dependendo das circunstâncias envolvidas, as quais são de ordem fática e também jurídica. Aliás, esta é justamente a sua essência. Assim, dentro do conceito proposto por Robert Alexy a razoabilidade é um princípio jurídico.

324 GRAU, Eros Roberto. Ensaio sobre a interpretação/aplicação do direito. 5ª ed. São

Paulo: Malheiros, 2009. p. 171.

Por outro lado, vimos no item 1.9 que Humberto Ávila classifica os princípios como normas jurídicas que estabelecem um fim a ser atingido (finalísticas), propondo para tanto um objetivo determinado (propositivas), os quais visam contribuir, ao lado de outras razões, para a tomada de decisão (pretensão de complementariedade e parcialidade).326

A partir dos elementos supramencionados se percebe que a razoabilidade estabelece como fim a criação de uma norma de decisão aceita socialmente, cujo objetivo é a pacificação social, e o faz conjuntamente com outras razões jurídicas e não jurídicas. Portanto, ela também se enquadra dentro do conceito de princípio proposto por Humberto Ávila.327

Já Marcelo Neves defende no item 1.11 a ideia de que os princípios são normas jurídicas que, do ponto de vista funcional-estrutural, serão incorporadas no processo argumentativo, mas no plano reflexivo, na medida em que possibilitam o balizamento e a construção ou reconstrução das regras.328

Ao incluirmos a proporcionalidade nos parâmetros desse conceito, verificamos que ela atua sim no plano reflexivo, uma vez que é incorporada no processo argumentativo – e racional – como balizamento para a construção ou reconstrução de uma regra de decisão socialmente aceitável e que atinja o sentimento de justiça. Isto posto, a razoabilidade também se enquadra no conceito de princípio da teoria de Marcelo Neves.

Não obstante a razoabilidade ser enquadrável nos conceitos de princípio dos três autores citados há que se atentar ao fato de que todos eles

326 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos.

8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008. pp. 78-79.

327 Sabe-se que Humberto Ávila classifica a razoabilidade como postulado normativo aplicativo.

Entretanto, nossa proposta, aqui, é verificar o enquadramento da proporcionalidade em diferentes conceitos de princípio. Isto sem falar no problema das fontes do direito das quais emanam os postulados hermenêuticos e aplicativos (normas de segundo grau) levantado por nós no item 3.3.1.

328 NEVES, Marcelo. Entre hydra e Hércules: princípios e regras constitucionais. São Paulo:

atribuem status normativos aos princípios. Contudo, vimos no item 3.1.2 que existem autores que não oferecem aos princípios o status de norma jurídica.

Dentre os autores que não atribuem status normativo aos princípios destacamos a posição de Sérgio Sérvulo da Cunha. Segundo o autor os princípios são opções valorativas implicadas como fundamento no enunciado de normas jurídicas,329 os quais não descrevem suportes fáticos de incidência,

nem mesmo discriminam efeitos.330

Ao fazermos a comparação da razoabilidade com o conceito de princípio do referido autor, constatamos que de fato a razoabilidade é uma opção valorativa levada a cabo pelo aplicador do direito quando diante de várias possibilidades racionais para a criação de norma jurídica. Além disto, a razoabilidade não descreve um suporte fático de incidência, assim como não discrimina os seus efeitos. Dessa forma, a razoabilidade também se enquadra como princípio dentro daquelas teorias que não concebem os princípios como normas jurídicas.

O que se pode constatar dessa análise é que, não obstante a premissa teórico-científica adotada, a razoabilidade se enquadra como um princípio jurídico. Isto é a demonstração mais clara de que realmente se trata de um ente desta espécie. Afinal, como salientamos nos itens 3.1.1 e 3.1.2, um princípio deve ser sempre um princípio, independentemente da metodologia empregada, pois a ciência do direito não comporta a idéia da existência de princípio de ocasião.

Diante disso podemos concluir com segurança que a razoabilidade é realmente um princípio jurídico.